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Marcelo Mendez

COMEÇO DO SONHO; FINALMENTE A COPA DE 1982 COMEÇOU…

por Marcelo Mendez


14 de junho de 1982; Acordei tarde.

O rádio da minha mãe na cozinha tocava uma música do Roberto, via Rádio América, minha irmã brincava de boneca e eu levantei para tomar meu café.

Passando pela sala vi meu Pai aflito, fumando um cigarro atrás do outro e discando freneticamente o telefone. A todo instante, folheava o Jornal, depois voltava a ligar. Minha mãe dizia que ele estava tentando falar com nossos amigos jornalistas para saber da Argentina que segundo minha mãe, Dona Claudete, “parece que tão terminando um charivari de guerra lá…”

Vi na capa do Jornal que era a tal das Malvinas que eu tanto ouvia falar.

Eu sabia, mas não sabia de nada. Na minha cabeça de menino de 12 anos, não queria muita coisa com essas Guerras. Meu mundo naquele dia 14 não era esse e então peguei minha bola, meu álbum de figurinhas da Copa e corri para casa da minha Tia Leoni, no velho quintal da Avenida das Nações, no nosso Parque Novo Oratório, de uma Santo André ainda bucólica.

Cheguei e vi Tia Leoni fazendo empanadas e coxinhas de frango. Vi a mesa repleta de garrafas de Coca-Cola de um litro, cervejas Brahma Chopp, maços de Minister longo, vários sorrisos e muita expectativa. Meus primos terminavam de enfeitar a rua, a prima Marlene, tentando ficar alheia àquilo tudo, ouvia um disco do Joy Division e eu de coração acelerado:

A Copa do mundo ia começar! Brasil x URSS se enfrentariam! E por mais que parecessem séculos, as horas passaram e o jogo, enfim começou…

Não seja alienado companheiro!


Bola rolando. O time não estava bem. Nervosismo, ansiedade, o time mal em campo e aquela discussão interminável entre meu Pai e meu Tio Urzaiz enchendo nosso saco:

– Muito me admira Urzaiz, você aqui feito uma besta torcendo pra esse time aí. Você sabe o que isso representa, sabe o que significa. Mesmo assim fica aí se descabelando…

– Mauro vá à merda você, o Marx, o Trotski e a URSS! Deixa a gente ver o jogo…

– Alienado!

– Alienado é a put…

– EEEEEEEEE SILÊNCIO, OLHA O JOGO!! – clamávamos nós, os alienados todos, para podermos torcer em paz. Eles pararam, mas a URSS abriu o placar com um chutão de Bal e um frangaço de Valdir Peres.


Pânico! Não podia ser…

Depois disso, pouco falei. Observei meu pai falando em complô da Direita universal contra o regime comunista. Quando o árbitro não deu um pênalti para os soviéticos, vi minha Tia Cida colocar dentes de alho embaixo da mesa como simpatia, minha mãe bater cabeça para Xangô e toda sorte e reza do mundo para ajudar aquilo mudar.

Não sei se foi isso, mas o Brasil virou com dois chutaços de fora da área, um de Sócrates, outro de Éder. Final: 2×1 de virada, festa, pipoca para o alto, beijos, abraços efusivos, inclusive entre meu Tio Urzaiz e meu Pai, que na hora do gol do Éder, esqueceu o Marxismo, a Guerra das Malvinas, a paz mundial e a compostura:

Gritou como o mais feliz dos alienados.

Começava a Copa de 1982. Ali eu depositei todas as minhas esperanças e odes. Meu coração de menino vivia aquela Copa como se jamais fosse bater por outra.

Talvez não tenha batido…

A DESPEDIDA EM SÃO PAULO, A FESTA QUE NÃO HOUVE E VAIAR ZICO, JAMAIS!

por Marcelo Mendez

28 de Fevereiro de 1982, o Dia…

Era um daquele domingos clássicos.

O cheiro da manhã na Quebrada, uma mistura de orvalho, com os temperos da mãe que já preparava as coisas do almoço, misturado com a fritura das bancas de pastel e das máquinas de frango, o caminho pelo bairro até o campo do Nacional era algo lúdico pra Fellini filmar. Ali nos encontraríamos, mas não para jogar. A peleja seria outra e em outro lugar.

Era a final do campeonato de Santo André na categoria mirim e o Nacional do Parque Novo Oratório enfrentaria o time da Pirelli, no estádio do Jaçatuba. Uma novidade para nós, uma molecada que cresceu correndo no terrão ao lado do cemitério e que ali, jantou todo mundo.

Chegamos na final do campeonato, com 2 gols tomados e mais de 40 feitos em 8 jogos. Os antigos da várzea que frequentavam a beira do campo apelidaram nosso time de “A Máquina” e acho que era bem pertinente. A gente entrava em campo pra passar por cima mesmo! Chegando na sede, vi a rapaziada e o primeiro que falei foi o Pedrinho:

– E aí, Marcelo? Dormiu?

– Porra nenhuma. Não consegui fechar o olho. Tem que começar logo esse jogo!

– É, vai ser difícil, time deles é bom…

 Nessa hora, o Batata, nosso volante chegou na roda ao ouvir a prosa:

 – Bom é o caralho, Pedrinho. Time bom é o nosso! Vamo logo lá ganhar essa porra!

 – Bora!

 Pouco depois, a Kombi que nos levaria até o Estádio do Jaçatuba, em Santo André, encostou. Nela, fomos nós, os jogadores, mais o seu Cido, Esquerdinha e o Ditinho roupeiro. Atrás de nós uma fila de alguns carros dos nossos pais, amigos e torcedores vieram nos seguindo. Impossível não se empolgar com aquilo tudo. Não tinha como dar errado…

Zico de presente…


 Aos 42 do segundo tempo, o placar da final era Nacional 6×0 Pirelli.

 Foi um baile de bola!

Naquele dia fiz três gols, os três primeiros. Carlão, o centroavante, fez dois e o Lidú, ponta esquerda, fez o outro, driblando a defesa da Pirelli, o goleiro, o gandula e toda a Santo André. Um golaço!

Com o apito do árbitro, festa no gramado, os pais e torcedores entraram no campo e abraçaram a gente.  Meu Pai, junto meus tios Bida e Zé, entrou junto, me abraçou, me levantou e já foi anunciando:

 – Filho, tu arrebentou! De presente, vou te levar pra ver o Brasil, quarta-feira no Morumbi!

 Nessa hora, o mundo começou a rodar na minha cabeça!

 – Sério, Pai? Eu vou ver o Zico de perto? O Éder? Vou mesmo???

 – Vai, sim! E vai comer lanche de pernil também!!!

 – Ebaaaaaaaaa!!!

 Dois tempos de uma mesma festa

O caminho para o Morumbi já era por si só uma grande viagem.

Sair do Parque Novo Oratório, para chegar do outro lado da cidade em 1982, era uma grande aventura que eu amava ver se concretizar. As luzes de São Paulo, o carro do Carlinhos, deixado lá longe, a procissão a pé, do lado de milhares de torcedores, Gentes como eu, ávidos por espetáculo, por sonhos, pela seleção que já já disputaria a Copa.

O jogo seria contra a Tchecoslováquia. Eles não se classificaram para a Copa, mas era um bom time. Além disso, a noite era toda especial.

Dia 03 de março de 1982 era aniversário do Zico, completando 29 anos, o jogo seria uma homenagem a Jairzinho, que estava se despedindo do futebol e o clima no Morumbi era ótimo. Parecia que nada seria estragado. Mas daí, um jogo precisava ser jogado…

O primeiro tempo tinha sido protocolar. O time nosso, que uma semana depois enfrentaria a Alemanha no Maracanã, jogou apenas para o gasto. Os Tchecos pouco faziam e a partida começou a ficar chata. No segundo tempo, mesmo com o gol do Zico nada mudou e a torcida começou a vaiar o jogo sem dó.


A cada bola que Roberto Dinamite pegava, vinha o estrondo das arquibancadas; “Uuuuuuuuuuuuuuuhhh”. Eu, que via tudo isso, não conseguia acompanhar a rapaziada.

Não passava pela minha cabeça vaiar o Zico. Seria algo contra tudo que eu já acreditava aos 12 anos, um atentado contra meus sonhos, um ídolo ali, esculachado por mim. Jamais!

Me coloquei numa espécie de transe e parei de ver e ouvir as coisas a minha volta. Ali no campo, distante apenas alguns metros de mim, estava o maior ídolo da minha vida. O maior dos jogadores, o camisa 10 que eu queria ser. Zico correu, suou, se esforçou o que foi possível, mas não conseguiu impedir a má sorte do placar final em 1×1 e todas aquelas vaias no final do jogo.

Indo embora, estando num clima completamente diferente daquele que foi a chegada, eu estava bem, estava feliz e pensava que muitas outras emoções viriam pela frente. Já, já começaria a Copa do Mundo.

E eu descobriria que a Tchecoslováquia seria o menor dos problemas. Quem dera fosse o maior…

VITÓRIA NA ALEMANHA E A FESTA QUE PRECEDE O SILÊNCIO. O BRASIL SEGUIA FIRME ATÉ 1982…

por Marcelo Mendez

As minhas andanças de pijama até o quarto do Velho Gunther já era algo comum na rotina do Hospital Santo André.

Toda a hora que dava eu ia lá pra ver desenho, Globo Esporte e filmes de bang bang. Gunther, quando não resmungava de tudo, dormia e os dois grandões, Pedrão e Teodoro, viraram meus amigos e me falaram dele. Particularmente, porque ele ficava sempre sozinho naquele quarto enorme e chique.

O Velho Alemão não tinha uma boa relação com os filhos, com ninguém. Sempre cuidou dos seus negócios com mão de ferro e a vida que teve o fez se preocupar muito em ter as coisas todas, a ganhar tudo e de todos, se dedicou a isso e nunca teve muito para nada que não fosse o que por aí se chama de sucesso. Eles me contaram que a coisa piorou quando a mulher faleceu e agora a doença.

Gunther era um homem rico e solitário.

Como tal, tinha um pouco de medo quando alguém afrontava essa solidão. Foi o que aconteceu comigo, no começo, mas era o que não acontecia mais, desde o dia que bati na sua porta pra ver futebol

Liberado para receber afeto


Descobri no dia anterior que eu finalmente estava liberado para receber visitas.

A doença já estava saindo do meu corpo, a recuperação ótima e em breve eu teria alta para ir pra casa. Faltava pouco e agora ia poder ver as pessoas que pudessem me ver. No dia 18 de maio de 1981 eles poderiam vir me ver, mas isso tava me preocupando…

Naquele dia, o Brasil, que já havia vencido a Inglaterra por 1×0 e dado um baile de 3×1 na França, iria enfrentar a Alemanha, depois daquele 4×1 do mundialito, só que dessa vez na casa deles, em Stuttgart. O time alemão era forte e viria com tudo pra cima da gente. O jogo seria as 16h45 e o horário de visitas das 15h às 17h. Que coisa…

O Parque Novo Oratório é em todo lugar…

Às 15h em ponto, meu Pai, minha mãe e minha irmã entraram no quarto.

Depois de abraços, beijos, orações e glórias, me entregaram um pacote com bolacha, maçã, pêra. Eu estava liberado pra comer fora da dieta do hospital. Falamos um pouco quando meu pai falou da surpresa:

– Filho, eu vou lá embaixo buscar um pessoal que veio te ver!

– Quem, Pai?

– Você vai ver…

E enquanto eu falava com a mãe, eis que ouço um barulho, seguido de uma invasão no quarto:

– Aeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!!!!

Era o time do Nacional. Todos os jogadores do time fizeram questão de vir me ver. Seu Cido, nosso diretor, arrumou uma Kombi, botou todo mundo dentro e trouxe a molecada toda.

– Espera, sai de cima, vai quebrar a cama!

Todos eles fizeram montinho em mim, comemoraram e uma zona foi feita no corredor do terceiro andar do hospital. Os assuntos eram vários:

– Marcelo, tamo classificado pra semifinal do campeonato de Santo André. Sem você, tá jogando o Edu! – me informou Baianinho, o zagueiro.

– E tá muito bem, viu? Cê pode seguir aqui mais uns dias…

– Vai se fuder, Carlão!

Todo mundo riu. As gargalhadas foram interrompidas pela pergunta do Tocão:

– Puta merda, num vamo poder ver o jogo. É daqui a pouco!

– Hum… Pode deixar, vou dar um jeito. Venham comigo!

– Marcelo, pra onde você tá levando eles?

– Pode ficar tranquila, Mãe. É aqui perto…

A arquibancada possível…

Acompanhado de mais 12 moleques eu cheguei até o quarto do Seu Gunther:

– Seu Gunther, tudo bem?

– Mas que diabo é isso? Arrastão?

– Não, Seu Gunther. Esses são meus amigos, lá do nosso time, o Nacional do Parque Novo Oratório, aquele que eu falei pro senhor…

– Sim, mas o que você quer aqui com essa turma?

– Seguinte, hoje é o ultimo jogo da excursão da Europa e contra a Alemanha do senhor. Daí trouxe os amigos pra gente ver o jogo aqui!

– Mas de novo esse futebol?

– Ô Seu Chucrute… Libera logo essa TV aí, que já vai começar.

– Do que você me chamou??!

– Cala a boca, Luciano! Seu Gunther, a gente num vai embora. Deixa a gente ver, vai…

Resoluto, Gunther deixou. E mesmo que não quisesse, entrou na nossa pilha e o quarto virou uma festa. Ele mandou que Teodoro comprasse um monte de salgadinhos da lanchonete do hospital, refrigerantes e até uma pipoca arrumou. Quando a Alemanha fez 1×0 com Fischer, ele gritou gol e tudo.

Porém, quando Toninho Cerezo empatou, a gente fez montinho nele e no segundo gol, de Júnior, quase derrubamos o andar do Hospital.

Tiveram ainda os pênaltis que Valdir Peres defendeu e, no final de tudo, o jogo acabou, o horário de visitas estourou e quando foram se dar conta, no quarto particular de Gunther tinha nós, os moleques, meu pai, os seguranças do Velho, os Enfermeiros, o médico de plantão e o pessoal da faxina.

Uma festa!

O Brasil saía invicto da Europa e o Velho Gunther, depois de muito tempo, voltou a sorrir.


A dor que o silêncio traz…

Os dias se passaram.

Chegou a vez de eu ter minha alta e eu corri lá pro quarto dele para dar a notícia, mas ele não estava mais lá. Dona Dora, a enfermeira, estava arrumando as coisas e foi ela quem me contou.

Gunther havia morrido naquela madrugada. Ninguém de sua família subiu para vê-lo, nenhuma pessoa ali para lamentar nada. Parei por um tempo ali.

Olhei para a TV, lembrei das tardes que passamos juntos e fiquei triste o bastante para não querer mais olhar para nada daquele lugar. De volta pelo corredor do Hospital Santo André, chorei sem entender o porquê.

Naquele Maio de 1981, aprendi que a vida, o futebol e a Copa de 1982 eram bem legais, mas que também podiam fazer chorar.

Essa foi uma lição que eu não aprendi para 1982…

A PEQUENA COBAIA DE DEUS, O VELHO ALEMÃO E UMA PARTIDA EM WEMBLEY

por Marcelo Mendez

Era tudo branco.


Depois que minha cadeira de rodas adentrou o CTI, eu só via branco por todos os lados. A parede, o chão, o teto, as roupas, os médicos. Aliás, eu já não tinha mais as roupas. Quando cheguei em casa mal, minha mãe correu comigo e, então, dei entrada no hospital com a roupa do Nacional do Parque Novo Oratório.

Mas me tiraram ela.

No lugar da minha camisa 10, me deram um camisolão branco, que deixava minha bunda de fora, mas esse não era o maior dos problemas. Eu estava zonzo, não sentia as pernas, tomei uma anestesia pesada, mas não dormi.

Do transe que era estar ali, aliado com todos os medos que eu tinha de tudo que tava me acontecendo, o pior era ficar sozinho. Eu tinha 11 anos de idade e nunca tinha sido separado dos meus pais, da minha irmã, dos meus primos e amigos. Nenhum deles ali.

No lugar, uma cama, várias agulhas de soro, o irritante barulho do aparelho em coração de outro e toda a agrura de estar só. Minha doença era transmissível e então eu fui impedido de ter contato com as pessoas, de receber visitas, de ter alguém ali comigo. A incerteza foi a tônica por aqueles dias CTI.

Dores de cabeça, choros noturnos, medo; Passei por tudo naqueles dias absurdamente cumpridos. Eu não sabia quantos, descobri quando o médico veio falar comigo em uma manhã cinza de maio:

– Fala, Craque; Eu analisei seus exames, estou aqui te consultando e depois de seis dias, você melhorou bastante. Vou pedir para ligarem para sua casa, vou te dar alta daqui. Você vai para o quarto.

Era dia 8 de Maio de 1981. E nunca mais na vida, gostei tanto de um quarto como aquele que ele me mandaria…

O Quarto…

Os dias seguiam no Hospital Santo André.

No quarto onde eu estava tinha eu, Dionísio e Seu Nelson. Dionísio tinha 42 anos, era metalúrgico, trabalhava na Cofap e estava la por conta de uma cirurgia para retirada de pedra nos rins. Seu Nelson tinha 77 anos e cuidava de uma complicação cardíaca, um troço muito grave.

Por conta disso, do avançado da doença e da idade, ele quase não falava. Dionísio era com quem eu mais conversava. A convivência com ele me ajudava passar as horas, as visitas ainda não estavam totalmente liberadas, só podia ver meu pai e minha mãe, nem minha irmã podia me visitar. Então foi ele quem se tornou o meu maior parceiro.

– Sabe Dionísio, amanhã o Brasil joga lá na Europa!

– Ah é. Li hoje no jornal.

– Pô… Queria ver esse jogo, mas aqui, sem chance.

– É. Tv só nos quartos particulares e no nosso andar só tem o do Velho chato lá do final do corredor…

– Que Velho?”

– Ah, é um Velho lá, um Alemão, tal de Gunther. Mas Marcelo, vê lá o que você vai fazer. Você tem que ficar de repouso, seu Pai pediu pra eu ficar de olho em você. E o Velho la é um puto de chato!

– Tá, Dionísio, tá bom!

Fui dormir pensando nisso e no outro dia, já tinha tudo confabulado…

Gunther…


Como parte da minha recuperação, o médico me mandou dar uns passos pelo corredor do Hospital.

Segundo ele, 100 passos pela manhã. Eu já me sentia bem melhor e então sempre dava umas andadinhas a mais. E foi com essas andadinhas que eu cheguei até a área onde ficava o quarto particular do nosso andar. Me aproximei da porta.

Parados, dois caras grandões me olhavam curiosos. Um deles, falou comigo:

– Ei moleque, que você tá procurando aqui?

– Nada que cê possa me ajudar a achar.

O outro grandão riu dele. Ele voltou a falar:

– Moleque abusado. Sai daqui, isso é um quarto particular!

– Eu num tô no seu quarto. Tô no corredor e vou ficar aqui!

Nessa hora, ele ficou bem bravo e o outro já não ria. Eles vieram até minha direção, sei lá o que fariam, mas daí uma voz forte, grossa, grave, veio lá do quarto:

– Que está acontecendo aí fora?

Não deu tempo de respondê-lo e ele já estava na porta. Um homem branco, enorme! De barba branca, bengala, rosto meio avermelhado. Os dois correram acudi-lo e ele os empurrou e xingou. Contaram a ele o que tinha acontecido e ele ouvia como se eu não tivesse lá. Mandou que um fosse ao interfone chamar alguma enfermeira e depois falou comigo:

– Como é teu nome?

– Marcelo!

– Sim e o que você tá fazendo aqui, Marcelo?

Respondi de primeira:

– Eu vim porque me falaram que no quarto do Senhor tem uma TV. E eu queria ver o jogo do Brasil, o senhor deixa?

– Jogo… Eu não tenho nada com isso de jogo. Vai pra seu lugar, a enfermeira ta chegando!

– O Senhor não gosta porque seu time é uma baba. A Alemanha tomou um baile da gente. Deveria assistir pra o senhor ver como jogo bola..

– Do que você tá falando, moleque? Eu não gosto de bola, de nada, vai embora.

– Eu vou. Mas o senhor é muito triste. Deve ser ruim ser assim.” – Falei e fui embora frustrado, encontrando com a enfermeira que chegou no corredor. Nessa hora ele chamou:

– Ei. Que horas é esse jogo?

– À tarde, Três da tarde!

– Hum. Ta bom. Pode vir aqui, ver” 

– Sério??

– Sim, pode…

Nessa hora, depois de 15 dias, eu corri uns 10 metros pelo corredor e pulei para abraçar o Velho Gunther. Os dois grandões que la estavam, seguraram a gente, visto que Seu Gunther andava fraco.

Descobri então que eles eram seguranças de Gunther, que o Velho Alemão era empresário, tinha uma fábrica de molas em São Bernardo, que estava ali cuidando de um câncer. Cheguei no quarto, contei pra Dionísio e ele me deu uma dura. Fui na sacola das minhas roupas e peguei a camisa do Brasil que a prima Lourdes me deu.

Às 15 horas fui para o quarto de Gunther para assistir o Brasil vencer a Inglaterra por 1×0 gol de Zico. Na verdade, outras coisas foram mais legais naquela tarde, outras histórias.

Foi a hora de conhecer Velho Gunther. E através desse fato, saber de muitas outras coisas da vida…

NO MEIO DO CAMINHO RUMO À EXCURSÃO PARA A EUROPA, UMA TAL ENCEFALITE

por Marcelo Mendez


As eliminatórias de 1981 haviam acontecido sem maiores sobressaltos.

Em um grupo com Venezuela e Bolívia, o Brasil passou vencendo todo mundo na ida e na volta, com direito a goleada de 5×0 nos Venezuelanos. Em 1981, isso era uma obrigação e como sempre, achávamos que poderia ter sido mais.

Na nossa vida, a novidade era o Nacional do Parque Novo Oratório.

Com o Esquerdinha à frente da coisa toda, a gente formou um baita time de bola; Pena, Leitão, Baianinho, Camarão e Rubinho na zaga. No meio tinha Batata, Pedrinho e Eu. O ataque, nosso poderoso ataque, tinha Regê, Carlão e Lidú.

Treinando aos sábados de manhã, para jogar no domingo, antes do time principal, a gente foi se conhecendo, se entendendo e então, mais uma turma surgia na minha vida. Com os caras do Nacional, comecei a jogar futebol de campo e o nosso time tinha estreado no campeonato da categoria mirim em Santo André.

Nos três primeiros jogos, goleamos geral. Santo Alberto, Vila Alice e time do Clube de Campo de Santo André, metemos gol a dar com pau. O barato no Parque Novo Oratório, começou a ser, acordar cedo, para ver o mirim do Nacional jogar.

E com a beira do campo lotada, a gente voava. Depois do jogo, sempre tinha a nossa resenha, movida a tubaína de garrafa e um lanchão de mortadela.

O assunto era sempre a Seleção que jogaria a Copa de 1982:

– Rapaz, agora vai ter a excursão para Europa, ceis viram? – perguntou o Baianinho, zagueiro firme, ligeiro:

– Sim. Vai ser foda, hein? Vamos pegar Inglaterra, França e Alemanha…

– Ah se liga, Pedrinho. Time tá bom, passou voando pelas eliminatórias.

– Eliminatória o que, Batata? Jogou contra quem? Agora a parada é outra! – alertou o Rubinho

– Ô Marcelo… Cê tá quieto por quê? Fala pra Caralho e nem no jogo reclamou! Que foi? Tá doente? – me perguntou o Batata.

– Não sei, tô meio estranho. Acho que vou pra casa. Falou aí…

– Num vai nem comer o lanche?

– Não, pode comer, Camarão. To indo embora!

Na hora, O Carlão e o Pedrinho, amigos da Rua Tanger, vieram comigo. Eu não conseguia entender o que eu tinha, minha cabeça doía muito, o corpo começava a doer, tinha um pouco de enjôo e quase que Carlão teve que me carregar. Cheguei em casa e encontrei minha mãe preparando os salgados que venderíamos de tarde. Quando me viu, arregalou o olho e falou:

– Você ta branco! Que aconteceu com ele, Carlos?

– Não sei, Dona Claudete. A gente jogou, ele tava bom, depois começou ficar estranho. Eu e o Pedrinho trouxemos ele!

Na hora, minha mãe correu até a casa da Angélica. Em 1981, na Rua Tanger toda, o único telefone que tinha era o dela. Ligou pra o lugar onde meu pai estava fazendo uns trabalhos temporários, avisou a ele que me levaria para o Hospital, recomendou que por lá ele nos encontrasse.

Pouco depois, chegou o carro do vizinho, o Tecí, uma Brasilia nova, que nos levou até o Hospital Santo André, na Avenida Dom Pedro, centro de Santo André. Quando chegamos, meu corpo todo mole, minha mãe preocupada, Teci me levou no colo até o PS quando eu já estava em vias de apagar. O clinico de plantão, me recebeu, me medicou e recomendou internação imediata.

O diagnóstico chegou alguns minutos depois:

– Encefalite!

Eu não sabia o que era Encefalite, mas a julgar pelos rostos ali a me olhar, deduzi que devia ser algo muito ruim.

Tomei uma injeção com uma agulha enorme no meio das costas, depois tomei uns comprimidos que me deram e, em breve, as dores foram diminuindo. A situação toda parecia preocupante, mudaria minha vida e eu não saberia o que viria pela frente.

Mas ali, quando meu pai chegou para nos encontrar, perguntei a ele a única coisa que me interessava ali:

– Pai, como eu vou ver os jogos do Brasil?

Com uma cara muito preocupada e aflita, meu Pai não soube me responder. Depois disso, fui levado de cadeira de rodas para CTI do Hospital e nem meu pai, nem minha mãe puderam ir comigo.

Passada aquela porta, entrando naquele lugar irritantemente branco, comecei a primeira grande luta da minha vida, mas não sabia disso.

Naquele momento, eu só queria saber como faria para ver os jogos do Brasil, na Europa…