por Marcelo Mendez
A manhã de 03 de setembro de 1986 não existiu.
Ela tanto poderia ser a madrugada do dia 02, ou a noite do dia 01, ou qualquer dia que possa haver no mundo dos sonhos, ou dos que anseiam por ter um sonho.
As horas não faziam mais o menor sentido, eu simplesmente não dormi nesses dias todos. A minha cabeça estava toda voltada para o que aconteceria naquela quarta-feira a noite no Morumbi.
O Palmeiras entraria em campo para enfrentar a Inter de Limeira na decisão do titulo do Campeonato Paulista daquele ano.
E os dias eram incrivelmente longos.
Minuto a minuto de tardes densas, muito quentes, outras, nordicamente geladas; E cada giro do ponteiro do relógio tinha o peso de um frame do Jaques Rivet. Era exasperador imaginar que toda aquela imensidão de espaço precisava ser preenchida. Não sei.
Como criar, como ordenar cada viagem que a cabeça fazia naquela imensidão de segundos intermináveis? Era uma angústia tamanha, que pouco me lembro da hora que o Pai chegou do trabalho. Mal deixei ele tomar banho, não quis esperar em casa pelo Tio Bida vir nos buscar, enchi o saco do Pai e fiz ele descer comigo até a casa de meu Tio, uns 10 minutos de casa.
Dalí embarcamos para o Morumbi. Abri o vidro do banco de trás do carro, deixei o vento soprar na minha cara. No toca fitas, o Tio colocou um cassete de um disco que ele amava incomensuravelmente. Era o “Roberto Carlos 1972” e a música que ele ouvia era “Agora eu Sei”, um puta dum funkão, movido a uma bandaça que entre outros, tinha o órgão envenenado do Lafayette na introdução da coisa. Meu pai, pra variar, reclamou:
– Ô Bida, não da pra por outra coisa aí pra ouvir?
– Ué; Por que, Mauro?
– Ah por favor, né? Estamos em 1986, o cometa já passou, e você não larga essas cafonices!
Eu pouco me importava com eles.
Quando chegamos no Morumbi, quase que fui correndo até o estádio. Me seguraram e pediram pra esperar eu guardar o carro. Depois rumamos para nosso lugar. A Velha numerada inferior do Morumbi. Sentando ali naquela noite, eu queria tudo, ma me contentaria com pouco. Queria apenas ver o Palmeiras ser campeão. Isso não deveria ser algo tão raro na vida de um menino de 16 anos.
Mas…
Roberto Carlos estava certo.
O jogo era duro e hipnótico até os 09 minutos do segundo tempo.
Éder, Mirandinha, Edmar, Jorginho, todos os nossos já haviam perdido chances na primeira etapa. O Palmeiras, diante de nós, 105 vozes a berrar pelas tribunas, foi melhor. Mas tudo mudaria radicalmente, quando Kita de costas, dominou uma bola e virou em cima do zagueiro Márcio. Na virada, apesar de caído, pegou bem na bola e estufou as redes de Martorelli.
A incrível Inter de Limeira abria o placar.
E surpreendentemente, após outra infelicidade de Denys, o Palmeiras sofre o segundo gol marcado por Tato.
Inacreditável! Ali diante de nossas fuças, o time do Interior metia 2×0 na gente e dava um baile de bola no Estádio do Morumbi.
Amarildo, nosso zagueiro, diminuiu o marcador que não mais se mudou, que ninguém queria saber, que era só a tristeza. Com o apito final de Dulcídio Wanderley Boschillia, pouca coisa eu vi, pouca coisa eu quis ver. Sentei na numerada e simplesmente não conseguia sair do lugar. Não tinha forças, não tinha vontade, não tinha nada.
Era só vencer a Inter de Limeira em dois jogos, era só fazer o que todo mundo esperava que seria feito. Mas só uma triste repetição do que vinha acontecendo nos últimos 10 anos. Sim, 10 anos. Em 1986 completamos 10 anos sem títulos e isso parecia que não ia mudar. Não sei.
Sentado naquele lugar, vi toda a torcida do Palmeiras ir embora e o Morumbi esvaziar. Na arquibancada um pequeno punhado de torcedores da Inter fazia a festa. Pensei, “Como pode”? Até a Inter de Limeira, era campeã e nós, não.
Silêncio.
Na volta para o ABC, a única coisa que podíamos ouvir era o silêncio. Éramos três corações calados, em busca de algo que alivia-se um pouco do que a razão nos esfregou na cara. O Palmeiras perdeu de novo. Talvez na esperança de mudar as coisas, o Tio colou a fita pra tocar de novo e então, o Roberto nos falou:
“Mas agora eu sei, o que aconteceu,
quem sabe menos das coisas
sabe muito mais que eu”
O longo inverno de 1976 ainda perdurava E o Roberto Carlos estava certÍssímo.