Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Marcelo Mendez

UM MENINO E UMA VIDA DE 107 ANOS

por Marcelo Mendez


Na minha vida de menino, teve uma vez que saí do Morumbi triste depois de uma partida insólita em que o Palmeiras não venceu a Inter de Limeira. Chorei, mas não tive dúvida:

Eu sou Palmeirense. Sempre com P maiúsculo.

Sou porque foi na miséria ludopédica plena que esse amor se consolidou. Amor de Trapo e Farrapo, minha bandeira de guerra, meu pé de briga na terra, meu direito de ser gente, como cantou Paulo Vanzolini. O Palmeiras é isso na minha vida:

“Meu direito de ser gente”.

Pelo Palmeiras eu vivi tudo; eu ri, chorei, xinguei, amei, odiei… Vivi a plenitude da existência e entendi que isso faz parte não só do esporte, mas da vida. Por isso, mais do que qualquer outro vivente do mundo, eu sei o gosto bom de ser Palmeirense.

Sei pelo paradoxo disso tudo, do contrário que pode acontecer, ou seja; sei por que não preciso de nada… de mais nada além da paixão, para me sentir feliz pelo meu verde.

Sei, porque o Palmeiras é muito mais do que um clube de futebol para mim.

Sei por entender há muito tempo que o Palmeiras é um pouco de tudo que há no futebol e na vida. O Palmeiras é um drama, como na Cavaleria Rusticana, o Palmeiras é um sonho como num filme de Akira Kurosawa, o Palmeiras é uma tragédia como Carmen de Bizet, o Palmeiras é lindo como a Nona Sinfonia de Beethoven, como a peça Jesus Alegria Dos Homens de Bach, é triste como o fim do primeiro namoro. É pleno como a fúria de uma paixão.


Hoje, no dia do aniversário do Palmeiras, com tudo que vem acontecendo nesse ano, fiquei a pensar nisso tudo que vivemos, nessa nossa relação, na coisa de não ser mais menino, mas aí cheguei à conclusão de que não, nunca vai rolar de eu deixar de ver o Palmeiras com os olhos de menino. É impossível.

Nada na vida do homem de seus 49 anos, escritor, jornalista, fã do Lou Reed, do Truffaut e do João do Vale, estará dissociado do menino Palmeirense dos anos 70. Tudo que faço, tudo que sinto, tudo que eu sou, vem do menino. O jeito latino, a malandragem do bem, o gosto pela poesia, a incessante disposição na busca por encanto, o Palmeiras…

Tudo é o menino.

Tudo é festa. Afinal são 107 anos. No teu aniversário Palmeiras, mais do que parabéns eu te agradeço por tudo que vivemos juntos, por tudo que vamos seguir vivendo.

Muito obrigado por cada um dos seus 107 anos, Palmeiras!

Palmeiras…

PRA QUE COPA AMÉRICA?

por Marcelo Mendez e Paulo Escobar


Canto Torto 1

A América do Sul nunca foi longe demais pra mim.

Os amigos do Pai, os livros, as músicas e nossa puta vida de sofrimentos mútuos. Mas desde sempre, Sudaca. No futebol tambem foi assim.

A minha mais tenra lembrança de nossos embates vai para 1979. O Brasil foi a Assunção pra enfrentar o Paraguai naquela que ficou conhecida como “A Batalha do Chaco”. O Paraguai, liderado por Romerito, Nuñes, Cabañas enfrentaria nosso time precisando vencer pra seguir na Copa América. 

Outros tempos.

Ligado na tv, naqueles tempos, em transmissões internacionais, antes dos times, a gente torcia para o sinal de tv. Fazer uma transmissão do Paraguai para o Brasil era uma aventura. Às vezes o sinal vinha, às vezes chegava atrasado, às vezes não vinha! Naquela noite, em preto e branco, veio. O ótimo time Paraguaio nos venceu por 2×1. Eu tinha 9 anos.

Vendo a festa do povo Paraguaio não fiquei triste. Vi muito. Poderia falar de dezenas de confrontos épicos dessa competição que sempre foi ignorada por aqui. Poderia falar de Mar del Plata 1987 na noite que o Chile de Letellier, Basay e Pato Yanez nos meteu um 4×0. Ou da amassada que o Brasil deu na Argentina em 1989 com Maradona e tudo. Mas não…

O assunto agora é outro, porque tem que ser outro. Porque somos a América do Sul e aqui, as coisas da nossa puta vida se dão dessa forma, donde a normatividade muitas vezes não explica as coisas. Ou talvez eu não saiba explicar, não sei. Dessa parte em diante vem a outra ponta da Sul América pra falar pra vocês. Para cantar a PaloSeco, o canto torto do velho poeta que por aqui passou, então fiquem atentos: 

O canto torto pode cortar a carne de voces…

Canto Torto 2

Como dizia Eduardo Galeano, que talvez sempre escreveu tão bem quem somos como latinos, que o europeu nos olha e não consegue nos entender. Por conta de nossa diversidade, pluralidade, intensidade e como sabemos nos levantar e sobreviver a tanta desgraça que nos assola.

O futebol não pode ser desligado do meio que o cerca, não pode ser indiferente, ou alheio ao que acontece. Essa bolha que muitos jogadores vivem ou essa amnésia que sofrem muitos depois de saírem dos meios onde cresceram, não pode ser parte do cotidiano do esporte.

O país beira as 500 mil mortes, sim o meio milhão de pessoas que morreram vitimas da covid no último ano e meio quase. O futebol não é serviço essencial e mesmo assim a bola não parou.

E uma Copa América não é necessária, não é importante, e não pode ser um espetáculo que busca acobertar o genocídio patrocinado pelo presidente. Mas é isso que vemos de novo, o futebol a serviço do acobertamento político, não é fato novo na América Latina, vide o serviço prestado pelo futebol em ditaduras.

A seleção brasileira perdeu a chance histórica de se colocar do lado do seu povo, de tomar posição diante das mortes e misérias que vivemos. E não é somente o assediador do presidente da CBF o problema, mas a estrutura política e do futebol como um todo.

Jogadores perderam mais uma vez a oportunidade de saírem da alienação, e talvez com sua posição colocar em xeque a estrutura do futebol brasileiro. Mas não podíamos esperar algo diferente, de pessoas que acham que futebol e política não se misturam, sendo que a posição indiferente e de covardia que tiveram foi política também.

A Copa América que foi já tão esperada por nós em tempos anteriores, hoje é motivo de desgosto, não deveria de ter acontecido, não há necessidade dela neste momento. O futebol não pode desfilar encima dos corpos daqueles que se foram, e não pode achar que está acima da sociedade e suas questões. 

Quantos corpos ainda terão que ser enterrados para que alguns se indignem ou se revoltem com a situação? Quantos ainda veremos partir para que estes jogadores pensem e sejam mais humanos e menos produtos? Como querem a simpatia de um povo que não representam? 

Esta Copa América será lembrada por ter sido jogada em um país onde as 500 mil mortes estarão sendo uma realidade enquanto a bola rola, sem vacinas para todos, sem um auxílio digno, e onde os jogadores serão os palhaços do circo político montado por um presidente que despreza a vida.

N’GOLO KANTÉ CONTRA OS BOLEIROS DE PLÁSTICO

por Marcelo Mendez


Sou de um tempo que o Brasil produzia jogadores de futebol.

Eu bem sei da mudança dos tempos, das benesses, ônus e bônus disso, entendo como necessária essas mudanças de ventos, mas no caso que trato aqui, preciso afirmar que, sou de um tempo que o Brasil produzia jogadores de futebol.

Nesses tempos de agora, porém, não sei o que se produz.

O Brasil não quis mais o futebol de suas periferias. Os campos de terra da várzea, as crias dos arrabaldes, as idiossincrasias de um esporte que se fez Brasileiro em sua essência, tudo isso foi sumariamente excluído para dar vez a coisas bem estranhas.

High School Training, Campus Party, Escolinhas de futebol tocadas por coaching’s (?!) e mais outras pataquadas mudaram completamente a formação do jogador de futebol no Brasil.

Nesse contexto jamais se acharia um jogador como N’Golo Kanté.

O camisa 7 do Chelsea, Campeão do Mundo pela França, Campeão da Premier pelo Leicester, dono da final da Champions desse 2021 pelo Chelsea não é um jogador desse tempo. Ele não usa chuteira de 8 cores. Não enche o saco do árbitro, não fica falando besteira no Twitter, está pouco se importando em ter milhões de seguidores no Instagram porque não trata o público como peça de mercado.

Kanté é real.

Num universo empesteado por canais de besteragens, campeonatos de chutar bola na trave, resenhas furadas e forçadas, negociatas que tornam o jogo em si o último plano, Kanté ousa ser de verdade.

De verdade, contra o Bolerismo babaca, Kanté acabou com o jogo na final da Champions. Que bom que ele existe.

Tenho certeza absoluta que jamais o verei tentando acertar um chute num balde…

DE CHICO BUARQUE PARA ABEL FERREIRA, DEMASIADOS HUMANOS

por Marcelo Mendez


“Foi bonita a festa, pá

Fiquei contente

E inda guardo, renitente

Um velho cravo para mim”

Enquanto o Brasil vivia sufocado por uma ditadura militar em 1975, Portugal fazia a sua Revolução dos Cravos e esta emocionou profundamente Chico Buarque. Disso nasceu a música “Tanto Mar” cujo verso está citado acima. Pois…

A música fala de ausência, da vontade de se estar em uma festa que para os Brasileiros daquele momento de 1975 era inimaginável. No futebol sábado, a música de Chico Buarque volta a ser protagonista a partir do momento que Abel Ferreira senta para dar uma entrevista histórica na coletiva de imprensa do título do Palmeiras na Libertadores de América:

– Quando eu cheguei, passei a viver na Academia, era a minha família. É verdade que sou melhor treinador e muito mais valorizado, mas sou o pior pai, sou o pior filho, sou o pior tio, sou o pior marido. Deixei minha família lá. Conquistei muito aqui, mas vocês não sabem a quantidade de vezes que, ao deitar no meu travesseiro, eu chorei sozinho de saudades.

O futebol é uma máquina de moer reputações, trajetórias, histórias e lembranças. O título que é épico hoje, não serve para reconfortar o ávido e mal acostumado torcedor que tem uma sanha voraz por títulos e conquistas amanhã. É compreensível sim, eu sei, afinal de contas torcemos para isso, para que nosso clube vença sempre, porém, todavia, se o futebol é o esporte que mais se aproxima da vida real, sabemos com isso que na vida não vencemos todas. Ao contrário; Perdemos muito mais do que ganhamos e nosso discernimento nos ensina a lidar e aprender com essas derrotas. E no futebol, agora temos um técnico português que ousa nos ensinar isso.

Abel Ferreira é o tipo de gente que não tem vergonha em se abrir em sentimentos, que expõe a melhor e maior faceta humana que rege o futebol. É o tipo de técnico que após uma derrota retumbante para o River Plate, vai a público e diz “Marcelo Galhardo é um técnico melhor do que eu. Hoje foi isso e eu vou aprender a partir disso que aconteceu.” Ele é um técnico que faz questão de lembrar o trabalho de Vanderlei Luxemburgo na formação dessa equipe que acaba de conquistar a América, dando ao maior treinador da história do Palmeiras, um valor que os Verdes esquecem de dar.

Abel Ferreira é Humano. Demasiado, humano.

Ele é o Homem que em três meses mudou o jeito do Palmeiras pensar futebol, que ganhou os corações dos exigentes torcedores Palmeirenses, que mostra desempenho em cima de falácia, que trabalha incessantemente para dar ao Clube o maior título de sua história, mas não faz tudo isso de maneira mecânica. Abel explode o coração.

– Vocês viram no final, eu não chorei pouco, eu chorei muito, e saí do campo pra ninguém ver o quanto eu estava chorando. É muito difícil, eu sou uma pessoa de família, adoro as minhas filhas e a minha esposa, e atravessei o Atlântico por acreditar numa coisa antes dela acontecer. Contra todas as previsões eu vou descobrir, vou me desafiar, vou para um clube que tenho a certeza que pode me proporcionar títulos. Sou melhor treinador? Sou. Sou muito melhor treinador do que era há três meses. Mas, como disse, sou pior filho, pior pai, pior marido, pior irmão, pior tio. Infelizmente, há sempre algo que temos que sacrificar em prol da nossa profissão.

Abel Ferreira molhou sua faixa de campeão da América com as lágrimas que fazem falta pro futebol. Que tornam tudo isso mais humano e que precisa ser sempre lembrado por nós que trabalhamos com essa coisa alucinada que é o futebol. Eu te daria um abraço, professor. Chico Buarque te diria que “Sei que há léguas a nos separar/Tanto mar, tanto mar/Sei também quanto é preciso, pá/Navegar, navegar “. Então segue navegando, professor.

O mundial que o Palmeiras tem pela frente é outra história, outra realidade e isso será tratado na hora adequada. Por aqui fica o recado de Chico, mandado por esse cronista, para Abel Ferreira:

“Lá faz primavera pá

Cá estou doente

Manda urgentemente algum cheirinho

De alecrim”

Que esse aroma de alecrim o aproxime dos corações que lhe estão para além-mar, Professor Abel. Fica bem.

O INTERNACIONAL, SEGUNDO O SORRISO DE JOSIE

por Marcelo Mendez


“Que saudade da Redenção

Do Fogaça e do Falcão

Cobertor de orelha pro frio

E a galera do Beira-Rio”

Ontem teve Grenal e eu lembrei da Josie.

Eu a conheci numa tarde de verão na Avenida Paulista, em que ela me encontrou com um vestido de flores, com os óculos da Audrey Hepburn e um sorriso no rosto que dobrou o sol daquele dia. A partir de então, deixou de ser um dia qualquer. Eu estava conhecendo uma amiga.

Ela queria meu livro de crônicas, marcamos ali num café pra eu entregá-lo a ela e então conversamos. Josie me falou do seu Rio Grande do Sul, de Porto Alegre e do Internacional, dela e do seu Pai. Contou-me que ele esteve doente e que durante a sua recuperação, o Internacional era o que os aproximava, foi o que ajudou o Pai se recuperar. Me emocionou.

Desde então, com a devida licença que peço aos milhões de Colorados, afirmo que quando penso no Internacional, penso no sorriso da Josie dobrando o sol da Avenida Paulista.

E o que foi o Internacional no Grenal de ontem, senão a emoção que rege os corações da Josie e do Pai dela? Não foi uma partida de exuberância técnica, o time não tem obrigação de tê-la, pelo contrário; A partir do instante que detectou sua limitação nessa seara, passou a se aplicar em outros fatores que ajudaram nessa arrancada de oito vitórias seguidas. Também não tem maiores aventuras táticas, outras modernidades do “New Football” que querem empurrar goela abaixo de geral, não:

O time de Abel Braga não pensa muito nisso, porque o entendimento de Abel Braga para o Futebol é outro, livre dessas coisas todas, que busca por outras soluções para o segundo tempo do jogo de ontem quando o Grêmio abriu o placar e ameaçou ser melhor que o Colorado. Abel vai no coração.

Seu time é montado de maneira comum, contando com o motorzinho Edenilson, com a boa fase de Patrick, com dois laterais que o senso comum entendeu que não serviam para Flamengo, caso de Rodinei e Moisés, dispensado do Corinthians. Pode parecer pouca coisa, mas é o básico que se equivale na hora que entra a forma como Abel Braga vê as coisas do futebol e do mundo.

Paizão da bola, sujeito digno, honrado e correto, falando a real na cara de seus jogadores, Abelão ganhou seu grupo e tem dos seus jogadores tudo o que eles podem lhes dar. É comovente ver a entrega desses caras na luta pra dar ao Inter uma alegria que não vem desde 1979, desde quando aquele timaço de Falcão e companhia inspirou esse verso da música “Deu Pra Ti” de Kleiton e Kledir, que abre essa crônica e que diz muito do que está acontecendo no Beira Rio.

Diz muito da Josie.

Minha amiga Gaúcha ontem ligou para o Pai dela depois do jogo. Ela em São Paulo, ele em Porto Alegre; Ambos riram, se emocionaram, prometeram que, assim que a pandemia passar, vão se ver, se abraçar, comemorar o título que a Josie acha que dessa vez não vai escapar. A prudência da profissão talvez me fizesse dizer que muita coisa pode acontecer no Brasileirão de 2020, que precisa ter cuidado e tudo mais, mas nesse caso, não vai ser possível. Eu não quero contrariar o coração em estado de graça da Josie.

Boa sorte ao Internacional na sua arrancada e que o melhor aconteça ao Colorado na sua saga pelo Título do Brasileirão e se ele vier não ficarei triste de maneira alguma, porque sei que a Josie vai comemorar com seu Pai e vai abrir o seu sorriso.

E o sorriso da Josie quando o Internacional vence é mais bonito que o pôr do sol na beira do Guaíba.