por Zé Roberto Padilha
A Bienal do Livro significa, para todo autor pouco conhecido, o mesmo que a Taça São Paulo para jogadores desconhecidos: uma enorme vitrine para mostrar o seu trabalho. E em 2013, ela abriu um espaço para mim. Pela primeira vez em suas edições um clube de futebol, o Fluminense FC, montaria um estande. E como sou seu jogador que escreve livros, recebi o convite. Com quatro livros publicados, até então, descobri, decepcionado, que não tinha um só exemplar em minha casa. Faltavam três semanas para a Bienal e tratei de correr a reunir textos. E correr atrás de patrocínio.
A Copa do Mundo de 2014 estava se aproximando e saiu do forno “Arquibaldo, o Saudosista”, aquele que era do tempo em que a FIFA não mandava nos estádios da gente. Pela programação, a abertura seria na quinta feira, e mesmo fazendo plantão na Gráfica Boa União, da minha cidade, só consegui retirá-lo do forno às 15h00 da sexta feira. Entre busca de patrocínios, revisões, capa, formatação, fotos e licença junto ao jornalista Washington Rodrigues para dar vida a um personagem seu, não foram semanas de Paulo Coelho. Que apenas experimenta o terno e manda aparar o cavanhaque. Quando recebi as quatro caixas, coloquei no carro e parti para o Rio de Janeiro, estava uma pilha porque perdera justamente a festa de abertura.
Após enfrentar aquele engarrafamento na chegado do Rio, consegui estacionar no Riocentro às 18h00. E bem longe da entrada. E sai carregando uma caixa nos braços até a entrada em busca de um crachá. Quando o afixei, e perguntei pelo estande tricolor, me disseram que era no setor amarelo. O penúltimo naquela imensidão de editoras. E de livros. Após uma longa travessia, pedi desculpas à organização, deixei a caixa e voltei para buscar as outras três. Já duvidava ali se conseguiria. Ao retornar pela portaria, notei uns carrinhos de criança para alugar, e perguntei se era permitido carregar crianças-livro. Ao concordarem, coloquei duas caixas em cima e fui atravessando multidões, e alguns curiosos ainda paravam para ver se havia crianças nas caixas. Como eram duas, deveriam pensar que eram gêmeos pequeninos.
Livros entregues, carrinho devolvido, faltava ainda buscar a ultima caixa. Quando retornava e me aproximava da entrada, já não tinha nem pernas nem equilíbrio emocional. E pensava: o que é que estou fazendo aqui? Ninguém, absolutamente ninguém, foi capaz de entender minha luta para colocar aqueles livros ali. Sonhos de escritor são de uma solidão só. “-Vá vender hambúrgueres! Já me dizia um tio.” “Escrever livros? E de futebol que só tem leitores…? Esta ouvi de vários amigos.” E as despesas? Minha sábia esposa, vivendo realidades em meio a meus devaneios, sempre disse: “Você nem precisa dar mais lucro, mas já passou da idade de dar prejuízo”. Quando fiz a conta, a gasolina, o pedágio, o estacionamento,….daí me veio, ao me reaproximar da entrada, uma imensa vontade de sentar no meio fio e chorar em meio aquela confusão. Nelson Rodrigues, tricolor como eu, que estava com seus livros expostos por lá também, já havia escrito que era uma honrosa solução. Era o que me restava com aquela ultima caixa na mão, que parecia pesar 100 quilos, quando avistei a família do goleiro Félix, meu companheiro das Laranjeiras, ,recém falecido, saindo da Bienal.
Corri em direção da sua mulher e filhas e desabei. Quase em uma convulsão. Nunca chorei tanto em minha vida. Gostava dele, do Papel, seu apelido, mas, confesso, pegava ali uma carona na dor da perda e juntei a conta das minhas perdas e despesas. Lembram-se? Não havia vendido um só livro para amenizar e justificar minha presença por lá.
Quem passou naquele momento, pensou diante da cena, e as filhas imaginaram ante tamanho soluços: “Este gostava mesmo do meu pai!”. Me perdoe, Papel, o Gato Félix, por ter chorado um dia, embaralhado sentimentos, por nós dois. Você, tricampeão mundial, goleiro da nossa Máquina Tricolor, deve entender, com a visão aí de cima, o que é defender um sonho. Como se não bastasse ter defendido tantos sonhos de um ponta esquerda, se postara ali, através da sua família, a impedir que sucumbisse perante meus sonhos de escritor de esquerda. De verdade? Tenho saudades de você, das suas defesas, do cara bacana que foi e será sempre nas lembranças dos livros sofridos de um jogador que tanto lutou para ser um escritor.
• Esta crônica está no livro “Crônicas de um fracasso anunciado”, 2014, publicado logo após “Arquibaldo, o saudosista!”, de 2013. Oito livros depois feitos à mão, carregados em carrinhos, desde 1988, até que o Museu do Futebol, em São Paulo, resolveu conhecer esta história. De um ex-jogador de futebol insistente, que se formou jornalista e que mais livro publicou. Será neste sábado, dia 13/04, das 09h30 às 12h30, anexo ao Estádio do Pacaembú, na 109ª edição do MEMOFUT. Espero vocês porque a Luta não apenas vale a pena, como continua.