por Leo Russo
Mais um dia de quarentena, mal entrei no banheiro e dei de cara com o espelho. Encarei, dei um sorriso falso, falei “Qualé, compadre?” e cansei da óbvia reciprocidade. Tentei intimidá-lo. Olhei uma ruga aqui, outra acolá, e viajei nas lembranças. Vi um menino que jogava bola na praça, subia em pé de carambola, comia caqui e repetia, corria suado e ofegante cantando o hino do time do coração nessas festas infantis nas quais os recreadores tocam as músicas, ia pra escola, recreio simmm, prova nãoooo, se comporta Leonardooo, não fala palavrão. Depois esse menino cresceu, vieram os verdadeiros sonhos, um cavaquinho, as paixões platônicas, aquele frio na barriga…depois as festinhas, prova um drinque aqui, outro acolá, aquela me olhou, beijo bom, bebe mais uma…Depois as responsabilidades, a profissão, show aqui, outro acolá, mais uma música, gravação, viagens, programa de TV, rádio, gravação de novo, alô produção…
Saí do banheiro, entrei no quarto e deitei na cama. Sem pé de carambola, sem recreio, sem os amigos no bar, sem festas, sem futebol, sem samba, sem as viagens, sem shows. Levantei do colchão. Vou voltar pro espelho.