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Legião Urbana

OS BONS MORREM JOVENS

por Marcos Vinicius Cabral

Considerada uma das mais produtivas e conceituadas bandas do cenário nacional dos anos 80 a Legião Urbana não gostava de palcos.

Era raro ver Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá em programas de TV, cantando seus sucessos.

Mas naquele 10 de maio de 1994, o Programa Livre recebeu o trio brasiliense – embora Renato Russo seja da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de Janeiro – para divulgação do novo disco O Descobrimento do Brasil.

“Na verdade essa música foi feita para todas as pessoas que vão embora cedo demais e nós vamos nesse momento dar um toque especial, pois a gente acha – que não é porque a pessoa morreu que acabou, né? – o Ayrton Senna, um cara super legal e todas as coisas da vida… e essa se chama Love In The Afternoon e é do novo disco”, disse o poeta da Geração Coca-Cola.

E por acreditar nos versos da bela canção que vamos relembrar um dos mais talentosos jogadores que o Brasil produziu no começo dos anos 90, que por ironia do destino não teve tempo de se consagrar como um grande craque no futebol nacional e mundial.

Porém, não deixou de aprontar algumas travessuras enquanto esteve por aqui neste plano terrestre.


Irreverência e molecagem eram as marcas registradas daquele corpo franzino em que a camisa sobrava para fora do short, de pernas finas sobressalentes e bigodinho ralo.

Seu nome?

Dener Augusto de Souza.

Nascido em 2 de abril de 1971, em São Paulo e criado no bairro Vila Ede, Zona Norte da capital paulista, Dener por pouco não abandonou o futebol para ajudar a mãe com as despesas de casa.

Com a infância interrompida pela perda precoce do chefe da família, não teve a figura paterna desde os seus 8 anos de idade.

Tal ausência era substituída pela bola quando jogava futebol de salão na Vila Mariana, pelo Colégio Bilac, onde sagrou-se campeão em torneios Intercolegiais, como a Copa Dan’up – Jovem Pan.

Havia nos pés daquele menino negro, desengonçado e magrelo uma paixão infinita pela bola.


Com 17 anos, após uma passagem frustante de dois meses pelo clube de coração, o São Paulo, voltou a treinar nas categorias de base da Portuguesa de Desportos e foi rapidamente promovido pelo treinador José Wilson à equipe profissional.

De 1988 a 1991, treinou entre os profissionais e jogou pelos juniores do clube do Canindé, onde sagrou-se campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 1991. 

E com justiça, terminou sendo eleito o melhor jogador do campeonato.

O título fez dele uma estrela do time comandado por Écio Pasca, já que era um meia-atacante habilidoso, dono de arrancadas rápidas e objetivas que dava gosto de se ver.

Enquanto a Portuguesa comemorava seu primeiro título, o Reizinho do Canindé despertava o interesse de outros gigantes do futebol brasileiro pelo futebol agudo e irresistível.

“O Dener era são-paulino de infância, mas estava entusiasmado com a possibilidade de defender o Corinthians. Ele dizia que não via hora de entrar no Parque São Jorge com o ‘Passário Branco’. Era assim que ele chamava o carro dele”, contou a viúva do craque, Luciana, mãe de dois filhos de Dener.

Com apenas 20 anos o jogador teve sua primeira chance com a camisa da Seleção Brasileira e estreou contra a Argentina em Buenos Aires. 


Jogou poucos minutos, é verdade, mas iniciou a jogada que culminou no terceiro gol brasileiro.
  
Em 1993, acabou sendo emprestado para o Grêmio e fez a exigente torcida gaúcha se apaixonar por ele, por seus dribles e pelo título conquistado. 

No fim do empréstimo, o jogador retornou à Portuguesa para disputar o Campeonato Brasileiro mas foi no Campeonato Paulista que marcaria um dos gols mais bonitos de sua curta carreira.

“Na hora em que ele chega no último adversário, eu vejo que ele faz a falta no Silva, ali na meia-lua da área. Eu trago o apito na boca, mas falo: “É um pecado parar esse lance, se ele faz um gol maravilhoso desse, ninguém vai lembrar da falta. Se eu marcar e ele fizer, todo mundo vai reclamar de tantos lances, tantas faltas que os juízes erram…” Então falei: que se dane o Santos, que se dane o Silva, eles vão me perdoar, porque quero que fique perpetuado esse lance. Deixei passar e foi um gol que entrou para a história”, disse à época o ex-árbitro Oscar Roberto de Godói, na vitória da Portuguesa por 4 a 2 sobre o Santos.

Com uma joia rara mais preciosa que ouro de ofir nas mãos, os cartolas da Lusa criaram obstáculos para negociá-lo em definitivo e mesmo cobiçado por grandes equipes paulistas, sua negociação foi vetada de imediato.

Coisas que a estupidez humana produz nos cartolas em nome da rivalidade.

Então, não restou solução se não fosse emprestá-lo novamente.

Foi aí que o mais famoso e abusado camisa 10 do Canindé trocou a cruz da Lusa pela Cruz de Malta e chegou à Cidade Maravilhosa, em 1994.


Logo em um amistoso contra o deus argentino Maradona, no seu retorno aos gramados na Argentina, pelo Newell´s Old Boys, Dener acabou aprontando uma das suas ao passar por cinco jogadores só parando nas mãos do goleiro Norberto Scoponi.
   
Na sequência, Don Diego olhou surpreso aquilo e após o jogo foi cumprimentá-lo.

Pelo time de São Januário, Dener não fez muitas partidas, mas mesmo assim entrou na galeria dos grandes jogadores da história do Gigante da Colina, quando seu carro, o Mitsubshi Eclipse, placa DNR-0010 – São Paulo, chocou-se com uma árvore na Lagoa Rodrigo de Freitas, bairro da Zona Sul do Rio, no dia 19 de abril de 1994 por volta das 5h45 da madrugada.

“Ficamos felizes pelo título, mas a morte do Dener foi algo trágico. Ele era um excelente jogador. Ele era considerado problemático, mas nunca tive qualquer tipo de dor de cabeça com ele”, conta o técnico Jair Pereira, o último comandante de Dener ao Museu da Pelada.

O Vasco conquistou o título e dedicou em memória de seu camisa 10.

Portanto, mês passado completou 24 anos de sua morte.

E nessa manha, ouvi “É tão estranho, os bons morrem jovens, assim parecer ser quando me lembro de você que acabou indo embora cedo demais”… na voz potente de Renato Russo, e indubitavelmente, foi  uma maneira de lembrar daquele que foi sem sombra de dúvidas, o maior driblador que o futebol brasileiro já teve.