por Marcos Vinicius Cabral
Nascido em 17 de março de 1959 em Cabo Frio, na Região dos Lagos, o menino de olhos esverdeados José Leandro de Souza Ferreira não imaginaria o que o futuro lhe reservava.
A paixão pelo clube da Gávea começou em 1969, na decisão do Carioca entre Flamengo e Fluminense.
No quarto, Leandro em companhia do pai, seu Eliziário, ouvia o jogo ao som do radinho de pilha.
– Vi meu pai muito triste, porque o Flamengo perdia para o Fluminense por 2 a 1. Depois do segundo gol tricolor, eu disse que iria ao banheiro, mas fui à sala ajoelhar e rezar pelo empate. Quando voltei, saiu o gol. Foi uma alegria imensa. Depois perdemos o titulo, mas me senti realizado por papai do céu atender ao meu pedido! – conta.
Depois disso a paixão foi crescendo, crescendo e crescendo.
E cresceu tanto a ponto de voltando da Praia do Leblon – no período de férias escolares – ir à contragosto com o primo Nonato à sede do clube marcar um teste.
Com um par de chuteiras maiores que seu número habitual, meiões enlarguecidos e desbotados pelo tempo e um short desproporcional ao seu corpo, se candidatou à vaga de lateral esquerdo.
Passou com sobras nos dois treinos que fez no campo da Base de Fuzileiros Navais da Ilha do Governador e ao lado de Vitor – cabeça de área que jogou nos quatro grandes clubes do Rio – foi selecionado por Américo Faria para treinar na Gávea.
– Ele costumava fazer as jogadas dentro de campo e olhar para o banco de reservas para ver se eu estava olhando. E como eu fingia que não via, sempre que terminava o jogo ele vinha me perguntar se eu havia gostado daquilo. Eu dizia que estava indo bem! – diz o ex-supervisor da seleção brasileira Américo Faria, de 73 anos.
E completa:
– Na minha longa carreira no futebol, foi, sem dúvida alguma, o jogador de maior talento com quem trabalhei.
Já como juvenil do Clube de Regatas do Flamengo, começou a despontar nas preliminares.
– Certa vez, finzinho da década de 70, fui ao estádio Caio Martins em Niterói, ver os dois jogos da decisão juvenil entre Flamengo e Botafogo. Mesmo tendo perdido as duas partidas e visto o alvinegro sagrar-se campeão, fiquei feliz com a atuação de um jogador. Seu nome? Um certo Leandro! – relembra o metalúrgico Luiz Antonio Lorosa de 52 anos.
E foi aos poucos que Leandro foi conquistando seu espaço na equipe rubro-negra.
Apesar de quase ter ido para o Internacional no começo da carreira – foi reprovado pelo Departamento Médico do clube gaúcho por causa dos joelhos – se firmou na posição no qual é até hoje lembrado.
Com uma trajetória marcada por glórias nos inúmeros títulos conquistados na carreira, como os Brasileiros, Libertadores e Mundial na prolifera década de 80, era frequentador assíduo do Departamento Médico e da sala de musculação do clube.
Se ganhou o apelido de “peixe-frito” no mundo da bola, poucas não foram as vezes que fez trabalhos específicos na piscina.
Era muito sacrifício que a lateral direita lhe exigia.
Quando Júnior foi vendido ao Torino, em 1984, o Flamengo tratou logo de contratar um substituto para disputar com Adalberto a posição.
– Fui para disputar a titularidade com Adalberto na lateral esquerda e acabou o Mozer se machucando e ele (Leandro) pediu para ir para a zaga. Agradeci muito por ele ter feito isso e tenho a certeza que não entraria tão cedo na equipe, pois na direita era quase que impossível de eu entrar! – diz Jorginho, tetracampeão mundial em 1994.
E completa:
– Pra mim foi o melhor lateral direito que eu vi jogar do mundo. Eu o considero fora de série, um craque em quem sempre me espelhei.
E foi dessa forma que Leandro passou da lateral à zaga e continuou mostrando todo seu repertório de grande jogador.
Onde fosse colocado, o “peixe” jogava.
Trocou a camisa 2 – que passou a ser vestida por Jorginho – pela 3 em homenagem ao zagueiro Figueiredo – falecido em um acidente aéreo em Nova Friburgo – que era seu companheiro no Flamengo.
Com o novo número às costas, fez partidas épicas pelo rubro-negro, como o Fla-Flu do Leandro, em 1985, quando marcou um golaço.
– O que me impressionava no Leandro era sua elegância em campo. A mim parecia que ele flutuava sobre o gramado, com a bola docilmente subjugada junto aos seus pés. Vendo-o jogar, parecia que tudo era fácil! O drible, a condução da bola, o lançamento. Leandro executava cada um dos fundamentos com uma maestria que encantava a todos. O overlapping e o ponto futuro, inovações de Cláudio Coutinho, pareciam ter sido criadas para ele. Era fantástico ver que, de repente, do nada, o lateral aparecia na linha de fundo e num lançamento preciso deixava Nunes ou Zico na cara do gol. Se Zico foi o rei, Leandro era o príncipe! Quando Leandro parou de jogar, um bocado da magia do futebol se foi com ele. Mas é reconfortante saber que a admiração pelo ídolo persiste em todo rubro-negro que um dia teve o privilégio de tê-lo visto jogar! – frisa o professor universitário Maurício Vasquez de 57 anos e fã do jogador.
Mas se não fossem os malditos joelhos, teria ido mais longe na carreira.
Teria, por exemplo, disputado a Copa do Mundo no México, em 1986, já que era nome certo para ocupar a lateral direita como Telê Santana queria.
Porém, se negou a ir por achar que não seria útil naquela posição, embora muitos achem que foi por solidariedade ao corte de Renato Gaúcho.
Não tinha o vigor e nem os joelhos da Copa passada, a de 1982, na Espanha – já que aquele Brasil de Zico, talvez tenha sido ao lado da Hungria de Puskas em 1954 e da Holanda de Cruyff em 1974, as seleções mais injustiçadas no mundo ingrato da bola – mesmo com sua qualidade inquestionável.
Ainda teve fôlego para conquistar o Campeonato Brasileiro de 1987 e numa carreira vitoriosa, abandonou o futebol.
Em pouco mais de 10 anos como jogador (1978-1990), foi expulso uma única vez contra o Bangu, exatamente na sua última partida como profissional.
Leandro deixou saudades.
Deixou um legado no futebol inestimável e foi um divisor de águas naquela lateral direita.
Até hoje, passados 28 anos que pendurou as chuteiras, resiste ao tempo a genialidade de quem é considerado por muitos como o maior lateral direito de todos os tempos.
Hoje, 17 de março, o “Cavalo Manco” – como Carpegiani o chamava – faz 59 anos.
Vida longa e feliz aniversário!