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Leandro Ginane

ALEGRIA DE SER RUBRO-NEGRO

por Leandro Ginane


Há pelo menos vinte anos frequento as arquibancadas do Maracanã. Desde moleque, sempre vi a torcida do Flamengo eufórica nos momentos de títulos e vitórias, mas também bastante decepcionada na maior parte desses últimos anos, mas não me refiro aqui a perda de campeonatos, eliminações vexaminosas ou coisas do tipo. Não, nada disso. É algo mais profundo que até bem pouco tempo não conseguiria explicar se tentasse escrever um texto com esse fim.

O fato é que sempre notei um saudosismo profundo no torcedor flamenguista, que só agora entendo ter pouco a ver com os resultados e conquistas do clube. Um sentimento que se instalou nos corações rubro-negros no final da década de oitenta, com a despedida do Zico e de toda uma geração criada no Flamengo.

A partir daquele momento a Nação parece ter começado a viver um luto que se arrastaria por quase trinta anos, e nesse período, a cada ex-jogador daquele time inesquecível que reaparecia na Gávea para assumir como técnico ou algum outro cargo, enchia os corações rubro-negros de esperança, como se fosse possível voltar no tempo pela mística de um jogador do passado. Foram inúmeras as vezes que isso aconteceu, e como num ciclo que teimava em se repetir, o torcedor deixava a euforia ocupar momentaneamente o lugar da saudade, que logo recuperava seu espaço no peito da Nação. Essa sempre foi a tônica nas últimas três décadas da Maior Torcida do Brasil.


Já adulto, me perguntava quando esse luto terminaria. Imaginava que com a conquista de um grande título a nação voltaria a sorrir. Ele veio em dois mil e nove, com o hexa campeonato brasileiro, mas a saudade teimava em voltar. Até bem pouco tempo não tinha encontrado a resposta do porquê isto acontecia e só agora pude perceber, antes mesmo da confirmação do heptacampeonato brasileiro e do bi da libertadores. Escrevo essas linhas no dia de São Judas Tadeus, dia também do aniversário de oito anos do meu filho e quando ainda faltam dez rodadas para o fim do Brasileirão.

Neste momento em que estou bastante impactado com o ambiente que se formou em volta do Flamengo, redescubro a força desse clube, principalmente entre as crianças, que tem a oportunidade de viver esse momento de uma forma bem mais intensa que nós. Sendo pai de um casal, um menino de oito e uma menina de quatro, tenho a possibilidade de vivenciar isso de perto. Fica fácil notar que o mais importante para eles não é a posição de liderança do campeonato brasileiro, tão pouco a sonhada presença na final da libertadores. Para eles, o mais importante são as comemorações dos jogadores, as muitas festas que são convidados e que tem o Flamengo como tema, a bagunça no Maracanã com seus amigos, os cânticos da torcida e tudo o mais que envolve as cores rubro-negras.

Esse ambiente que se formou novamente depois de tantos anos só é possível por um único motivo: a forma como o time joga. Alegre, pra frente, encurralando seus adversários e incansável na busca pelo gol, não importa quantos faça. O desejo de balançar as redes é o mesmo para marcar o primeiro ou o quinto gol, como na semifinal da Libertadores contra o Grêmio no Maracanã, em um jogo histórico.

Ao ver essas reações, me recordo que foi exatamente isso que aconteceu comigo e com uma geração inteira de crianças que viveram o time da década de oitenta. Me lembro bem da minha festa de oito anos com o tema Flamengo, emoldurada em foto onde eu e meu irmão posamos uniformizados lado a lado em cima de cadeiras de palha. Eu tentava imitar o Zico e o Leandro jogando bola. Meu pai frequentava todos os jogos e chegava em casa cheio de novidades. Agora, quando mergulho nessas memórias afetivas e percebo como tudo era mágico para um menino de oito anos, noto que o luto tem suas raízes na perda desse ambiente que foi consequência do fim daquele time. A fantasia deu lugar a tristeza, que chegou e permaneceu por muito tempo, até que um time liderado por um brilhante técnico português, resgatou tudo o que significa ser Flamengo e eu pude enfim enxergar de onde vinha tanta saudade e frustração.


Meu pai agora é um senhor de setenta anos e nossos contatos passaram a ser mais frequentes. O Flamengo, claro, é um dos principais assuntos. Estou vivendo junto aos meus filhos cada momento proporcionado pelo Mais Querido, quando noto que aquele saudosismo que parecia interminável chegou ao fim. O Flamengo novamente joga como nos meus mais profundos e singelos sonhos infantis, meu filho tenta imitar o Gérson, craque do meio campo, meu pai evita comparações, mas volta e meia vê semelhanças entre dois times tão distantes e compara nosso artilheiro com Nunes. É um time para se orgulhar, onde jogadores e torcedores são um só.

Outro dia no Maracanã, percebi que aquele grito que parecia adormecido nas arquibancadas, curiosamente voltou com a mesma força do passado: Quero cantar ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro!

REENCONTRO

por Leandro Ginane


O Maracanã já não é mais o mesmo e todos sabem disso. A arena pouco a pouco foi limitando o acesso a poucas pessoas, fruto da modernização do futebol que acontece em todo o mundo. Por outro lado, surge um curioso efeito colateral: a ocupação popular das ruas, criando um novo lugar de celebração.

Desde a manhã de ontem, o povo estampava suas camisas rubro-negras no trem, nas praças, nos botecos da cidade e no entorno do Maraca. Havia sim alguma expectativa de entrar nos estádio sem pagar como em outros tempos, mas a maioria estava vivendo um sopro de alegria em um momento onde a desigualdade social aumenta profundamente e a diversão gratuita em espaços públicos é rara. Um momento de luz em tempos de escuridão.


Quem saiu ontem do trabalho para ir ao estádio viveu um paradoxo, dentro da arena, sotaques de todo o Brasil, faces rosadas em selfies e camisas oficiais do clube. Lá fora, ambiente de festa, fumaça com cheiro de churrasquinho, dois latão (sic) por dez e camisas surradas, aquela mesma carregada de superstição usada no tempo em que o Maracanã acomodava a todos.

Após o jogo, a miscigenação típica da torcida rubro-negra voltou a acontecer, dessa vez nas ruas. União regada a latão gelado e churrasquinho. Após mais de uma década de separação, enfim o reencontro e o fio condutor é o clube mais mais popular do Brasil.

VOLTAMOS A TORCER

por Leandro Ginane


Depois de muitos anos os brasileiros se entregaram de corpo e alma durante cento e vinte minutos a um jogo da seleção brasileira. O sentimento que parecia adormecido com a seleção masculina parece ter despertado com as mulheres brasileiras em campo na Copa do Mundo da França.

O grito uníssono que ecoou por todo o Brasil quando a bola balançou a rede francesa empatando o jogo em um a um trouxe um sopro de esperança de que ainda há algo que possa unir um povo tão dividido nos últimos anos!

Há de fato uma conexão especial entre essa seleção e o torcedor brasileiro, que vai muito além do esporte. Torcer pelas mulheres brasileiras foi um ato feminista que despertou um sentimento de nostalgia de um futebol que não existe mais: sem vaidades; onde suas jogadoras não caem ao gramado a cada contato com o adversário e que emocionou a cada cena de seus familiares na torcida durante o jogo. Uma seleção que joga por amor, um sentimento raro atualmente no futebol e que transbordou na entrevista da Marta logo após a eliminação brasileira ( https://glo.bo/2X39px6 ) e no narrador que, mesmo com o gol que parecia ter sido anulado, não parou de gritar e acertou!

Ao mesmo tempo em que a Copa do Mundo de futebol feminino está acontecendo na França, aqui no Brasil está sendo jogada a Copa América masculina de futebol com estádios vazios e rendas milionárias, onde o preço médio para assistir ao jogo de estréia da seleção brasileira foi de quatrocentos e oitenta e cinco reais e com isso atraiu uma torcida irreconhecível que entoou o canto “Defense!” durante a partida, numa referência ao tradicional grito das torcidas americanas em jogos de basquete.

Em meio a escândalos no judiciário, páginas policiais e estádios vazios, o Brasil se uniu novamente em torno do futebol, dessa vez representado pelas mulheres que puderam mostrar mais uma vez o quanto os homens precisam aprender com elas.

ATÉ LOGO, FLAMENGO

por Leandro Ginane


O Flamengo vive um momento de transformação que teve início em 2012 com um novo modelo de gestão que visava sanar os históricos problemas financeiros das gestões anteriores.

Sete anos depois, o objetivo foi alcançado e em 2019 o Flamengo já um dos clubes mais ricos do mundo. Porém junto com os benefícios de uma gestão profissional, pouco a pouco o futebol rubro-negro foi se transformando.

Com a chegada de jogadores sem identificação com a história do clube e cuja a aparência mais e assemelha a um ator de novela com previsíveis declarações à imprensa nas mais dolorosas derrotas, o alto preço de ingressos e o programa de Sócio Torcedor que favorece os mais ricos, um efeito colateral vem atingindo em cheio o maior patrimônio do clube, seu torcedor. Me refiro àquele torcedor que ia ao Maraca ver o Mais Querido jogar todo domingo e apoiava o tempo todo jogadores como Gaúcho, Piá e Charles Guerreiro que mesmo não sendo craques, honravam a camisa rubro-negra.

Esse espírito que uniu anos a fio time e torcida parece ter se transformado desde o início da “gestão profissional” e da inauguração da Arena Maracanã, em 2013. Com ingressos que chegaram a custar duzentos e cinquenta reais, a pequena arena tem sido invadida por torcedores que usam as redes sociais para destilar seu ódio e agora fazem o mesmo na arquibancada, com críticas direcionadas a determinados jogadores e técnicos. Um ódio jamais visto na torcida que ficou conhecida desde cedo como sinônimo nacional de festa, alegria e Carnaval, como diz Ruy Castro no ótimo livro “O Vermelho e o Negro”.


Esse processo de elitização da arquibancada fez a alegria dar lugar a um ódio que a cada jogo se acentua, tornando o Flamengo um time covarde, frágil e perdedor. O time do cheirinho, gerido por dirigentes que desejam agradar os torcedores das redes sociais que sequer conhecem a história do time mais popular do Brasil, o time da favela, do preto, do povo, que treinava na rua por falta de um campo profissional.

O que tenho refletido é se ainda há possibilidade de resgatar as raízes que fez do Flamengo a potência que é hoje. O time capaz de unir ricos e pobres; pretos e brancos. O time mais popular do mundo, que mesmo com jogadores inferiores ganhou títulos improváveis, graças a raça e a união com a arquibancada, como em 2001 no gol de falta do gringo mais rubro negro do Brasil, Petkovic, há dezoito anos.

Talvez ainda haja um caminho, que provavelmente é político por meio de integração social. Até lá, torcerei de longe, na esperança de que meu filho um dia conheça o verdadeiro time do povo.

TRISTE FIM

por Leandro Ginane


Eduardo Bandeira de Mello assumiu a presidência do Flamengo em 2013 repleto de expectativa sobre sua capacidade de gestão, que em poucos anos faria do Flamengo o clube mais rico e vitorioso do Brasil. Esse foi o lema durante seu primeiro mandato. Com o discurso afiado contra corrupção, gastos excessivos e má administração, logo recebeu apoio da opinião pública, torcedores e sócios do clube, que ansiavam ver o Flamengo vencedor como no passado. A adesão a sua figura foi tamanha que, mesmo rompendo com os principais aliados da famosa Chapa Azul, foi reeleito em 2016 para mais três anos. Com o sucesso da gestão financeira do clube, seu lema passou a ser as vitórias em campo e prometeu que o Flamengo voltaria a viver seus anos de glória. Novamente recebeu apoio da opinião pública e iniciou seu segundo mandato.

No entanto, o que ele fez foi personificar cada vez mais a gestão do clube. Se aproximou do departamento de futebol e afastou o Flamengo das suas raízes populares, elitizando o clube mais querido do país. Um erro fatal.


Investiu milhões de reais em jogadores sem identificação com as cores rubro negras, vendeu o maior ídolo criado no Flamengo em anos e estabeleceu uma política de preços de ingressos que chegaram a custar R$250,00 (duzentos e cinquenta reais) por partida, tornando os jogos do time um show de entretenimento para a TV, com jogadores vaidosos escolhidos a dedo que adotaram a cada derrota o discurso do presidente, pautado em sua assessoria de imprensa. Suas ações classistas afastaram o Flamengo do seu povo e da glória.

Com apenas um título relevante em seis anos de gestão, Eduardo Bandeira de Mello manteve uma agenda pessoal bem definida durante sua gestão e a última tacada foi usar a popularidade que o Flamengo lhe deu para se candidatar a um cargo público, como Deputado Federal pelo REDE. Iniciou a campanha política sem deixar o cargo de presidente do clube e com uma “decisão institucional” exigiu que o time entrasse em campo com seus principais jogadores em três competições diferentes. O objetivo era vencer as três competições, mas o resultado foram jogos de dois em dois dias e a eliminação em dois dos três campeonatos que participava. Essa atitude institucional deixa dúvidas sobre a verdadeira ambição do presidente.


No pleito pelo cargo público, o resultado foi o mesmo que ele tem conseguido com o Flamengo: fracasso. Com apenas quarenta mil votos, recebeu menos votos do que o Flamengo tem de sócios torcedores, que atualmente está na faixa de cem mil. No campo, para tentar salvar o ano, contratou o mesmo técnico que foi demitido em 2013 assim que assumiu o clube, o que dá a sensação de que o clube está andando em círculos.

A elitização do Clube mais Popular do Brasil está cobrando seu preço e o fim da história do presidente que governou o Flamengo para as elites está cada vez mais perto. Nem a conquista do hepta campeonato brasileiro em 2018, caso aconteça, conseguirá apagar o fim melancólico dessa gestão.

Para o novo presidente fica o aprendizado dos erros cometidos e a esperança de tentar resgatar as raízes do Flamengo para que os troféus sejam consequência da união com o povo.