por Marcos Vinicius Cabral
Enquanto o Flamengo vencia por 3 a 2 o Athletico Paranaense na noite desta quarta-feira (4/11) e avançava às quartas de final da Copa do Brasil, Lanfranco Aldo, conhecido no humor gráfico brasileiro como Lan, perdia a luta pela vida.
Internado há dois meses no Hospital da Beneficência Portuguesa em Petrópolis, o italiano mais brasileiro que as folhas de papéis e tintas nanquim conheceram enfrentava problemas de saúde.
Normal para um senhor com quase um século de vida (na verdade, aos 95 ele disse tchau e simplesmente partiu).
Partiu sem que eu pudesse dizer meu muito obrigado.
Mas lembro com os olhos marejados que o mais próximo que eu cheguei do mestre de voz suave, cabelos e bigode brancos foi na faculdade Estácio de Sá, em Niterói.
Morador há mais de 40 anos do bairro Pedro do Rio, em Petrópolis, Lan buscava sossego longe da Cidade Maravilhosa, onde viveu por muitos anos.
Nascido em 1925 na cidade de Montevarchi, na região italiana da Toscana, o craque da caricatura trabalhou como jornalista gráfico na Argentina, França e Uruguai.
Entre idas e vindas em solo verde e amarelo, em 1952, convidado por Samuel Wainer, começou a trabalhar no Última Hora, onde publicou um de seus trabalhos mais marcantes: uma caricatura do político Carlos Lacerda, em que retratava o arqui-inimigo de Getúlio Vargas como um corvo.
Mais tarde, o animal foi incorporado pelo próprio Lacerda a suas peças de propaganda.
Mas desenhar figuras emblemáticas da nossa política e corvos, não era a sua praia, embora mergulhasse em qualquer tipo de mar e surfasse com maestria nas ondas políticas, culturais, esportivas e figuras humanas.
Antes de se transformar no chargista _hors concours_ no humor gráfico nacional, entrou no departamento de artes do Jornal do Brasil pela primeira vez em 1962 – onde permaneceu por 33 anos – e em seguida, retratou com a percepção aguçada o cotidiano dos cariocas sempre bem ilustrado na coluna ‘Cariocaturas’, no O Globo.
Desbravador do caminho tortuoso dos cartuns, charges e caricaturas na imprensa carioca, foi ele com seu imenso talento e altruísmo peculiar, que abriu caminho para Henfil e Ziraldo.
Já o paulistano Chico Caruso – a quem trouxe para o Rio de Janeiro, em 1978 -, titular do O Globo desde 1985 e o matogrossense Ique – único chargista bicampeão do prêmio Esso em 1991 e 1992 – devem muito ao velhinho de cabeça branca e bigode fino que escondia o sorriso sincero de quem fez muito por muita gente.
Mas sua verdadeira paixão era pela boemia carioca e pela beleza das mulheres, sem dúvida!
No caso dele, especialmente as negras, desenhadas a exaustão por suas mãos que faziam como ninguém das curvas a marca mais inconfundível de seu estilo.
Há seis décadas, era casado com Olívia Marinho, ex-passista do Salgueiro e da Portela, era integrante da Velha Guarda.
Lan será enterrado na tarde desta quinta-feira (5/11) no Cemitério de Itaipava, em Petrópolis.
Mas antes de fechar os olhos para a eternidade, o italiano mais rubro-negro do mundo pôde ver – graças a Deus no céu e a Jesus à beira do campo – os títulos do Brasileirão, Libertadores, Supercopa do Brasil, Taça Guanabara, Recopa Sul-Americana e o Campeonato Carioca.
Morreu feliz.
Lan não deixa filhos, porém, deixa órfãos nos quatro cantos do mundo pessoas que o consideravam o pai do humor gráfico.
Obrigado Lan, precisava escrever isso!