por Josie Rodrigues
Eu gosto de clichês, apesar de óbvios eles funcionam para traçar paralelos da vida, do cotidiano, daquilo que parece tão lógico que precisamos de expressões e frases para dar um certificado a alguns sentimentos. Um dos meus clichês favoritos é que o futebol é uma paixão. Mas não é qualquer paixão, é talvez a única capaz de durar a vida inteira, aquela que te dará um êxtase, uma pulsão a mais, um frescor. Tenhas tu oito ou oitenta anos.
Mas paixões nunca são fáceis. A minha por futebol não havia de ser diferente. Nasci e cresci em uma sociedade que apesar de ter no esporte bretão o mais popular do país, sempre renegou às mulheres o direito igualitário de se fazer presente. Idiotas da objetividade dirão que não, uma vez que até a expressão “torcer” tem como origem uma homenagem dos cronistas esportivos – do início do século XX – às nervosas moças que “torciam” luvas e roupas enquanto assistiam às partidas de futebol. Mas a verdade é que tirando os estereótipos de musa, torcedora ou a terrível expressão Maria Chuteira, o campo futebolístico nunca foi acessível para nós, mulheres.
A primeira Copa que guardo na memória foi a de 1994, estava empolgadíssima com Romário e Bebeto, decidi junto com uma amiga que iríamos começar a jogar futebol. O único problema é que nas aulas de educação física nos era oferecido apenas dois esportes: o inútil handebol e o odioso voleibol. Futebol só para os meninos. Não é esporte de mulher.
E de fato não era. Mulheres batendo uma bola era prática proibida através do Decreto-Lei 3199 de 1941 de Getulio Vargas, decreto esse que durou até 1979. Esse importante ano na história ludopédica, que além de liberar o futebol feminino, também conheceu o único campeão invicto brasileiro: O Glorioso Colorado de Porto Alegre, mas isso é assunto para outra crônica.
Mas voltando a minha infância, quando eu estava começando a me apaixonar por futebol, fazia apenas quinze anos que ele deixava de ser proibido para mulheres. Não havia escolinhas, nem quadras, nem tradição que permitisse uma menina jogar. Restou-me apenas a paixão por um clube e minha obsessão por participar de todas as formas possíveis. Seja criando times com as crianças da escola, batendo boca com os meninos para provar o que era impedimento, pesquisando, escrevendo, indo a estádios. Essa era a única forma de viver minha paixão.
Corta para 2019, ano de Copa Feminina. Parei para ver a seleção brasileira jogar. E pensei o quanto queria ter visto isso com dez anos de idade! Queria que minha geração pudesse ter a Marta como ídolo. Poder assistir e me identificar, sonhar em ser jogadora, ter um nome feminino nas costas de uma camisa. Aquilo que chamamos de representatividade e toda a força e identificação quando temos um exemplo que “parece com a gente”.
Chorei quando a Marta marcou seu 17º gol, ultrapassando Klose como a maior artilharia de todas as Copas. E eu só conseguia pensar em quantas forças tentaram impedi-la de estar lá. Quantas vezes ficou sem clube para jogar, quantas vezes pensou em desistir, em quantas meninas que, assim como a que fui, amam futebol, mas que nessa tarde de terça-feira viram uma mulher ganhando um jogo em Copa do Mundo, se tornando a maior artilheira de todas os tempos. Fica a certeza que ainda existe um árduo caminho pela frente para as mulheres e o futebol, mas por hoje Marta nos fez acreditar que tudo é possível.