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Jonas Santana

PEDRO PRETO. O FOGUETE NEGRO DA LATERAL ESQUERDA

por Jonas Santana


Foto: Alex Ribeiro

“Esse lateral corre demais!!”. Era assim que todos diziam quando Pedro Preto pegava a bola e saía em louca disparada pela linha limítrofe do campo. Os torcedores diziam que ele, pela sua imponência em campo, assemelhava-se ao célebre Marco Antonio (grande lateral esquerdo da seleção de 70). 

Entretanto, quando baixava a cabeça e imprimia velocidade máxima, ninguém segurava aquele foguete negro até ele chegar na linha do fundo e cruzar para o meio da área, ainda concentrado na bola que conduzia e com quase um palmo de língua de fora, que era rapidamente recolhida e iniciava a carreira de volta. Era desse jeito que Pedro Preto (apelido ganho por motivos óbvios) fazia suas partidas no campo do fundo do conjunto habitacional cuja atração maior era o time da rua A.

Aos domingos, o campo, ou estádio, como faziam questão de frisar alguns moradores, ficava pequeno para assistir as exibições da equipe. Era um verdadeiro show, bem diferente do pachorrento futebol de fim de tarde transmitido na tevê. 

E Pedro Preto se destacava, principalmente quando danava a correr. Viesse quem viesse, não escapava do talento, principalmente Orlando Touro, sempre com as travas da chuteira a tentar escrever o nome nas canelas daquele negão liso como pau de sebo e ágil como um gato em perigo. Seus dribles eram desconcertantes e não se detinha por nada quando a bola lhe era lançada e se tornava refém dos pés do “meia-colher” (ajudante de pedreiro), craque nos fins de semana. Ele, juntamente com seus parceiros, trazia àquela comunidade uma esperança, talvez a única, refletida nas jogadas e alegrias voláteis das partidas de futebol.

E o nosso atleta também gostava das excursões, comuns ao time e sempre ao interior, onde, nos campinhos de grama tratada e aparada pelos animais, se apresentava em espetáculos apoteóticos de futebol, coisa rara nos gramados “profissionais” modernos.

E numa dessas viagens, como sói acontecer, sempre há um local ou um fato inusitado a permear a vida daquele time. E com nosso lateral não foi diferente..

Certa feita, jogando num desses campinhos, onde a linha de fundo de um dos lados do campo era adornada por pés de jurubeba e a outra por um descampado arenoso, que ficava apinhado de gente para ver o time jogar, Pedro foi protagonista de um fato peculiar.

Como é sabido, a jurubeba é uma planta conhecida por suas propriedades medicinais, sendo famosa pelo seu “lambedor” (xaropes feitos com a planta, açúcar e água, que serve para combater diversos males e muito utilizado pelos nossos avós). É conhecida também pelos seus espinhos curvos e pontiagudos que, dado o local onde estava plantada, se tornara vilã e responsável pelo término intempestivo das partidas, como também pelos acidentes com inúmeros jogadores que se aventuravam por aquele ”jurubebal”, seja correndo dos bois que vez ou outra invadiam o local da peleja o campo, seja para buscar a bola que muitas vezes caía no local. Sem contar que rentes aos pés de jurubeba brotavam urtigas, conhecidas pelas suas qualidades.

O fato é que nosso atleta recebera de Dirran uma bola, como ele mesmo dizia: “ao gosto”; disparando da lateral do meio campo, ligeiro como leopardo em direção à presa, com o objetivo de chegar mais próximo da linha de fundo e executar seu ofício: cruzar a redonda para o chute ou cabeçada certeira de Nêrroda ou quem ali se apresentasse.

E lá vai Pedro Preto, focado, cabeça baixa quando encontra seu primeiro adversário. Sem diminuir o ritmo ou sequer levantar a fronte, dá um toque de lado e o seu algoz fica atônito, sem saber por onde ele passara. De igual modo o segundo e nosso craque imprime ainda maior velocidade a sua corrida e, assim, com um toque na bola, se aproxima da linha de fundo. Cada vez mais veloz e mais perto…

Vencidos os seus oponentes, intensifica  mais ainda sua corrida, e quando se prepara para alçar a pelota à área adversária, ignorando o insistente apito do juiz, sente como se alguém lhe puxasse a camisa e, para se livrar do pretenso zagueiro, alça maior velocidade e, num átimo, toma uma trombada que o fez perder a bola e o senso. Levanta a cabeça e se dá conta de que havia ultrapassado e muito a linha de fundo e se lançado no meio dos pés de jurubeba e caído entre as urtigas.

Todo arranhado, camisa rasgada, ainda zonzo, corpo coçando por causa das urtigas e dolorido por causa do tombo, se levanta e, sem perder a classe faz sinal de substituição, prontamente atendido.

Deste dia em diante o time perdeu um lateral, mas ganhou um excelente meio campo.

Jonas Santana Filho, gestor esportivo, escritor, funcionário público. Apaixonado e estudioso do futebol. 

Jonassan40@gmail.com, Skype – jonassan50

TODO DURO. O MOLEJO DO ZAGUEIRO

por Jonas Santana Filho


(Foto: Caio Vilela)

Ninguém era mais sério que Zé Luis, mais conhecido no meio do futebol daquela região como Todo – Duro. Não havia quem o fizesse esboçar um sorriso, nem mesmo Lídia, filha de seu Gumercindo, o policia da área, quando passava sorrindo na sua frente, jogando olhares e charmes para aquele camarada desengonçado, quase careca, troncudo, cuja especialidade era trombar com os adversários, pondo-os quase sempre a nocaute nos jogos de domingo no time da rua A.

Embora aparentasse estar sempre sisudo, era querido por todos ali no bairro, talvez pelo seu jeito de apaziguar as situações de conflito (desde que ele não fosse o envolvido), talvez pela mansidão que sempre demonstrava no dia a dia, principalmente quando os meninos da rua o perturbavam ao gritar o apelido do qual não gostava e que havia se tornado uma arma das torcidas adversárias.  

Nosso jogador era, dentro de campo, o oposto do seu cotidiano. Ali se transformava num gigante da área, guardando a cidadela qual soldado em total estado de alerta.  Nos jogos de fim de semana ele formava com Lila uma parede quase instransponível onde o lema era “a bola ou o jogador ficarem”. Nunca os dois a invadir a meta de Quiabo. Aliás, a dupla de zaga aterrorizava os atacantes, meio campistas ou quaisquer jogadores que se aventuravam por aquele território onde reinavam absolutos os nosso craques.

Muitos diziam que Todo-Duro se assemelhava no estilo de jogo, a Brito (zagueiro da seleção tricampeã de 1970 que se notabilizou pelo seu jeito vigoroso de jogar), outros o comparavam a Moisés (zagueiro do Vasco e semelhante a Brito na forma de jogar) e outros tanto diziam que ele se parecia mais com Piazza (volante/zagueiro do Cruzeiro de Tostão, Dirceu Lopes e cia.), mas o fato é que nosso craque tinha lá suas maneiras de persuadir seus oponentes, fosse no desarme clássico, fosse pela força, culminando sempre na bola longe do gol, geralmente nas arquibancadas ou na área adversária. Dir-se-ia que o futebol era nem sempre elegante, mas eficiente.

Nos jogos de finais de semana, quando se reuniam Quiabo, Nêrroda, Pedro Preto, Lilá, Zé Rosca, Vevé, Dirran (recém chegado naquela cidade, mas famoso pelo apelido), e Zé Luis (ninguém o chamava de Todo-Duro antes de entrar em campo) era certeza um show de futebol.  Aquela equipe sabia tocar a bola e nem precisava dos gritos de Tamba (apelido de Marcelino, técnico, dirigente e dono do time) para mudar de tática ou cadenciar o jogo.  

O resultado do jogo era o que menos importava para aqueles homens, exceto se fosse o torneio de seu Maneca ou valendo alguma coisa (ás vezes uma caixa de cerveja ou refrigerante,). Mas era nos amistosos que aflorava o prazer de simplesmente jogar bola, sem se preocupar com o amanhã, simplesmente se alegrar; talvez a única válvula de escape daquele lugar onde, alinhados com a torcida, aqueles homens proporcionavam um espetáculo de descontração e lazer, de esperança. Aquela galera sabia jogar e sabia empolgar. Bons tempos…

E Zé Luis Todo Duro fazia parte daquela turma.  E foi num desses jogos que a coisa aconteceu, dando origem a tão malfazejo epíteto.

Num jogo do time de Zé Luis (ainda não tinha sido “batizado” com o apelido), Tonho Vesgo, um ponta direita com habilidade semelhante ao grande Garrincha e inteligente como Gérson (ambos seleção) catou a pelota e partiu para cima de Lila, companheiro de zaga do nosso herói. E ele veio bufando como um touro e pá!! Passou lotado com o drible, embora tivesse mostrado até a alma da chuteira contra as canelas de Tonho. Este, ao ver aquele negão vindo como um trem em disparada crescer na sua direção, esquivou-se, rápido como um bólido, da pancada certeira e a seguir, com um drible de corpo, pôs o defensor de traseiro no chão, arfando feito cachorro com sede.  Vencido o primeiro obstáculo restava ao atacante, antes de vazar a meta do goleiro Quiabo, transpor a barreira humana chamada Zé Luis.     E assim o fez.

Vesgo, numa rápida puxada da pelota à frente, pára, se põe em posição de ataque perante o seu adversário, que neste momento estava com os olhos esbugalhados e fitos na bola, mais atento que coruja de plantão, com o corpo quase em posição de bote e alerta a qualquer mínimo movimento do habilidoso jogador.  Estático, arquejando, esperando o desfecho da jogada. E ficaram assim por cerca de alguns segundos, olhos fitos, deixando atônita a torcida e o restante dos companheiros…

De repente o bote!  O zagueiro se adianta e tenta capturar a pelota, dando um pontapé em direção a ela, que rapidamente é puxada para o lado pelo atacante. Ato contínuo, este dá uma pancada lateral e volta ao mesmo ponto, o que faz com o que nosso zagueiro se entorte todinho, ficando literalmente “todo duro” pois, na tentativa de acompanhar o movimento da bola, dada a velocidade imprimida ao movimento, resultou na lesão lombar do nosso atleta.  

Depois de tal façanha, que resultou em gol adversário, Zé Luis ficou praticamente andando em campo, tal qual um robô, o que fez com que a torcida começasse a chamá-lo pela alcunha de TODO – DURO, que perdurou enquanto houve jogo e caiu nas graças da galera, que sempre que podia entoava o apelido.

O drible, conhecido como “elástico”, foi o principal responsável pelo nome atribuído a Zé Luis, que mesmo curado ainda andava com certa dificuldade. Nosso craque ainda passou uns três meses para se recuperar, mas a herança não ao abandonou, nem mesmo quando deixou os gramados por persuasão e estímulo da já sua esposa Lídia.

Dizem que Zé Luis trabalha numa fábrica de doces e ensina atualmente dança de salão nas horas vagas. 

Jonas Santana Filho é escritor, funcionário Público, Gestor esportivo, amante e estudioso do futebol.

QUIABO, QUANDO O INSTINTO FALA MAIS ALTO

por Jonas Santana


(Foto: Reprodução)

Quiabo!! Nome esquisito para um goleiro. Por que não Manga, Cantarelli, Taffarel (famoso pelas defesas milagrosas, pelo bordão de certo comentarista e pela conquista da Copa de 1994) ou mesmo Tafa-Rai (alcunha atribuída pelos colegas da academia de futebol que ele freqüentava)? Mas a galera insistia no apelido, uma forma reduzida, mas nada carinhosa de elogiar o arqueiro, para não chamá-lo de Mão-de-Quiabo. 

Na tradição da pelada o escolhido para defender a meta era sempre aquele que não sabia jogar “na linha” mas no caso de Quiabo era diferente, era uma verdadeira paixão pelo arco.  Embora fosse talentoso com os pés, ele não abria mão de mostrar suas habilidades debaixo das traves, o que fazia com bastante maestria desde que a bola não estivesse molhada. Nestas horas ele fazia jus ao apelido gritado em coro pelos torcedores, às vezes pró, às vezes contra, dos diversos times que nosso herói das traves defendia. E quando fazia uma defesa mais portentosa nosso goleiro sempre dava um berro de vitória, por ter mais uma vez neutralizado um ataque do adversário.

Ser goleiro era algo que ninguém queria e invariavelmente significava ficar de fora da diversão, por isso quando alguém era escalado para o gol, o fazia com certa relutância aceitando a ingrata missão de defender sua cidadela, desde que “tomou um gol ou o time fez gol o goleiro vai pra linha”.  Muitas vezes a regra era quebrada e culminava em confusão porque ninguém queria sair do campo de batalha para ficar “embaixo das traves” tomando boladas. Mas também havia aqueles que faziam questão de “ir para o gol” seja por vocação ou por imposição, havendo ainda aqueles que abraçavam o ofício pela falta de concorrência (ninguém queria estar no gol no momento dos chutes de Dirran, de Zé Rosca ou do próprio Vevé).

“Pra ser goleiro tem que ter coragem”, dizia sempre Quiabo, quando alguém perguntava o porquê de tal função.  Era no gol que ele se realizava. Principalmente quando ia jogar no interior, sentindo o calor da torcida naqueles campinhos apertados, com todo mundo em volta ou no estádio da cidade, E nosso amigo, magrelo e comprido, sempre com a camisa vermelha e a calça preta fazia suas artes no campo.

Nem de longe se incomodava quando lhe faziam apupos após uma defesa. Para Quiabo cada jogo era uma batalha e cada defesa era uma realização pessoal. E num desses jogos de fim de semana que aflorou uma situação um tanto quanto atípica nas hostes futebolísticas

Dir-se-ia que o jogo estava a mil, com os ânimos mais acirrados que decisão de campeonato de várzea na disputa por pênaltis. A bola parecia uma abelha ziguezagueando por todo o campo, não parando no pé de nenhum dos dois elencos e sequer chegando à meta do nosso arqueiro. Eis que de repente surge um escanteio e, almejando transpor a meta adversária, Quiabo dispara em louca corrida para a área esperando o lançamento para, quem sabe, alçar o tiro ou cabeçada fatal e decretar a vitória. 

Assim disse o narrador: “corre Zé Rosca para a bola, solta-lhe o petardo e ela vem girando feito um pião para a meta e vem em direção a Quiabo que… Incrível defesa de Quiabo!!! Incrível, senhores!!”!

Quiabo, o grande arqueiro que tinha saído de sua meta para cabecear não resistiu àquela bola descendo em sua direção e, obedecendo ao seu instinto de goleiro, literalmente voou na pelota, realizando uma estupenda defesa. Só que do lado contrário, o que lhe valeu um cartão amarelo e vários dias sem poder freqüentar as ruas do bairro por conta da alegria de seus confrades que por conta dele perderam o jogo.

Mas ele não se deu por vencido e ainda desfilou seu talento por longos anos até se aposentar depois de escorregar num prato de caruru e ficar seriamente machucado.

Dizem que ele até hoje ele não come o referido legume.

 

Jonas Santana Filho, Escritor, professor, servidor publico, gestor esportivo e apaixonado por futebol. Jonassan40@gmail.com,  jonassan50 –skype/instagrarm.

TRISTE REALIDADE – O EXÔDO

por Jonas Santana


“Craques novos e vendas prematuras: Por que as joias brasileiras são vendidas tão cedo?’.

Essa pergunta saiu em um dos semanários esportivos e é uma questão que já vem sendo discutida há muito tempo. Para respondê-la, temos que considerar diversos aspectos.

O principal deles é que embora nosso país seja um “celeiro de craques” é também um campeão de desperdício. Quantos jogadores brasileiros, promessas com grandes probabilidades de sucesso, já foram rejeitados ou excluídos quando na busca de oportunidades nos clubes de futebol? Mesmo entre os das categorias de base, poucos ou nenhum são aproveitados pelos clubes preferindo-se, na maior parte das vezes, apostas em “medalhões” ou em “salvadores da pátria”.

Ora, se o atleta não é valorizado em sua própria casa, como podem exigir que ele seja fiel quando surge uma oportunidade de mostrar seu valor, ainda mais se essa oportunidade vier traduzida em euros? Por ser o Brasil mundialmente conhecido como gerador de jogadores de qualidade os clubes, principalmente europeus, vem “garimpar” jogadores com talento, geralmente com baixo custo e com retorno financeiro garantido.

Aliada a esses fatores, a possibilidade de ganho, geralmente para pagar dívidas deixadas por gestões anteriores (pelo menos é o que dizem) ou mesmo a possibilidade de obtenção de lucro advinda da comercialização de atletas, incentiva o dirigente a se desfazer do que seria quiçá uma solução para os problemas do clube em longo prazo, não se importando com os investimentos feitos na base. Há que se ressaltar também que a centralização do futebol apenas nos grandes centros, a ausência de um plano nacional para categorias de base, o apoio, no caso a ausência dele, para os clubes que trabalham com essas categorias, funcionam como instrumentos auxiliares ao êxodo de grande parte dos jogadores que começam a despontar nos nossos clubes.

Desta forma, muitos clubes europeus estão preenchidos com jogadores brasileiros e muitos até com contrato de crianças, que desde já se vêem na obrigatoriedade de “virar adultos” antes do tempo. Parafraseando Daniel Alves quando falou que jogar futebol era “apenas crianças brincando de bola”, o que de uma maneira metafórica tem todo sentido, o esporte tem que ser um prazer, não uma obrigação por conta de euros ou reais, embora exija disciplina própria da atividade. 

Em um artigo escrito anteriormente e publicado no Museu da Pelada (museudapelada.com) falei no sonho de muitas crianças e jovens no sentido de que eles encaram a profissão como uma maneira de proporcionar uma vida melhor aos seus. E é com o pensamento de que “lá fora” essa chance se concretize, ainda que em times com pouca ou nenhuma expressão, mas com possibilidades reais de ser descoberto, que esses jovens se lançam na aventura, muitas das vezes sem garantia alguma e se desfazendo muitas vezes também de bens ou contraindo dívidas para sonhar.


Dizem que brasileiro só tranca a porta depois de roubado. Embora seja um ditado pessimista ele é uma verdade quando se refere ao futebol. Nossos dirigentes ainda não atentaram para o perigo do êxodo. Além disso, muitos entendem que investir na base “é custo” e que não “vale a pena” já que é investimento de longo prazo . E quando menos se espera são surpreendidos por “joias” que muitas vezes foram dispensados de uma “peneira” ou até mesmo não jogaram aqui no Brasil sendo negociados a peso de ouro lá fora e os clubes brasileiros ficam no mais das vezes a ver navios. 

É tudo uma questão de visão. Investir na base é investir em sonhos e demonstra a visão do gestor. Todo menino já sonhou em ser um jogador de futebol. Mas nem todos tiveram oportunidades de ser. 

As campanhas dos grandes clubes europeus principalmente tem sido cada vez mais cativantes e incentivam a cada vez mais torcedores mirins. Já não se imitam mais os Pelés, Garrinchas, e mais recentemente Cafus, Robertos Carlos, mas os Modric’s e Mbappés da vida. As camisas não trazem mais nomes como Ronaldinho, Rivaldo, Neymar, mas Hazard, Messi, etc… . 

E como em todas as coisas vamos nos acostumando e se moldando a isso. E nossa  “fábrica de craques” está falindo. Somente quando estivermos no fundo do poço, quando nosso último talento estiver desembarcando no “Velho Continente”, na China, Austrália ou onde quer que se “ganhe a mais”, é que se perceberá que é tarde. 

Quando o Brasil do futebol começar a olhar para as categorias de base e começar a investir nos seus talentos, não digo atletas, mas principalmente profissionais abnegados que lapidam os jovens como joias preciosas talvez possamos conter o Êxodo. 

Mas enquanto isso não acontece  “bye bye Brasil”.

Jonas Santana Filho, gestor esportivo, escritor, funcionário público. Apaixonado e estudioso do futebol. 

Jonassan40@gmail.com, Skype – jonassan50

VEVÉ, O DIDI DA VÁRZEA

por Jonas Santana


Charge: Eklisleno Ximenes

Ele era tão rápido quanto um galgo correndo atrás do coelho e tão ágil como um gato quando se tratava de se esquivar das pancadas desferidas pelos adversários contra suas finas canelas. Era verdadeiramente um artista da bola.

Com a elegância de um Didi (clássico meia do Botafogo na década de 60), Vevé desfilava nos campos de pelada suas habilidades. Querido pela torcida e pelos companheiros de time, o menino de jeito moleque aproveitava os domingos pela manhã para povoar o campo – estádio para alguns, com seus dribles desconcertantes e suas arrancadas fulminantes que, invariavelmente   resultava em tabela com Dirran, Zé Rosca ou o grande Nêrroda, amigo e companheiro de pelada.

Ele só sossegava durante a semana, quando dividia seu tempo entre o trabalho (era office boy de uma empresa de entrega), a escola onde estava terminando o científico (ensino médio) e  Fabiane, filha de seu Valdivino, mestre de obras mais sabido que muito engenheiro e quase o construtor da maioria das reformas das casas daquele bairro.

Quem olhasse para aquele rapazola não imaginava que ele já estava na casa dos seus vinte e poucos anos, pois sua carinha de menino, com bigodinho de recém chegado à adolescência jamais denunciaria um jovem cheio de sonhos e que chegou inclusive a treinar no time profissional da cidade, mas a necessidade falou mais alto e ele teve que trabalhar para ajudar sua mãe, abrindo mão dos seus sonhos mas não de sua habilidade com a bola.

E era nos domingos que Vevé extravasava  através do futebol todos os seus sonhos e projetos. Ali, no campo de futebol situado no fundo do conjunto habitacional onde morava ele se realizava quando a galera, depois de um drible desconcertante e adversário no chão entoava “olé, olé, olé com a bola no pé só Vevé, Garrincha e Pelé. E  o jovem sonhava… E corria… E driblava… E sonhava até o outro domingo.

Mas Vevé também tinha suas peripécias no futebol. Contam que numa ocasião o time foi jogar no interior e ele e Pedro Preto resolveram  fazer um “tour’ pelas redondezas. Pedro Preto era o único do grupo que tinha ido de carro pois tinha que voltar pra trabalhar depois do  jogo. E os dois saíram e foram num baile na cidade vizinha. Lá pelas tantas  o carro quebra e eles só chegaram quase na hora do jogo, com penas de galinha pelo  corpo, fedendo a titica, esbaforidos, ofegantes, com sono. Quando o treinador  perguntou porque não vieram de carona eles explicaram que somente o carro das galinhas foi que se compadeceu deles e o único lugar vago no caminhão era junto das gaiolas onde se transportavam as aves. 

E era nos jogos de interior que eles sempre ganhavam um “ troquinho a mais”, principalmente quando era torneio e os nossos astros participavam. 

E foi num desses torneios que o fato aconteceu. Neste dia nosso atleta estava  com a “chuteira nos cascos”, arrebentando com a bola no pé. O campo era daqueles típicos campos de interior, com as marcações feitas  por troncos de coqueiro cortados e fincados nas linhas de escanteio, meio campo e laterais. Era um campo aberto e toda a  torcida ficava em volta, formando um “caldeirão de gente” gritando e torcendo, numa agitação digna de feira de interior. 

De repente, a turba começa a abrir espaços e a gritaria aumenta. Uma vaca recém parida, agitada com o barulho se solta e resolve interromper o jogo. Ora, a bola estava com o time de Vevé e o animal, incontinenti, partiu para cima, como se fosse mais um jogador do adversário. Mas o jogo estava muito “pegado’ e ninguém queria parar.  E a bola corria de um lado para o outro, e a vaca atrás. O jogo estava se tornando uma tourada, cada um procurando se esquivar do animal que parecia  estar gostando daquilo. E a torcida indo a loucura e gritando “olé” enquanto  os dois times proporcionavam  um espetáculo  surreal! Jogo contra o time adversário e contra a vaca!! Algus dizem que foi propositado!! Mas ninguém se atreveu a provar até hoje. 

E eis que Dirran, numa  desabalada carreira fugindo do bovino,  toca a bola para Vevé, que estava posicionado na ponta.  A vaca, qual  Lila em suas disparadas  contra os  seus oponentes, parte para cima de Vevé  buscando roubar-lhe a pelota, com a chifraria baixada e pronta para  desferir o golpe, fosse no jogador, fosse na bola.  E mesmo diante dos gritos de “cuidado!!! É vaca parida, nosso craque não perde a oportunidade. 

Quando o animal se aproxima, o jogador ginga na sua  frente e, enquanto a vaca observa atônita e bufando  aquele  ser espigal  joga a bola por lado ao tempo em que corre pelo outro, dominando a pelota  e partindo em disparada, seguido pela vaca que, refeita do inusitado drible, mais velocidade imprimiu a sua furiosa corrida, convicta de que lograria êxito no intento de acabar com o jogo.  E foi com esse drible na vaca  que acabou o jogo,  pois naquela altura ninguém, nem jogadores nem torcedores, ficou para registrar  o feito.

Todos correram e a vaca idem. O resultado do jogo menos importou e sem o episódio do drible de Vevé.       

Depois desse  evento, Vevé ainda perambulou por alguns times no interior, mas voltou a sua vidinha de segunda – feira, se formou e virou empresário no ramo de carnes.

 

Jonas Santana Filho é  gestor esportivo, escritor, funcionário público, apaixonado por futebol.

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