por Jonas Santana
“Esse lateral corre demais!!”. Era assim que todos diziam quando Pedro Preto pegava a bola e saía em louca disparada pela linha limítrofe do campo. Os torcedores diziam que ele, pela sua imponência em campo, assemelhava-se ao célebre Marco Antonio (grande lateral esquerdo da seleção de 70).
Entretanto, quando baixava a cabeça e imprimia velocidade máxima, ninguém segurava aquele foguete negro até ele chegar na linha do fundo e cruzar para o meio da área, ainda concentrado na bola que conduzia e com quase um palmo de língua de fora, que era rapidamente recolhida e iniciava a carreira de volta. Era desse jeito que Pedro Preto (apelido ganho por motivos óbvios) fazia suas partidas no campo do fundo do conjunto habitacional cuja atração maior era o time da rua A.
Aos domingos, o campo, ou estádio, como faziam questão de frisar alguns moradores, ficava pequeno para assistir as exibições da equipe. Era um verdadeiro show, bem diferente do pachorrento futebol de fim de tarde transmitido na tevê.
E Pedro Preto se destacava, principalmente quando danava a correr. Viesse quem viesse, não escapava do talento, principalmente Orlando Touro, sempre com as travas da chuteira a tentar escrever o nome nas canelas daquele negão liso como pau de sebo e ágil como um gato em perigo. Seus dribles eram desconcertantes e não se detinha por nada quando a bola lhe era lançada e se tornava refém dos pés do “meia-colher” (ajudante de pedreiro), craque nos fins de semana. Ele, juntamente com seus parceiros, trazia àquela comunidade uma esperança, talvez a única, refletida nas jogadas e alegrias voláteis das partidas de futebol.
E o nosso atleta também gostava das excursões, comuns ao time e sempre ao interior, onde, nos campinhos de grama tratada e aparada pelos animais, se apresentava em espetáculos apoteóticos de futebol, coisa rara nos gramados “profissionais” modernos.
E numa dessas viagens, como sói acontecer, sempre há um local ou um fato inusitado a permear a vida daquele time. E com nosso lateral não foi diferente..
Certa feita, jogando num desses campinhos, onde a linha de fundo de um dos lados do campo era adornada por pés de jurubeba e a outra por um descampado arenoso, que ficava apinhado de gente para ver o time jogar, Pedro foi protagonista de um fato peculiar.
Como é sabido, a jurubeba é uma planta conhecida por suas propriedades medicinais, sendo famosa pelo seu “lambedor” (xaropes feitos com a planta, açúcar e água, que serve para combater diversos males e muito utilizado pelos nossos avós). É conhecida também pelos seus espinhos curvos e pontiagudos que, dado o local onde estava plantada, se tornara vilã e responsável pelo término intempestivo das partidas, como também pelos acidentes com inúmeros jogadores que se aventuravam por aquele ”jurubebal”, seja correndo dos bois que vez ou outra invadiam o local da peleja o campo, seja para buscar a bola que muitas vezes caía no local. Sem contar que rentes aos pés de jurubeba brotavam urtigas, conhecidas pelas suas qualidades.
O fato é que nosso atleta recebera de Dirran uma bola, como ele mesmo dizia: “ao gosto”; disparando da lateral do meio campo, ligeiro como leopardo em direção à presa, com o objetivo de chegar mais próximo da linha de fundo e executar seu ofício: cruzar a redonda para o chute ou cabeçada certeira de Nêrroda ou quem ali se apresentasse.
E lá vai Pedro Preto, focado, cabeça baixa quando encontra seu primeiro adversário. Sem diminuir o ritmo ou sequer levantar a fronte, dá um toque de lado e o seu algoz fica atônito, sem saber por onde ele passara. De igual modo o segundo e nosso craque imprime ainda maior velocidade a sua corrida e, assim, com um toque na bola, se aproxima da linha de fundo. Cada vez mais veloz e mais perto…
Vencidos os seus oponentes, intensifica mais ainda sua corrida, e quando se prepara para alçar a pelota à área adversária, ignorando o insistente apito do juiz, sente como se alguém lhe puxasse a camisa e, para se livrar do pretenso zagueiro, alça maior velocidade e, num átimo, toma uma trombada que o fez perder a bola e o senso. Levanta a cabeça e se dá conta de que havia ultrapassado e muito a linha de fundo e se lançado no meio dos pés de jurubeba e caído entre as urtigas.
Todo arranhado, camisa rasgada, ainda zonzo, corpo coçando por causa das urtigas e dolorido por causa do tombo, se levanta e, sem perder a classe faz sinal de substituição, prontamente atendido.
Deste dia em diante o time perdeu um lateral, mas ganhou um excelente meio campo.
Jonas Santana Filho, gestor esportivo, escritor, funcionário público. Apaixonado e estudioso do futebol.
Jonassan40@gmail.com, Skype – jonassan50