por J Maurílio Paixão
Lenda é uma estória inverossímil que tornamos verídica por acharmos que é o ideal para relatarmos a outras gerações.
No caso de Pelé, a lenda e a realidade se misturam.
Como todo rei dos primórdios do mundo, Pelé é exaltado por suas façanhas, algumas nos levam a crer que realmente lenda e realidade andam juntas quando se trata do maior jogador que o mundo já viu.
Quem em seu tempo jogando futebol foi expulso de uma partida e retorna logo em seguida; com o detalhe de trocarem o juiz para que sua majestade não fosse mais incomodada em campo? Quem senhores, quem?
Quem em seu tempo parou uma guerra na África para que os dois povos pudessem ter o privilégio de ver em campo o Deus único desfilar sua realeza futebolística? Quem senhores, quem?
Este súdito leal viu esta lenda dividir verdadeiras obras primas nos gramados com vários parceiros.
Vi Pelé e Coutinho, Pelé e Toninho Guerreiro, Pelé com Nenê, Pelé e Edu, Pelé e Tostão.
Via e não acreditava. Como alguém podia ter tamanha desenvoltura técnica em campo. Sua dinâmica era ininterrupta em direção ao gol.
Agora entendo quando um famoso jornalista esportivo inglês disse: – “Pelé nunca jogou em Wembley” o que fez seu interlocutor dizer com pesar: – “azar de Wembley”.
Pelé quando menino no reino distante de Bauru, adquiriu os fundamentos do futebol com outro herói mitológico de sua época. Começou sendo Pelé-Zizinho, pois com ele aprendeu a técnica e a coragem de enfrentar os marcadores.
Críticos de ontem e de hoje insistem em comparar mestres e foras de série com divindades, então me permito fazer este exercício de comparação, lembrando que futebol só é completo quando o fundamento técnico é completo, logo comecemos as comparações:
Garrincha um semi Deus “quase” completo. O corpo se projetava com malícia pra esquerda e ao mesmo tempo o arranque fatal pra direita. Sempre, sempre pro mesmo lado.
Dom Diego Maradona? Onde estão teus chutes de direita? Onde estão teus cabeceios, tuas matadas?
Crüiff, quem pensa que é com este futebol mecânico e esquemático?
Euzébio tinha belas arrancadas, mas cadê teus dribles inversos? Tuas tabelas? Cadê o corte fatal e conclusivo em teus adversários?
E tu Di Stefano? Tinha os fundamentos, porém, faltava o principal, a magia no conduzir, a magia de inventar. Faltava também jogar em outros continentes, pois era reconhecido apenas na Europa, enquanto que o Deus da bola jogou e ganhou em todos, disse todos os continentes.
Pelé disse em uma ocasião que se jogasse no futebol atual faria mais de 2.000 gols. Os incrédulos de plantão, os burocratas, os profissionais do ramo que chamam jogadores de “atletas”, duvidam que ele fosse capaz de tal façanha.
Pelé simplesmente deu seu veredicto:
– No tempo que joguei não existia cartão amarelo. O jogador que me marcava, puxava, rasgava o meu calção e camisa e nem advertido era. O time que jogasse contra o Santos do meu tempo com as regras disciplinares de hoje, terminaria com seis jogadores.
Imaginem a quantidade de gols que o maior de todos faria em cada partida.
Palavra de rei, vassalos.
Pena o homem ainda não ter inventado a máquina do tempo. Várias vezes imaginei isto:
Pelé com 25 anos e todos estes monstros da bola também com 25. Cada um poderia escolher os jogadores do seu time para um duelo. Duelo este que definiria quem é o melhor.
Que covardia seria!
Comparemos com o que mais reclama esta majestade única:
Quem tu escolhe Dom Diego Maradona pra jogar do teu lado?
Quem sabe poria novamente a seleção de 86? Jogaria com Burruchaga? Jogaria com Valdano? Dou uma colher de chá, ok?
Misture junto alguns de 78, muito melhores que estes de 86. Coloque aí um Passarella na defesa, um Fijoll no gol. Será que assim seria adversário?
Isto em seleção, porque em time você só jogou em um que ganhou algumas coisas. O Napoli.
E você Rei?
Escolha. Quem sabe o time do Santos de 62? Mas como você mesmo disse, no lugar do Mengálvio o Jair Rosa Pinto bem mais técnico e conclusivo.
Na seleção seria covardia com Dom Diego.
O rei teria a sua disposição jogadores que não tiveram a honra de compartilhar jogadas com ele, entre eles, craques do quilate de Romário, Zico, Ronaldo e por aí afora.
Junte a essa esquadra um Rei com 25 anos.
Desculpe senhores foras de série não brasileiros. No confronto entre clubes ou em disputas de seleções, o Rei seria ainda mais Rei.
Só posso concluir que Pelé foi o que foi devido ao amor que nutria pelo futebol. Só quem ama o que faz com tanta intensidade pode ser tão perfeito.
Pelé era completo nos fundamentos, daí a divindade.
O drible desconcertante, o arranque, os olhos antevendo a jogada seguinte e o arremate impiedoso, cruel, implacável.
Hoje devemos sim orar pelo Deus Pelé.
Um Deus sem tempo definido. Um Deus que vale por todas as eras. Um Deus encravado na memória do que o futebol já teve de melhor.
Não oremos para o santo cristão.
Devemos orar pelo Deus pagão que tinha como missão infernizar as defesas adversárias.
Salve Rei, Deus da bola.
Ainda hoje passados 82 anos o melhor do mundo, porque o mundo do futebol se dividiu.
Assim como aconteceu com a humanidade. Antes e depois de Cristo, assim foi com o futebol AP e DP. Antes e depois de Pelé.