Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Itália

MEU SARRIAZO PARTICULAR

por Rodrigo Octavio Souza


O dia 5 de julho de 1982 foi o primeiro em que me lembro de ter visto os meus pais chorando. Do alto dos meus cinco anos incompletos, sabia apenas que tinha a ver com a Copa do Mundo e com o “Canarinho”. Algo estranho para quem tinha se acostumado a viver em meio à euforia nos 20 dias anteriores.

A chuva de papel picado caía das janelas e inundava as ruas de Icaraí, onde eu morava, à medida que o genial escrete (ainda se usava essa palavra) do igualmente genial Telê Santana enchia as redes dos rivais de gols. E haja trabalho para os garis, afinal, foram 15 em cinco jogos.

Mas, de repente, o colorido das paredes pintadas e dos bandeirões pendurados de um lado ao outro da rua virou cinzas. A alegria e os gritos de gol transformaram-se em um nó na garganta. No máximo, em um pranto sentido e sofrido.

Sofremos pelos pés de um atacante que ficará mais de um ano suspenso, acusado de envolvimento com manipulação de resultados no “calcio”. Pela primeira vez na minha vida, ouvi a palavra “carrasco”. Palavra cujo sentido, descobri depois, é empregado em contextos muito piores. Mas que se aplicava perfeitamente ao que aconteceu naquele verão mediterrâneo.
Havia, e há, coisas piores no mundo. O próprio Brasil vivia o início da “década perdida”, nos estertores de um regime falido e atolado na hiperinflação e na dívida externa. Mas sob a ótica particular do futebol, que tudo vê com uma lente de aumento, o que se passou no Sarriá foi, sim, uma tragédia.


Como tal, ainda dói quando se remexe, em especial, nas efemérides como essa dos 37 anos da fatídica partida contra os italianos. Mas, contraditoriamente, tanto tempo depois da dramática peleja, posso dizer que o que aquele time me deixou mesmo é um enorme sentimento de orgulho e gratidão por ter me acendido a fagulha da paixão por esse esporte, tão divino quanto diabólico.

Para além do resultado, aquela equipe legou ao mundo o ideal do “jogo bonito”, que volta e meia é emulado por equipes como o histórico Barcelona de Guardiola do começo desta década. Aliás, sempre que pode, o treinador faz questão de falar do impacto que aquela seleção teve sobre o então menino catalão de 10 anos, na gênese do esquadrão blaugrana de Messi e no seu próprio conceito do jogo.
Quase tudo já foi dito ou escrito sobre aquela partida, mas o fato é que a Itália jogou melhor. Tirou os espaços, anulou nossos pontos fortes, fez o jogo perfeito.
Aliás, ninguém jogou mais bola do que a Azzurra na primeira quinzena de julho de 1982. Não tinham a magia brasileira, mas eram organizados e, sobretudo, excelentes tecnicamente. Só obediência tática não seria capaz de deter Zico, Sócrates e companhia.

Não ter ganho aquele Mundial deixa o coração dolorido, claro. Poucas não foram as vezes que, num exercício de imaginação, “vi” o Doutor erguer o caneco depois de botarmos na roda a ótima, mas exausta, Alemanha (olha ela aí!) de Rummenigge, Briegel e Magath. Jamais saberemos o que aconteceria com o futebol mundial caso o Brasil conquistasse a Copa. Nada garante que, ainda assim, não seria trilhado o caminho da cautela defensiva, que resultou no pífio Mundial de 90, coincidentemente disputado na Velha Bota. 

A única certeza que eu tenho é que nunca mais vi meus pais chorando por causa de futebol desde aquele dia 5 de julho de 1982.

UM TIME DOS SONHOS DA JUVENTUS DE TURIM

por André Felipe de Lima


A Juventus de Turim completa 121 anos nesta quinta-feira, 1º. Respeitando a trajetória de grandes agremiações como Milan, Internazionale, Torino, Roma, Sampdoria, Fiorentina e Napoli, não há dúvidas de que o clube alvinegro é o principal da História do futebol italiano. Para homenageá-lo, escalei e desenhei aquele que, através dos tempos, é o time ideal, o time dos sonhos da “Vecchia Signora”.

No gol, escalei Dino Zoff (de 1972 a 1983), além de grande arqueiro com vários títulos pela Juve, foi o grande goleiro da Itália tricampeã mundial na Copa de 82. Zoff nos enfrentou naquele jogaço que eliminou o Brasil, no estádio Sarriá, em Barcelona. Na lateral-direita “convoquei” Pietro Rava (de 1935 a 1946 e de 1947 a 1950), que, na verdade, jogava mais como zagueiro direito, mas entra no time dos sonhos da Juventus por ter sido um dos melhores jogadores de defesa do futebol italiano em todas as eras. Conquistou apenas um campeonato italiano pelo clube, em 1950, mas foi titular absoluto da Azzurra bicampeã da Copa do Mundo, em 1938. 

A dupla de zaga fica por conta de Umberto Caligaris (de 1928 a 1935) e do líbero Gateano Scirea (de 1974 a 1988). O primeiro foi campeão mundial com a Itália em 1934 e foi o grande líder da Juventus campeoníssima da década de 1930. Quanto ao Scirea, é o melhor zagueiro italiano que já existiu. Só isso. Igualmente a Zoff, Cabrini e Paolo Rossi, também escalados neste time dos sonhos, o líbero fez parte da Azzurra campeã mundial de 82. Morreu prematuramente em setembro de 1989, em um acidente de carro.


Na lateral-esquerda o titular é Antonio Cabrini (de 1976 a 1989). Era zagueiro esquerdo, mas também atuava coimo lateral. Foi considerado o jogador mais bonito da Itália enquanto esteve na ativa nos gramados. Fora dele, deixava a mulherada em polvorosa. Cabrini garante até hoje ter tido um romance relâmpago com a atriz Sônia Braga. Ela nunca confirmou, mas também jamais negou o flerte com o craque italiano.

Da zaga para a meíuca. Vou escalar meu time com direito a volante, um meia armador, mas dois pontas de lança clássicos. Na cabeça de área escalei o ítalo-argentino Renato Cesarini, um jogador de estilo elegante, que armava o jogo como pouco. De 1929 a 35, foi o cérebro da vitoriosa Juventus dos anos de 1930, considerada um dos melhores times já vistos no “Calcio”. Para muitos cronistas de Buenos Aires, é um dos maiores craques também da história do River Plate. Para a armação no meio de campo, o nome escolhido foi o francês Zinedine Zidane (de 1996 a 2001). Um gênio que levou a França ao seu primeiro título mundial, em 1998, mas que também foi marcante defendendo a Juventus.


Ainda na meia cancha, o camisa 10 é Michel Platini (de 1982 a 1987). Talvez a única unanimidade (ao lado de Scirea, claro) em um time dos sonhos da Juve. O francês era soberbo, fora de série. Tão genial quanto o conterrâneo Zidane. Foi com ele e seus belíssimos gols que a Juventus tornou-se o melhor time do planeta (ao lado do Flamengo, de Zico) na primeira metade da década de 1980.

Para completar a meia cancha, escalamos Giampiero Boniperti (de 1946 a 1961). É considerado pela velha guarda dos torcedores como o maior jogador da história da Juve. Tornou-se importante diretor do clube e formou um trio avassalador com o ítalo-argentino Sivori e o galês John Charles, na década de 1950. Aliás, Sir John William Charles (de 1957 a 1962) também está neste time dos sonhos da Vecchia Signora. É ele nosso homem de área. Era estiloso. Craque de bola.


Para formar a dupla com Charles no ataque, ninguém menos que Paolo Rossi (de 1973 a 1975 e de 1981 a 1985). Teve uma carreira polêmica devido ao envolvimento com a máfia da loteria na Itália. Foi suspenso, voltou em 1982 para defender a Azzurra na Copa do Mundo. Destroçou a defesa do Brasil, com três gols, e tornou-se o grande nome da Itália tricampeã mundial. O nosso “carrasco” jamais ficaria de fora dessa escalação de sonhos da inigualável Juventus de Turim.

EXORCIZANDO O “SARRIÁ” DE 82

por Émerson Gáspari


Quando eu – um ancião que assistiu a todas as Copas desde 1930 – me propus a usar minha fantástica imaginação para “brincar de Deus” e alterar o “Maracanazzo” de 50, jamais poderia esperar tamanha repercussão por parte de vocês, aqui no Museu da Pelada. Por isso, cumpro agora minha promessa feita na semana passada: exorcizar todos os demônios daquela que ficou conhecida como “A tragédia do Sarriá”. 

Segunda-feira, 05 de julho de 1982. Muito calor na cidade de Barcelona, onde daqui a pouco, a favoritíssima Seleção Brasileira joga sua sorte contra a limitada Itália, pela XII Copa do Mundo, realizada aqui na Espanha.

Apresso o passo, pois as filas são grandes do lado de fora do estádio Sarriá. Há torcedores por todos os lados, atraídos por um jogo que realmente promete! 

O Brasil é a mais pura expressão do futebol-arte, dono de um meio-campo mágico, esplendor de uma constelação de craques. Este setor do time é a tradução fidedigna da nação futebolística, com seus quatro estados mais tradicionais ali presentes: Falcão (Rio Grande do Sul), Toninho Cerezo (Minas Gerais), Sócrates (São Paulo) e Zico (Rio de Janeiro). A identificação com o torcedor é total.

Desde o ano passado, a equipe maravilha o mundo com exibições exuberantes. Em sua última excursão à Europa, derrotou com autoridade a França (3×1), a Inglaterra (1×0) e a Alemanha (2×1). Em seu último amistoso no país, antes de embarcar para a Espanha, o Brasil esmagou impiedosamente a Seleção do Eire por 7×0, com quase trinta chances de gols criadas durante a partida. Parece nem se ressentir de um centroavante técnico, pois os dois melhores do país neste quesito, Careca e Reinaldo, estão sem condições de jogo e sequer viajaram para a Europa. Pena!

Já por aqui, os “artistas brasileiros” derrotaram a União Soviética na estreia por 2×1 (de virada), golearam a Escócia por 4×1 (também de virada), brincaram com a Nova Zelândia (4×0, com apenas 8% de passes errados) e despacharam a atual campeã do Mundo; a Argentina (3×1, com Maradona expulso, por apelar). 


Quanto à pobre “Squadra Azurra”, merece nosso respeito mais por sua tradição, do que pelo futebol que vem jogando. Após escândalos como a prisão do artilheiro Paolo Rossi (por manipulação de resultados), tropeços seguidos e um futebol retrancado e desacreditado, seu treinador, Enzo Bearzot tem trabalho para convencer a todos que podem vencer a partida.

A Itália passou à duras penas pela primeira fase da Copa, contando com o critério de desempate e um mísero gol a mais do que o estreante Camarões. Depois, até surpreendeu, vencendo a Argentina por 2×1, num confronto que ficou marcado pela caça à Maradona. De qualquer modo, a equipe não joga um futebol convincente, mesmo contando com ótimos jogadores.  

Nenhum torcedor sabe que na preleção, Falcão faz uma colocação quanto a atuarem mais recuados dessa vez, até por possuírem a vantagem do empate. Mas o grupo, após Telê discordar, fecha com o treinador, de que é melhor jogar pra frente, “pois está dando certo, até aqui”. 


É sob essa atmosfera, que Brasil e Itália vêm a campo. Encontro-me na arquibancada, tomando mais uma garrafa de água com gás, nessa tarde abafada e decisiva para o futebol das duas equipes. Um empate nos classifica, mas queremos a vitória. E por goleada, se possível!
Tiro a camisa da Seleção e a enrolo na cabeça, devido ao sol escaldante, enquanto confiro as escalações: o Brasil vem com Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Serginho e Éder, sob a batuta de Telê Santana. A Itália de Enzo Bearzot, com Zoff, Orialli, Scirea, Collovati e Cabrini; Gentile, Tardelli e Graziani, Bruno Conti, Paolo Rossi e Antognoni.  

O árbitro israelense Abraham Klein apita e o Brasil dá o pontapé inicial: Zico rola para Serginho, que retrocede para Cerezo e daí ao capitão Sócrates. A torcida se agita. 

Apesar da Seleção Brasileira, ter conquistado o coração dos espanhóis, me parece haver mais gente com camisas da Itália espalhada pelas arquibancadas.

Essa turma vibra logo aos 5 minutos, quando Conti inverte bonito o jogo da direita para a esquerda, por onde desce o lateral Cabrini. Ante a aproximação de Leandro, ele levanta a bola na área. Paolo Rossi deixa Júnior para trás e cabeceia praticamente na risca da pequena área, à queima-roupa, no canto direito baixo da meta de Waldir: 1×0.

Uma surpresa que não estava no “script”. Mas a seleção vai empatar, sabemos que vai. 
Serginho luta próximo da área com três italianos e a bola espirra para Zico, que se livra do marcador e tenta dominá-la, colocando-a muito à frente. Tanto, que ela vai parar nos pés de Serginho, já entrando na área. Mesmo canhoto, ele chuta de direita, bisonhamente para fora. O Galinho reclama, pois tinha tudo para concluir e empatar. 

Mas o Brasil continua dominando e as jogadas de ataque se sucedendo. 


Aos 12 minutos, Sócrates estende um passe longo entre dois italianos na meia-direita a Zico, que se livra com um giro surpreendente em cima de Gentile e lhe devolve a bola. O “Doutor” deixa seus marcadores para trás, invade a área pela direita e mesmo com pouco ângulo, fuzila Zoff, que cai sentado. A bola levanta cal ao cruzar a linha: 1×1. Na comemoração, Zico salta nas costas do companheiro. Vibram muito!

Enzo Bearzot insiste para que Gentile não desgrude do “Galinho”, lembrando-o daquilo que haviam combinado nos vestiários: que caberia a ele (e não à Tardelli), a missão de marcar o brasileiro em cima, exatamente como fizera no jogo anterior, com Maradona. O italiano cumpre à risca a ordem, tanto que logo ganha um cartão amarelo.

São 25 minutos: Waldir atira com as mãos, uma bola para Leandro na direita, que mata no peito e a entrega para Cerezo. Esse pensa em lançar mais à frente, porém desiste e inesperadamente, resolve virar o jogo para o meio, onde estão Júnior, Falcão e Luisinho, tendo Rossi a observá-los, de perto. Ao tentar bater de três dedos, porém, ele “espirra o taco” e a bola passa nas costas de Falcão, sendo que Luisinho já saía para o ataque. Paolo Rossi, atentíssimo, “dá o bote”, passando entre eles e arrancando para o gol. No desespero, Júnior tenta um carrinho, mas não o alcança. 

O artilheiro avança até a meia-lua e dispara, aproveitando-se de Waldir Peres estar um pouco adiantado: 2×1 para a Itália. Cerezo se descontrola e começa a chorar, talvez pressentindo o pior. 

O gol revolta os torcedores brasileiros, pela desatenção da zaga. Mas nem tudo é festa para a Itália, pois Collovati, que vinha fazendo ótima partida se contunde e é substituído por Bergomi. E o Brasil começa a pressionar, perdendo oportunidades com Sócrates (que cabeceia livre, mas em cima do goleiro Zoff), com Falcão que chuta de longe uma bola perigosa e quase no fim da primeira etapa com Zico, que recebe um passe rasteiro do “Doutor” e já na grande área, é puxado por Gentille na hora da conclusão. A força do puxão é tamanha, que abre um imenso rasgo na camisa do “Galinho”. De nada adianta mostrar ao juiz: vergonhosamente, ele não dá o penal. 

Chega o intervalo e fico imaginando como estarão os torcedores no Brasil, ansiosos pelo segundo tempo e confiantes na virada do selecionado brasileiro. 

Os times voltam e não há alterações. Apenas taticamente, pois o Brasil passa a alternar uma troca de posições em campo, com os laterais às vezes virando alas e vindo pelo meio, enquanto os meias abrem pelas laterais, escapando da ferrenha marcação.


Já a Itália continua a inverter jogadas de um lado para outro, o tempo todo. Antes, mais da direita para a esquerda. Agora, isso ocorre ao contrário. 

Logo aos dois minutos, o Brasil dá sua primeira “estocada” num chute venenoso de Falcão, que passa próximo ao gol de Zoff.

A Itália acaba tendo um pênalti não marcado, cometido por Luisinho em cima de Paolo Rossi. Seria porque Luisinho é especialista em cometê-los sem que sejam vistos (como o da estreia, diante da URSS) ou será que o juizão quis compensar aquele não marcado em cima de Zico, ainda na primeira etapa? 

Novamente é a vez do Brasil: Cerezo penetra e tenta chutar, mas Zoff é mais rápido e se antecipa, fazendo a defesa. Não é só: pouco depois, Serginho tenta cabecear e como não consegue, improvisa um toque de calcanhar, mas Zoff está atento e outra vez, intervém. Fico imaginando aqui com meus botões, como um goleiro com mais de 40 anos, que na Copa passada afundou a Itália levando quatro gols de fora da área nas duas últimas partidas, possa estar nessa forma física e técnica. Está feito vinho: quanto mais velho, melhor. E um legítimo vinho italiano!

Meus pensamentos são abruptamente interrompidos pelo contragolpe adversário: é Rossi, que recebe passe açucarado de Graziani e cara-a-cara com Waldir, desperdiça enorme oportunidade, mandando pela linha de fundo, por estar desequilibrado. 

O Brasil continua a pressionar, mesmo se expondo ao perigoso revide italiano. 

Acaba sendo recompensado aos 22 minutos: Júnior escapa para o ataque, saindo da lateral e vindo para a meia-esquerda. Já próximo da grande área, executa um passe de três dedos para Falcão que desce pela meia-direita e recebe. 


Há seis brasileiros e oito italianos acompanhando a jogada, a maioria, dentro da grande área. Cerezo passa correndo pelas suas costas, do centro para a direita, atraindo a marcação de três adversários e abrindo a zaga italiana. Falcão corta para dentro, traz a bola para o pé canhoto e já no interior da meia-lua, quase na risca da grande área, desfere um chute violento, no canto direito de Zoff. Tudo igual: 2×2. 

Ensandecido, veias saltadas na cabeça e no pescoço, gritando sem parar, Falcão corre na direção do banco de reservas, numa comemoração verdadeiramente emocionante, num gesto de puro amor e entrega à camisa que enverga e honra. Ato contínuo, o “Rei de Roma” chacoalha Toninho Cerezo – novamente chorando – para motivá-lo.

Após muita luta, o Brasil está novamente “no páreo”, com o empate. Bem que o “olheiro” brasileiro, Zezé Moreira, havia alertado para o poderio do time italiano, qualificando-o como o nosso mais perigoso adversário. Não estava enganado.

Os canarinhos continuam com mais posse de bola e poder ofensivo: num dos ataques, pegam a zaga italiana totalmente desguarnecida: Zico lança Éder, tendo Sócrates livre, pronto para receber e marcar. Entre eles, apenas Scirea, que fica protegendo sua área. Mas Éder não faz o passe para o companheiro. Ao invés disso, tenta o drible e é bloqueado. Foi a grande chance de “matar” o jogo.

Telê então coloca Paulo Isidoro no gramado, sacando Serginho. Percebe que o Brasil precisa variar os lados do campo ao atacar e fixa Sócrates como falso centroavante. Com Isidoro, de certa forma ele reequilibra o time, “desentortando” as linhas táticas, já que, por atuar sem ponta-direita fixo, a formação ficava torta para a esquerda, facilitando a marcação italiana, quase sempre pelo mesmo setor. O ponta também costuma ajudar o time, voltando para ajudar a fechar o meio-de-campo.

A equipe permanece ofensiva, mas sente as dificuldades em penetrar numa zaga tão bem postada e com o forte calor que fisicamente mina os atletas na parte final do jogo. A plateia, de 44 mil privilegiados torcedores, mal pisca os olhos.

Numa bola inofensiva alçada para o ataque, Toninho Cerezo tenta recuá-la de cabeça para Waldir, erra e termina por ceder o escanteio. Zico chama sua atenção, mas ele gesticula que “está de olho”. 


Só que o time não parece estar e mesmo com todos os seus onze homens na grande área, toma o terceiro gol, na cobrança. 

Bruno Conti levanta na área, pela direita. Oscar, Sócrates e Scirea dividem, pelo alto. Tardelli apanha a sobra, gira e bate, dentro da área, em direção à meta. No meio do caminho, Paolo Rossi desvia de Waldir Peres: 3×2 para os italianos, que vibram muito. Júnior pede impedimento, esquecendo-se de que ele mesmo dava condições ao centroavante, por estar na pequena área. 

Uma espécie de “pane mental” abala o time. Depois, o cansaço se incumbe de arrefecer as investidas brasileiras. Parece que o inacreditável vai acontecer: a Itália, verdadeiro “azarão” no “grupo da morte”, vai se classificar, eliminando Argentina e Brasil. Marini entra no lugar de Tardelli, na Seleção Italiana.  


Aos 42, Paolo Rossi trama boa jogada e dá a Antognoni, que vence Waldir Peres, marcando o quarto gol italiano, o qual, por um lapso da arbitragem é mal anulado, pois o atacante não estava impedido. Ainda nos resta uma última esperança!

E ela aparece, na falta cometida em cima de Éder, quando arrancava em direção ao gol. A infração é quase no bico da grande área, pelo lado esquerdo. Passamos dos 43 minutos do segundo tempo. É agora ou nunca! 

Quatorze jogadores na grande área, seis brasileiros, oito italianos. E lá vem a bola na área, magistralmente colocada por Éder, no último bolo de jogadores. A “menina” passa caprichosamente por todos, menos pelo último deles: Oscar, que desfere uma cabeçada violenta, para baixo. 

Zoff salta e no puro reflexo a agarra, com dificuldades, em cima da linha, junto ao pé do poste esquerdo de sua meta. É o fim, para nós! Estamos desclassificados. Nosso futebol lúdico perdeu. Entraremos para a história como a geração genial sem títulos.

Não! Inesperadamente, o bandeirinha corre para o meio-de-campo. Klein dispara em sua direção e ouve o que este tem a dizer: que a bola cruzou a linha de gol, sendo puxada em seguida por Dino Zoff, para concluir a defesa. Klein então parte para o círculo central, tendo os italianos a lhe perseguirem, reclamando. 

“-Gooooooool do Brasiiiiiiiil!!!” . É Luciano do Valle, se esgoelando na cabine de TV, vibrando com o empate brasileiro. Gritamos também, a plenos pulmões, no estádio. Comemoração indescritível! Até os italianos se rendem nesse momento e aplaudem o gol brasileiro, aparentemente aceitando a derrota e a valentia com que sua seleção caiu, não perdendo o jogo ao menos, para o favoritíssimo adversário.

Mais dois minutos de tensão em campo, porém a Seleção Brasileira não dá mais sopa para o azar e ainda perde uma última chance num escanteio magnificamente cobrado por Éder, que o veterano capitão italiano soca para longe de sua meta. 

Aos 46 minutos e 13 segundos, Zoff repõe a pelota com um chutão para o alto e Klein apita o final do jogo: 3×3 e no Brasil, as comemorações eclodem, pela tarde e noite afora. 

O susto muda um pouco a visão de Telê, quanto ao time. Ele não aceitará mais entre os atletas, falta de seriedade defensiva, nem desequilíbrio emocional em campo. Muito menos, confiança exagerada. 


“- Não ganhamos nada, ainda!”, não se cansa de repetir em entrevistas e depois, ao grupo de jogadores. Por via das dúvidas, confirma que Batista passa a ser o titular, a partir de agora, sempre no primeiro tempo, com Cerezo “talvez” entrando no segundo.

Além disso, Serginho ficará no banco, pois Paulo Isidoro será mantido no time e haverá um revezamento entre Sócrates e Zico, no comando de ataque, visando manter-se o máximo de craques, no gramado. Até Dinamite passa a ter chances de entrar. Waldir Peres e Luisinho recebem um voto de confiança; mas qualquer novo deslize e Paulo Sérgio e Edinho estarão de prontidão, para assumirem a vaga de titular. 

A partir daí, nossa seleção engrena, vencendo a Polônia de Lato (desfalcada de Boniek) e chegando à final, diante da França, que eliminou a Alemanha de Rummenigge.

É uma decisão apoteótica, a máxima expressão da pura essência do futebol bonito! De um lado, Michel Platini, Giresse, Tiganá, Rocheteau. Do outro, Zico, Sócrates, Falcão. 

Nem é preciso falar muito: o placar de 5×4 para os brasileiros – inédito na história das finais de Copas do Mundo – já é mais do que suficiente para traduzir a magnitude da finalíssima. O Brasil se torna tetracampeão mundial de futebol, tendo como palco o estádio Santiago Bernabéu, em Madrid. 

Ao receber a taça das mãos do presidente da FIFA, João Havelange, o capitão Sócrates lhe entrega uma carta assinada pelos jogadores brasileiros, pedindo o fim do regime de concentração e o apoio da entidade nessa luta. Havelange promete estudar o caso. 
No dia seguinte, os jornais trazem a cobertura do que foi aquele Mundial: para muitos, melhor até do que o de 1970, no México. E também da festa, por todo o país.

Na capa do Jornal da Tarde, a foto de um garoto chorando com a camisa brasileira, feliz pela conquista, no estádio, vira símbolo daquela geração vencedora. Por uma tremenda coincidência, eu estava próximo do menino e vi quando a foto foi colhida. Comovente!
Na volta para o Brasil, o avião que traz a delegação brasileira aterrissa em Brasília, para que os jogadores sejam homenageados pelo governo brasileiro. 

Perante milhares de torcedores que superlotam o imenso gramado diante do Palácio do Planalto e aproveitando-se da euforia do presidente, o general Figueiredo – que adora futebol e acaba de discursar – o Doutor Sócrates, tendo os jogadores ao seu lado, reivindica “Eleições Diretas Já” para o país, nos microfones, inflamando a massa. 


Surpreso e pressionado há algum tempo pela opinião pública, o presidente promete dar uma resposta em breve a todos. E de fato o faz, semanas depois, marcando eleições com voto direto, para quando terminar seu mandato e entregar o cargo.

A euforia toma conta dos brasileiros nos anos que se seguem. 

Zico, Sócrates e outros craques permanecem jogando aqui, pressentindo dias melhores. Falcão logo retorna ao futebol brasileiro, que agora anda valorizadíssimo. 

Com a eleição de Tancredo Neves, que obtém mais de 70% dos votos, o Brasil entra numa era de investimento alto em educação, saúde e profundas reformas na política, como extinção de cargos, de privilégios e um incansável combate à corrupção. 

No futebol brasileiro, os principais clubes se unem, organizando a Copa União, embrião de muitas mudanças para melhor, nos campeonatos regionais e nacionais, daí para frente.

Aposentados dos gramados, Sócrates e Zico se sucedem na presidência da CBF. Com o apoio do governo, é criada uma lei de incentivo em todo país, que assegura um campinho de futebol gramado para cada 10 mil habitantes, no mínimo, visando levar o esporte aos mais longínquos rincões dessa nação abençoada, assim como, para descobrir novos talentos. 

O Brasil passa a ser “a bola da vez” e a ter seu campeonato transmitido para todo o mundo, inclusive para a Europa e até (quem diria!) para Argentina e Uruguai.

Agora são os estrangeiros que querem copiar nosso jogo! 

O futebol-arte passa a ser reconhecido como modelo de modernidade. Futebol, de agora em diante, só para craques. 

A mídia não abandona sua postura de tratar com seriedade jornalística, o esporte das multidões. Nada de olhar futebol como mero entretenimento ou diversão, formando legiões de torcedores alienados por programas esportivos cheios de gracinhas, tolices desnecessárias e apresentadores que não entendem profundamente do riscado. Jornalismo esportivo é e sempre será coisa séria! Não à palhaçada!

Muito menos transformar a Seleção Brasileira em produto. Ou os clubes, em reféns do dinheiro das cotas televisivas, vítimas de má administração.  

Treinadores que apregoam retrancas e jogam pelo resultado, são perseguidos. 

A ordem agora é primar pela parte técnica, cada vez mais.

A parte física é apenas um complemento importante. Nada mais que isso. Quem não sabe jogar muito bem, não tem espaço. É preciso talento e criatividade, para se firmar.

Laterais podem descer quantas vezes quiserem, ao ataque. Até os dois juntos, se preferirem. Volantes entram em processo de extinção. No meio-campo, somente gênios.  Atacantes, quantos mais, melhor. 

Os pernas-de-pau são definitivamente banidos do futebol profissional. Muitos passam a disputar campeonatos amadores. 

Nada de esquemas rígidos de marcação, tampouco equipes jogando no erro do adversário. Faltas, somente como último recurso. Simular uma entrada faltosa então; vira pecado mortal para os críticos e são exemplarmente punidas.

A beleza do toque refinado, do drible desconcertante e dos gols executados através de jogadas bem feitas, passa a ser primordial e algo cada vez mais constante, nos gramados do Brasil e do mundo. 

Não tem tanta importância levarmos gols, desde que façamos mais tentos do que o adversário; é claro. 

Nunca mais, em parte alguma deste planeta, alguém pronunciará contra o tão sagrado futebol, a terrível blasfêmia:

“- Ganhando o jogo de meio à zero, tá bom demais!”.

TRAGÉDIA DO SARRIÁ

por Eliezer Cunha


Copa do Mundo de 1982. Três derrotas e um único jogo. Brasil x Itália. Estádio Sarriá, Espanha.

Nosso Brasil respirava futebol, a nossa seleção respirava confiança e nosso povo respirava supremacia. Todos os jogos até então foram superados, ganhar era como simplesmente apertar o play. Era assim a seleção de Zico, Éder, Sócrates e Cerezo.

O carnaval futebolístico iniciou-se em junho de 82. Coretos montados e bagaceiras formadas davam conclusão ao óbvio e ao natural: vitória. Brasil acaba de vencer mais um jogo em busca do campeonato mundial de 82. O verdadeiro futebol triunfará finalmente sob o comando de nossos heróis Zico e companhia.

A alegria popular surgia naturalmente através de um conjunto de foliões que formavam o movimento chamado bagaceira. Surgia do nada após cada vitória e trazia em seus movimentos Maria Celeste, linda e perfeita como a magia imposta pelas vitórias da seleção.


A cada jogo uma bagaceira, um flerte e uma nova oportunidade de estar ao lado dela. A cada partida aumenta a intensidade deste encontro e os flertes aumentavam a cada jogo jogado.

Brasil x Itália, partida decisiva para nós. Mas pra que se preocupar com um time que não venceu nenhuma partida neste mundial? O jogo é jogado e o flerte é flertado.

Marcamos eu e Maria Celeste para enfim sacramentarmos a nossa vitoria na bagaceira formada após o confronto Brasil x Itália. Essa era minha esperança e oportunidade celestial de enfim conquistar Maria Celeste a mais cobiçada do bairro. Venceria o Brasil rumo a conquista da Copa de 82 e eu conquistaria a menina de meus sonhos.


Tarde ensolarada, começaria a partida, os bumbos e repiques aguardavam o momento da vitória. O contexto já havia se formado: vitória brasileira, bagaceira e finalmente um romance trabalhado a cada vitória.

Final de tarde … perdemos o jogo … o futebol arte não prevaleceu, a nação se calou e a bagaceira não saiu. Casei-me com Maria Vitória só pra esquecer as derrotas da vida.

MAZZOLA, O MELHOR ‘ITALIANO’ QUE VESTIU A AMARELINHA

por André Felipe de Lima


Quem o levou para o Palmeiras, no dia 25 de julho de 1955, foi Idilio Gianetti, sócio na Viação Piracicabana e um apaixonado torcedor alviverde. A ida para o Parque Antarctica foi um presente de aniversário para o então jovem José João Altafini, o Mazzola (apelido que recebera devido à semelhança com Valentino Mazzola, que comemorara o aniversário um dia antes da ida para o Verdão. Dali em diante a carreira do jovem craque evoluiu (e muito!). Tornou-se ídolo da torcida palmeirense e foi convocado para a Copa do Mundo de 1958. Era titular até o técnico Vicente Feola decidir mudar drasticamente o time, escalando, sobretudo, Pelé e Garrincha. Na estreia do Brasil, Mazzola mostrou que estava em plena forma. Marcou dois gols na vitória de 3 a 0 sobre a Áustria. Ninguém gosta de ser barrado. Ainda mais quando se está em uma Copa do Mundo. Mas o craque Mazzola, que tinha apenas 19 anos, conformou-se, mesmo jogando o fino na ocasião:

– Sou uma pessoa com pés no chão. Depois de fazer os dois gols, estava satisfeito com o que estava rendendo. Na verdade, acabei torcendo o tornozelo e não estava 100% para jogar. Não era tão fácil se recuperar como hoje. Por isso, não joguei tão bem com a Inglaterra e depois do empate o Feola precisou revisar o time. Por isso ele colocou o Vavá.

Após aquela Copa e o título conquistado, Mazzola decidiu mudar de vida. Inclusive de nacionalidade. Foi para a Itália, onde, inicialmente, defendeu o Milan, e tornou-se ídolo por lá. Tão ídolo que o clamor dos italianos para que vestisse a camisa da Azzurra convenceu-o a buscar a dupla-nacionalidade. Mazzola tinha a plena consciência do que o aguardava. Disputou a Copa do Mundo de 1962, no Chile, pela Itália e ouviu impropérios da torcida e imprensa brasileiras. Acusado de “traidor”, Mazzola incomodou-se no início, mas, distante do Brasil, foi acostumando-se com as críticas, que aos poucos perderam a intensidade.


Logo que deixou o Brasil e assumiu-se italiano, Mazzola respondia às insistentes perguntas de que lado ficaria se o Brasil decidisse a Copa com a Itália. Respondia invariavelmente enfezado: “Torno a repetir: numa peleja assim, não ficarei inibido. Se houver oportunidade de assinalar o gol da vitória da Itália, mesmo que esse tento custe o bicampeonato ao Brasil, não passarei a bola para nenhum companheiro de equipe. Eu mesmo farei o gol.”

Mazzola tocou a vida. Foi bicampeão italiano (1957 e 59) e campeão da Liga dos Campeões (1963). Naquele ano foi vaiado ao voltar ao Brasil para disputar a final do Mundial Interclubes, contra o Santos. A arquibancada do Maracanã foi impiedosa com Mazzola. Virou um dos maiores artilheiros da história do Milan, com 216 gols. Entrou, portanto, para a história do Calcio como um dos maiores jogadores que o clube “rosonero” já teve e ainda brilhou em outros clubes da “Vecchia Bota”, dentre os quais a Juventus, mas jamais escondeu o amor que nutria (e até hoje nutre!) pelo Palmeiras, como declarou ao repórter Rodrigo Farah, em 2008:


– Meu coração é verde. Minha passagem pelo Palmeiras foi curta, mas foi muito marcante. Queria ter jogado mais pelo time, pois me dá muita emoção lembrar essa época. Tive uma identificação muito boa com a torcida e é até engraçado. Fiquei surpreso com isso já que não fiquei muito tempo por lá. Continuo seguindo o Palmeiras. Vi que eles ganharam o Paulista com o Luxemburgo e fiquei muito contente.

Mesmo amando o Brasil e o Palmeiras, Mazzola fez da Itália sua morada. Jamais deixou a terra na qual é idolatrado até hoje.