por Paulo Escobar
As pessoas simples no mundo do futebol não alcançam o reconhecimento necessário, pois os que fazem o jogo e se colocam como verdadeiros produtos da fama são aqueles que mais ficam em evidência, essa evidência seletiva que visa os bons moços.
Um dos jogadores mais formidáveis tanto na simplicidade, como na habilidade, surgiu em um dos lugares mais esquecidos pelos governos argentinos, numa favela de Bajo Belgrano, ali apareceria René Houseman. El loco Houseman como seria conhecido, era um homem de povo, que começou na várzea em um time que levava por nome “los Intocables”, onde uma vez disse que ao jogar ali se sentia como jogando na seleção.
Antes de Adriano, Houseman já não conseguia largar a favela e os seus, jogador que fugia das concentrações, deixava de ir a eventos importantes para estar nos churrascos no Bajo Belgrano. Sua paixão era o time do Excursionista aonde viria a jogar, mas diante das poucas oportunidades foi parar no rival, o Defensores de Belgrano.
Menotti ao enxergar o talento deste ponta ambidestro, o leva para o “Globo” como é conhecido o time do Huracán (aonde foi campeão argentino em 1973), e foi lá que o Loco começou suas façanhas e gambetas que o colocam no radar da seleção argentina. Com um ano de primeira divisão, Houseman chega a seleção e viria a disputar as Copas de 1974 e 1978 sendo artilheiro da Argentina na Copa da Alemanha
Nos tempos em que somente quem jogava a partida recebia o valor integral por ter jogado, os reservas tinham direito a metade somente. Houseman, de coração solidário, fingia dores e se jogava ao chão perto do fim do jogo para que algum companheiro pudesse entrar e receber o valor integral também.
Um dos episódios mais lembrados na vida do Loco Houseman, foi num jogo Huracán x River. No dia anterior, tinha aniversário do seu filho. René pede para ir a festa e é liberado com a condição de chegar às 23h, mas não apareceu. Por conta do atraso na madrugada, os funcionários do clube foram buscar o Loco na festa do filho. René volta, mas inventa uma desculpa e retorna a festa chegando bêbado as 11h do outro dia, prometendo que dormindo um pouco estaria apto pro jogo.
Houseman dorme e na volta entra em campo, ainda bêbado, marca um gol contra o River e pede substituição alegando depois aos jornalistas que precisava descansar da farra da noite anterior.
O Loco não se envergonhou de seu meio e nem sofreu de amnésia, pois muitos jogadores sofrem desse mal, em relação ao lugar de sua origem. Inclusive declarou uma vez que se tivesse sido milionário compraria uma favela só pra ele. Na Copa do Mundo de 2014, aqui no Brasil, ao vir a convite de uma revista Argentina, não se hospedou em hotéis de luxo, mas foi aos morros cariocas estar com os seus iguais.
René foi o jogador que jogando pelo Huracán mais vestiu a camisa da Argentina, sendo campeão naquela Copa de 1978. De gambetas e de Boemia viveu o loco, e querido pelo restante dos jogadores, que viam nele talvez a simplicidade perdida ou então negada no mundo do futebol.
No ano passado Houseman deixou o mundo do futebol mais triste do que já tem sido de anos pra cá, viveu uma vida simples até o momento de sua morte e se divertiu jogando futebol. Quem dera muitos dos saídos das favelas não se envergonhassem e tivessem mais presente ao lado das pessoas maravilhosas que moram nos morros, quem dera tivessem a coragem e a beleza do Loco Houseman, quem sabe assim contribuiriam no fortalecimento destas comunidades.
Houseman declarou numa entrevista que quando morresse Deus o expulsaria a ponta pés do céu, pois a vida que levou na terra não o deixaria entrar naquele lugar. Não sei em que lugar do universo o loco deve estar, mas imagino que quem o recebeu deve ter sido outro gambeteiro, boêmio e driblador, numa cerveja e outra, numa pelada e outra deve estar por ai com o Mané pela eternidade e na simplicidade que ambos sabiam viver.