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História

A LIÇÃO DOS CABEÇAS-BRANCAS

por Claudio Lovato

Primeiro entraram os “velhos”, os “coroas”, os “velha-escola”.

Depois entrou o time atual, que havia levado o clube, naquele ano, ao quinto lugar no campeonato nacional.


O jogo entre o time de veteranos e o time principal começou como uma piada entre um dos heróis do passado, hoje conselheiro do clube, e o diretor de futebol, adepto do marketing agressivo e das “novas ferramentas de gestão”.

Rapidinho a coisa transpirou para a imprensa e virou matéria nos cadernos de esportes de todos os jornais da cidade, versão impressa e on-line.

Dos veteranos, o mais novo tinha 58 anos; o mais velho, 66.

Estádio cheio, dezembro, domingo de manhã, sol, último dia antes das férias do plantel. Papai Noel na pista atlética, bolas chutadas para a torcida, discurso do presidente do clube.

Aos 20 minutos, o jogo já estava três a zero para o time atual – sem que este forçasse a máquina em momento algum.

Em 35 minutos, a partida havia chegado aos cinco a zero, e os veteranos já haviam feito três substituições. Ao fim dos primeiros 45 minutos, o jogo estava seis a zero.

O intervalo foi de muitas risadas e gozações no vestiário do time atual e de conversa nenhuma no vestiário dos másters, porque não havia o que dizer e porque a sede era imensa. 

Voltaram para o campo, e o processo apenas foi retomado: em 10 minutos, dois gols da equipe principal.  Lá pelos vinte minutos do segundo tempo, no entanto, aconteceu algo que ninguém esperava – ou que alguns esperavam, a princípio, e depois desistiram de esperar. 

Saída de bola na defesa do time dos veteranos, pelo lado direito da grande área.Do goleiro, com as mãos, para o lateral-direito, deste para o quarto-zagueiro, dele para o “centromédio”, que mandou para o lateral novamente, que passou para o ponta-direita, e, do ponta, um passe mais longo e arriscado para o meia-esquerda, que tinha se infiltrado, e do meia para o lateral-esquerdo, que enfiou uma bola rasteirinha e rápida para o centroavante, que entrou na diagonal, por trás de um dos zagueiros, e, com o pé direito, batendo bem embaixo dela, com zelo e carinho, encobriu o goleiro e fez a bola morrer mansinha lá no fundo da rede.


Menos de 10 toques na bola. Sem que os adversários a tocassem. Sem bate-rebate. Só passes limpos, rentes à grama, no pé do companheiro.

Esse lance sensacional gerou aplausos, gritos e sorrisos nas arquibancadas, mas, dentro do campo, entre “os do futebol”, ocasionou outro tipo de reação.

Naqueles momentos que se seguiram ao gol, os dois zagueiros do time principal ficaram olhando um para o outro, querendo entender o que havia acontecido; o goleiro ficou olhando para o centroavante sênior, que corria, de braços erguidos, o 9 às costas da camisa que parecia que ia se rasgar a qualquer momento por causa da barriga, e os veteranos indo abraçá-lo e dar-lhe tapas na cabeça e saltar sobre ele – meninos de novo.

Dentre todas as reações dos caras que eram do futebol, contudo, a que teve significado mais especial foi esta: enquanto os bumbos e os surdos ressoavam na arquibancada, enquanto os jogadores de um time se perguntavam o que tinha sido “aquilo” e os de outro reviviam momentos especiais do passado, o técnico do time atual, um jovem estudioso do futebol que recém havia entrado na casa dos 40, olhou para o treinador dos veteranos, um macaco velho do futebol beirando os 70, e recebeu dele um sorriso que dizia mais ou menos assim: “Deixa pra lá, foi por acaso, lance fortuito…” Mas o jovem técnico sabia que não se tratava disso. Havia uma lição ali, simples e eficaz, que ele jamais esqueceria e que seria fundamental para todas as muitas conquistas que ele viria a ter em sua vitoriosa carreira.

Havia uma lição que falava de maestria adquirida e do eterno prazer em fazer aquilo de que se gosta e do quanto isso é capaz de nos manter sempre no jogo.

Do quanto isso é capaz de nos manter vivos.

A FALÁCIA DESMENTIDA

por Israel Cayo Campos


No Brasil criou-se o velho jargão de que política, religião e futebol não se discutem! Quando na verdade, talvez sejam na atualidade os três assuntos mais discutidos das mesas de bares reais a aquelas virtuais que permeiam a nossa tão próxima, mas ao mesmo tempo distante sociedade. Pior que isso, são aqueles que alegam que futebol e política não se misturam! Quando na verdade estão mais entrelaçadas na história do que linhas de um casaco de tricô que nossas amadas e antigas vovós faziam.

Aqui não cabe uma discussão como a que dividiu o país, entre direita e esquerda, até porque na minha humilde opinião de professor pós-graduado, a maioria das pessoas sequer sabem o significado dessa simetria. Mas apenas mostrar que na história do futebol, a política e os políticos sempre aproveitaram do esporte bretão e obviamente de sua popularidade para promoverem seus regimes ideológicos, ou até mesmo simplesmente para se perpetuarem em seus cargos.

A FIFA, organismo maior do futebol mundial, possui dezoito nações reconhecidas a mais do que a Organização das Nações Unidas (ONU). São 211 membros da entidade futebolística contra 193 membros do organismo criado no pós-guerra com o objetivo de mediar os problemas entre as nações da maneira mais pacífica possível (o que mais 70 anos depois de sua criação, não parece ter ainda alcançado seu êxito completo!).

É claro que é mais fácil ser reconhecido enquanto nação por uma entidade futebolística do que por uma política. Pois para um órgão político reconhecer qualquer país, esse deve passar por um trâmite burocrático muito maior do que para ele entrar em um organismo esportivo! Entretanto, países como Kosovo, Porto Rico e a Palestina, não reconhecidos enquanto estados nacionais pela ONU, são aceitos como tais pela FIFA (Kosovo ainda dando os primeiros passos). O que denota que a busca da soberania nacional se dá primeiro por meio do esporte para essas nações! O que num futuro, contribui para um reconhecimento político! Colocando, portanto, um organismo de menor importância como a FIFA, com um status tão importante quanto o da ONU no quesito aceitação!

Não pretendemos aqui contar toda a história da relação entre política e futebol existente. Daria uma coleção de livros! Por isso, mais uma vez utilizaremos o recorte das Copas do Mundo, e a partir desse, tentaremos explicar o quanto política e futebol andam de mãos dadas, para tristeza do esporte e a alegria de alguns déspotas que já passaram pela história da humanidade nesse “Breve Século XX” (Frase do historiador Erick Robsbawn, de quem sou fã), e início do século XXI.

1934 e 1938 – A vitória do Fascismo!


A Itália de meados dos anos 1930 até o início dos anos 1940 possuía a melhor seleção de futebol do mundo. Sílvio Piola, Meazza, Colaussi, Ferrari, Orsi, Guaita e Schiavio formavam o melhor ataque daquele período! Sabendo disso, o ditador italiano Benito Mussolini resolveu aproximar o regime fascista ao qual o estado italiano estava sendo comandado, a aquela brilhante seleção. Para 1934, conseguiu trazer a disputa do campeonato para a “Bota”, e a partir daí tonou-se obrigação dos italianos a vitória do torneio.

No torneio, Mussolini tentou mostrar as qualidades de seu país, e consequentemente do seu regime fascista para o restante do mundo (Para quem desconhece o que é fascismo, resumimos ao dizer que o mesmo é um regime autocrático, centralizado na figura do ditador, onde há uma valorização dos conceitos de nação e raça sobre os demais valores, muitas vezes por meio da força bruta). Ao final do torneio, recebeu elogios do também ditador brasileiro Getúlio Vargas, o qual enaltecia a recuperação da moral do povo italiano, esquecendo-se ou não que aquilo era um jogo de futebol, e não um reflexo das condições de vida do povo italiano!

Nas quartas de final, o técnico italiano Vitório Pozzo já havia enaltecido as qualidades do fascismo após a dura vitória contra os espanhóis nas quartas de final. Mas o mais curioso desse torneio veio na partida final contra a Tchecoslováquia. Pouco antes dos jogadores italianos entrarem em campo, receberam um bilhetinho enviado pelo próprio “Duce” onde estava escrito: Vitória ou morte!”. Para bom entendedor meia palavra basta! E para a sorte dos italianos, o país saiu vencedor do mundial.

Até hoje não se sabe ao certo o contexto da frase enviada por Mussolini aos seus jogadores, mas o desabafo do próprio Pozzo ao final da partida cria ao menos uma linha de entendimento mais óbvia: “Como teria sido terrível perder, e como é belo o futebol quando se ganha.”

 Para Mussolini, a derrota da seleção italiana em casa também seria a derrota de seu regime político, e daí muito provavelmente a frase de alívio de Pozzo, único técnico bicampeão do mundo até os dias atuais.

Em 1938, no primeiro mundial da França, os italianos jogaram de preto, um uniforme alusivo as cores do fascismo. Mussolini não tinha mais o mesmo controle sobre os bastidores do mundial como quatro anos antes. Mas ainda exigia de sua ótima geração mais um título mundial! A Itália dois anos antes, na casa do seu aliado Adolf Hitler, já havia conquistado a medalha de ouro frente aos austríacos por 2 a 1. Mas para o embusteiro ditador italiano, mais uma vitória era necessária!

Os italianos, independentemente das ameaças fascistas eram os melhores, e mesmo sobre risco de surra da torcida francesa, principalmente em Marselha, cidade que abrigava muitos refugiados da guerra civil espanhola, entravam em campo e faziam a saudação fascista com a mão estirada ao estilo dos antigos imperadores romanos e dentro de campo passavam como tratores sobre os adversários! Mesmo vaiada, a seleção de Pozzo e Mussolini conseguiu seu bicampeonato mundial, e o triunfo, ao menos no esporte, do fascismo italiano sobre as demais “raças”.

Para Mussolini, as vitórias no futebol eram maravilhosas, pois em meio a um país endividado e cheio de problemas sociais, as vitórias no futebol seguiram como um alento para o povo italiano, o que para azar dele, acabou com o início da Segunda Grande Guerra em 1939.

Sobre 1938, apenas um adendo. Até hoje o único jogo vencido por W O em uma fase final de Copa do Mundo se deu nesse mundial. E por motivos políticos! O jogo entre Suécia e Áustria fora vencido pelos escandinavos pois a Áustria, meses antes (março de 1938), havia sido anexada pela Alemanha Nazista de Adolf Hitler ao seu território (a Anschluss), e com isso, os melhores jogadores austríacos foram pela seleção alemã! Menos um! MatthiasSindelar.O “Homem de papel” se recusou a jogar pela seleção nazista, o que provavelmente (não há provas concretas) levou ao seu falecimento por envenenamento em janeiro de 1939 enquanto dormia com sua namorada italiana.

1950 – A política brasileira ajuda no “Maracanazzo”

O Brasil ser campeão do mundo em 1950 era importantíssimo não só para nossos jogadores, bem como, nossos políticos que almejavam promoverem-se às custas do que seria então o primeiro título mundial brasileiro! Brasil que já começara seu processo de industrialização e nacionalização de nossos recursos minerais, que já possuía artistas se destacando com a famosa “Semana de arte moderna de 1922” …,mas faltava o triunfo esportivo.

Com os países europeus devastados após a Segunda Guerra, conseguimos o direito de sediar o mundial em casa, construímos o até então maior estádio do mundo! A mania de grandeza era enorme que outro resultado não era aceito, ainda mais depois de duas goleadas históricas sobre Espanha e Suécia! O título da Copa do Mundo era o que faltava para um Brasil queria se mostrar no cenário internacional!


Faltava o jogo contra o rival Uruguai, o clima de já ganhou tomava conta do povo brasileiro, e aí era o momento que todos os políticos e candidatos a políticos resolverem aparecer! Ao invés de se prepararem adequadamente para o jogo final, os jogadores brasileiros tiveram que passar por uma sequencia de protocolos com deputados, senadores, candidatos a presidentes…Todos prometendo “mundos e fundos”!O que na palavra do goleiro Barbosa, ficaram só os “fundos” para os jogadores brasileiros, que sequer se alimentaram adequadamente para a final. É claro que não foi esse o motivo principal para a derrota brasileira, mas como disseram todos os jogadores que estiveram naquela final, o Brasil começou a perder a Copa do Mundo de 1950 graças aos políticos que resolveram aparecer na hora errada!

Os tanques em Budapeste impedem uma segunda chance para a brilhante geração húngara.

A Hungria havia perdido o mundial de 1954 no que ficou conhecido como “O milagre de Berna”. Aquela geração excepcional húngara saia como melhor seleção do torneio, mas derrotada!

Entretanto, havia uma nova chance! 1958 na Suécia! Claro que aquela geração estaria quatro anos mais velha, mas ainda assim contaria com jogadores excepcionais em boa idade para a disputa do torneio. O grande goleiro Grosics teria 32 anos, Lantos 29, Tóth 29, Kocsis 28, Czibor 28, Kubala 29 e Puskás 31 anos. Sem contar os jogadores que surgiriam a base dessa seleção e os que estavam no banco do mundial da Suíça. Se seria campeã não há como saber, mas que seria ainda uma grande Seleção não há nenhuma dúvida…

Só não foi por um motivo.Em 10 de novembro de 1956, tanques soviéticos invadiam Budapeste, a capital húngara, e tomavam o poder no país. A Hungria passava a ser membro dos países do Pacto de Varsóvia, aliados diretos da União Soviética. Era o progresso do que ficou conhecido como “Guerra Fria”, onde o país passou a fazer parte do que ficou conhecido como “Cortina de Ferro!”

Após a morte de mais de 20 mil pessoas que defendiam a Hungria da invasão soviética, mais os milhares de presos e condenados políticos, uma rendição era a única coisa possível a se fazer! Para os jogadores de futebol da magistral seleção húngara só uma coisa restava… Fugir do país e ir tentar a vida em outros locais da Europa. Nunca mais vestindo a camisa da grande seleção do leste europeu.

Kubala foi ser ídolo do Barcelona, Puskás do Real Madrid, Czibor e Kocsis foram respectivamente para a Roma e o Barcelona…E assim foi com todos os jogadores daquela geração. Alguns chegaram até a se naturalizar por outros países como o caso de Puskás que virou “espanhol”, mas a maioria mesmo não se naturalizando jamais voltou a vestir a camisa de sua seleção natal!

Graças a União Soviética e a Guerra Fria, não podemos ver a segunda chance da geração de ouro húngara em uma Copa do Mundo que poderia ter sido a sua redenção! Como o “se” não joga, o Brasil ficou com aquela taça, mas nenhuma decisão política foi tão direta para definir a história das Copas do Mundo como os tanques de Budapeste!

1970 – 90 milhões em ação e as eleições do parlamento inglês…


Em 1970, a Inglaterra, então atual campeã do mundo chegava ao México como favorita ao título. A classificação no “grupo da morte” daquela Copa continuava a manter a esperança dos inventores do futebol, que mesmo perdendo para o Brasil na fase de grupos, tinham um time melhor do que o que fora quatro anos antes campeão em casa.

A derrota para a Alemanha Ocidental nas oitavas de final por 3 a 2 e a precoce eliminação para uma seleção que acreditava que aquela seria a Copa da confirmação do futebol Inglês como o maior de todos foi um balde de água fria até para os esnobes ingleses! Ao ponto do primeiro ministro britânico Harold Wilson por a culpa da sua não reeleição cinco dias depois do jogo no fracasso inglês naquela Copa!

Quanto ao Brasil, depois do vexame na Copa da Inglaterra, uma grande desconfiança tomava conta da Seleção nas eliminatórias! Um novo técnico era chamado para montar uma nova Seleção brasileira. O comunista assumido João Saldanha, o “João sem medo”.

Ao tomar o comando do time, o futebol brasileiro se reencontrou. Com uma base de jogadores formada por Santos e Botafogo, Saldanha classificou o Brasil para o mundial do México com “os pés nas costas!” Mas aí começaram os problemas!

O Brasil passava por um período de ditadura comandada pelos militares, e mesmo sabendo da ideologia de Saldanha, o governo militar o aturava devido aos bons resultados da Seleção nas eliminatórias. Mas com a chegada do General Médici ao poder, Saldanha foi ficando cada vez mais encurralado em seu cargo. Médici queria que Saldanha convocasse Dário do Atlético Mineiro. Saldanha respondia dizendo que isso era uma imposição feita com o propósito de o tirar do comando da canarinho, pois Médici nunca havia visto Dário jogar e ele enquanto presidente da república não deveria dar pitacos na Seleção, assim como ele Saldanha, não dava pitacos no ministério de Médici.

Foi a gota d’agua! Histórias sempre negadas por Saldanha como o suposto problema de visão de Pelé foram alegadas, mas o fato é que o presidente da república de extrema direita não queria receber em Brasília a Taça Jules Rimet das mãos de um inimigo político assumido! Saldanha estava fora da equipe e no lugar dele assumia Mário Jorge Lobo Zagallo.

Naquela Copa, os comunistas brasileiros, perseguidos pelo regime militar, torciam declaradamente para os países da cortina de ferro e contra o Brasil do Médici. Só na primeira fase haviam dois adversários para quem torcer: Tchecoslováquia e Romênia! Ver o Brasil campeão enquanto passava uma situação política terrível em seus “porões” era inaceitável para quem vivia tais perrengues!


A musiquinha “Pra Frente Brasil” do compositor Miguel Gustavo, que pouco falava de futebol, mas mais parecia uma alusão ao governo militar enraivecia tresloucadamente quem estava contra o regime. Entretanto não teve jeito, com a melhor seleção de futebol da história o Brasil conquistou o tricampeonato em 1970, e até muitos comunistas que antes torciam o nariz para a Seleção saíram para comemorar!

Para Médici e os militares, aquela vitória significava bem mais do que um título esportivo. Era o progresso que o regime militar estava trazendo para o Brasil. Receber a taça das mãos de Zagallo ao invés de Saldanha também foi bem menos constrangedor para o presidente de olhos azuis.

É óbvio que aquela Seleção era merecedora do título, com certeza foi a seleção de futebol que mais mereceu vencer uma Copa do Mundo até hoje! Mas o governo militar aproveitou-se dessa conquista para cada vez mais esconder os crimes cometidos nos porões do Dops e em outros departamentos de tortura! Enquanto a maioria do povo brasileiro festejava o tricampeonato, Médici e companhia aproveitavam para gerar o momento de maior perseguição política e torturas de todo o regime militar brasileiro.

1978 – A Copa de Videla e das mães da praça de maio.


Em 1978, a Argentina passava por uma das ditaduras militares de direita mais ferrenhas da América do Sul. Enquanto as Mães da Praça de Maio buscavam o paradeiro de cerca de 30 mil de seus ‘filhos”, a Argentina por força de Videla, e conivência do presidente da FIFA João Havelange, conseguia sediar a décima primeira Copa do Mundo de futebol. Mais que somente sediar o torneio, o ditador argentino queria mostrar ao mundo um país que não existia! Uma profunda paz, harmonia e apoio a seleção argentina, além é claro de conseguir o primeiro título mundial do país, abafando de vez o grito dos torturados e mortos do país do Rio da Prata.

Para alcançar esse objetivo, Videla não mediu esforços. A tabela da Argentina levou o país a jogar 4 jogos no Munumental de Nuñez em Buenos Aires e mais 3 jogos no Gigante de Arroyito em Rosário. Se a Argentina tivesse sido a primeira do grupo como esperado antes do início do torneio, teria jogado suas sete partidas no estádio do River Plate! A derrota para a Itália no último jogo da fase de grupos impediu tamanho favorecimento planejado!

Além da tabela, o controverso jogo entre Argentina e Peru pela última rodada da segunda fase do torneio. Em um jogo contra uma boa seleção peruana, que na primeira fase vencera o Irã e a Escócia com facilidade, além de empatar sem gols com a Holanda, que viria a ser a vice-campeã mundial daquele ano, era inimaginável que mesmo desclassificados matematicamente, aquela geração iria perder por quatro gols de diferença para os argentinos!


Como só os desavisados não sabem, o Peru não perdeu por quatro gols, mas por seis tentos a zero! A Argentina, que até então jogaria contra o Peru no mesmo horário em que o Brasil que enfrentaria a Polônia, teve a hora do seu jogo estranhamente alterada para quase três horas depois do jogo brasileiro. Sabendo do resultado que precisava, logo os gols foram saindo, alguns de maneira bizarra por parte dos defensores peruanos, e com tal goleada os argentinos garantiram vaga na final!

Ao apitar do juiz, as suspeitas de que o jogo teria sido entregado por parte dos peruanos já pairava em todo o mundo futebolístico. De fato, nunca houve uma prova cabal sobre a marmelada, mas há muitos indícios de que Videla estava por trás do “negócio” que colocou os Hermanos na final. Acusações de que o Peru recebeu caminhões de trigo a mando do General após a partida, e que as negociações entre os dois países para o resultado combinado teriam sido intermediadas pelo cartel de Medellín com o tempo foram aparecendo. E até hoje, aquele 6 a 0 manchou o nome dos peruanos no futebol, e deu um estigma de campeão manchado aos argentinos de 1978! Para o General Videla, provavelmente isso pouco importava.

A Argentina chegou a final contra a Holanda. Venceu o jogo na prorrogação por 3 a 1 e se sagrou campeã mundial pela primeira vez na sua história! Festa nas ruas de Buenos Aires, festa em toda Argentina para o time de Luque, Ortiz, Passarela e Kempes! As Mães da Praça de Maio e seus desaparecidos filhos e parentes estavam caladas mediante a euforia do povo argentino! Era o que Videla queria e conseguiu!

1982 – O Sheik que anulou um gol!


Essa situação não mostra um lado negro da relação entre política e esporte, no máximo um lado cômico! A França enfrentava e vencia por 3 a 1 a fraca seleção árabe do Kuwait treinada pelo brasileiro Carlos Alberto Parreira ainda pela primeira fase do mundial da Espanha em 1982. O jogo prosseguia quando o atacante francês Giresse entrou sozinho na cara do gol kuaitiano para marcar o que seria o quarto gol francês!

Enquanto o baixinho atacante avançava, os zagueiros árabes pararam como se tivessem ouvido um apito do árbitro. Giresse que nada tinha a ver com isso marcou o gol e saiu comemorando!

Foi aí que o presidente da federação kuaitiana de futebol e Sheik do pequeno país, Fahad Al Sabah, resolveu entrar em ação. Atendendo aos pedidos de seus jogadores que alegavam ter ouvido um apito e por isso parado diante do ataque francês, o mandatário árabe manda que o seu time se retire de campo (Algo que seria inédito na história das Copas do Mundo!), e os jogadores em plena revolta atendem!

Seria uma das maiores pataquadas da história das Copas se não fosse o juiz ucraniano Miroslav Stupar, que incrivelmente cedeu a pressão do Sheik (que já havia entrado em campo para peitar o juiz) e anulou o gol francês! Não há notícia até hoje que em um jogo oficial da FIFA, um representante político tenha descido das tribunas e feito um árbitro anular um gol legal! De todas as mãozinhas políticas na história das Copas, essa foi a mais direta! Ao menos filmada! Pena que não adiantou muito, pois a França marcou mais um gol (esse valeu!) e acabou por golear o Kuwait por 4 a 1 naquela curiosa partida!

1998 – A vitória da Black-blanck-beur.


No tocante a revoluções políticas, a terra da liberdade, igualdade e fraternidade é o berço do mundo ocidental moderno! Em 1998, a situação social dos negros, árabes e até de alguns brancos do país erade sérios conflitos! Conflitos entre a polícia e imigrantes de origem africana árabe em bairros compostos por essas etnias separavam de vez os “franceses puros” dos imigrantes!

No futebol, duas Copas do Mundo em que a seleção estava ausente criavam desconfiança entre os já pessimistas por natureza torcedores franceses. Um time formado por jogadores nascido em Guadalupe (Thuram), Nova Caledônia (Karembeu), Senegal (Vieira), Gana (Desailly)… e um nascido na França, mas com antepassados argelinos (Zinedine Zidane), mostravam uma seleção nacional, sem uma unidade nacional!

Dentro de campo, essa seleção mostrou um profundo respeito as heranças da Marselhesa! Com muita aplicação tática e técnica passou fácil na fase de grupos, sofreu para eliminar o defensivo Paraguai, passou nos pênaltis contra a Itália e com dois gols do “estrangeiro” Thuram, virou o jogo para cima dos croatas e garantiu o país em sua primeira final na história! Que seria contra o temível atual campeão do mundo, o Brasil.


Na final, o filho de argelinos brilhou! Marcou dois gols de cabeça, fez grandes jogadas, e garantiu o primeiro título mundial francês! Nem a poderosa geração de Giresse, Tigana, Platini e Rocheteau conseguira ir tão longe! E a política aproveitou o triunfo francês!

Era a vitória da integração nacional! Era a vitória do Branco-Negro-Árabe! Ao menos nos campos de futebol, todo eram iguais perante os franceses! O termo liberdade, igualdade e fraternidade nunca esteve tão em moda desde a queda da Bastilha! O time de futebol se tornava o exemplo para uma nova França, e porque não, para uma nova Europa! Cada vez mais tolerante e miscigenada!

Essa foi uma atitude politicamente positiva. E quando a França conquistou o bicampeonato europeu em 2000, com mais jogadores oriundos de outras partes do planeta do que em 1998, a consciência de que todos eram franceses era inquestionável por todos! Entretanto, ao primeiro fraquejar daquela geração, a certeza de que a unidade do povo francês estava concretizada foi por água abaixo.

Se nas vitórias todos eram franceses, nas derrotas, a culpa era dos descendentes de africanos que não honravam a camisa azul, ou dos muçulmanos que se amontoaram nos arredores de Paris! O negro e muçulmano Anelka em 2010 foi excluído da Seleção ninguém sabe ao certo o motivo! E o que parecia ser a vitória da política utilizando o esporte para o bem, virou  apenas uma bravata que vai servir sempre que o resultado for positivo, mas que vai ser um tiro pela culatra quando lamentavelmente as derrotas vierem!

O racismo está muito longe de ser vencido não só na Europa como em todo o mundo, e não é o futebol, por mais que os políticos o utilizem dessa forma na hora dos triunfos, que vai conseguir acabar com esse lamentável problema humano!


2018 – A seleção africana da França!

Ainda sobre os efeitos do Branco-Negro-Árabe, logo que vencida a Copa do Mundo da Rússia pelos franceses, surgiram críticas sobre pelo menos 14 jogadores da Seleção campeã serem de origem africana, das antigas colônias que a França construiu através do seu imperialismo iniciado no século XVI.

Essa seleção em tese para os críticos era mais miscigenada ainda do que a campeã mundial de 20 anos antes! Mas o que deveria ser motivo de orgulho para um país cada vez mais multiétnico, virou assunto de estado. Com ministros defendendo os jogadores franceses em suas escolhas, e críticos falando que os mesmos jogadores representam um país que não os representa! Onde os imigrantes ou filhos de imigrantes são maltratados, entre outras acusações que novamente remetem ao período em que a França colonizou grande parte do continente africano.

Mesmo que apenas dois jogadores da Seleção campeã tenham nascido fora do país! Os críticos e aproveitadores não perdoaram! É como se os jogadores brasileiros fossem criticados por vestirem a amarelinha, mesmo eles tendo nascido aqui, só pelo fato de terem pais, avôs ou bisavôs oriundos de países europeus (principalmente Portugal), africanos e até de países árabes!


A verdade é que por mais que se diga que devam ser dissociados, o esporte, no caso levantado o futebol, e a política andam de mãos dadas! E por muito tempo será assim, pois o futebol enquanto jogo, representa a territorialidade. E esse sentimento de pertencimento comum aos primatas que somos, sempre vai associar os elementos do nosso cotidiano ao sentimento de inserção das vitórias que o futebol nos causa! Portanto, aquele que diz que  futebol e política não se misturam, ou entende pouco de futebol, ou não entende nada de política!

AGORA SIM, PROFESSOR

por Zé Roberto Padilha


Fui treinador de futebol durante oito anos. A metade em Xerém, comandando as divisões de base tricolor, América FC-TR, Ariquemes FC e Entrerriense FC. Não fomos mal, conquistamos quatro títulos (Carioca Infantil 87, Juvenil 89, Estadual de Rondônia 93, e Divisão Intermediária do RJ, em 94,) mas acabamos mal: depressão profunda herdada após participar do octogonal decisivo de Carioca de 95.

Mesmo sabendo do tamanho da nossa folha salarial, um abismo em relação aos adversários, não era fácil perder sábado sim, domingo também do Flamengo, na Gávea de 6×1 (Romário, Edmundo e Sávio), de 5×0 para o Vasco em São Januário (Carlos Germano, Gian, Ian, Pimentel, Waldir e Leandro Ávila), 4×2 para o Botafogo, que se tornaria campeão brasileiro daquele ano, do Túlio, e 3×0 nas Laranjeiras para o Fluminense de Renato Gaúcho, que acabou campeão carioca no centenário do Flamengo. Quase protagonizei as cenas de Ricardo Gomes, a pressão disparou, baixei hospital e passei a ser mais um hipertenso que levou meu orgulho de atleta a conviver com um remedinho pela manhã, outro à noitinha.


Último agachado da direita para a esquerda, Zé Roberto fez parte da Máquina Tricolor

Era treinador mas meus jogadores me chamavam de professor. Não era. Mas curtia demais as preleções. Se pudesse, adiava a partida para ficar ali no vestiário repassando ensinamentos às nova gerações, afinal, meus treinadores foram Pinheiro, Telê, Zagalo, Parreira, Antoninho, Paulo Emílio, Didi, Carlos Froner, Claudio Coutinho, Sebastião Lazarone, Evaristo Macedo, Jouber Meira, Jair da Rosa Pinto, Paulo Henrique… seria um desperdício, diante de um privilégio desses, não dividir tamanha sabedoria. E tinha a parte política, que é a minha outra paixão, falar sobre cidadania, participação, respeito àquele pessoal da arquibancada que pagou ingresso e decidiremos no domingo se serão mais felizes, ou não, em razão dos resultados alcançados.


Zé Roberto dando sua primeiro aula

E pensei comigo ao procurar um novo espaço na sociedade: na próxima encarnação vou ser professor. Após me formar Jornalista, vi o anúncio de uma pós-graduação em História, Política e Sociedade na UCP que nos tornaria um “especialista”. E fiz vestibular para História na Unirio. Fui estudando, fazendo a conta e pensei: se não for reprovado em nenhuma matéria, pego o diploma com 67 anos e… quem sabe?

Bem, na ultima quarta-feira, realizei meu sonho: dei no Colégio Walter Francklin, em Três Rios, para meus amigos acolhidos no CapsAd, aos 64 anos, 9 meses e 1 dia, minha primeira aula de História do Brasil. Era sobre o descobrimento, mas o que descobri mesmo foi que para alcançar um novo mundo ainda neste mundo não basta apenas imaginar o que há após o Cabo da Boa Esperança. Temos que alçar nossas caravelas da vontade, singrar os mares com a força da determinação, com qualquer idade, e alcançar o país que habita dentre dos nossos sonhos. Se for no Brasil, e nesta encarnação, podemos até colaborar em sala de aula para que alcance, de verdade, a sua independência.