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Heleno de Freitas

CRAQUE NA BOLA E NA TELINHA: HELENO DE FREITAS

por André Luiz Pereira Nunes


Expoente de uma época em que o futebol ainda não se transformara em um mercado altamente lucrativo, na qual o jogador se identificava com as cores de seu clube, Heleno de Freitas foi um dos grandes nomes do futebol sul-americano dos anos 40. Contudo, a exemplo de seus companheiros de geração, não se tornaria milionário como qualquer atleta de nível médio dos tempos de hoje.

Ao contrário do que se poderia prever, a produção cinematográfica dirigida por José Henrique Fonseca, de 2012, não deve ser resumida a uma temática futebolística, mas sim um drama. Não haveria outra maneira de se narrar a triste trajetória do polêmico ídolo amado pela torcida botafoguense e precursor de uma série de “bad boys” do futebol brasileiro. Quem acompanhou as trajetórias de Edmundo, Ronaldinho, Adriano e outros atletas, talvez nem imagine que tiveram um célebre antecessor.

Referencial do Botafogo, na era pré-Garrincha, foi apelidado pela torcida adversária de Gilda, personagem estrelada por Rita Hayworth, no papel da mulher tão bela quanto complicada. O ídolo marcaria sua trajetória pelo time de General Severiano com 209 gols, em 235 partidas, tornando-se o quarto maior artilheiro da história da agremiação alvinegra. Em 1948, fora vendido ao Boca Juniors, até então a maior transação do futebol brasileiro. De volta ao Rio de Janeiro, atuou pelo Vasco da Gama, conquistando o título de campeão carioca de 1949, coadjuvado pelos companheiros do inesquecível “Expresso da Vitória”. No Júnior de Barranquilla, da Colômbia, marcou 14 gols em 47 jogos. Entre 1950 e 51, ainda defenderia as cores do Santos ao assinalar a incrível marca de 18 gols em 20 jogos. Encerrou melancolicamente a carreira no America ao jogar somente uma partida, a sua única no estádio recentemente inaugurado do Maracanã. Acabaria expulso aos 35 minutos ao atingir violentamente um zagueiro rival. Faria ainda 18 partidas pela Seleção brasileira, marcando 19 gols. Sagrou-se artilheiro do Campeonato Sul-Americano, em 1945, com 6 gols.


Espetacularmente interpretado pelo galã Rodrigo Santoro e encenado de maneira realística em preto e branco, correm em paralelo a imagem do ídolo em pleno sucesso e do doente magro e louco internado em um manicômio em Barbacena, conseqüência da vida desregrada e do avanço da sífilis, doença a qual se negara a tratar, apesar dos insistentes protestos de médicos e dirigentes. 

Para interpretar o personagem, Santoro foi obrigado a perder 12 quilos. As duas horas de projeção relembram a memorável, entretanto decadente, trajetória de um personagem que pensava que sua fama se estenderia por toda a eternidade. Ele, de certo modo, estava certo.

HELENO, O ‘FILHO DE ARES’, OU O CENTENÁRIO DE UM DEUS ALVINEGRO

por André Felipe de Lima


No período em que fui repórter do já extinto Jornal do Commercio, no Rio de Janeiro, tive o imenso prazer de ter como colega o monstro sagrado da imprensa carioca Carlos Rangel, o querido “Rangelão”, que, como denota o apelido, tratava-se de um camarada alto no tamanho e, evidentemente, na competência como repórter. Na camaradagem também. “Rangelão”, uma figura sempre amável, infelizmente, não está mais entre nós, e lamento profundamente nas várias vezes que conversamos, entre intermináveis doses de café no botequim em frente à redação, não termos abordado sobre a figura de Heleno de Freitas. Falávamos de política, economia e cultura, mas jamais sobre Heleno. Pena…

Carlos Rangel escreveu uma biografia sobre Heleno intitulada “O Homem que sonhou com a Copa do Mundo”. Livro que este jornalista incauto só leria muitos anos depois para escrever sobre Heleno para a enciclopédia “Ídolos-Dicionário dos craques”, hoje recolhida em meus drives, gavetas e estantes da minha redação particular. Os empenhos pioneiros de Carlos Rangel e, pouco antes dele, de João Máximo e Marcos de Castro foram fundamentais para que entendêssemos (ou começássemos, pelo menos, a compreender) a incomum trajetória de Heleno. Mas foi a obra singular de Marcos Eduardo Neves, ao seguir o caminho da excelente investigação após um papo com Luiz Mendes, que revelou de vez quem foi Heleno de Freitas.

Heleno faria 100 anos neste dia 12 de fevereiro. Nenhum jogador teve a vida tão bem desenhada, perfeita para roteiros de cinema, teatro, novela, livros ou seja lá que meio de arte for possível nestes dias tão midiáticos em que vivemos. Cada momento da vida do Heleno tinha um norte trágico que pedia a boa palavra, o bom texto, a narrativa precisamente calculada pela arte que tão bem pintou-o como craque da pelota. Sim, desde a infância essa verve contornava Heleno. Um animismo sempre pareceu ladeá-lo.

Não diria que o grande craque noir brasileiro vivia às turras com o destino. O destino sim é que estava domado por ele. Pelo menos era assim que pensava Heleno e foi assim que o gênio genioso (como o definia Luiz Mendes) viveu. Brigando e vivendo, sejamos sinceros. Guerreando consigo mesmo, assim construía-se sua verdade. A cada grito com um companheiro de time ou treinador, Heleno parecia gritar com seu próprio ego.

Mas o irascível Heleno era o grito encarnado. Se não descarregava sua fúria contra alguém, despejava-a em seus chutes ou cabeçadas fulminantes. Sua face apolínea era a máscara para um Ares essencialmente enrustido, mas que o movia intensamente. E foi este mesmo deus grego que o batizou, que parece tê-lo adotado logo no primeiro grito do Heleno antes mesmo da pia batismal. Foi Ares quem definitivamente o desenhara. Pintou Heleno, sem tintas dionisíacas; pintou-o um grego guerreiro, que não poderia ter outro nome senão este que recebera em São João Nepomuceno e que foi devidamente imortalizado nos gramados e na Pérgola do Copacabana Palace, onde fumava seu cigarro e bebia seu uísque, observando o tempo e as beldades na sofisticada piscina. 

O interminável sonho chamado Heleno jamais nos deixará, como bem o descreveu Nelson Rodrigues: “Não há no futebol brasileiro jogador mais romanesco”. Como discordar do “Anjo pornográfico”? Como discordar do Rangelão? Como discordar do João Máximo e do Marcos de Castro? Como discordar do Marcos Eduardo Neves? Todos (ao seu modo) viram Heleno jogar, sobretudo Marcos Eduardo, que sequer era nascido quando Heleno foi acolhido por seu pai Ares, no Olimpo. Marcos, como nenhum outro, esteve perto de Heleno. Foi, talvez, seu melhor amigo. Amigo do solitário filho de Ares. Heleno tinha o mundo a sua volta, mas não as pessoas deste mundo.

Definitivamente, se houvesse futebol na Grécia Antiga, a Grécia das odes ao belo, ao harmoniosamente belo, certamente o seu deus da bola seria aquele solitário alvinegro. Seria Heleno.

HELENO DE FREITAS: 100 ANOS DE SOLIDÃO

por Marcos Eduardo Neves


Mítico personagem da sociedade carioca dos anos 40, se estivesse vivo Heleno de Freitas celebraria hoje 100 anos de idade. Certamente, ele adoraria ver seus familiares na festa, mas treinadores, árbitros, companheiros de time… mandaria todos para o mais longe possível.

Heleno era irascível, temperamental. Mario Vianna, principal árbitro brasileiro da sua geração, era fã da sua elegância, de seus trejeitos de cidadão grã-fino, de boa família, estudante do São Bento que se formou em Direito. Em campo, porém, era sempre obrigado a expulsá-lo.

O rebelde centroavante recebia cartão vermelho não por conta de desentendimento com adversários. Na maior parte das vezes, as vítimas eram seus próprios colegas de time. Heleno desejava que fossem tão habilidosos quanto ele. Perfeccionista, precisava ter outros dez Helenos no time. 

Nascido em São João Nepomuceno, interior mineiro, mas carioca por adoção, Heleno circulava pela high-society nos grandes cassinos e no Copacabana Palace. Amigo de João Saldanha e Carlinhos Niemeyer, era admirado e invejado. Admirado por ser jogador de seleção brasileira – se houvesse Copa do Mundo em 1942 e 1946, não fosse a Grande Guerra, seria forte candidato ao posto de artilheiro em ambas as competições. Afinal, se Leônidas da Silva foi o goleador do Mundial de 1938, e Ademir Menezes o de 1950, não há como duvidar do potencial de Heleno.

Invejado por de seu Cadillac sair quase sempre a mulher mais cobiçada do pedaço, Heleno parecia ator de novelas, modelo, capa de revistas. Cabelos glostorados à base de gomalina, ternos cozidos pelo requisitado alfaiate do Presidente Getúlio Vargas, era um figurão. Mas a vida desregrada por entre as rodas boêmias do profano ‘Clube dos Cafajestes’, seus amigos milionários, mulherengos e brigões, não necessariamente nessa ordem, levaria o galã ao vício do lança-perfume, que o conduziria a inalar éter puro antes dos trinta anos de idade. Assim, de paralisia geral progressiva, aos 39 anos Heleno morreria esquálido, deformado, em um melancólico manicômio de Barbacena. Cobaia e vítima das consequências finais de uma sífilis adquirida em alguma das inúmeras noitadas promíscuas.


Personalidade fascinante que seduziu de Armando Nogueira a Nelson Rodrigues, de Vinicius de Moraes a Gabriel García Márquez, Heleno de Freitas foi o grande ídolo do futebol brasileiro nos anos 40. Não ganhou nenhum título pelo clube do coração, o Botafogo, somente pelo Vasco da Gama, graças ao formidável ‘Expresso da Vitória’. Estrela da seleção, defendeu também o Boca Juniors, o Junior de Barranquilla, e fez pelo América uma partida icônica: o que seria a sua épica estreia no Maracanã acabou se tornando, devido à loucura que lhe corroía a mente, a sua triste despedida dos gramados.

Uma história dramática, que virou peça de Miguel Paiva. Um enredo cinematográfico, que virou filme com Rodrigo Santoro. Uma tragédia grega, como sugere o seu nome, que virou livro – cuja terceira edição sairá em março agora, sob o selo MUSEU DA PELADA. 

Pela primeira vez, um livro de esporte traz, em plena capa, a imagem de um atleta fumando. Mais uma prova de que como era diferente. De que era uma força da natureza. De que nunca houve um homem como Heleno.