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Grêmio

ANCHETA, UM DOS MELHORES BEQUES DA HISTÓRIA GREMISTA

por André Felipe de Lima


Estava cansado. E tinha motivos de sobra para chatear-se com os cartolas do Nacional. Afinal, chegara ao tradicional e campeoníssimo clube de Montevidéu com apenas 15 anos. Cresceu e, com a tradicional camisa branca, ajudou o Nacional na conquista de quatro campeonatos uruguaios [1966, 69, 70 e 71] e de uma Taça Libertadores da América [1971] e, de quebra, era titular absoluto da seleção uruguaia. Nada mal para quem era ídolo da torcida e um dos melhores zagueiros de seu tempo e o melhor do mundo em 1970. Mas como tolerar quatro meses sem receber um salário de apenas 1100 cruzeiros, ninharia para sua época? Prêmios por vitória, os chamados “bichos”? Ah, aquela dívida era monumental, algo em torno de 120 mil cruzeiros. Ancheta, definitivamente, cansou. Pediu as contas e decidiu que no Nacional, que devia cerca de 5 milhões de cruzeiros na praça, não ficaria mais.

Se for para ser ídolo, seria em outro lugar, ganhando o que realmente merecia um craque de sua estirpe. Foi assim que, em outubro de 1971, o Grêmio herdou do Nacional aquele que faria de sua trajetória nos campos brasileiros um dos melhores jogadores da história gremista.

Se o Grêmio teve dificuldade para comprar o passe de Ancheta? Nenhuma.
Quem aparecesse com dinheiro na sede do Nacional levava qualquer um dos craques do time. Que tal um Cubillas? Ou um Artime? Quer o Montero Castillo e o “cobra” Espárrago? A “feira” uruguaia era farta. Mas os cartolas gremistas só tinham olhos para Ancheta. E botaram preço.

Luís Silveira Martins e Luiz Carvalho [grande ídolo do passado Tricolor] ofereceram 250 mil cruzeiros, o passe de Chamaco [comprado ao River Plate, em março de 71, por 100 mil] e a renda de um jogo em Porto Alegre que garantisse, no mínimo, 200 mil. A soma de 550 mil foi muito em conta. Ancheta, um craque, à preço de banana. Melhor, impossível. Negócio da China para o Grêmio e um grande alívio para Ancheta. Nem mesmo a disputa do Mundial de clubes, no mês seguinte, contra o grego Panathinaikos, comovera-o. Muito menos a chiadeira da imprensa uruguaia. O El País estampou a manchete “Ancheta, o melhor jogador do futebol uruguaio vai embora”. Já o El Día intimou a Associação Uruguaia de Futebol pra que evitasse que mais ídolos locais debandassem. “Olha, eu tinha direito a 20% sobre o preço do passe. Mas abri mão para facilitar o negócio. Também aceitei receber apenas a metade do que o Nacional me devia em prêmios. Era o único jeito de sair de lá.”

O Nacional acabou campeão do mundo. E Ancheta? Estava muito feliz com a nova casa, em Porto Alegre.

O Inter, quando soube que o Grêmio comprara o passe de Ancheta, então o melhor zagueiro do planeta, tratou de acelerar a vinda do antagonista do uruguaio: o defensor Elias Figueroa, chileno e um dos ídolos do Peñarol, arqui-rival do Nacional.

NA VAGA DE UM ÍDOLO


Atilio Genaro Ancheta Weiguel nasceu no dia 19 de julho de 1948, na cidade de Florida, no Uruguai. Sua primeira experiência futebolística foi aos sete anos de idade, na sua cidade natal, no Clube San Lorenzo, e seu ídolo, desde pequeno, era o zagueiro Emílio Alvarez, do Nacional.

Quando completou quinze anos, foi convidado por um amigo para fazer um teste no Nacional, onde ingressou nas categorias de base como centromédio. Gostava tanto da posição que recusou várias tentativas de o escalarem na zaga. Só se convenceu de que deveria recuar ainda mais quando percebeu que Montero Castillo, grande ídolo do Nacional e titular na zaga da seleção uruguaia, estava em fim de carreira.

Em 1966, já se destacava como um zagueiro seguro e de futebol refinado, incapaz de chutões ou entradas violentas nos atacantes. Após se destacar pela seleção uruguaia na Copa do Mundo de 1970, no México, como um dos melhores zagueiros da competição, ao lado do italiano Cera e do alemão Franz Beckenbauer, Ancheta seguiu para o Grêmio, em 1971.

Fez boas temporadas, mas nada de títulos para o Tricolor, que caía sempre diante do rival, o Internacional de Falcão e Figueroa, ganhador de tudo o que era troféu que via pela frente. Se era de prata e brilhava, o Inter ia lá e papava. Para o Grêmio nada sobrava. Mas para Ancheta, o reconhecimento viria em 1973 — e em dourado —, com a “Bola de Ouro”, da revista Placar , de melhor jogador do Brasil. Nem mesmo os dolorosos cálculos renais impediam-no de jogar. Curvava-se de tanta dor, mas não dava moleza para atacante algum.

No ano seguinte, o melhor zagueiro do planeta queria disputar novamente a Copa do Mundo, mas o Grêmio não queira liberá-lo para a seleção do Uruguai. “Então os dirigentes uruguaios ficaram irritados comigo e disseram que eu não era patriota. Quando fui a Montevidéu para explicar, ninguém quis me ouvir, não me deram microfones nem espaço nos jornais”. Somente três anos depois do episódio, Ancheta comentou o imbróglio entre os cartolas do Uruguai e do Grêmio.

Em 1975, quando o rival conquistou o primeiro título nacional de sua história, o Grêmio quase entrou em colapso e Ancheta com ele. O jogador vivia às voltas com uma série de lesões. Ficou até 90 dias fora de ação e por pouco não venderam seu passe ao Fluminense. A imprensa especulava e a torcida também. Diziam que Ancheta pedia para não jogar e que o seu caso estava mais para um psiquiatra que para um técnico de futebol. Havia exagero? Evidentemente que sim, mas Ancheta realmente trocou uma ideia com um psiquiatra. O próprio craque confirmou, na ocasião, a história, dizendo-se amigo do médico, mas sem sequer saber o nome do camarada. Há explicação para — se é mesmo que existe — a teoria do ato falho? Freud talvez explique. Ancheta tratou, porém, de encontrar solução caseira para suas contusões, que o perturbavam desde os tempos de Nacional, como a calcificação óssea na coxa direita que o obrigou a uma cirurgia.

A quem garantisse que o tal “problema psicológico” de Ancheta começou quando ele perdeu a bola para o ponta Valdomiro, que acabou marcando o gol do título estadual do Inter, em 1974. Ou seja, Seria o Gre-Nal o maior tabu na carreira de Ancheta?

Sua fibra em campo nunca foi questionada, mas o jogador começou, nos primeiros meses de 1976, a enfrentar um novo problema físico que muito o incomodava: uma insuportável dor nos quadris. Como era magro, os constantes choques com jogadores adversários provocavam dores na região. Por conta disso, ficava fora do time por alguns jogos seguidos. Para contornar a situação, chegou a usar uma grossa faixa de espuma na cintura durante as partidas e até treinos.

Parece que a solução de Ancheta dera certo. Para ele e todo o time do Grêmio, que, no dia 28 de julho, acabou campeão do primeiro turno do Campeonato Gaúcho para cima do Inter. Seria aquela vitória o começo do fim do jejum de títulos estaduais?

Naquela partida, Dario, o “Dadá Maravilha”, centroavante colorado, elogiou Ancheta. O zagueiro retribuiu a gentileza: “Gostei do Dario. É um cara sensacional”. Mas a recente amizade — se realmente podemos afirmar que há alguma entre um zagueiro e um centroavante — acabaria prematuramente em outro Gre-Nal, do qual o Inter saiu vencedor e, de quebra, campeão do segundo turno. Talvez a vitória não compensasse o estado em que Dario se encontrava quando deixou, mancando, o campo. O saldo foi um olho inchado e a orelha esquerda inchada. O clássico, que de clássico não teve nada, foi uma verdadeira guerra. Hermínio e Falcão, do Inter, e Eurico e Alcino, do Grêmio, foram expulsos, onze receberam cartão amarelo e Dario prometeu vingar-se de Ancheta, que, segundo o centroavante, chutou-lhe, com vontade, a bunda. “Já se viu disso? Senti a dor mais terrível da minha vida. Cansei de apanhar e bati nele. E tem mais: ele não perde por esperar. Depois dessa, posso afirmar que nunca senti um título tão perto.”

Dario cumpriu a ameaça e o Inter levantava novamente o caneco de campeão gaúcho. Ancheta, eu detestava que o comparassem ao chileno Figueroa, zagueiro e ídolo colorado, teve de engolir seco. Um dia haveria de ir à forra, mas como campeão. Quando Figueroa chegou ao Inter, ingressou em um time que já era campeão e que conquistaria o Brasil. Definitivamente, o melhor time nacional dos anos de 1970 foi o Inter de Falcão, Figueroa e companhia. Já Ancheta veio para um Grêmio sempre atrás do rival. Não foi fácil para ele aturar as comparações com o craque do Inter, que existiam desde o duelo entre ambos, quando defendiam Nacional e Peñarol.

Mesmo sem conquistar títulos com o Grêmio, o clube proporcionou a paz de espírito e a grana necessária para que Ancheta fizesse um bom pé de meia. Na mesma época das seguidas contusões, acabara de comprar uma mansão e três casas no Uruguai e trocara um apartamento em Camboriú, no litoral catarinense, por um posto de gasolina.

Custou a ser campeão pelo Grêmio, o que aconteceu somente em 1977, ao erguer o troféu do Campeonato Gaúcho. Apesar de ser um dos homens de confiança do treinador Telê Santana, Ancheta não disputou o jogo que garantiu o título ao Grêmio. Até hoje especula-se que o zagueiro foi sacado do time na final, dando lugar a Cassiá, por tremer em Gre-Nais. Maldade. Ancheta nunca tremeu contra o Inter. Dario que o diga.

Após o título de 77, o zagueiro, que se naturalizou brasileiro em 1976, conquistou os campeonatos estaduais de 1979 e 80, este último na reserva do jovem Newmar.


Após nove anos no Olímpico, Ancheta deixou o Grêmio sob uma indisfarçável amargura. “Não pelo Grêmio, que tem um ambiente sensacional, mas pelo que perdi financeiramente. Hoje sei que poderia ter ganho 50 por cento mais se tivesse saído antes”. Ancheta deixou o Grêmio para defender o Milionários, da Colômbia, em 1980. No ano seguinte, voltou ao clube que o projetou: o Nacional.

Não foi uma estada amena. O clima com o técnico Basile azedou e Ancheta mostrou-se disposto a sair novamente do Nacional. Dono do próprio passe, Ancheta recebeu proposta do São Paulo, em agosto de 1982, com aval do treinador do Tricolor paulista, Poy.

A situação no Nacional foi contornada e Ancheta permaneceu no clube de seu coração para lá encerrar, em dezembro de 1982, uma extraordinária carreira de craque e de ídolo do futebol uruguaio e, por que não, brasileiro. Retornou a Porto Alegre em 1983. Tornou-se empresário até 1987, quando resolveu ser auxiliar técnico, no ano seguinte, do Clube Avaí de Florianópolis, onde se consagrou campeão estadual. Em 1996, começaram as reverências ao legado esportivo de Ancheta: colocou os pés na calçada da fama do Grêmio e recebeu um troféu de “Gaúcho Honorário”. No ano seguinte, outro troféu de reconhecimento por ter sido o melhor zagueiro central da seleção uruguaia nos últimos 25 anos. Em 1998, o Nacional o considerou um dos melhores atletas de sua história. Com a camisa da celeste olímpica, Ancheta entrou em campo 20 vezes.

Aposentado, o ex-zagueiro “descobriu-se” cantor de boleros. E o faz até hoje em clubes e churrascarias. Já gravou, inclusive, alguns CD’s, mas não deixou o futebol de lado. Administrou uma escolinha no clube Força e Luz e arrumou um “bico” na TV Pampa, canal 4, de Porto Alegre, como comentarista esportivo.

Ancheta tornou-se uma lenda do futebol gremista. Quem o viu em campo, garante: uma zaga de sonhos seria Ancheta e Aírton Pavilhão. Realmente seria extraordinário. Sonhar, afinal, não custa nada.

***

Esta é a biografia de Ancheta, um dos maiores ídolos gremistas, que está no primeiro volume (a letra “A”) da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, que será lançado até dezembro, pela Livros de Futebol.com, do editor Cesar Oliveira.

BALTAZAR ANDA COM FÉ… E GOLS!

por André Felipe de Lima


No início da década de 1980 uma geração de jogadores proclamou-se “representante digna da fé religiosa” nos gramados. Eram os “atletas de Cristo”. Um dos expoentes chama-se Baltazar, o centroavante presbiteriano que marcou época no Grêmio e foi um dos protagonistas da conquista do primeiro campeonato brasileiro do tricolor gaúcho, em 1981. Nenhum jogo seria ganho, reforçava o artilheiro “pastor”, caso não houvesse uma “intervenção divina” graças às leituras dos “Salmos”. Jogos, títulos, troféus… tudo tem, afinal, o “dedo de Deus”. “Quando não faço gols, é porque Deus não quis. Quando marco, é porque estava em Seus planos. E olha que fui artilheiro do Campeonato Goiano. Tudo começou a acontecer quando descobri Deus […] Tornei-me titular, meu salário aumentou, fui artilheiro, o Grêmio me quis. Puxa, isso diz tudo!”, declarou, em maio de 1979, Baltazar, ainda jovem craque, que acabara de chegar ao Grêmio, convicto de que entraria para a história do clube gaúcho. Fé e, sobretudo, muito trabalho o garantiram no panteão de ídolos imortais do tricolor.

Baltazar Maria de Morais Júnior nasceu no dia 17 de julho de 1959, em Goiânia. Converteu-se graças à influência dos pais, seu Baltazar e dona Conceição. “Um dia, entrei no meu quarto, ajoelhei-me diante de uma imagem de Cristo e pedi, com muita fé, que Ele me ajudasse, que desviasse minha mente de namoricos e festinhas. Senti que havia um grande vazio no meu coração e só Deus poderia preenchê-lo.”

O ainda menino Baltazar deixou de lado o carteado das concentrações dos juvenis, as festinhas e os namoricos. A fé veio junto com o sucesso no futebol, com um alvissareiro começo de carreira no Atlético Goianiense, em 1978, time de sua cidade natal, Goiânia, aos 17 anos. Logo no primeiro ano como profissional, foi artilheiro estadual, marcando 31 gols no campeonato, um recorde até hoje imbatível no futebol goiano.


No mesmo ano em que explodiu no Atlético Goianiense, Baltazar cursava Matemática. O sonho era ser engenheiro, mas o talento com a bola parecia seduzir-lhe mais que os números e equações. Em maio do ano seguinte, na maior transação da história do futebol goiano, o centroavante seguiu para o Grêmio, que pagou três milhões de cruzeiros para tê-lo no Olímpico. No clube gaúcho, conquistou, de cara, campeonato gaúcho de 1979, marcando 19 gols em apenas 20 jogos. Logo após o título, a Federação Goiana de Futebol reconhecera o valor de Baltazar, premiando-o com cinco mil cruzeiros, pelos 31 gols do campeonato goiano do ano anterior. O craque doou todo o dinheiro à sede goiana do Movimento de Recuperação de Viciados em Tóxicos.

Em 1980, Baltazar seria “bi” gaúcho e artilheiro principal da competição, com 28 gols. Seus gols garantiram uma vaga nas seleções brasileiras das categorias de base. A fé e, sobretudo, os gols de Baltazar foram exaltados também no Palmeiras, Flamengo e Celta de Vigo, na Espanha.

Todo gremista que viu Baltazar vestir a camisa tricolor vibrou com seus gols. O único lamento era, porém, a escassez de gols do artilheiro em clássico Grenais. Durante os anos em que esteve no Olímpico, Baltazar marcou apenas três gols contra o Internacional. O saudoso Luiz Carvalho, outro ídolo gremista e maior artilheiro tricolor contra o Inter, pedia, em outubro de 1981, às vésperas de mais um embate encarniçado contra o arquirrival, paciência aos torcedores mais exaltados. Dizia que Baltazar, embora goleador nato, nada poderia fazer se não tivesse um bom “garçom” a lhe servir bolas à vontade para estufar as redes coloradas: “Ele precisa de alguém que o ajude, porque sozinho não dá”. Os meias Paulo Isidoro e Vilson Tadei, companheiros de Baltazar em 1981, rechaçaram a opinião do ídolo Luiz Carvalho e garantiram que a sorte estava era mesmo do lado do paraguaio Benitez, goleiro do Inter. Foguinho, outro ídolo imortal do panteão gremista, alertou para uma insegurança de Baltazar diante do Inter: “O problema é que Baltazar não tem uma personalidade marcante. Por isso, sente as críticas e perde a segurança. Eu o aconselho a ter mais confiança nele mesmo”.

O conforto de Baltazar ficava por conta de Myrna, a dedicada companheira do craque, tanto nos momentos mais felizes ou nos duros da carreira do grande atacante. De Myrna, Baltazar nunca se separaria, e com ela, teve dois filhos.

TUDO PELA FÉ

A credulidade exacerbada de Baltazar rendeu algumas histórias, no mínimo, surreais e lendárias. Ainda no Grêmio, o craque artilheiro se preparava para embarcar com a delegação do time para o Rio de Janeiro, onde haveria um jogo contra o Flamengo pelo campeonato brasileiro. Ele se recusou a embarcar por que teria esquecido sua bíblia em casa. A situação foi extremamente desconfortável e o chefe da delegação teria oferecido ao centroavante a sua bíblia particular. Baltazar recusou. “Tenho que buscar o Livro de Deus. Nem que seja para pegar o vôo seguinte, pagar a passagem do meu próprio bolso, e me encontrar com vocês lá no Rio”, teria dito o craque.

Ao desembarcarem, os companheiros compraram imediatamente uma bíblia para Baltazar, que aceitou mais por educação do que por convicção. Prenúncio de “tragédia” no Maracanã? O Grêmio realmente jogou muito mal no primeiro tempo, Baltazar idem. No segundo tempo, porém, há algo no ar. O “Artilheiro de Deus” retornou ao gramado renovado. E não foi por causa da preleção do técnico. “Foi Deus”, teria alegado.

Marcou o gol da vitória do Grêmio e garantiu que a mão divina estava nos seus pés, graças ao “perdão obtido por ter esquecido a bíblia em Porto Alegre”. Jogo terminado, Baltazar concedeu as costumeiras entrevistas no campo e seguiu para o merecido banho no vestiário. Ao remexer sua bolsa, a surpresa: A bíblia… a sua bíblia estava ali, diante dele, como uma espécie de milagre. O autor? Deus? Que seja, mas a colaboradora de Deus no milagroso transporte do texto sagrado foi a esposa de Baltazar, que após conversar com o centroavante pelo telefone, horas antes do jogo, pegou um avião imediatamente rumo ao Rio, desceu no aeroporto e, de táxi, chegou rapidamente ao Maracanã. Autorizada pelo roupeiro do Grêmio, entrou no vestiário e colocou a bíblia de Baltazar na bolsa do craque minutos antes do final do primeiro tempo. Correu para a arquibancada e ainda presenciou o feito do renovado marido durante o segundo tempo. Estava consumado o milagre do Grêmio, dos pés de Baltazar, da perseverança da esposa do ídolo e, vá lá, com mão do chefe lá de cima.


Mas a carreira de Baltazar sempre esteve muito acima de milagres. Seus gols nada tinham de metafísicos ou subjetivos. Eram reais, para a alegria do futebol nacional. Foi dos pés do craque que o Grêmio iniciou sua trajetória de títulos para além dos pampas. Na final do campeonato brasileiro de 1981, contra o São Paulo, no lotado estádio do Morumbi, um golaço de Baltazar, após uma jogada que começou com o lateral direito Paulo Roberto, passou por Renato Sá, que, de cabeça, levantou na área para a “matada” de bola seguida por um chute certeiro de Baltazar contra a meta de Waldir Peres. A “Máquina” do Morumbi caiu diante do tricolor gaúcho.

Em agosto de 1982, o jogador, sem um bom clima no Grêmio após a perda do título estadual de 81, foi transferido, por empréstimo, para o Palmeiras [para onde regressou no segundo semestre de 1983]. Sua passagem, que durou até dezembro, foi, no entanto, curtíssima e aquém do seu farto futebol. Nas duas fases em que esteve no Verdão, disputou 70 jogos, venceu 26, empatou 28 e marcou 25 gols. Antes de se transferir para o futebol espanhol, vestiu ainda as cores de Flamengo, em 1983, após um troca-troca entre os clubes envolvendo também o meia Tita. Na verdade, Baltazar tinha chances de permanecer no Palmeiras, mas a diretoria gremista queria o craque do Flamengo a todo custo. “O que eu não queria mesmo era voltar para o Grêmio, porque me sentia rejeitado pela diretoria que acabara de assumir. Como eles estavam loucos atrás do Tita, acabaram melando minha contratação pelo Palmeiras para poderem fazer a troca com o Flamengo.”

Ao lado de Zico e Júnior, Baltazar ajudou o rubro-negro a conquistar o tri-campeonato brasileiro, em 83. Poderia ter ficado mais tempo no Rio de Janeiro, mas, logo que chegou à cidade, assustou-se com o verão carioca, como descreveu a repórter Maria Helena Araújo: “Passeando pelas areias quentes de Ipanema, Baltazar parece tão à vontade quanto um torcedor do Fluminense perdido no meio da galera flamenguista, em pleno Fla-Flu. A brancura de sua pele o deixa encabulado e produz um contraste chocante com o bronzeado dos corpos seminus que desfilam diante dos seus olhos. De súbito, como que fareja algo estranho no ar, ele franze o nariz e indaga: ‘Que cheiro estranho é esse?’ O cheiro era inconfundível e vinha de um cigarro de maconha que corria de mão em mão, num grupinho de pessoas ao lado. Baltazar balança a cabeça num gesto de reprovação e vai embora.”

E foi mesmo, um ano depois, após a segunda e curta passagem pelo Palmeiras, no segundo semestre de 83, para o Botafogo, com o qual foi artilheiro do campeonato estadual de 84, com 12 gols, ao lado de Cláudio Adão, do Bangu.

Do Rio à Espanha, Baltazar chegou a Vigo em agosto de 1985 para defender o Celta. No ano seguinte, no dia 21 dezembro, em jogo válido pela segunda divisão espanhola, sofreu uma grave contusão após involuntariamente chocar-se com o goleiro Gallardo, do Málaga, que sofreu uma comoção cerebral e morreu dezoito dias após ficar internado, em coma. Muito abalado, Baltazar o visitou duas vezes no hospital. Na temporada seguinte [1986/87], enfim, a volta por cima. Baltazar recebeu elogios e a reverência da torcida e crítica espanholas, ajudando ao Celta a retornar à primeira divisão, com 34 gols, um recorde da segundona italiana, que perdurava desde 1969. Baltazar era chamado de “El rei”, pelos fanáticos torcedores.

Baltazar gostou do “milagre”, e quis mais. Em outubro de 1988, já pelo Atlético de Madrid, a revista Don Balón — que o batizou de “El Diós del gol” — concedeu a ele o prêmio de melhor jogador estrangeiro na terra do flamenco. Não era para menos. Os 35 gols assinalados na temporada 1988/89 garantiram ao “Artilheiro de Deus” o troféu “Chuteira de Ouro” do futebol europeu, desbancando o mexicano Hugo Sanchez, ídolo do rival Real Madrid, principal artilheiro espanhol nos três anos anteriores. Sua missão estava cumprida na Espanha: marcou 53 gols em duas temporadas. Do Brasil, o técnico da seleção brasileira, Sebastião Lazaroni, não ignorou o feito e o convocou. Mesmo na reserva de Romário, Baltazar esteve presente na conquista da Copa América em 1989, realizada no Brasil.

O ex-goleador anunciou, em outubro de 1990, ao presidente do Atlético de Madrid, Jesus Gil, que deixaria o clube. Baltazar trocou a Espanha por Portugal. No Porto, jogou em 91. Não se adaptou e foi para o Rennes, onde permaneceu até 1993. Regressou ao Brasil em 1993 para defender o Goiás. Foi campeão goiano em 1994, realizando o sonho de levantar um troféu em sua terra natal, e deixou o clube no ano seguinte, seduzido pelo futebol japonês. No Goiás, Baltazar percebera que a idade já lhe comprometia a carreira. Simplesmente, o treinador do time era mais novo que ele. Era o sinal.

O craque terminou a carreira em 1996 no Kyoto, evidentemente longe do brilho de outrora, mas com uma marca invejável de 412 gols ao longo da jornada nos gramados.

Na seleção, apesar do sucesso nas divisões de base, raramente era lembrado. Telê Santana foi quem mais deu oportunidades a ele. Já aposentado da bola, Baltazar tornou-se empresário de jogadores e presidente da “Missão Atletas de Cristo do Brasil”.

Quando Baltazar abandonou os gramados, sofreu, como todo jogador, com o fim da carreira: “Orei pedindo uma direção, foi um tempo difícil. E me recordei que, quando jogador, participei sem cobrar nada de transferências [de outros jogadores] para a Europa. Tive satisfação em ajudar e resolvi experimentar de novo, desta vez profissionalmente”. Um dos craques que Baltazar levou para a Espanha, nos tempos em que ainda era um “empresário amador”, foi o amigo Donato, que na época brilhara no Vasco. Donato tornou-se um dos maiores ídolos do futebol espanhol em seu tempo. E Baltazar continua inesquecível, como um dos melhores atacantes que o Brasil produziu nos anos de 1980.

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IDADE AVANÇADA?

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

A expectativa de vida da população brasileira acompanhou a média mundial: subiu 41,7 anos em menos de meio século. Hoje, é de 75,5 anos de acordo com o IBGE. O avanço da medicina, a prática regular de atividades esportivas e a diminuição do cigarro foram fatores determinantes neste aumento, embora o consumo de álcool e a fartura de drogas estejam resistindo perigosamente do outro lado. Sendo assim, seria normal que aumentasse em igual proporção a permanência em campo dos jogadores de futebol.

No lugar de se aposentar com 35 anos, como fez a minha geração, e virar comentarista com 36 anos, esticariam suas carreiras até os 40, desde que se cuidassem e os seus meniscos, os divisores de águas da saúde da bola, não tivessem sidos atingidos ou torcidos ao pisar num buraco. O maior exemplo de que isto é possível foi dado por Léo Moura, na primeira rodada do Campeonato Brasileiro.


Um lançamento primoroso de um meio campista gaúcho, algo parecido com os de Didi, Gérson e Rivellino, cruzou todo o campo do Botafogo e encontrou Léo Moura disparando em velocidade pela direita. Carregado de informações do Google, o lateral esquerdo alvinegro subestimou sua descida, tinha informações suficientes da sua recém trajetória ladeira abaixo, e fez pouco caso da trajetória da bola lançada sua cabeça acima. Segundo seu tablet, consultado antes da partida, Léo Moura havia feito seu jogo de despedida no Maracanã, pelo Flamengo, depois foi jogar em um clube americano para fechar a aposentadoria e, na volta, deu uma parada em Recife para disputar seu fraco estadual pelo Santa Cruz e…..já havia completado 38 anos de idade. Não teria mesmo como alcançá-la, imaginou.

Para sua surpresa, e certamente seguida de um puxão de orelhas no intervalo pelo Jair Ventura, Léo Moura não apenas alcançou a bola no ponto futuro como a dominou com extrema categoria, calculando sua descida e colando-a a seus pés. Pode parecer fácil, mas só foi simples para Nilton Santos e Carlos Alberto Torres. Próximo à linha de fundo, levantou a cabeça, deu um passe na cabeça do seu centroavante e, no bate e rebate, o Grêmio abriu o placar.

Para os amantes da arte que perderam Juninho Pernambucano, Caio Ribeiro, Denílson e Roger Flores cedo demais para os microfones, a primeira rodada do Brasileiro foi uma esperança de manter em cena por mais tempo nossos maiores craques. Fora o Seedorf que no seu auge virou treinador.

A única preocupação que temos, às vésperas da votação da reforma da previdência pelo Senado, é se a jogada de Léo Moura será exibida no telão durante a plenária. Pode ter um porta voz da temeridade a usá-las para justificar 49 anos de contribuições ininterruptas para o trabalhador brasileiro ter o direito de se aposentar com o teto. Neste caso, aquele tiro do lateral gremista pela beirada, destaque da primeira rodada, sairia pela culatra.

DOUGLAS, MEU HERÓI

por Marcelo Mendez


Sabe qual é? Douglas é o meu herói e foda-se o resto!

E tô pouco me fodendo se ele enche a cara, se sai com a mulherada, se quebra na noite, foda-se! Vomito em cima de moralistas hipócritas e não tenho nada a ver com a porra da vida de ninguém, não sou fiscal da cama de ninguém, trabalho muito e não tenho tempo pra futricagem. Nada disso me interessa!


Douglas é meu herói para muito além do tanto que ele joga de bola. É meu herói porque em tempos chatos, carolas, bicudos, cheio de “pofexô” burro e retranqueiro, ele é a resistência. É a insistência de que o futebol pode ser jogado com arte, com malandragem, com inteligência.

É no atalho que a mesmice cria, que Douglas deita e rola. É no vacilo do óbvio ululante que Douglas brilha.

Na final, contra o Atlético-MG, mesmo cercado por três marcadores, conseguiu dar um passe magistral de calcanhar deixando o companheiro Éverton na cara do gol, mas o chute parou nas mãos do goleiro Victor! 

É um cara que entra em campo para dar meia dúzia de tapa na bola e acelerar seu time como um bólido de duas mil Ferraris em fúria. É um cara que se diverte jogando bola com a 10 nas costas como tem que ser.

Agora quero só desabafar pela arte, saudá-lo e agradecê-lo porque é muito bom vê-lo jogar bola.

Obrigado, Douglas. Você joga por todos nós.

GASPERINTER


Bicampeão brasileiro, gaúcho e vice-campeão da Libertadores pelo Internacional na década 70, com boas passagens por Grêmio, América-RJ, Cruzeiro, Botafogo-SP, entre outros, o saudoso goleiro Luiz Carlos Gasperin deixou saudades quando “foi para o vestiário mais cedo”, em 2010, aos 57 anos. Não só pelas grandes exibições dentro de campo, mas também pelo comportamento diferenciado fora dele! Há alguns dias, Cândice Gasperin, filha do paredão, nos enviou, carinhosamente, um grande acervo do pai, com lindas fotos e recortes de jornais!

Cursando mestrado em Sports Marketing da Escuela Universitária do Real Madrid, na Espanha, Cândice, formada em jornalismo, revelou ser apaixonada por futebol! Além do mestrado, está terminando de escrever o livro “Gasperin – 0 Grande Guerreiro”. A obra representa um sonho do pai! Pouco antes de morrer, quando lutava bravamente contra um câncer de intestino, o ex-atleta fez o pedido para Cândice.

– Ele pediu que nossa família escrevesse um livro mostrando como o esporte pode encorajar pacientes com câncer. São milhares de histórias de superação, em diversas modalidades esportivas, que servem de inspiração para vencermos desafios. De Gasperin, temos vários exemplos. Ele sempre chegava antes dos treinos e saía mais tarde, se dedicava ao máximo para ser o melhor e não desistia nas dificuldades! – lembra a jornalista, que embora não tenha visto Gasperin agarrar, ouvia muitas histórias contadas pelo pai. As lembranças, aliás, são as melhores possíveis. De acordo com ela, o orgulho que sente pelo profissional, homem e pai que Gasperin foi é inexplicável.

Líder dentro e fora de campo, o goleiro foi presidente da caixinha na maioria dos clubes por onde passou, costumava dar conselhos para os mais novos e era um dos interlocutores entre os jogadores e a direção dos clubes.

– Meu pai foi uma pessoa muito especial e me ensinou muito: a ser organizada, determinada e a lutar pelos meus sonhos. Mas a maior lição que ele me deu foi de ser honesta e ética.


Sempre com um sorriso no rosto, Gasperin tinha uma boa relação com todos ao seu redor. Como técnico, sua ética e honestidade foi provada mais uma vez. Segundo Cândice, além de ter recusado algumas propostas por não aceitar a corrupção no futebol, Gasperin preferiu se aposentar da profissão a escalar jogadores e se beneficiar disso.

“Dormir com a consciência tranquila não tem preço” é um dos ensinamentos que sempre transmite aos filhos. Sem nunca ter aceitado dinheiro de jogador, empresário ou dirigente para definir a escalação, não tinha medo de tomar as decisões, mesmo que fosse demitido, pois sabia que estava com a razão.

– Foram 25 anos de muito carinho, ensinamentos e admiração que valeram para o resto da vida. Ele é meu herói dentro e fora de campo. Eu quero continuar esse legado dele. Quero trabalhar e lutar por um esporte limpo, que seja usado para educar os jovens e praticado com integridade.

Além disso, Gasperin era ativo na luta pelo direito dos atletas e foi diretor-presidente da Fugap (Fundação de Amparo ao Atleta Profissional) do Rio de Janeiro (década de 1980). Na época, ele já queria discutir planos de pós-carreira para os atletas, como cursos universitários ou posições na comissão técnica, planos que não foram bem vistos por dirigentes dos clubes.

– Posso dizer que meu pai foi um dos atletas mais ativos da sua geração na luta pelos direitos da categoria.


Noemi e Cândice Gasperin, esposa e filha do ex-goleiro, durante homenagem do America-RJ

Em relação ao acervo, Cândice revelou que Noemi, sua mãe, é uma grande clipadora e sem ela nada disso existiria. Além de guardar e identificar as matérias que saíam no jornal, Noemi respondia as críticas quando não concordava com a opinião do jornalista.

O acervo conta com mais de 1300 arquivos digitalizados entre fotos e matérias de jornais brasileiros e internacionais, sem contar com o material impresso, que ainda não foi digitalizado. Além dos recortes e das fotos, os familiares guardam algumas peças históricas, como medalhas, camisas e luvas.

Vale destacar ainda um costume curioso de Gasperin. Após as partidas, o goleiro gostava de escrever as estatísticas do jogo, quem havia sido expulso, as melhores defesas dele, entre outras curiosidades.


Cândice, Gasperin e Larry Chaves

Todas essas e outras histórias poderão ser vistas no livro que está prestes a ser lançado por Cândice e a família. Segundo ela, escrever a obra é uma grande responsabilidade, mas está fazendo de tudo para honrar o pai e jogadores que conviveram com ele.

– O trabalho da nossa família vai além do livro: queremos dar alegria a esses craques ao relembrar o tempo em que jogaram juntos.