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Grêmio

ALMOÇO EM FAMÍLIA

Ao querido mestre e amigo Arthur Monteiro (in memoriam)

por Claudio Lovato


Estão almoçando na casa que agora parece grande demais, silenciosa demais, escura demais.

Mas não hoje. Hoje resolveram que a tristeza vai ficar lá fora.

A companheira que Deus lhe apresentou sob o céu do Cerrado brasileiro, os dois filhos e suas famílias, a filha, todos muito amados.

Todos em torno da mesa.

Paulinho da Viola está cantando (porque o samba não poderia faltar):  “Eu sou assim/Quem quiser gostar de mim/Eu sou assim”.

O adeus foi há uma semana. Uma semana e um dia.

O filho mais novo relembra um caso. Todos riem. 

– Era desbocado! – diz o filho mais velho.

E também atento, astuto. Homem das redações e das ruas, eterno repórter, cronista da vida. Mestre.

Engraçado, iconoclasta. Afetuoso no sentido que mais importa: da presença, do apoio, do não deixar que um dos seus – familiar ou amigo – se sentisse sozinho.

Os quadros nas paredes da sala e da cozinha. Artista.

A netinha pergunta sobre o lugar onde ele está agora.

– Cuidando de nós. O vovô está cuidando de você! – diz a esposa. 


Na parede da sala, ao lado da porta da entrada, a bandeira do clube que ele ensinou seus filhos a amar. A bandeira tricolor.

Ele viu Oswaldo Rolla, o Foguinho, fazer os caras subirem e descerem as escadarias do Olímpico como parte da preparação física naqueles tempos em que ele, garoto, assistia aos treinos do time.

O almoço em família prossegue entre risos e lágrimas e episódios recordados.

A dor que vai arrefecendo aos poucos, a dor se transformando em algo suportável. Negociação íntima a cargo de cada um e que, ao mesmo tempo, necessita de um acordo coletivo entre todos eles para se concretizar.

O tempo como sempre se encarregará de tudo que for necessário para que a vida siga.


Paulinho da Viola agora canta assim: “Não sou eu quem me navega/Quem me navega é o mar/É ele quem me carrega/Como nem fosse levar”.

Alguém abre outra garrafa, as taças são servidas.

Há lágrimas misturadas ao vinho.

– Tá chorando por que, porra? – diz de repente o filho mais novo, imitando a voz dele, e todos riem.

Neste momento eles são isto: espera.

Pelo tempo. Pelo passar do tempo.

Pela paz trazida por um legado que é fruto direto e poderoso do amor.

HERDEIROS

por Claudio Lovato


Airton e Ênio Rodrigues, nos anos 50 e 60, parceria longa e vitoriosa, fundamental para que uma coleção de taças tivesse como destino o Olímpico.

Ancheta e Oberdan, juntos naquele inesquecível 1977 em que o Tricolor, sob o comando de Telê Santana, abria caminhos para conquistas além-fronteiras.

Baidek e De León, a dupla que ajudou o Grêmio a conquistar a América e o Mundo, em 1983.

Rivarola e Adilson, nos anos 90, os beques sem medo de nada naquele Grêmio que ganhou tudo.

As grandes duplas de zaga são uma parte especialmente marcante da História do Grêmio. Sempre tivemos muito orgulho dos nossos guerreiros da defesa e das duplas que eles formaram.


Em sua maioria, não por acaso, capitães. Líderes. Ídolos. Lendas.     

E então chegou a hora e a vez de Pedro Geromel e Walter Kannemann. E todos nós, gremistas, agradecemos aos deuses do futebol por esse presente.

Geromel e Kannemann, o centurião paulistano, magro como espeto, vindo da Alemanha, e o viking argentino nascido em Concepción del Uruguay que estava no México no aguardo de um chamado do destino emitido de Porto Alegre.

Pedro Geromel é um só? Parece que não, a julgar pelo fato de que está em vários lugares do campo o tempo todo, sempre no lugar certo. É invariavelmente dele o pé salvador. E, volta e meia, vai pra cima, brincar (a sério) de ponta-direita. Zagueiro craque. Bola no pé.

Walter Kanemman tem noção do que seja o perigo? Parece que não, porque jamais coloca menos que 100% de vontade em qualquer disputa de bola, por baixo ou por cima, em partidas eliminatórias ou (sic) jogos amistosos. Futebol simples, essencial, sem temores, às vezes quase suicida. Bola no pé; sim, senhor, ele sabe tratá-la muito bem – à sua maneira.   


São donos da área, têm completa sintonia entre si, exercem e compartilham liderança, são referência para os companheiros e paradigma para a torcida.

Pedro e Walter, o manto Tricolor lhes cai bem. E como vocês sabem honrá-lo!

Vocês estão dando continuidade a uma lendária linhagem de heróis.

Vocês, que se imbuíram do espírito do Grêmio, são dignos herdeiros de uma nobre estirpe.

E isso é para sempre.  

 

MÁRIO SÉRGIO

por Rubens Lemos


Sua perna-esquerda transformava a mentira em uma delícia. Um espetáculo de classe em campo. Mário Sérgio Pontes de Paiva enganava seus perseguidores com o olhar cínico do seus toques. Fingia mandar a bola para um lado e a lançava para o outro, numa perfeição ilusionista. O Vesgo, seu apelido inspirado pela petulância refinada, jamais foi a uma Copa do Mundo.

Em meio a devaneios frequentes sobre injustiçados de nosso tempo, eu e um amigo praticávamos saudosismo vendo um jogo antigo do Internacional de Porto Alegre e lamentávamos a birra de Telê Santana com Mário Sérgio. Ele acabara, na tela da TV, de driblar dois zagueiros num jogo de corpo, parar, esperar o goleiro cair e empurrar a bola para as redes num peteleco, biquinho de chuteira. Cracaço.

E Mário Sérgio ficou sem Copa. Estava jogando o fino em 1982, titularíssimo do time e, de repente, foi escanteado como os laterais que fintava, trocado pelo decadente Dirceuzinho, operário, corredor e sem charme, de ridículos 45 minutos deslocado de ponta-direita na estreia brasileira contra a União Soviética.


A seleção brasileira de 1982 tinha defeitos, meninos quarentões. É que ninguém gosta de lembrar, numa reverência boba ao mestre Telê Santana, senhor da ofensividade e da teimosia.  

Telê Santana mostrou ao mundo um futebol maravilhoso, mas errou e era humano. Mário Sérgio ficou em casa e Dirceu viajou. Mário Sérgio, o Vesgo, está entre os 100 maiores jogadores brasileiros de todos os tempos, dos 30 maiores que assisti, não me resta a dúvida.

Era um rebelde, um presunçoso. Tão habilidoso que mexia em vespeiros. Certa vez, num treino do Fluminense, desafiou o gênio Didi, técnico da famosa Máquina Tricolor. O time chutava com bolas e gigantes de fortalecimento muscular, utilizadas habitualmente nos anos 1970. Mário Sérgio, depois de fazer 10 embaixadinhas sem qualquer problema, mandou um bico em direção ao maduro e espigado Míster Futebol, maior meia-armador do da história futebolística.

Didi conversava com auxiliares e foi alertado pelo grito do seu ponta-esquerda: “Segura essa que eu quero ver, seu Didi!”. O verdadeiro balão de couro, enorme e disforme, subiu e, antes de chegar ao peito do chefe, ele esticou a ponta do sapato, fez um movimento de adestrador. O balão foi amaciado e desceu obediente. “Você ainda tem muito o que aprender barbudo!”, respondeu Didi sob aplausos gerais.

A provocação não tirou Mário Sérgio da escalação titular, formada no meio-campo por Zé Mário, Rivelino e Paulo Cézar Caju e no ataque por ele fechando o trio com Gil na ponta-direita e Manfrini bem improvisado na ponta-direita.


Bicampeão pelo Fluminense, Mário Sérgio seguiu para o Botafogo onde jogou com Marinho Chagas formando uma ala respeitável pela esquerda. Tanto jogavam quanto aprontavam, a ponto de o time ser chamado de Camburão Futebol Clube. Mário Sérgio usava um revólver calibre 38 na cintura, em suas folgas.

De ponta-esquerda legítimo, daqueles de ir à linha de fundo, desmoralizar o lateral-direito e cruzar direto na cabeça do centroavante, atingiu a plenitude como quarto-homem de meio-campo, reencontrando Marinho Chagas no São Paulo em 1981, quando foi convocado pela primeira vez, aos 31 anos.

Estreou contra os búlgaros, deu um show de bola em Porto Alegre, entrosado com Cerezo, Sócrates e Zico e ainda enfiando passes para dois gols, o do jovem lateral-direito também iniciante, Leandro, do Flamengo, e de Roberto Dinamite, que voltava ao escrete após dois anos de ausência.

Convocado sempre na prorrogação, na marca do prazo final, para as Copas de 1974 e 1978, o esforçado e combativo Dirceuzinho, falecido em acidente de carro em 1995, agia como bom assessor de imprensa de si mesmo. Dirceuzinho nunca foi mal jogador, claro, mas havia outros bem melhores.

Mandava recortes de jornais espanhóis e italianos sobre suas atuações às redações e para a Comissão Técnica da seleção, cortejava jornalistas e enviava cartões natalinos aos treinadores. Assim foi convocado em 1982 e só não disputou, quase ex-jogador, a Copa de 1986 no México por conta de uma distensão muscular.

Arredio, barbudo e indiferente, Mário Sérgio jamais faria papel igual. Certa vez, no Inter(RS), baixou as calças e mostrou a bunda ao sisudo técnico Ênio Andrade, que lhe dera uma instrução considerada incorreta. Com Telê Santana, começou a morrer em Natal.


No amistoso contra a Alemanha Oriental, (3×1 para o Brasil) o técnico reclamou publicamente que o Vesgo havia abusado do individualismo. Já estava pensando em Dirceu, mais obediente e menos problemático. E Mário Sérgio respondeu cofiando bigode aos microfones e lentes: “É assim que jogo desde quando comecei e só fui convocado porque jogo assim”.

Mineiro, do tipo que lambe a vingança para comê-la em prato gelado, Telê Santana esperou outra Alemanha, a Ocidental, no Maracanã, para substituí-lo no intervalo e lhe dar adeus. Éder assumiu a posição com Dirceu chamado entre os 22.

Mário Sérgio não ligou. Seguiu jogando e um ano depois conseguia o que a seleção perdera: o título mundial, armando o Grêmio para as arrancadas e os gols de Renato Gaúcho. Levantou de euforia o público japonês ao aplicar dribles de calcanhar nos alemães do Hamburgo. Cansou de enfiar canetas nos grandalhões sem molejo.

Ainda seria convocado para a seleção brasileira por Evaristo de Macedo em 1985 para uma série de amistosos fracassados antes das Eliminatórias. Evaristo caiu e Mário Sérgio foi cortado, de novo, por Telê Santana ao reassumir. 

Mário Sérgio terminou barrado da Copa de 1982. Dirceuzinho foi. Indesculpável. Mário Sérgio ludibriava com estilo e efeito na batida de bola, era um jogador que valia o preço de camarote no estádio. Vesgo de olhar de lince. Uma ginga do destino fintando a fatalidade mudaria o rumo do avião da Chapecoense que caiu em 2016 e matou Mário Sérgio, sua virtude, demasiada visão.

POSSE DE BOLA

por Zé Roberto Padilha


O Júnior não estava presente e o Casagrande esqueceu de avisar ao Galvão. Dentro da transmissão de Real Madrid x Grêmio existia uma outra disputa acontecendo fora do foco da bola. Ele, que nunca jogou, e quem mais assiste, e quem fala e transmite, só acompanha e julga a partida pelos rumos da bola. São 22 jogadores, 11 de cada lado e um apenas detêm momentaneamente a sua posse. E quanto aos outros que precisam tentar roubá-la para serem notados e se tornarem, como Luka Modric, protagonistas da festa?

Quem jogou sabe, correr atrás de quem não erra um passe desgasta. Assim sofriam os adversários do Barcelona na era Guardiola. Contra uma equipe como o Real Madrid, então, que não erra passe e ainda é aguda em seus contra-ataques, extenua. Um convidado da TV Globo nos chamava atenção: Kross não erra um passe há seis meses. A bola chega aos pés do Marcelo e cola. Na do Cortez se descola. Quem aguenta?


Só havia uma chance do Grêmio equilibrar a posse de bola na final contra o Real Madrid e dividir as rédeas do jogo: tirar a partida do campo e levar para as quadras. No Basquete eles teriam apenas trinta segundos para ficar com a bola. No voleibol, apenas três toques. E no tênis apenas um. No futebol, a posse, ilimitada, é dos que não erram passes. E eles sabem como poucos não subestimar tal fundamento.

Tão poderosa, a equipe espanhola acompanha por satélites escaltes de todos os jogos pelo mundo. Quando o computador avisa que há um Casemiro surgindo em São Paulo que não erra um passe, manda contratá-lo. Há algum tempo ele recebia mais sinais do Brasil, e levaram Ronaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos, Romário e Rivaldo e quem mais reinava por aqui e o dinheiro pudesse comprar. Mas os craques sumiram daqui. E os sinais passaram a vir de Portugal. Lá havia um que além do passe não errava um chute. E uma cabeçada.


Luan nunca correu tanto, junto aos seus companheiros de meio-campo, para fechar os espaços de um time que não erra passes. No Campeonato Brasileiro, foram os que menos erraram e por tal envolveram adversários. Sábado provaram o contrário. Quando a conseguiam, só tinham pernas para tocar para os lados. Uma posse de bola acima de 70% significa que você se desgastou 70% e quando a tem a seus pés restou apenas 30% de energia. A partida do meio campo do Grêmio fora do foco da bola foi admirável. Com ela, desgastados, mal tinham forças para dar um chute a gol.

Perder da mais poderosa equipe do mundo não vai tirar o mérito desta bela equipe que, ontem, se tornou a segunda melhor do futebol mundial. Se faltou a bola para jogar melhor, sobrou a raça, a superação para evitar o pior. E Luan, como toda criança, com as bolas nos pés se diverte. Sem ela, chora. Parabéns, Grêmio!

O TEMPO, O ÍDOLO E O ESCUDO

por Claudio Lovato


Em 1983 eu estava no Olímpico com o meu velho e um dos meus irmãos mais novos. Um baita frio. Julho em Porto Alegre, quinta-feira à noite. Um a um com o Peñarol, jogo encardido, peleado, até que o nosso louco genial, o cara da camisa 7, deu o balão mais improvável de todos os tempos para dentro da área dos uruguaios, César voou, meteu a cabeça na bola e então estava decretado o nosso primeiro título da Libertadores. Em 1983 eu tinha 18 anos.

Neste 29 de novembro de 2017, dia em que conquistamos a nossa terceira Libertadores, lá estava ele de novo, o louco genial, o rebelde nascido em Guaporé. Em Lanús, na Argentina. Agora na beira do campo, como técnico.

O primeiro brasileiro a conquistar a Libertadores como jogador e como treinador – e pelo mesmo clube.

Marcelo Bielsa disse que o futebol pode prescindir de tudo, menos do escudo. Porque o escudo é o que emociona.

O escudo é o que nos identifica entre os nossos. O escudo é aquilo que somos.

Caras como Renato ajudam a tornar o escudo indestrutível.

Na quarta-feira, assisti à final com amigos e com os Borrachos de Brasília, no CTG Estância Gaúcha do Planalto, que virou uma extensão da nossa Arena aqui no Distrito Federal.

Crianças, jovens, gente de meia-idade, idosos. Todos por um escudo. Nossa identidade.

O tempo passou para Renato, passou para mim, passou para todos nós. Ou talvez seja mesmo como alguém já escreveu: “Não é o tempo que passa, somos nós que passamos por ele”.O jeito que passamos é o que conta.

Valeu, Portaluppi.


Obrigado pelo que fizeste pelo nosso escudo. Obrigado pelo que fizeste por todos nós, portanto. Tu e essa gurizada que está sob o teu comando – do garoto Arthur, craque pronto aos 21 anos, ao garoto-vovô Léo Moura, quase quarentão. 

Mas vamos em frente, que a vida segue. Na semana que vem já tem Emirados Árabes e lá enfrentarás aquele que provavelmente será o desafio mais extraordinário da tua vitoriosa carreira. E tu sabes bem o que significará para nós a superação dele.