por Edison Corrêa
Mil novecentos e oitenta e dois foi inesquecível para doze garotos com idades entre 11 e 12 anos que participaram do Campeonato Carioca de Futebol de Salão (sim, ainda era essa a denominação do esporte) daquele ano. Os motivos serão conhecidos abaixo.
Antes da estória propriamente dita, ocorrida há 35 anos, passo a apresentar alguns personagens inesquecíveis do fato que narrarei posteriormente. À época, o presidente do Grajaú Country Clube (GCC) era um grande incentivador dos esportes, notadamente do atual futsal, exercendo o cargo de vice-presidente do clube durantes anos: Paulo Roberto Mello. O Diretor de Esportes, não menos vibrante, era apaixonado pelo ofício: Luiz Leon Haddad, ex-presidente da Federação de Futsal do Estado do Rio de Janeiro e pai de um ex-presidente do clube, Ricardo Leon Haddad. Nosso treinador da categoria mirim no 1º turno do certame ainda jogava profissionalmente na categoria adulta: Edinho, beque parado, meu xará. O técnico do 2º turno, um engravatado representante comercial, também treinava a categoria adulta, mas aceitou o desafio de pegar um time de meninos cabisbaixos, derrotados e tristes: Sebastião “Tião Bufallo”, um ícone dentro das quatro linhas do salão. O massagista do time, Zé Carlos, um negro forte, portador de necessidade especial, que usava uma bengala de ferro para andar e correr (e como corria, mais que qualquer outro em sua função!) a fim de atender os contundidos com aquela “água milagrosa”, além de – pasmem! – preparar suco de laranja e de limão para os atletas numa garrafa térmica azul. “Seu” Ivo e Luizão: técnicos da escolinha do GCC, formadores de atletas das categorias fraldinha, pré-mirim e mirim, base daquele time. Tuninho: o roupeiro, bigodinho fino, magro, jeito malandro de ponta-esquerda, amigo dos jogadores.
Não me alongarei nos pormenores, pois o fato principal foi a reviravolta de um elenco de atletas que não via uma luz no fim do túnel naquele torneio. No final do 1º turno, vencido pelo grande São Cristóvão, de Djalminha (ex-seleção brasileira de futebol de campo), filho do craque Djalma Dias; e de Jessé, um crioulo artilheiro que depois viria jogar justamente no GCC, o Grajaú amargou a vice-lanterna da competição. Pior que isso: as outras categorias do futsal do clube (fraldinha, pré-mirim, infantil, infanto-juvenil e juvenil, menos a adulta) haviam conquistado o turno, adquirindo o direito de ir para os finais do campeonato. Os olhos desconfiados dos boleiros e corneteiros do clube voltaram-se para o inexperiente técnico Edinho que, tal como acontece no futebol de campo, não resistiu à pressão e voltou a ser simplesmente atleta na categoria adulta.
Foi então que, corajosamente, Paulo Roberto e Leon deram uma cartada decisiva, que iria alavancar as vitórias daquele time que, diziam as boas e más línguas, “era excelente, mas brincava demais com a bola nos pés” devido à visível habilidade! Tião, então, pegou o grupo à unha e exigiu seriedade total nos treinos e, principalmente, nos jogos. Treinou técnica e taticamente a equipe, inclusive jogadas de bola parada. Queria chutes certeiros para o gol, não importando se a bola bateria na trave, no goleiro ou entraria. Ao final do returno, o urubu havia virado cisne, já que a conquista da taça de campeão deu a medida exata de onde aqueles garotos poderiam chegar: no lugar mais alto do pódio. Porém, um perigo se anunciava: nas finais, um outro adversário (tão forte quanto São Cristóvão e GCC) havia se classificado pelo maior número de pontos, ficando em segundo lugar nos dois turnos. A sina do vice-campeonato não poderia ter escolhido time mais afeito: o Vasco da Gama, de Luiz Antônio, craque de bola, ex-GCC, maior artilheiro da história da categoria pré-mirim (atual sub-11) com mais de 100 gols num único certame, ex-Fla/Flu no futebol de campo. O artilheiro cruzmaltino conhecia todos os jogadores do oponente, pois havia jogado, em seu primeiro ano na categoria (1981), no mirim do GCC.
As finais foram batalhas inesquecíveis, dignas da narração de um Waldir Amaral. Após empate no jogo Vasco X São Cristóvão, ganhamos o São Cri-Cri por 2 X 1. Enfim, o jogo final iria ser entre o Vasco, do já citado Luiz Antônio e do grande goleiro Hugo, Huguinho para os mais chegados – e nós, que tínhamos o seguinte elenco: Flávio “Cantarelli”, Alexandre e Renato “Pantera” (goleiros), Dudu, André e Marcelo Noronha (beques-parados), Marcelo “Cabeção” e este que vos escreve (alas-direita), Raulzinho e Márcio André (pivôs); Rominho e Jorge (alas-esquerda). Os titulares, todos no segundo ano da categoria, eram mais experientes. Os reservas, ao contrário, estavam apenas no primeiro ano de mirim e sempre entravam em quadra quando as partidas estavam “saindo faísca”, sem negar fogo e com a mesma categoria. Esta partida final foi digna de entrar nos anais deste esporte criado no Brasil.
Porém, me aterei somente ao ato final do jogo, um teatro que Shakespeare nenhum colocaria defeito. Faltando menos de um minuto, talvez trinta segundos, para o término da partida, que estava empatada em 3 X 3 (resultado que garantiria a taça para o Country), o boa-praça Rominho, um dos atuais proprietários do aprazível Bar do Adão, no Grajaú, colocou infantilmente a mão na bola. Naquele momento, tenho certeza absoluta de que o coração de Leon (sem trocadilho!) deve ter batido na casa dos duzentos, pois ele, que já passava todos os jogos do GCC (de todas as categorias!) à beira da quadra fumando seu cigarro desesperadamente e gritando com o juiz, estava de olhos fartamente esbugalhados. Quem iria correr para a bola, claro, era o craque do Vasco, Luiz Antônio. Naquela época de bola dura, que mal quicava, onde o lateral era batido com as mãos e o goleiro não podia “atravessar” a “pelota” de uma quadra para outra, tudo era mais difícil. Inclusive para o batedor, que não tinha como ser facilitado pela abertura da barreira devido ao número limite de faltas – ainda não existia tal regra também.
Bem, amigos, o que se sucedeu a seguir foi prato cheio para crônica do tricolor Nelson Rodrigues: Luiz Antônio bateu para fora, fato raro para este atleta, principalmente pela distância onde houve a punição. Ato contínuo, Leon pulou para a quadra, invadindo o jogo e gritando: “Acabou! É campeão!”. Numa fração de segundos, dezenas, talvez centenas de torcedores, seguiram o diretor do GCC e começaram a comemorar o título. O árbitro do jogo, se não me engano Daniel Pomeroy, ícone do futebol de salão dos anos 80, que apitou os anos 90 no futebol de campo e foi o único a dar um cartão amarelo em toda a minha carreira, apitou o fim do jogo e seguiu para o vestiário. Tapetão? Negativo! Ninguém, nem mesmo a cartolagem salonista da época, tiraria aquele merecido título de 1982 do mirim do GCC, um digno campeão de raça, fibra e, principalmente, superação!