por Walter Duarte
Como no episódio bíblico sobre o confronto entre Davi e Golias e as suas representações da fé e o determinismo das diferenças, somos sempre chamados a reavaliar nossas crenças. O futebol nos traz a expectativa que nem sempre o elenco mais qualificado e abastado nas finanças vence o de menor recurso e desacreditado. Esse talvez seja um dos ingredientes da nossa paixão por esse esporte, o sentimento que o extraordinário e o imponderável possam nos surpreender. Quantas e quantas vezes observamos perplexos a zebra “passear” nos gramados, contrariando todos os prognósticos e subvertendo as frias tendências probabilísticas.
Venho, então, amigos a citar dois grandes jogos que marcaram os torcedores do Goytacaz e Fluminense, pelo desfecho e também pelas peripécias do destino. O Goytacaz debutou no Campeonato Carioca em 1976, fazendo boa campanha naquele ano, revelando jovens e promissores jogadores. Mas no seu caminho estava o Fluminense de Francisco Horta, o mentor intelectual da “máquina tricolor”. Rivelino, Doval, PC Caju, Gil, Pintinho e Cia, ditavam o ritmo de uma orquestra afinada e sedentos de arte. Uma potência futebolística inquestionável!
O resultado também foi histórico, um estrondoso 9×0 no Maracanã em uma quarta-feira, chuvosa e sombria, talvez um prenúncio de mau agoro para o Goyta. Estavam ali configurados os extremos de uma disputa técnica e uma realidade nua e crua.
A velha máxima que não se pode brincar com a sorte, caiu como um raio naquele Goytacaz que iniciava sua trajetória nas disputas com os grandes da capital. O resultado apenas consolidou e iluminou o favoritismo tricolor para a conquista do campeonato daquele ano, e um encantamento que marcou gerações. Era prudente para o alvi anil Campista reavaliar o duro golpe, seguir adiante e reinventar-se na competição. Configurou-se tarefa difícil para o novo treinador Paulo Henrique, conhecido ex-lateral do Flamengo da década de 60 e da seleção, determinar “um estratagema” para levantar a moral e o psicológico da equipe para um novo embate.
Uma nova oportunidade aconteceu e, desta vez, foi contra o Botafogo no mesmo cenário, o Maracanã. E o Goytacaz conseguiu eximir-se do trauma vencendo o jogo por 1×0, gol do centro avante Zé Neto, diante de incrédulos Botafoguenses.
O tempo passou e ficaram evidentes os aprendizados com as derrotas acachapantes e as vitórias suadas, mas a marca daquele 24 de Abril de 1976, contra o Flu, nunca foi digerida. Até que em 19/03/1986, dez anos depois, o Goytacaz enfrenta a “nova máquina” desta vez protagonizada por Washington, Assis, Romerito, Ricardo Gomes… O treinador desta época pelo lado do tricolor era o experiente Nelsinho e pelo lado do Goytacaz o Denílson “REI ZULU”, ex-volante e ídolo do Flu e da seleção de 66.
Existiu grande expectativa na partida no alçapão da Rua do Gás e o estádio ARIZÃO em Campos, o teatro de mais uma batalha entre o grande e o pequeno, entre o gigante Golias contra o “frágil”, porém impetuoso Davi. Sobre a “batuta” de Denílson, os torcedores desejavam reverter os prognósticos, tirando da cartola uma formação agressiva que viesse a surpreender o adversário com uma estratégia inteligente. Desta vez, com jogadores rodados como o Goleiro Jorge Luís (Cebolinha), o Zagueiro Kleber e o meia atacante Sena (Ex-Bahia, Vitória, Atlético de Madri…) o Goyta entra em campo confiante.
A partida começa e configura-se um jogo diferente pelo lado do Goytacaz. Um time compacto e vibrante se vê em campo, impondo o jogo e alheio à submissão de tantos jogos do passado. Uma transformação ocorre no estádio. A desconfiança de um novo fiasco que atemorizava os torcedores dá lugar a uma vibração nunca vista. Todos se juntam aquele time guerreiro como um Cavalo de Tróia, adentrando a cidadela para a conquistar o triunfo.
Os gols surgem naturalmente e o Fluminense atônito e desfigurado em campo não consegue se impor e nada deu certo. Romerito perde dois gols límpidos com defesas milagrosas do Jorge Luís, rogando pragas indescritíveis em castelhano. Ao final da partida, a goleada é consolidada em 4×0, com gols de Sena, Leandro (2x) e Clóvis.
Os Deuses do futebol estavam ali presentes e sopraram suas bênçãos naquele time que se agigantou e todos os pecados foram expiados daquela torcida sofrida que lotou o Arizão. Denílson sai nos braços do povo sendo ovacionado pela vitória, depois de longos anos longe da sua terra natal.
*** Dedico este texto ao meu saudoso Pai Sr. Walter. Torcedor do Fluminense e do Goytacaz que me ensinou a enxergar o futebol de forma inspiradora e apaixonante.