por Victor Kingma
Minha paixão pelo futebol começou muito cedo. Como já escrevi em outros textos, quando criança, nas tardes de domingo ou nas noites frias de Mantiqueira, bucólico pedacinho de Minas Gerais, o que eu mais gostava de fazer era acompanhar as transmissões esportivas com os famosos locutores da época, como Waldir Amaral, Jorge Curi ou Fiori Giglioti. Sempre ouvia os jogos pela frequência da emissora que o nosso velho e chiador rádio Zenith sintonizasse primeiro.
Uma das transmissões que mais marcaram a minha infância foi a decisão da Copa do Mundo de 1962, no Chile, entre Brasil e Tchecoslováquia. Naquele dia 17 de junho, eu, meus irmãos e tantos outros amigos, ouvíamos o jogo pelo serviço de alto falante que o mano João tinha instalado na torre da igreja.
O Brasil, que começara perdendo o jogo, tinha virado para 2 a 1. Masopust, o grande craque rival, abriu o placar mas Amarildo, o jovem substituto de Pelé, que havia se contundido na segunda partida da Copa contra os próprios tchecos, e Zito, marcaram os gols brasileiros. A seleção estava a poucos minutos de se tornar novamente campeã do mundo.
O jogo estava quase no fim e a tensão era grande a cada novo ataque da Tchecoslováquia, que buscava o empate a todo custo. A transmissão pela Rádio Globo estava bastante inaudível naquele dia, o que aumentava ainda mais a apreensão de todos. Agonia que só terminava quando Waldir Amaral, aliviado, enchia os pulmões e narrava:
– DEFENDEU GILMAR!!!
E todos vibravam como se o Brasil tivesse feito mais um gol. No final, Vavá, o raçudo centroavante brasileiro, ainda faria mesmo o terceiro gol. O Brasil, vencendo por 3 a 1, se tornaria bicampeão mundial de futebol. A grande atuação do nosso goleiro foi fundamental para a histórica conquista.
Gilmar era daqueles jogadores que no seu clube, primeiro no Corinthians e depois no Santos, era um bom goleiro que, às vezes, até ficava na reserva. Na seleção, entretanto, era insubstituível. Com a camisa do escrete nacional, virava um paredão, capaz de deixar na reserva lendas do gol, como Castilho. Com grande espírito de liderança tinha moral para dar bronca até em craques consagrados, como Bellini ou Nilton Santos, quando acontecia alguma falha de marcação na defesa.
Jogou 103 partidas pela seleção e participou de três Copas do Mundo: 1958, na Suécia, 1962, no Chile e 1966, na Inglaterra.
Gilmar dos Santos Neves, para muitos o maior goleiro da seleção brasileira de todos os tempos, exemplo de atleta e um dos mais consagrados jogadores de futebol que o Brasil já teve, faleceu em 25 de agosto de 2013, aos 83 anos. Naquele dia, o futebol perdeu um mito. E o gol ficou vazio.