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Futebol

FUTEBOL SE GANHA DENTRO E FORA DE CAMPO

por André Luiz Pereira Nunes


Meu saudoso amigo Walquir Pimentel, ex-árbitro e dirigente, no auge da sagacidade e da experiência vivenciadas em décadas no meio do futebol, sempre me dizia que futebol se ganha dentro e fora de campo. A lição nunca me foi esquecida.

– Como assim? Não basta formar um bom time e bater impiedosamente os adversários? – perguntava.

– Não. Se um time não tem representatividade e influência junto à imprensa e aos órgãos federativos de nada adianta., reiterava.

Tal premissa me faz lembrar o Bangu, de Castor de Andrade. Em 1985, vencia os rivais, mas era extremamente prejudicado pelo juiz em momentos-chave. Tais situações ocorreram duas vezes contra Coritiba e Fluminense, respectivamente, nas finais do Brasileiro e Estadual. Alguns atletas daquela magnífica equipe acreditam que o notório bicheiro se descuidou dos assuntos externos porque confiava plenamente em seu plantel.

Outra agremiação extremamente garfada pela arbitragem foi o America, nas décadas de 70 e 80. Aliás, o ex-locutor da Rádio Globo do Rio de Janeiro, Maurício Menezes, hoje gozando da merecida aposentadoria em Juiz de Fora, declarou recentemente em uma rede social que jamais viu em sua vida equipes tão azaradas como a Portuguesa de Desportos, o America e o seu correlato genérico de Belo Horizonte.

O Botafogo, por exemplo, é o clube que mais empatou no presente Campeonato Brasileiro: seis vezes. Teve somente uma vitória e uma derrota. Tem sofrido com uma incômoda sequência de gols anulados pela arbitragem. Agrava-se ainda mais a questão emocional, pois “O Glorioso” ainda tem  tomado gols nos minutos finais das partidas. A revolta é tanta que o goleiro Gatito Fernández resolveu dar um chute na aparelhagem do VAR após o jogo contra o Internacional, devendo ser julgado e punido pela atitude impensada.

É possível que diante de tantos revezes, seja necessário trabalhar o lado psicológico dos atletas, pois a sucessão de tentos anulados e os gols sofridos ao fim dos jogos certamente afetam o moral do grupo.

Para se ter uma ideia, pela nona rodada do Brasileirão, o Botafogo vencia o Athletico Paranaense, em Curitiba, por 1 a 0, e quase tomou a virada nos 5 minutos finais. A equipe paranaense igualaria o marcador, aos 43 minutos, e só não venceu o rival carioca porque Nikão desperdiçou uma penalidade, batendo para fora. Em seguida, Geuvânio mandou uma bola no travessão. Para piorar, houve um gol de Bruno Nazário, aos 44 minutos da primeira etapa, anulado pelo árbitro, que deu impedimento na jogada.

Na rodada anterior o Clube da Estrela Solitária obteve a sua melhor atuação diante do Corinthians. Só não venceu porque mais uma vez foi vítima da arbitragem, a qual concedeu um penal inexistente para o adversário. Detalhe: o sistema defensivo falhou no final do cotejo, deixando o atacante Jô livre para assinalar o gol de empate.

É certo que Paulo Autuori terá muito trabalho para acertar o time, pois alguns de seus comandados estão em má fase. Honda ainda não rendeu o esperado. Bruno Nazário tem boa técnica, mas é instável. Kalou estreou, demonstrou qualidades, mas precisa melhorar muito a questão física. Mas pesam também as dificuldades extra-campo. Outro dia os torcedores protestaram com faixas contra o VAR em frente à sede da CBF, no Rio. Um dos dizeres era: “Igualdade de critérios para todos os clubes do Brasil.”

O Botafogo, para sair desse rol de dificuldades, precisará mesmo melhorar seu time dentro e fora de campo.

O CENTENÁRIO COME-FOGO

por Émerson Gáspari


Tenho 105 anos. Nessa idade, como ancião, um dos poucos prazeres que a vida ainda me concede é o de relembrar as coisas de maior significado para mim, nessa vida. O futebol está entre elas. Meu primeiro contato com ele ocorreu no longínquo 1º de agosto de 1920. Faz, portanto, exatamente um século que pisei pela primeira num estádio de futebol, levado por meu saudoso pai, que queria me apresentar cedo ao mundo da bola.

Por falar em mundo, parece que em certos aspectos ele não mudou tanto assim: naquela época, estávamos saindo de uma Gripe Espanhola que matou milhões pelo mundo afora. Hoje, é essa pandemia da Covid-19 que assombra a humanidade. Tenho fé de que sairemos dessa, como da outra vez. Por pior que seja o dia de hoje, sempre haverá um amanhã diferente e melhor. Tenhamos fé.

Mas, voltemos ao “mundo da bola”. Ontem, meus bisnetos me pediram para que lhes falasse a respeito do Come-Fogo de antigamente. Então não me fiz de rogado e passei a lhes contar histórias e mais histórias dos jogos que testemunhei. Falei do primeiro deles, o tal de 1920: estive lá, aos cinco aninhos e deste, confesso, pouco me recordo: lembro-me que o clássico ainda não tinha sequer a alcunha de Come-Fogo, que o jogo ocorreu no antigo estádio da Rua Tibiriçá, ao lado da Beneficência Portuguesa, já nos limites da cidade. Torcedores entravam de paletó e chapéu. Os mais velhos não dispensavam a bengala. As pouquíssimas senhoras, de sombrinhas, chapéus e vestidos de seda.

O Comercial, equipe bancada pelos comerciantes e coronéis do café, teve um time fabuloso, que goleou por 20 x 0 o Taquaritinga (só Santinho, fez 10 gols), empatou com a Seleção da Argentina, venceu o Corinthians na disputa da Taça Clark e voltou invicto de uma célebre excursão ao Nordeste (daí ser apelidado de “Leão do Norte”), entre outras façanhas mais. Já era uma equipe experiente e temida e seu estádio, com capacidade para três mil espectadores, possuía o primeiro campo gramado do Brasil, encravado no topo do Centro de Ribeirão Preto.

Por sua vez, o Botafogo era um clube humilde, formado pela fusão de três equipes amadoras da região da Vila Tibério, bairro popular e que abrigava a estação ferroviária e as cervejarias que ajudaram a tornar a cidade famosa pelo chope, décadas depois.

Havia, obviamente, um desnível técnico entre os times. Daí o Comercial resistir a um confronto direto, pois a discrepância era nítida. Embora os alvinegros resistissem a uma contenda, acabaram por aceitar um confronto entre seu time B, contra o quadro principal do Botafogo. Daí, se acreditava, daria jogo.

Lembro-me vagamente da partida, naquele dia. Foram muitos gols. Recordo-me bem do placar final: Comercial 8 x 0 Botafogo.  Quatro anos depois (eu maiorzinho, com nove) aí já me lembro melhor do segundo duelo: 2×1 para o Comercial, no mesmo estadiozinho da Rua Tibiriçá, em 1924.

Meus bisnetos ficaram encantados, embevecidos com tantas histórias sobre esse clássico tão tradicional do interior paulista. E eu, que acompanhei a maior parte dos quase 170 confrontos até hoje, me sinto um privilegiado por ser, talvez, a única testemunha ocular viva do primeiro jogo entre ambos. Ao menos, não conheço ninguém da minha idade aqui na cidade. Quanto mais, que tenha estado presente a essa partida inicial.

Para usar de franqueza, confesso que passei a tarde toda relatando casos e mais casos dos duelos travados. Expliquei que a vitoriosa fase amadora terminou junto com o fim daquele Comercial, em meados dos anos 30. E que o Botafogo, mais novo, prosseguiu sem a companhia do rival, por 19 anos. Até que, em 1954, eles retomaram suas disputas (já sob a alcunha de Come-Fogo) e aos poucos, a vantagem comercialina em confrontos foi sendo demolida e se inverteu, pois o Botafogo se fortaleceu bastante, enquanto o Comercial voltou com muitas dificuldades, atuando por alguns anos como inquilino, no estádio da Mogiana. Falei da “era Sócrates”, amplamente favorável ao tricolor, relembrei do rebaixamento que o Bafo impôs ao Pantera, entre outras gostosas histórias.

Expliquei a eles, como se deu a construção do estádio Francisco de Palma Travassos, a “Jóia” de cimento armado, no Jardim Paulista. E depois a mudança do Botafogo, do estádio Luiz Pereira (o “Madeirão”) na Vila Tibério, para o Santa Cruz, hoje convertido em arena.


 Eles realmente ficaram muito felizes com o papo e disseram que iriam contar algumas dessas histórias para seus coleguinhas de escola, quando as aulas enfim retornarem, porque pelas redes sociais não dá: é muita coisa para ser escrita ou mesmo lida. Eles não imaginam que feliz mesmo fiquei eu, de poder ter a atenção das crianças dirigida a mim, um ancião, nessa altura da vida. Eles nem piscavam enquanto eu falava: tal era o fascínio deles, que parecia que eu era um celular. No final da tarde despediram-se, agradecidos.

A noite caiu e fui me deitar. Mas confesso que o sono não vinha. Porque as lembranças eram muitas e um turbilhão de recordações não me saíam da cabeça. Foi daí que me surgiu uma dúvida inusitada: como seria uma disputa definitiva entre ambos os times, para decidir qual deles é o melhor, nesses cem anos de bola rolando? E com os melhores atletas de cada posição lado a lado, ao longo da história: uma espécie de Come-Fogo atemporal, eterno?

Tomei consciência de que eu seria o único capaz de imaginar uma fantasia dessas e que ela seria, secretamente, a minha singela homenagem pelos cem anos de rivalidade, já que a data praticamente “passou em branco” em Ribeirão Preto. Sinal dos tempos! 

E assim, sem mais delongas, passo a lhes descrever agora, como poderia ser o maior Come-Fogo de todos os tempos, com jogadores de épocas diferentes, atuando juntos. Para começo de conversa, proponho duas partidas: a primeira, no berço comercialino, o estádio da Rua Tibiriçá (talvez o primeiro campo totalmente gramado do Brasil) e a segunda, na atual arena botafoguense, o estádio Santa Cruz. Vale a Taça de “Campeão Eterno”.

Manhã aprazível de domingo, no estádio da Tibiriçá, com grande público saudando com pétalas de rosas o Comercial, que vem a campo com Leão, Ferreira, Jair Gonçalves, Piter e Toninho; Hélio Giglioli, Amaury e Jair Bala, Mauricinho, Paulo Bin e Carlos Cézar. O técnico Alfredinho Sampaio, auxiliado por Tim, relaciona para o banco: Ortíz, Benazzi, Pedro Omar, Ademar, Thadeu Ricci, Santinho e Guina. O Botafogo, saudado até pelos adversários com calorosas palmas e lenços brancos girados no ar, vem em seguida, com Aguilera, Eurico, Julião, Dicão e Mineiro; Carrapato, Sócrates e Tim; Zé Mário, Antoninho e J. C. Motoca. No banco, José Agnelli, auxiliado por Tiri, deixa Machado, Cicinho, Baldochi, Gallo, Raí, Paulo César e Geraldão.


Na tribuna de honra o prefeito Costábile Romano está rodeado por ilustres convidados como Lúcio Mendes (jornalista que “batizou” o clássico), o advogado e historiador Rubem Cione (comercialino), o analista social Vicente Golfeto (botafoguense), entre outros. Lá estão também o presidente do Botafogo, Waldomiro Silva, e o do Comercial, Mário Ricci. O jogo quase não acontece, porque o Comercial queria que estivesse em campo o meia Diego, mas o Botafogo protestou, pois o craque jamais vestira a camisa do time principal, tendo seguido para o Santos muito cedo. A FPF por fim, bateu o martelo: ele não poderia jogar e fim de papo. O Comercial protesta, diz que é perseguido pela Federação e que vai recorrer. O árbitro Dulcídio Wanderley Boschila, o maior apitador da história do clássico, tira o “toss” entre os capitães Carlos Cézar e Sócrates . Tudo certo, trila o apito do árbitro e começa a partida.

Empurrado por sua apaixonada torcida que é maioria no estádio, o “Bafo” parte logo para o ataque, exigindo de Aguilera, uma defesa arrojada aos cinco minutos de jogo. O meia Tim pede calma aos companheiros e tenta controlar a pressão inicial, prendendo a bola. Sócrates desdobra-se apesar do forte calor, enquanto Dicão grita com a zaga para que fique atenta, especialmente com Paulo Bin. Mas é Jair Bala quem dá um chapéu perfeito no mesmo Dicão e rola macia a bola pra Carlos Cézar, que de canhota e de fora da área, manda um pelotaço no ângulo de Aguilera: 19 minutos, Comercial 1 a 0. Sócrates, mesmo marcado por Hélio e Amaury, arma grande jogada com Zé Mário que entorta Toninho e centra para Antoninho cabecear contra a trave de Leão, aos 32. Logo em seguida, aos 35, Motoca, que trava um duelo equilibrado com Ferreira, consegue um perigoso chute cruzado, o qual passa quase sobre a linha do gol, mas vai pra fora, e quando a partida fica mais equilibrada, Paulo Bin sente o joelho e sai, para a entrada de Santinho (artilheiro máximo do amadorismo). Até que o primeiro tempo termina, no exato instante em que Carlos Cézar cobra uma falta com violência, que passa com perigo, bem próxima da meta botafoguense. Logo chega a notícia de que Zé Mário estranhamente não se sentiu bem nos vestiários e quando voltam os times para a segunda etapa, é Paulo César quem surge em seu lugar.

E o Fogão até recomeça melhor, quando um escanteio batido pelo próprio Camassuti, encontra Dicão livre no segundo pau, mas ele cabeceia de nariz e perde o empate feito. Agnelli morde com raiva seu indefectível chapéu e manda Baldochi se aquecer, para substituí-lo.

Píter paga bronca geral na zaga e Alfredinho põe Ademar no lugar de Hélio e Guina no de Jair Bala, pra tornar o time mais ofensivo. Dá certo e o alvinegro engrena novamente. Agora Píter, o indelével “Rocha Negra” não dá mais chances à Antoninho. Ademarzinho põe fogo no jogo e Carrapato (um amador botafoguense), sobrecarregado, começa a pregar. Sócrates também sente o ritmo e é substituído por Gallo, numa clara tentativa de Agnelli, de fechar o meio-campo. Mas Carlos César está impossível: lança milimetricamente nas costas de Mineiro, para Mauricinho, que vai ao fundo e cruza para um sem pulo sensacional de Santinho: 2 a 0. Goool! Esgoela César Bruno, na cabine de rádio. Ao seu lado, Miguel Liporaci é só elogios rasgados ao Leão. O Botafogo procura segurar o jogo e no finalzinho, num choque feio entre Ferreira e Eurico, em disputa de bola, ambos deixam o campo, contundidos. Felizmente, não há limites de substituições.

Cicinho entra na lateral botafoguense e Benazzi, na comercialina. E no minuto final, é ele, Benazzi, quem centra para a área, onde Guina anota de cabeça, o terceiro. Mas Dulcídio anula, alegando ter havido carga no lance e encerra o jogo em 2 a 0. O Comercial diz que vai recorrer na Justiça Desportiva, mas o resultado está mantido.


Semana de muita expectativa até o segundo confronto. O assunto preferencial nas rodinhas do Pinguim e da Única. Especulações mil de ambas as partes (Zé Mário jogará?). Torcedores fazendo apostas dos dois lados, principalmente no programa “Balanga-Beiço”, onde os apresentadores Tiririca e Coraucci Neto sempre se defrontam e a rádio PRA-7 registra recordes de ligações.

A torcida do Botafogo não perdoa o técnico José Agnelli; pede sua cabeça, pois acha que o time deveria ter atacado mais, mesmo no alçapão adversário, conforme noticia o jornalista Márcio Morais, em sua coluna “Bolso de Repórter” do jornal A Cidade. A pressão chega a tal proporção que Jorge Vieira é chamado para o seu lugar e assume o time, prometendo mais “pegada”, convocando outros jogadores e realizando “treinos secretos”. Enfiado na concentração de Bonfim Paulista, o Comercial tem uma semana mais tranquila, só que Ferreira, contundido, não joga. Mas Alfredinho, velha raposa, faz mistério sobre isso, enquanto pelo lado tricolor, Eurico já é desfalque certo, conforme furo de reportagem de Wilson Toni.

Chega enfim o grande e decisivo dia! Sol escaldante, sábado, quatro da tarde! Desde as duas, não cabe mais ninguém na arena botafoguense (os portões foram abertos ao meio-dia). O “Santão” treme com a agitação da galera. E lá vem o Pantera, agora repaginado, desta vez sob o comando de Jorge Vieira, debaixo de um foguetório “daqueles”: Doni, Cicinho, Baldochi, Bordon e Carlucci; Paulo Rodrigues, Sócrates e Raí; Zé Mário, Antoninho e Paulo Egídio. Minutos depois, o Leão (também com algumas mudanças) recebe a “salva de vaias” do estádio e vai se confraternizar com sua torcida, em seguida: Leão, Benazzi, Jair Gonçalves, Píter e Toninho; Pedro Omar, Amaury e Jair Bala; Mauricinho, Paulo Bin e Carlos Cézar. A crônica esportiva aprova as modificações, que tornaram as equipes mais ofensivas e modernas. E, apesar da pressão comercialina, Dulcídio Wanderley Boschila foi mantido para arbitrar a segunda partida, que enfim, começa.

Início do jogo, o Fogão toma logo a iniciativa e parte pra cima, com tudo: de Paulo Rodrigues para Raí, daí a Sócrates e… Leããão, para escanteio! O Comercial é de certa forma, surpreendido com tamanho ímpeto inicial do adversário. Das arquibancadas então, vem uma pressão imensa.

Tabelinha Sócrates e Raí e Pedro Omar entra rachando em cima do rapaz. Falta de longe, na meia-esquerda, lá do meio da rua. Não tem problema: pro “canhão” Carlucci não tem distância e a bola chega “oval” no gol de Leão, que não quis barreira: 12 minutos de jogo, Botafogo 1 a 0. O “Santão” estremece. Sócrates é o melhor homem em campo, mesmo acompanhado de perto por Pedro Omar. Antoninho e Piter brigam titanicamente na área. Benazzi não pode descer tanto (como pretendia Alfredinho) para não tomar bola nas costas, com Paulo Egídio. Mesmo problema de Toninho, bastante fustigado por Zé Mário. Mas aos 35 minutos, um fato muda a história do primeiro tempo: numa arrancada de Paulo Bin, Baldochi entra pra matar a jogada. Bin acaba saindo de maca, aplaudido pelos bafudos e é substituído por Guina, enquanto um empurra-empurra se instala no gramado, dando muito trabalho para Dulcídio restabelecer a ordem.

Baldochi acaba expulso de campo e deixa o Bota com dez. O Comercial aproveita a catarse momentânea e empata o jogo, numa bola que Benazzi centra na meia-lua e encontra Carlos Cézar de frente. Ele sai da bola e no corta-luz, deixa-a limpinha pra Jair Bala colocar no cantinho: 38 minutos, 1 a 1. Nas tribunas, João Batista de Campos e Mário Ricci vibram juntos.

Um silêncio toma conta do estádio por alguns minutos, que só reacende quando Sócrates e Raí “invadem a casa comercialina” (como narra Helton Pimenta) numa tabelinha genial e Leão se atira aos pés do adversário, evitando gol certo. Fim de primeiro tempo. Torcedores roendo as unhas por todos os lados.

No intervalo, muita ansiedade. E a torcida do Comercial, comemorando além da conta, começa a ser molestada, a ponto do policiamento ser reforçado nas imediações, conforme informa Luiz Antônio “Espertinho”. Voltam os times pro segundo e derradeiro tempo. Ninguém muda. Apenas Vieira pede que os laterais não desçam e que Paulo Rodrigues recue um pouco, formando mais com a zaga. Atrás, só Bordon e os dois laterais. Sócrates conversa muito com os pontas: quer mais bolas altas na área, para aproveitar sua altura e a do mano Raí. E a partida finalmente recomeça!

Pressão total do tricolor e Jair Bala e Carlos Cézar começam a terem de vir buscar a bola da defesa para o ataque, pois o Leão do Norte não sai mais lá de trás. O “Canhotinha de Ouro” sente uma fisgada na coxa e deixa o campo, para a entrada de Rômulo, na esquerda. E se o dia é de Sócrates – o melhor em campo – Leão se torna o melhor do Bafo. Primeiro, fecha o ângulo em perigoso chute diagonal de Zé Mário. Depois, no reflexo, salva um cabeceio de Raí e quando finalmente é vencido por Paulo Egídio que o havia driblado, é Píter quem salva, em cima da risca.

Mesmo com o Fogão melhor, Jorge Vieira resolve mexer no time, partindo pro tudo ou nada: sai Paulo Rodrigues e entra Tim; sai Paulo Egídio e entra Mário Sérgio. O Pantera aperta, mesmo com quatro meias e dois atacantes, agora. O Bafo se segura como pode.

Então o dono do jogo arrebenta com tudo e numa nova tabelinha com o irmão caçula, deixa-o na cara do gol. Goool de Raí: 2 a 1 Botafogo, aos 30 minutos. Nas cabines de rádio, Wilson Roveri diz que o jogo é todo do Botafogo.


Imediatamente Alfredinho saca Jair Bala e entra com Thadeu Ricci para levar a bola até Mauricinho, Guina e Rômulo lá na frente. Ele não quer que o time recue tanto, sente o cheiro do perigo no ar. Orienta Amaury e Pedro Omar para não darem trégua ao ataque adversário e homem místico que é, reza no banco de reservas.

José Agnelli e seu chapéu estão agora na tribuna, ao lado do prefeito Costábile Romano, outro botafoguense doente. Nos minutos que se sucedem, a tática e a mandinga de Alfredinho dão certo e o jogo, de fato, fica lá e cá. Ricci joga o fino e Mauricinho inferniza Carlucci, que já é advertido verbalmente pelo juiz. Então Jorge Vieira joga suas últimas fichas: saca Raí e coloca Geraldão, deixando o time agora com dois goleadores natos. Em três minutos, o Fogão cria duas chances claras e o tosco Geraldão se incumbe de perdê-las.

Até que na terceira, ele Geraldão, recebe um centro rasteiro surpreendente de Mário Sérgio (que olha para um lado e cruza para o outro), atrapalha Antoninho e erra o chute, já na marca da cal, com Leão caído no meio de um bolo de jogadores. A bola triscada, vai saindo pela linha de fundo, mas Sócrates, o mais próximo, corre e a alcança, junto à trave. Desesperado, Jair Gonçalves empurra o “Doutor”, que mesmo desequilibrado, toca genialmente de calcanhar, às suas costas, antes que Dulcídio possa dar o pênalti.

A bola dramaticamente cruza a linha de gol na diagonal, antes que Píter possa alcançá-la, num carrinho em que leva grama e terra para o fundo das redes: são 41 minutos, Botafogo 3 a 1. Renê Andrade, atrás do gol, diz que o “juizão meteu a mão no Leão, tinha que dar o pênalti, pô!”. Agnelli joga seu chapéu para o alto. Costábile perde a compostura e salta abraçado, às lágrimas, feito um menino, junto do técnico portenho. Está tudo empatado e faltam só quatro minutos… haverá tempo, ainda?

Afinal, o Pantera sempre teve a sorte a seu favor, enquanto que o Comercial… Alfredinho grita para Ricci e Rômulo recuarem, pede para Guina ficar sozinho como meia e manda Mauricinho brigar lá na área . Já Vieira insiste para que o time desça todo para o ataque. O Botafogo luta, com todas as suas forças. O Comercial não se entrega.

Geraldão se joga na área, a torcida quer o pênalti, Boschila não vai na onda. Mas é o Comercial que aos 45, assusta: contra ataque com Guina, que se livra de Tim e aproxima-se velozmente da área, atrai a marcação de Bordon e serve Mauricinho, já no desespero. Mesmo desequilibrado, ele bate forte, da meia lua. E é a vez de Doni, salvar, com a ponta dos dedos, colocando para escanteio.

O simpático Salim, da “TUC”, torcedor-símbolo do alvinegro, leva as mãos à cabeça. Do outro lado do estádio, à frente da “Dragões”, é o robusto Pidão, chefe da torcida tricolor, quem arranca os cabelos e diz que “mais uma dessas e eu infarto aqui mesmo”. Felizmente não há tempo pra isso acontecer. Pois assim que Mauricinho apanha a bola para cobrar o escanteio, Dulcídio encerra a partida. Os comercialinos protestam: querem a cobrança, já que teria de haver acréscimos. O árbitro não lhes dá ouvidos e os comercialinos dizem que sempre são perseguidos pela FPF e que irão recorrer. Cria-se novo tumulto no gramado.

Por sorte, uma inesperada invasão mista de torcedores, logo debelada parcialmente pela polícia, acaba por ajudar a arbitragem a deixar o campo, enquanto o prefeito, os presidentes dos clubes e demais autoridades chegam ao gramado e entregam o troféu… para os dois capitães!

Isso porque, como não havia previsão de desempate estabelecido no regulamento, não poderá haver cobranças de penalidade e ambos os clubes são declarados “campeões eternos”. O Botafogo apanha o troféu e sai para dar a volta olímpica junto à sua torcida, que é maioria em seu estádio. O Comercial protesta, alegando que por ter marcado um gol na casa do adversário, esse valeria dobrado e o título teria que ser seu.

E diz que vai recorrer. 

O SOCO NO AR E AS TENTATIVAS DE SUPERAR O INSUPERÁVEL

por Claudio Henrique


Diário de Bordo: direto da máquina do tempo, “Comentarista do futuro” revela que as formas de se comemorar o gol serão capítulo à parte do futebol

Eu já estava com um dos dois pés – não me lembro qual pois, como Pelé, também sou ambidestro –, ou melhor, uma das duas mãos dentro da máquina do tempo quando chegou, esbaforido, um “velho homem da imprensa”, com bigodes e suspensórios à frente. Falou-me rapidamente sobre o sucesso que minhas crônicas fizeram em seu periódico mexicano, que teria crescido em vendas, blábláblá… E me fez um pedido: uma última resenha, mesmo que escrita de dentro da geringonça que me permite viajar entre as décadas. Topei e depois explico como enviei de volta para publicação. Precisava mesmo falar ainda algumas coisas (calma, prometo que este texto será menor que os anteriores), em especial sobre o “soco no ar” do Pelé, que enalteci na última resenha e ficou batucando nesses meus neurônios cansados de guerras (serão muitos nos próximos 50 anos, inclusive contra vírus) e de algumas doses de THC na juventude. Há mais coisas entre o Gol e o reinício do jogo do que supõe a nossa vã filosofia.


Preciso confidenciar a vocês que no futuro as formas de se comemorar um gol se transformarão em “assinaturas” no futebol. Sim, marcas associadas aos atletas, e muitas vezes veículos para mandar mensagens, pessoais ou coletivas. Inteligentes serão os craques que demonstrarem habilidades também em marketing pessoal. Será um desfile de criatividade, amigos, acreditem: aviõezinhos, sambadinhas… Vai ter jogador deitando no campo, falando no orelhão (telefone público) do campo… E pensar que tudo começou com Pelé – até isso o “negão” deixou de herança para o futebol.

Mas a gênese dessa história paralela à do esporte, o “soco no ar”, se manterá no cardápio deste espetáculo de diferentes coreografias. E insuperável. Vejam vocês: na Copa de 2018, a última que testemunharei antes de minha partida rumo ao passado, o jornal O Globo, aquele mesmo que, como já contei, um dia indenizará um fotógrafo por publicar imagem do gesto do Rei, juntará uns trocados para analisar as formas como serão comemorados os 163 gols do Mundial. Cultura inútil? Não para quem ama futebol. E se você chegou até aqui nesta resenha é porque é um dos nossos. Siga comigo…

Daqui a 50 anos ainda veremos na Copa 2018 nada mais nada menos que 24 tentos (quase 15% do total) seguidos por soquinhos “a la” Pelé. Sendo 8 deles desferidos por brasileiros; 16 por atletas de outras nacionalidades. Ok, 1/3 dos gols ganharão uma comemorarão meio boboca, só abraços ou afagos protocolares, mas o Mundial será na Rússia, considere-se (a propósito, avisem aos camaradas!). O show que se sucederá aos estufar das redes será rico em folclore, curiosidades e polêmicas. Nessa Copa do próximo século, atletas chegarão a ser punidos pela Fifa por manifestarem posicionamentos políticos após balançar as redes. Só citando um jovem repórter esportivo brasileiro que tá estreando este ano na rádio Jovem Pan: “ô, loco!”.

O negócio vai mesmo tomar proporções de… Negócio. Chegará o momento em que os jogadores, esses espertinhos, passarão a levantar a camisa após o gol, mostrando marcas ou mensagens que estão ali por conta de algum capilé previamente acertado, claro. A Fifa não tardará a proibir e existirão, como sempre, os que tentarão arrumar um jeito de burlar a regra. Um marca de cerveja no Brasil contratará um craque da nossa Seleção para festejar seus golaços levantando o dedinho indicador pro alto, numa alusão ao seu slogan: “Número 1”. E pensar que neste Mundial do México a outra comemoração marcante foi aquela do Jairzinho após seu gol contra a Inglaterra, quando, copiando o tcheco Petras, que dias antes fizera o mesmo contra nós, se ajoelhou e fez o sinal da cruz. Em nome do pai… No futuro, não existirá mais bobo no futebol. Nem santo.

O salto de Pelé, que no futuro será inspiração para monumentos em Santos e Três Corações (cidade em que nasceu), veio à luz há quase 11 anos, em 2 de agosto de 59, quando o craque, jogando num obscuro mas romântico estádio paulista, na Rua Javari, contra a Juventus, pela primeira vez comemorou um gol desse jeito – isso após converter aquele que, muitos juram, ter sido o mais belo gol de sua carreira, mas do qual não existem registros visuais. É sempre assim… Bem, naquele dia, Pelé estava pouco inspirado, coisa rara, e a torcida adversária, que foi ao jogo também esperando ver show do “hômi”, vaiava o Rei, coisa ainda mais difícil em sua carreira. Incomodado, o Rei fez um primeiro gesto com a mão, aquele com o qual costumamos avisar: “Guenta aí, que já-já eu mostro a vocês o que é bom pra tosse”…

Logo depois, recebeu uma bola na área e, sem deixar a pelota cair, salpicou quatro lençóis seguidos, o último no goleiro, e “guardou”. Como tratava-se de uma resposta aos apupos das arquibancadas, correu em direção à galera e largou esta espécie de cascudo no ar, num desabafo. Ou seja: um gesto universal nascido da raiva. Mas, como todo bom Deus, o do Futebol sabe compensar e equilibrar forças e valores da natureza humana. Tanta que anos depois, já adianto, quando encerrar a carreira nos Estados Unidos, comandará ao microfone um estádio lotado pedindo em alto e bom som para o mundo: “Love! Love”! Mas na Javari foi ódio mesmo.


Nasceu assim o salto de euforia do Rei que agora todos conhecem e no futuro se tornará imagem em selos e cartões postais (não apenas no Brasil, como em outros países dos cinco continentes), estátuas, esculturas, quadros… Daqui a 50 anos até a silhueta desta emblemática comemoração será identificada e reconhecida em todo o planeta, tal qual a face de Jesus Cristo, a garrafa da Coca-Cola ou a latinha de sopa Campbell, que o artista Andy Warhol lançou no mesmo ano em que fomos bicampeões no Chile, sacam? Um pouquinho de pop-cultura não faz mal a ninguém. Coca-Cola também não, acreditem. Não fará! Na próxima década eles vão lançar uma em versão “Diet” e, melhor, no próximo século uma sem açúcar, rebatizada de Coca Zero. Mas ouvi dizer que, quando chegar este momento, algum publicitário americano pensará em batizar de Coca 10, numa homenagem ao Pelé. Podem levar esta ideia. Não cobro nada por isso.

Mas voltemos a 2020 (aliás, é pra onde estou me dirigindo mesmo, nesta máquina barulhenta). A estatística de estilos de comemorações de gols feita pelo Globo mostrará um empate técnico em primeiro lugar. Junto ao números de “jabs” no ar, estará, também com os mesmos 24 tentos, um estilão que, no próximo século, ganhará força, ou virará “modinha”, como gostaremos de dizer: uma espécie de terraplanagem, em que os jogadores vão se atirar ao chão, escorregando pelo gramado. Desconfio que será inventado em algum jogo disputado sob chuva, Talvez na Várzea, mas os registros do futuro creditarão seu surgimento a um atacante alemão, Klinsmann, que justificará seu gesto como um deboche de sua fama de cavador de faltas e pênaltis. Outro formato que será comum: a ostentação de marra, de superpoderes, geralmente com os artilheiros cravando as duas pernas no solo, cruzando os braços e lançando para as câmeras olhares de “imbatíveis”, que se aproximarão do que conheceremos no Brasil como “Olhar 43”, um rock dos anos 80. Mais cultura pop…

Justiça seja feita: além de Pelé, nada disso acontecerá não fossem as imagens antológicas feitas na Copa por algum dos “cameraman” no estádio, esse fadado ao anonimato (alguém aí conhece o sujeito?), e por pelo menos dois fotógrafos brasileiros: Orlando Abrunhosa e Lemyr Martins, donos de fotogramas deste instante mágico em seus acervos pessoais. Daqui a meio século, antes de viajar ao passado, fui aos arquivos do jornal (na verdade eles não existirão mais, será um troço chamado Google) mas não consegui responder três das cinco perguntas obrigatórias que um jornalista deve trazer em suas reportagens: quem, como e quando. Ambos terão belas carreiras, e ao Lemyr, inclusive, caso venha a ler estas mal traçadas linhas, gostaria de avisar que, além do futebol, deveria se dedicar ao automobilismo, pois na Fórmula 1 em breve teremos nossos craques. Esse vai longe, padrão Evandro Teixeira de qualidade, se é que isso é possível. O Orlando Novais, como já contei no tijolaço anterior, processou a Globo na Justiça por seu uso “sem autorização”. A Coca-Cola não cria caso. Se quiserem, podem publicar e falar dela à vontade.


A forma muito autoral com quem Pelé festeja e festejará seus mais de mil gols será copiada por gerações. Eu mesmo, moleque nos anos 80, gostarei de dar meus soquinhos no ar após meus golaços nas peladas da vida (todos lindos, mas pouparei todos de descrições detalhadas). Mas as próximas décadas nos brindarão com outras marcas indeléveis. Ainda nesses anos 70, um baixinho bom de bola que aparecerá no Atlético Mineiro vai assinar seus gols levantando apenas um dos braços, e com o punho cerrado, tipo Jesse Owens. Sócrates, não o filósofo mas um politizado e longilíneo camisa 8 que teremos nos anos 90, fará algo bem parecido. Bebeto, um de nossos atacantes na futura Copa de 94, vai dizer ao mundo que foi pai comemorando um de seus tentos fingindo embalar uma criança nos braços. Este vão copiar muito. Jogador de futebol tem filho cedo.

Cristiano Ronaldo, que será apontado como o melhor do mundo muitas vezes na minha época, terá como marca também um escorregão nos gramados, mas de joelhos. Possivelmente alguém vai contar ao português que, no Brasil, já tinha um malandro fazendo isso, Neto, do Corinthians, pois depois o atacante acabará mudando seu pós-gol para outra postura: em pé, braços abertos, num gesto que treinará exaustivamente, como chutes e dribles, para compensar sua cintura dura pro futebol. Outra comemoração que surgirá e acabará meio que afastada do esporte será uma mania de, após marcar, fingir que está dando tiros ou disparando uma metralhadora. Mas neste caso a proibição não será da Fifa, mas do bom senso comum e da marcação cerrada do “politicamente correto”, lembram? Já falei a vocês deste “cara”. Tirar a camisa não vai poder. Se abraçar com a torcida? Na-na-ni-na-não. Futebol vai ficar meio chato mesmo.

Que fique aqui registrado meu pedido para que todos vocês lutem e não deixem isso acontecer. Antes de entrar na atmosfera de 2020, falta contar como combinei a entrega deste texto ao passado, visto que escrevo na máquina do tempo, no trajeto até os dias de amanhã. O tal editor do jornaleco mexicano me garantiu que, quando eu chegasse ao Século 21, encontraria um sinal, deixado por ele no passado, e orientações de como proceder. Achei enigmático, mas de toda forme escrevi. Se você estiver nos anos 70 e lendo esta pitomba, portanto, saiba que tudo deu certo. O eterno Pelé foi uma prova de que a magia supera qualquer barreira do tempo. E vou aproveitar para deixar aqui uma piadinha que talvez vocês ainda não conheçam nesses anos 70. Pelé sempre foi Rei…

Já “Era Antes do Nascimento”.

Claudio H – alguma data estelar entre 1970 e 2020

O BOTAFOGO DE TODOS OS TEMPOS

por Luis Filipe Chateaubriand


Quem acompanha meus textos aqui no Museu da Pelada, sabe que sou um tanto avesso a escrever sobre algo acontecido antes de 1978, quando ainda não acompanhava futebol.

No entanto, ao assistir, pelo YouTube, um debate na ESPN sobre o Botafogo de todos os tempos, não resisti… Escalei o meu Botafogo de todos os tempos!

Friso que nem todos vi jogar, no entanto, como estudo futebol desde sempre, arrisco montar o melhor Botafogo que já se viu.

Como goleiro, Manga. Excelente colocação debaixo dos paus, muita agilidade para chegar na bola, excelente técnica.

Na lateral direita, Josimar. Bom de dribles, bom de chute, veloz, fazia do apoio ao ataque uma constante em seu jogo.


Como zagueiro central, Mauro Galvão. Colocação perfeita, quase sempre chegava na bola antes dos atacantes oponentes, tinha grande espírito de liderança, além de visão de jogo privilegiada.

Na quarta zaga, Nílton Santos. Mesmo improvisado, tinha noção de espaço e de tempo absolutamente perfeitos, excelente domínio de bola e sentidos aguçados à toda prova.

Na lateral esquerda, Marinho Chagas, a Bruxa. Homem show, driblava com extrema facilidade, às vezes ia à linha de fundo de onde bem cruzava, às vezes cruzava do meio mais próximo à extremidade lateral do campo e, em todos os casos, deixava os oponentes confusos, inclusive quando decidia chutar, bem, a gol.

Como primeiro volante, Gérson, o Canhotinha de Ouro. Exímio lançador, colocava a bola à feição dos atacantes de forma estupenda e, além disso, organizava o time, sendo um técnico em campo, tanto no posicionamento ofensivo como defensivo, além de defender e atacar bem.


Como segundo volante, Didi, o Príncipe Etíope. Jogador clássico, batia na bola como pouquíssimos, metia aquela folha seca (que ele inventou…) nela, ditando o ritmo do jogo, acelerando para pegar o inimigo de surpresa, cadenciando para enervá-lo e alternando essas possibilidades sempre na medida exata.

Como meia atacante, Paulo Cezar, o Caju. Dono de uma inventividade incrível, de uma ousadia despudorada, de uma atitude exuberante, driblava e tocava a bola divinamente, além de saber sair do meio para as pontas sempre que era necessários descongestionar a cancha.

Como atacante pelo lado direito, Mané Garrincha. Simplesmente o segundo melhor jogador de todos os tempos, atordoava os marcadores de tal forma que estes ficavam desprovidos de todos os sentidos, era imarcável, fazia gol de tudo quanto era jeito, se assim o quisesse e, sobretudo, jogava bola sem fazer força!


Como centroavante, Heleno de Freitas. Jogador clássico, aliava técnica e raça, protegia a bola como ninguém, dificultando o bote dos adversários, chutava sempre deslocando o goleiro com extrema classe, tinha uma intuição bastante aguçada para fazer o passe a companheiros de ataque bem posicionados.

Na ponta esquerda, Jairzinho, o Furacão. Melhor jogador da Copa do Mundo de 1970, aliava uma técnica portentosa com uma condição física inacreditável, tinha velocidade e explosão, também sabia fazer uso de refinado toque de bola, além de uma inteligência tática notável.

Manga; Josimar, Mauro Galvão, Nílton Santos e Marinho Chagas; Gérson, Didi e Paulo Cezar Caju; Garrincha, Heleno de Freitas e Jairzinho.

E aí, alguém teria coragem de encarar?

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor de vários livros sobre o calendário do futebol brasileiro.

ESQUECERAM DE MIM

por Zé Roberto Padilha


Desde que vim a campo quando inventaram o futebol, tenho vivido entre tapas e beijos dos homens que disputam a minha posse. Seja no Aterro do Flamengo ou no Morumbi. E não são poucos. São 22. Alguns me cercam de carinho, dormem comigo desde a adolescência e conhecem meu ponto G. De gol. Como Nelinho, Marcelinho, Rivelino, Fred, Gabigol e Otero.

Outros, apenas nos tem agredido, arremessado nosso corpo inerte e indefeso com violência e sem qualquer direção. Digão e Manoel são alguns dos que, recentemente, conheceram meu ponto C. De chutão. E abusam dele.

Aos carinhosos, retribuo dormindo alinhada nas redes adversárias. Aos violentos, denuncio maus tratos, e recebem cartões amarelos. Se insistirem, aciono a Maria da Penha. E ficam sem pisar o gramado por alguns jogos.

Sou poderosa, sei disso. Pois o Vasco pode trocar Luxemburgo por Abel, o Dudu vestir a camisa do Flamengo, aposentarem o Mano e o Felipão e até decidirem se vai ser jogo de torcida única que a partida acontece. Só não acontece se eu faltar. Não há como ter futebol sem a presença de uma bola. Mesmo assim me subestimam.

Por ser discreta, não dar entrevista nem mudar o penteado, estão esquecendo de mim. Seguem o jogo pelos rumos que tomo, dos pés que me conduzem, mas apenas falam de quem me conduz. E ignoram a importância de quem é conduzida.

Não tem mais a narração do simpático “Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha”, o questionável “Bola pro mato que o jogo é de campeonato”, a reverência de Waldir Amaral “Desce com a bola o Rei Pelé”. Mesmo de plástico sintético, cara toda vida e bem leve, é como fosse invisível. Como não mais existisse.

“Segue o jogo!”, como se ele pudesse seguir sem mim. “Sabe de quem?”, sabemos, Luiz Roberto, que nunca serei eu.

Apenas filmam minha entrada em campo pelas mãos do juiz, não como uma saudação e respeito, mas para mostrar a logomarca do patrocinador que carrego no peito.

Consultei meu sindicato. E os mais velhos, de meia, couro e até os que foram de plástico, os Dentes-de-leite, dizem que está mesmo na hora de fazer greve. Pois se os caminheiros que transportam alimentos vão parar, porque eu, que transporto paixões, provoco emoções e decido quem vai trabalhar feliz dia seguinte no país do futebol, não posso cruzar os passes?

Me aguardem pela minha ausência. Quero ver jogar futebol sem mim.