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Futebol arte

SAGRADA PELADA DE SEXTA

texto: Sergio Pugliese | vídeo: Daniel Perpétuo e Rodrigo Cabral

A equipe do Museu está numa felicidade só, afinal o boleiro Rogê, um de nossos ídolos musicais, organizou uma roda de samba, no Clube Federal, com exclusividade para registrarmos. Foi uma noite e tanto e não cansamos de ouvir a carioquíssima canção “Sagrada Pelada de Sexta”, composta por ele. A casa estava cheia, cerveja gelada e churrasco comendo solto!!! Formavam a roda e o corinho, Deio, o presidente, no tantan, Bahia, no surdo, Alex, repique, De da Rocinha e Delorme, no pandeiro, Fabinho Primeiro Amor, banjo, Octávio, Sebastian, Thiago, Leandrinho e Marcelinho Moreira. Valeu, Rogê!!!!!!!!!    

DJANIRA, SEM FIRULAS

por Ivonesyo Ramos


Vivemos um tempo de simplificação da comunicação, da vida, buscando o que realmente importa. Como no caso do Google, em sua recente reestruturação visual. Meu futebol são as tintas e tenho o privilégio de ser amigo do Pelé da ilustração, o Benício, que deixou sua marca, por exemplo, no primeiro Rock in Rio e em centenas de cartazes de cinema. E tenho conversado com ele exatamente sobre esta busca da simplicidade no trabalho, afinal ele é o maior craque no assunto. A conclusão dos papos é sempre uma gostosa gargalhada!

– É fácil, se você busca!

Domingo passado fui ao Museu Nacional de Belas Artes matar saudades, pois há muito não ia. O Museu é o meu Maracanã, que frequento desde os 12 anos. Eu ia sozinho, sem defesa a zaga aberta, sem seguranças, ia direto na arte italiana e francesa. Minha escalação: Bernardelli e Taunays me impressionavam, queria jogar como eles!  Trinta anos depois chego sem expectativas e entendi que cada um tem o seu jeito de jogar. E me deparo com esta tela de Djanira (pintora, ilustradora e gravadora, 1914-1979) “Futebol: Fla x Flu”, de 1975, e começo a rir sozinho!

Genialmente simples e contemporânea, me fez sentir como se eu fosse a rede do gol, presenciando os 22 jogadores entrando com bola e tudo! A simplicidade explícita, o goleiro vendido e a defesa do Flamengo marcando em cima. Não se enxerga a linha branca da meta. Será que foi gol?

Foi! Golaço de Djanira, que certa vez se auto definiu: “Sou jornalista, sou Brasil, sou Djanira”. E era mesmo! Na década de 70, foi para Itabira, em Minas, conhecer o serviço de extração de ferro e, Santa Catarina, vivenciar a vida dos mineiros de carvão. Antes, conviveu com os índios do Maranhão e também pintou o painel “Candomblé”, na casa do escritor Jorge Amado. No Rio, liderou o movimento Salão Preto e Branco, um protesto de artistas contra os altos preços do material para pintura. Enfim, a história de Djanira é belíssima!

Vale visitar a exposição “Você está aqui! Rio de Janeiro” e conferir de perto!

 

– Exposição: ” Você está aqui! Rio de Janeiro”
– Período: 16 de dezembro de 2015 até 07 de fevereiro de 2016.
– Curadoria: Amauri Dias, Anaildo Baraçal, Daniel Barreto, Euripedes Junior e Laura Abreu
– Visitação: terça/sexta de 10h às 18h;  sábado, domingo e feriado de 12h às 17h.
– Ingresso: R$ 8,00 inteira, R$ 4,00 meia e ingresso família(para até 4 membros de uma mesma família) a R$ 8,00. Grátis aos domingos.
– Museu Nacional de Belas Artes: Avenida Rio Branco, 199 – Cinelândia -Tel:  (21) 3299-0600.

“PELÉ É UM MERDA”

por Lucio Branco


Destaquei, na minha última contribuição à “Futebol Arte”, um trecho da “Nota à 2ª edição” de “O negro no futebol brasileiro” escrito pelo próprio autor, Mario Filho: “Daí a importância de Pelé, o Rei do Futebol, que faz questão de ser preto. Não para afrontar ninguém, mas para exaltar a mãe, o pai, a avó, o tio, a família pobre de pretos que o preparou para a glória”. E emendei: “Complexo. Fica a promessa de uma crônica futura a respeito. Nesta não há espaço”.

Decidi não adiar a promessa.

Realmente complexo o que afirma Mario Filho, também autor de Viagem em torno de Pelé. Quando redigiu essa “Nota à 2ª edição”, corria o ano de 1964, o mesmo em que fora lançada a biografia da encarnação pública – e mítica – de Edson Arantes do Nascimento. Com certeza, o jornalista se sentia muito familiarizado com o biografado para pontificar sobre o que fosse a respeito da sua imagem e da sua carreira. Admito que não a li, por rara que é a sua presença em sebos. Ao que consta, após algumas poucas edições iniciais, ela nunca mais foi publicada. Esse desconhecimento pode comprometer, em parte, o meu parecer. Mas, pelo trecho da “Nota”, não é difícil concluir que o autor defende uma versão particular da negritude do Rei que, muito provavelmente, é a mesma do livro.

Eis um bom teste para os cronômetros: na velha polêmica sobre quem é o “maior jogador de todos os tempos”, medir a velocidade da aparição do veredicto final “Pelé é um merda”. Quase fatalmente ela comparece para castrar qualquer possibilidade de debate. Em seu próprio país de origem, prefere-se não falar por muito tempo sobre Pelé. Corre-se até o risco de acabarem o elogiando como jogador…

Cabe então perguntar: se Pelé é um “merda”, o que é a sociedade que o pariu?

O racismo de fundo encerrado nessa sentença, embora nunca declarado, é fruto de um ressentimento que serve como um desses raros resumos pertinentes do Brasil. Digo resumo, não redução. A imagem do país se tornou indissociável à imagem de Pelé desde que, em 1958, ele o ajudou a pô-lo definitivamente no mapa. Todas as gerações de torcedores que vieram após a sua consagração mundial na Suécia nunca puderam lhe ficar indiferentes. Teria sido ele um astro beneficiado pelo fato de ter coincidido o início da sua carreira com o advento da era da comunicação de massa? Afinal, há quem sustente que Leônidas da Silva e Zizinho, para citar dois craques nacionais de gerações anteriores, só não receberam o mesmo título de realeza porque a repercussão midiática de suas jogadas era inevitavelmente menor. Mal havia TV, o rádio tinha menor alcance, os cinejornais que cobriam o futebol eram mais escassos etc. Mas não foi apenas essa a vantagem de que tirou proveito a sua consagração. No caso do mais popular camisa 10 da história, ser um gênio que se destacava entre tantos outros no Brasil e no mundo contribuiu bastante para a conversão dos fatos em lenda. Ou vice-versa. O vídeo-tape, contrariando o irmão mais novo de Mario Filho, ignora a burrice ao reexibir a sua antologia de feitos que seriam pouco críveis caso não fosse o seu sempre solícito testemunho.

É mais que sabido que Pelé, ao longo da vida pública, cultivou uma persona à sombra do equívoco. Pouco tempo antes do seu recente afastamento dos flashes, ele renovou o seu repertório de ditos que se sairiam melhor se fossem não-ditos. A esquizofrênica polarização entre Pelé e Edson até pode fazer sentido pontualmente, mas também diz muito do seu malfadado senso de autopromoção. Sua condescendência com regimes autoritários e federações desportivas idem não tem como não desabonar a sua reputação. Um entranhado conservadorismo (que Mario Filho involuntariamente detecta na referida glorificação da sua família) é, sem sombra de dúvida, a bússola dos seus descaminhos pelo território da opinião livre. Agora, bater única e exclusivamente nessa tecla, como se faz quase sempre, é outra coisa. Parece mais um exercício bem-pensante isento de autocrítica. Um vício de classe média no seu presumido papel de formadora de opinião. Jogadores brancos com perfil ideológico semelhante, ou até mais sectário, não são tão execrados. O Brasil é o único país em que se odeia Pelé consciente ou inconscientemente em igual medida. Em outros, o seu nome inspira restrições mais refletidas. Até na Argentina se elabora melhor a crítica ao maior do mundo – apesar de, por motivos óbvios, não o reconhecerem nesse patamar.


Pelé e Medici

Pelé e Medici

Num período de maior lucidez, em 1978, Caetano Veloso, numa longa entrevista conjunta com Chico Buarque, Aldir Blanc, Edu Lobo e outros artistas para a Revista Homem, questionou os seus pares sobre a expectativa de genialidade de Pelé também fora das quatro linhas: “Pedir a ele mais que isso seria pedir energia demais a quem já dá energia em demasia” – disse ele. Realmente, esperar que o mundo esportivo gerasse um outro Muhammad Ali é até perverso. Tamanha sintonia nesse grau de potencialidade entre corpo e intelecto não é um fenômeno assim tão assíduo na espécie. Mais inimaginável ainda numa mesma geração. O campeão dos pesos pesados, que sempre fez questão de superlativar a própria excelência, também fez questão de se curvar à majestade de Pelé na sua despedida do Cosmos.


Pelé e Muhammad Ali

Pelé e Muhammad Ali

Não é desconhecido que há outras obras sobre a vida de Pelé além da biografia de Mario Filho. Entre os filmes, há Isto é Pelé, que repassa a sua carreira para apresentá-lo promocionalmente aos EUA, justamente quando da sua contratação pelo Cosmos. E, mais recentemente, Pelé eterno. Neste documentário, para corresponder ao que estava textualmente no script, Pelé ecoa tardiamente o Mario Filho da “Nota” de 1964: muito convicta e oportunamente, afirma ter orgulho de ser negro. O discurso teve que ser reescrito ao longo do tempo. Não poderia mais repetir aquele evasivamente conciliatório que adotara então no auge da forma e da decorrente e inesgotável conquista de títulos. Mas o tom é velho conhecido, revela-se na clara intenção de calar ou satisfazer a patrulha contra ele, apenas. Antes, declara ter orgulho de ser brasileiro, como se a primeira afirmação atenuasse (ou desculpasse) a segunda. Tudo isso é bem perceptível para quem é atento aos sinais. Anos depois, Pelé regressaria aos braços da “democracia racial” ao desaconselhar a denúncia aberta do goleiro Aranha contra o racismo criminoso da torcida gremista. Mas a tal “democracia racial” não é simples. Suas dimensões são continentais, como as do país que a abriga. Falei em patrulha, anteriormente. Tomo cuidado para não reproduzi-la, eu próprio. Afinal, cobrar orgulho racial de Pelé é como o futebol brasileiro no período amador pesquisado por Mario Filho: um esporte praticado principalmente por brancos.

O fato é que há um racismo autorizado no Brasil cuja senha é Pelé. E pior: além de não ferir a tão cara instituição da “democracia racial”, não é considerado racista quem o pratica. E vou além: a garantia de apoio é imediata, na maioria das vezes. É um incansável apedrejamento público. Nada mais culturalmente legitimado do que canalizar todo o ódio racial contido na nossa formação histórica sobre a sua imagem. Não há Rei cuja entronização pudesse ser mais indesejada por uma tão larga faixa de súditos. Por aqui, a sua deposição é um evento longamente esperado. Em favor da mais pura aversão, o fator local é, inclusive, deixado de lado. Se é Maradona o candidato mais cotado na linha sucessória, que o cetro vá logo parar em suas mãos. É esse o raciocínio que prevalece. A igualmente pusilânime rivalidade Brasil X Argentina passa a contar com a inesperada adesão da nação adversária: fazer o elogio de Maradona, mesmo não pondo muita fé no que se diz, é a melhor forma de desqualificar o Atleta do Século. 

Mais perto do fim da carreira, Diego Armando Maradona revelou ter a mesma habilidade de craque num outro domínio onde o seu concorrente brasileiro, apesar do esforço, é um rematado pereba: a autopropaganda. O argentino intuiu que ela é a alma do negócio. Negócio não no sentido do business, é certo, mas de angariar um capital político que Pelé nunca poderia ter – ou, como é notório, mesmo querer. O que é o engajamento à esquerda de Maradona senão o resultado da descoberta da fórmula de encarnar a antítese de um Pelé sempre servil aos interesses mercadológicos que cercam o esporte que o consagrou? Sua consciência contra os arbítrios da FIFA e outras instituições mafiosas é bem tardia. Antes dela, a alienação era a regra da sua condição de nouveau riche do futebol mundial. Sua passagem pelo Nápoles foi o auge do seu deslumbramento. Vamos condená-lo? Seria injusto. Antes de atirar a primeira pedra, seja um gênio precoce catapultado da plebe mais anônima para o mais súbito e cintilante estrelato. Quem está preparado para tanto em tão pouco tempo? Maradona não foi o primeiro e nem será o último. E, vejam: estou falando de Maradona. É humanamente compreensível sucumbir à combinação “juventude & contrato milionário” que agracia alguns raríssimos talentos da bola. Bravamente, ele conseguiu chegar onde muita gente não acreditava que conseguiria: sobreviver. Enfim, é possível haver quem ache que ser Don Diego é fácil?

A questão é que Maradona soube como erigir a sua imagem em oposição a de Pelé. Para melhor construí-la, era melhor, no mínimo, desconstruir a do rival –quando não tentar destruí-la. Os golpes, não raro, foram baixos. Sabedor de antemão da inegável simpatia que a manobra surtiria, procurou se colocar na contramão da trajetória de um jogador que ele próprio definiu como o único em condições de disputar com ele a posição de maior de todos. Os citados Leônidas e Zizinho, mais o seu conterrâneo Di Stefano, e Garrincha, Puskas, Cruyff, Beckenbauer, Zico e outros, automaticamente, foram rebaixados a um outro plano de importância.

Indiretamente, a culpa é de Pelé. Mais poderoso que o seu marketing é o seu anti-marketing. Especialmente quando manipulado pelo seu maior interessado. Muito embora involuntariamente Pelé o promova, invariavelmente alheio da impopularidade de alguns dos seus gestos e falas. Paradoxalmente, “Pelé émarketing” é outra sentença regularmente alardeada no Brasil. Quem a profere costuma exibir uma expressão mais convicta que a de qualquer herói pátrio numa cédula. Isso, como se Maradona também, de outro modo, não se pusesse “à venda” na sua auto-projeção de rebeldia. O craque argentino soube quando e como se postar ao lado de Hugo Chávez no palanque do IV Cumbre de Las Américas, em Mar del Plata, em 2005. Ou como agradecer a medicina cubana por tê-lo salvo da morte, tatuando Fidel e Che. De resto, há quem diga que um idoso Pelé não convence nem mesmo como garoto-propaganda de remédio contra a impotência.


Maradona travestido de Che Guevara

Maradona travestido de Che Guevara

A resistência política em campo e fora dele produziu exemplos de maior envergadura e que não dão margem à suspeita. Falo de jogadores que pagaram o seu respectivo preço pelas atitudes que tomaram conscientemente no auge das suas carreiras, quando tinham muito a perder. Cada um a seu modo, e fazendo jus à escalação no time da dissidência, souberam dar mais e melhor o seu recado: Afonsinho, Paulo Cézar Caju, Nei Conceição, Sócrates, Wladimir, Reinaldo, Nando Antunes, Carlos Caszely, Cristiano Lucarelli, Cantona e outros.

O filão anti-Pelé funciona com muita facilidade. É aí que vem a maior curiosidade: patrícios em nada inclinados ao pensamento progressista compram sem hesitar a versão do “argentino revolucionário que não nega as suas raízes” contra o “negro de alma branca que se vendeu ao sistema”. (Por sinal, o uso indiscriminado desta expressão pode ser bem mais racista que o racismo que pretensamente acusa.)

No Brasil, Maradona passa por branco. Quando se trata dele, nosso complexo colonizado é suspenso: – abre-se mão de condenar as suas origens étnicas não europeias para cair no mais raso julgamento moralista sobre o seu comportamento. Para a ideologia do senso comum que, por estas bandas, é uma profissão de fé, a natureza patológica do vício é voluntariamente descartada. Um preconceito é substituído por outro, assim como se saca um jogador que não se encaixa muito bem no esquema para a entrada de um reserva. Nada mais afeito às regras do jogo – em ambos os casos.

Pelé e Maradona encarnam toda sorte de paixões populares, representações coletivas, expectativas sociais. É uma carga imensa sobre dois homens que também têm a sua dimensão de mortalidade. Queiram ou não, são mitos em vida, condição também reservada a alguns poucos humanos, não se pode esquecer. Foram condenados por força da própria genialidade a ocupar a boca de cena desde antes de completar a maioridade. Trataram de corresponder ao papel que se esperava deles na encenação tragicômica que a indústria do espetáculo produz. É uma fatalidade. Sob todos os holofotes, nunca sairão do palco, território da sua glória e solidão.

Ainda no terreno da representação, há Pelé eterno e Maradona by Kusturica. Os dois filmes pecam pelo excesso de reverência. Evidente que obras desse naipe não poderiam fazer a crítica dos retratados quando são eles próprios os seus colaboradores mais interessados. E, fatalmente, seus valiosos garotos-propaganda de contrato assinado. Ambos os documentários os abraçam a ponto de tentar refletir exclusivamente a sua visão de mundo. Certamente, uma condição também previamente firmada por contrato. OK, a isenção, tanto no cinema como na vida, é uma ilusão. Mas seria necessário que os cineastas em questão (Aníbal Massaini Neto e Emir Kusturica) tomassem um pouco do seu próprio partido. Ou seja, assumissem uma maior liberdade criativa, engajamento primeiro do artista, ao que ainda me consta. Mas talvez seja ingênuo esperar esse mínimo de projetos dessa natureza. (Para não dizer que não falei das flores: o mérito do primeiro é a pesquisa documental e, do segundo, o seu – embora óbvio – senso crítico.)

Para concluir, reafirmo que entre um fazer publicidade de estimulante sexual e o outro posar ao lado de Chávez mandando a ALCA “ao carajo”, não há assim tanta diferença. Envolver-se a sério nessa discussão extra-futebolística acaba, ao final, reduzindo-se a usufruir da “liberdade” reservada ao consumidor diante de uma concorrida prateleira. Ou você compra uma fantasia empacotada de juventude eterna, ou uma militância pouco confiável numa causa nobre. Aos que insistem na polêmica, resta o critério de decidir qual a propaganda menos enganosa. Creio ser bem mais recomendável que suspendam a polêmica e se atenham à bola. Com ela nos pés, ambos só ludibriavam os adversários. Assim, como gênios criadores que foram, ressignificaram a palavra “mito”.

Escrevi o que vai acima com a mesma serenidade que me inspira o tema desde muito cedo na minha relação com o futebol e o mundo onde ele se situa. Já sei que, caso me leiam, serei contestado por muitos logo de saída. Insisto: na grande maioria dos casos, será ainda a decrépita “democracia racial” a ditar essa reação.

É curioso. Numa nação vocacionada para o Barroco como o Brasil, defender o retrógrado Pelé pode ser uma tarefa libertária.

“Quanto a futebol, um dia entenderei mais”


No dia em que Clarice Lispector completaria 95 anos, o Museu da Pelada se pergunta: como seria uma resenha com essa senhorinha sagaz e sensível? No mínimo, nos colocaria sobre o tema do que o futebol “significa para você, pessoalmente, e não só como esporte, o que terminaria revelando o que você sente em relação à vida”. É para chorar de emoção, só de pensar!

Em 1968, o mestre Armando Nogueira, trabalhando no Jornal do Brasil, desafiou em uma de suas crônicas sua colega de redação Clarice Lispector a escrever uma crônica sobre futebol. Certamente para surpresa de muitos, a introspectiva e enigmática Clarice não desconhecia o assunto, ao contrário, acompanhava jogos, quando possível. Clarice Lispector sempre compensou seu recato com imensa sensibilidade e a resposta em grandíssimo estilo você lê abaixo.

 
Armando Nogueira, futebol e eu, coitada 


Caricatura de Claudio Duarte. com técnica de manipulação de foto.

Caricatura de Claudio Duarte. com técnica de manipulação de foto.

por Clarice Lispector

E o título sairia muito maior, só que não caberia numa única linha. 

Não leio todos os dias Armando Nogueira – embora todos os dias dê pelo menos uma espiada rápida – porque “meu futebol” não dá pra entender tudo. Se bem que Armando escreve tão bonito (não digo apenas “bem”), que às vezes, atrapalhada com a parte técnica de sua crônica, leio só pelo bonito. E deve ser numa das crônicas que me escaparam que saiu uma frase citada pelo Correio da Manhã, entre frases de Robert Kennedy, Fernandel, Arthur Schlesinger, Geraldine Chaplin, Tristão de Athayde e vários outros, e que me leram, por telefone. Armando dizia: “De bom grado eu trocaria a vitória de meu time num grande jogo por uma crônica…” e aí vem o surpreendente: continua dizendo que trocaria tudo isso por uma crônica minha sobre futebol. 

Meu primeiro impulso foi o de uma vingança carinhosa: dizer aqui que trocaria muita coisa que me vale muito por uma crônica de Armando Nogueira sobre digamos a vida. Aliás, meu primeiro impulso, já sem vingança, continua: desafio você, Armando Nogueira, a perder o pudor e escrever sobre a vida e você mesmo, não posso perdoar que você trocasse, o que significaria a mesma coisa. 

Mas, se seu time é Botafogo, não posso perdoar que você trocasse, mesmo por brincadeira, uma vitória dele nem por um meu romance inteiro sobre futebol. 

Deixe eu lhe contar minhas relações com futebol, que justificam o coitada do título. Sou Botafogo, o que já começa por ser um pequeno drama que não torno maior porque sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo. É o seguinte: não me é fácil tomar partido em futebol – mas como poderia eu me isentar a tal ponto da vida do Brasil? – porque tenho um filho Botafogo e outro Flamengo. E sinto que estou traindo o filho Flamengo. Embora a culpa não seja toda minha, e aí vem uma queixa contra meu filho: ele também era Botafogo, e sem mais nem menos, talvez só para agradar o pai, resolveu um dia passar para o Flamengo. Já então era tarde demais para eu resolver, mesmo com esforço, não ser de nenhum partido: eu tinha me dado toda ao Botafogo, inclusive dado a ele minha ignorância apaixonada por futebol. Digo “ignorância apaixonada” porque sinto que eu poderia vir um dia apaixonadamente a entender de futebol. 

E agora vou contar o pior: fora as vezes que vi por televisão, só assisti a um jogo de futebol na vida, quero dizer, de corpo presente. Sinto que isso é tão errado como se eu fosse uma brasileira errada. 

O jogo qual era? Sei que era Botafogo, mas não me lembro contra quem. Quem estava comigo não despregava os olhos do campo, como eu, mas entendia tudo. E eu de vez em quando, mesmo sentindo que estava incomodando, não me continha e fazia perguntas. As quais eram respondidas com a maior pressa e resumo para eu não continuar a interromper. 

Não, não imagine que vou dizer que futebol é um verdadeiro balé. Lembrou-me foi uma luta entre vida e morte, como de gladiadores. E eu – provavelmente coitada de novo – tinha a impressão de que a luta só não saía das regras do jogo e se tornava sangrenta porque um juiz vigiava, não deixava, e mandaria para fora de campo quem como eu faria, se jogasse (!). Bem, por mais amor que eu tivesse por futebol, jamais me ocorreria jogar… Ia preferir balé mesmo. Mas futebol parecer-se com balé? O futebol tem uma beleza própria de movimentos que não precisa de comparações. 

Quanto a assistir por televisão, meu filho botafoguense assiste comigo. E quando faço perguntas, provavelmente bem rolas como leiga que sou, ele responde com uma mistura de impaciência piedosa que se transforma depois em paciência quase mal controlada, e alguma ternura pela mãe que, se sabe outras coisas, é obrigada a valer-se do filho para essas lições. Também ele responde bem rápido, para não perder os lances do jogo. E se continuo de vez em quando a perguntar, termina dizendo embora sem cólera: ah, mamãe, você não entende mesmo disso, não adianta. 

O que me humilha. Então, na minha avidez por participar de tudo, logo de futebol que é Brasil, eu não vou entender jamais? E quando penso em tudo no que não participo, Brasil ou não, fico desanimada com minha pequenez. Sou muito ambiciosa e voraz para admitir com tranqüilidade uma não participação do que representa vida. Mas sinto que não desisti. Quando a futebol, um dia entenderei mais. Nem que seja, se eu viver até lá, quando eu for velhinha e já andando devagar. Ou você acha que não vale a pena ser uma velhinha dessas modernas que tantas vezes, por puro preconceito imperdoável nosso, chega à beira do ridículo por se interessar pelo que já devia ser um passado? É que, e não só em futebol, porém em muitas coisas mais, eu não queria só ter um passado: queria sempre estar tendo um presente, e alguma partezinha de futuro. 

E agora repito meu desafio amigável: escreva sobre a vida, o que significaria você na vida. (Se não fosse cronista de futebol, você de qualquer modo seria escritor). Não importa que, nessa coluna que peço, você inicie pela porta do futebol: facilitaria você quebrar o poder de falar diretamente. E mais, para facilitar: deixo você escrever uma crônica inteira sobre o que futebol significa para você, pessoalmente, e não só como esporte, o que terminaria revelando o que você sente em relação à vida. O tema é geral demais, para quem está habituado a uma especialização? Mas é que me parece que você não conhece suas próprias possibilidades: seu modo de escrever me garante que você poderia escrever sobre inúmeras coisas. Avise-me quando você resolver responder a meu desafio, pois, como lhe disse, não é todos os dias que leio você, apesar de ter um verdadeiro gosto em ser sua colega no mesmo jornal. Estou esperando. 

Crônica de 30 março 1968. In: A descoberta do mundo, p. 89-91.

Filhos de Mario Filho?

por Lucio Branco

Ao redigir o perfil dos protagonistas/narradores do documentário em longa-metragem “Barba, Cabelo & Bigode”, não pensei duas vezes em cravar, logo no parágrafo de abertura, o seguinte sobre o “Cabelo” (Afonsinho é o “Barba” e Nei Conceição é o “Bigode”):

“Quando Paulo Cezar Caju iniciou a carreira, os negros que atuavam no futebol brasileiro não eram exatamente conhecidos por manifestar consciência racial. É evidente a contribuição da cultura negra à reinvenção local dessa modalidade esportiva originalmente europeia. Não à toa foi um fenômeno dissecado por Mario Filho no clássico cujo título já estampa a relevância do tema: “O Negro no Futebol Brasileiro”. Mas nem mesmo no universo popular do futebol se consegue desmentir o decantado mito da ‘democracia racial’ que teima em querer definir a identidade do país. Desde os primórdios, as tensões raciais ali dentro refletiam as mesmas que vigoram do lado de fora. E não importava o quão craque pudesse – ou ainda possa – ser o jogador negro. Caju se deu conta disso muito cedo e reagiu à altura, não reconhecendo e recusando o lugar que lhe era reservado nesse universo. Não é exagero dizer que ele poderia ser um personagem de Mario Filho. E quem sabe o fosse, num capítulo exclusivo de uma provável versão estendida do livro, caso o autor não morresse em 1966, às vésperas da consagração do camisa 11 nos gramados”.


O discípulo e o mestre, segundo o próprio discípulo, o irmão Nelson Rodrigues.

O discípulo e o mestre, segundo o próprio discípulo, o irmão Nelson Rodrigues.

Este trecho do perfil do Caju, além de procurar dar uma justa medida dele, pretende o mesmo com o jornalista Mario Filho. Não poderia faltar a menção ao irmão mais velho de Nelson Rodrigues, ali. Inclusive, no mesmo tópico, o criador literário mais renomado da família poderia também ser citado. Nas suas crônicas, ele nunca se furtou a fazer a apologia do habilidoso atacante revelado pelo Botafogo de Futebol e Regatas.

Sem pudor algum do nepotismo, Nelson consagrou que, na era pré-Mario Filho, “a crônica esportiva estava na sua pré-história, roía pedras nas cavernas”. Não é segredo que a reformulação da linguagem jornalística promovida por seu irmão-mentor deixou um legado insuspeito. Não foi pequena a sua contribuição para popularizar ainda mais a modalidade através de uma abordagem que não abria mão da estilização literária. Através dela, os lances e jogadas ganharam nova cor. O chute, o drible, a matada de bola e a arrancada rumo ao gol passaram a ter uma dimensão mítica. Uma abordagem que veio a influir diretamente na ótica rodriguiana sobre o futebol e, quem sabe, até sobre outros domínios. Mas não é errado atribuir ao interesse especificamente por este, habitado pelos craques e a sua habilidade transcendental, uma das fontes da adesão radical de Nelson ao subjetivismo. Sua aversão não só à “burrice” do vídeo-tape, mas aos “idiotas da objetividade” em geral, poderia muito bem derivar daí.

A adoção da narrativa dramática para tratar dos jogadores, o seu talento, e, pela primeira vez, a sua vida pessoal, é obra de Mario assumidamente continuada por Nelson. Foi na condição de discípulo que abraçou a campanha para a renomeação de Estádio Municipal do Maracanã para Estádio Jornalista Mario Filho logo após a sua morte. Tamanha devoção familiar permitia que descuidasse do brilho verbal para, na recapitulação dos feitos do irmão, cometer algo como: “Mas eu não vou contar tudo o que ele fez, porque esse homem não parou nunca”.

Quase três décadas após, esse surto de popularização ganharia a adesão dos comentários radiofônicos de João Saldanha. Precisar quanto do seu carisma transitou pela trilha aberta pelo irmão do seu colega preferido da Grande Resenha Facit não é tarefa fácil. Outro mestre do coloquial, Plínio Marcos, radicalizaria ainda mais a tendência nas suas crônicas esportivas. A mesma imprecisão serve para ele. A questão é: seriam todos filhos de Mario Filho, como pretendia Nelson?

Mas vamos à parassociologia do futebol feita por Mario Filho à sombra de Gilberto Freyre…

O filho varão dos Rodrigues fez do seu célebre “O Negro no Futebol Brasileiro”, de 1947, uma obra que se convencionou batizar, como está estampado na capa de uma das suas inúmeras edições, de “O maior clássico do futebol brasileiro”. Trata-se de um recurso promocional que ajuda a gerar mais consenso que debate, é verdade. Mas há um mérito inegável nesse título: o pioneirismo na abordagem a fundo do papel de ponta desempenhado pelos negros na forma como o jogo passou a ser jogado por aqui. (Pelo que se levantou, Gilberto Freyre foi o primeiro a tratar do fenômeno, embora sem muita densidade, em “Foot-ball mulato”, um artigo publicado em 1938.)

Mario Filho já havia sido precursor em matéria de importância conferida ao próprio esporte como pauta jornalística. Para ele, o association era um universo que os colegas de redação deveriam levar mais a sério. Isso se refletia não só na cobertura das rodadas, mas na atenção em geral dada ao universo da bola. A gestação de “O Negro no Futebol Brasileiro” incluiu uma pesquisa mais meticulosa do que aquela realizada apenas como profissional da imprensa. Ele se lançou a uma pesquisa de campo que implicou o registro do depoimento dos mais diversos atletas, dirigentes, jornalistas etc. Esforço que Gilberto Freyre reconheceu como a aplicação do mais legítimo método sociológico.

Em “Casa-Grande & Senzala”, o mito da “democracia racial” comparece como um ideal a ser mais facilmente atingido pelo Brasil que por outras nações da comunidade mundial. Como se vê, uma tese para lá de questionável. Não seria propriamente um fenômeno estabelecido, a ser defendido a toda prova pelo seu teórico que, não por coincidência, é também o autor do prefácio à primeira edição de “O Negro no Futebol Brasileiro”. Seria algo como uma potencialidade que, de algum modo, não deixa de dialogar com o otimismo que gerou, por exemplo, um”Brasil, país do futuro”, de Stefan Zweig. Curiosamente, o escritor austríaco preferiu não esperar pelo estágio histórico anunciado no título da obra. Após calcular que o avanço nazista na Europa de 1942 o alcançaria no exílio em Petrópolis, decidiu se envenenar com a esposa, renunciando, assim, a qualquer otimismo.

Gilberto Freyre nunca renunciou à sua fé no povo brasileiro. Só não ajudou muito, apesar de tudo, a sua falta de empenho em aprofundar ainda mais o seu ponto de vista sobre o problema racial no país. Certa autocrítica seria elucidativa, no caso. Ao tropicalizar a tradição eurocêntrica do pensamento nacional a respeito dos trópicos de nomes como Oliveira Viana, Nina Rodrigues, Silvio Romero e outros racistas com pretensões à Ciência, Freyre optou por se opor ao distanciamento colonizado da nossa intelligentsia. No seu lugar, propôs a aclimatação intelectual à paisagem humana local com tudo o que julgava de espontaneamente seu. Mas deve ter se deixado entorpecer demais pelo sol que doura a nossa evidente – embora socialmente mal resolvida – miscigenação. Permitiu, assim, que se institucionalizasse o uso oportunista da expressão “democracia racial”, produto do seu desvario nacionalista. De tão disseminada, ela acabou a serviço de um projeto de utopia fake que é, em essência, a negação mesma de qualquer utopia – racial ou não. A reboque, a cinicamente celebrada ideia de “miscigenação” acabou se convertendo na melhor fórmula para diluir os conflitos étnicos numa sociedade ainda em dívida com o seu passado colonial.

De certo modo, Mario Filho se impregnou do mesmo ufanismo que inspirou Gilberto Freyre em suas prospecções para traçar a genealogia sociocultural brasileira. Fez com que ele migrasse para a esfera futebolística. Mas sem fazer coro com o discurso leviano que se apropriou do ingênuo ideal freyreano. Mario cavou mais fundo: acusou o racismo estrutural do país refletido em campo ao narrar a trajetória atribulada de ídolos consagrados como, por exemplo, Fausto dos Santos e Leônidas da Silva. Mesmo sob os holofotes, nunca deixaram de ser lembrados da condição de descendentes de escravos africanos, fosse nos clubes ou na seleção.

E o que se pode dizer a respeito do rigor das avaliações acadêmicas do conteúdo de “O Negro no Futebol Brasileiro”? Em primeira análise, que é excessivo. Talvez haja alguma procedência na acusação de certos estereótipos, paternalismos, caricaturas e folclorizações do pesquisador na tipificação do seu objeto de estudo. E alguma mistificação romântica, também. Certas passagens denotam mais pontualmente esta segunda tendência que a primeira, a meu ver. Do ponto de vista do problema racial, não é nada exatamente comprometedor. De resto, a obra é, no geral, bem menos condenável que o sectarismo de alguns dos nossos “autorizados” doutores e seus juízos críticos tão pouco familiarizados com a bola e o seu entorno.

Mas nada é simples. Principalmente quando se lê do próprio autor, na “Nota à 2ª edição” do livro, em 1964, isto: “Daí a importância de Pelé, o Rei do Futebol, que faz questão de ser preto. Não para afrontar ninguém, mas para exaltar a mãe, o pai, a avó, o tio, a família pobre de pretos que o preparou para a glória”. Complexo. Fica a promessa de uma crônica futura a respeito. Nesta não há espaço.

É louvável como Mario Filho, apesar de ecoar parte do impacto quase unânime de “Casa-Grande & Senzala”  na inteligência nacional do seu tempo, não repercute o atribuído mito fundador da “democracia racial”. Pode até ser que não contribua com a sua necessária crítica, mas certamente não o endossa. Daí minha licença em supor, na abertura do perfil do Caju, que ele poderia protagonizar um capítulo à parte de uma provável edição mais extensa do “maior clássico sobre o futebol brasileiro”. Dentre os profissionais da pelota, ninguém mais disposto a ultrajar essa pretensa instituição da nossa tão perseguida “identidade nacional”, sem a qual parecemos não conseguir nos encarar no espelho.

Provo o que digo…

Como cartão de visita, na ocasião da sua apresentação oficial no Fluminense para compor a geração da Máquina Tricolor, o craque fez sociologia mais densa que Gilberto Freyre. Por longos minutos, dissertou, com farto conhecimento de causa, sobre a hipocrisia do não assumido racismo brasileiro. Em pleno salão nobre das Laranjeiras, resumiu assim a tal “democracia racial” diante de uma incrédula plateia de conselheiros e beneméritos. Ela pôde comprovar, ao vivo, que não fora à toa a sua relutância diante da nova contratação, obra da insistência militante do presidente Francisco Horta. Certamente, Caju não negligenciou que estava prestes a envergar oficialmente a camisa do clube que ostenta com orgulho o título de “pó de arroz”. Tinha que mostrar a que vinha.

Nunca os aristocráticos vitrais da sede tremeram tanto. Nem mesmo a fúria da torcida pelas derrotas humilhantes poderia ser mais ameaçadora contra a sua secular integridade.

PS 1: O jornalista inventor da expressão “Fla X Flu” é documentado em “Mario Filho: o Criador de Multidões”, filme de Oscar Maron Filho, subitamente morto quando o divulgava na Índia. Em meados dos 1980, ele dirigiu “Fla x Flu à Sombra das Chuteiras Imortais”, curta-metragem com Paulo Villaça encarnando o Sobrenatural de Almeida no São João Batista, diante do busto sobre o túmulo do seu criador. Nele, a entidade da mitologia rodriguiana que influi no resultado das partidas recita várias das suas máximas a respeito do clássico que “surgiu 40 minutos antes do Nada” em alternância com imagens que pertencem ao acervo do Canal 100. Coincidentemente, estive com Maron em algumas circunstâncias. A provar que a vida também é desencontro, nunca tive a oportunidade de expressar pessoalmente a ele o quanto o filme me marcou. A primeira vez em que o assisti foi na abertura de uma sessão de um enlatado qualquer na década em que foi lançado. Em tempo, para quem não a viveu: a exibição de curtas antes dos longas era obrigatória por lei nos cinemas do país. O nome de Maron estará, entre outros igualmente grandes, na dedicatória in memoriam que abrirá “Barba, Cabelo & Bigode”.

PS 2: Finalizo estas linhas tendo sabido na véspera do estado de saúde delicado de Nelson Rodrigues Filho. Que as próximas notícias sobre ele, a quem filmei no bloco Barbas, no último carnaval, falem da sua recuperação.