Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Fluminense

FÉLIX, FLUMINENSE, A GÊNESE

por Paulo-Roberto Andel

A primeira lembrança que tenho sobre futebol está em vias de completar meio século. No entanto, lembro dela como se tivesse dez ou quinze anos de distância. De uma vez só, me encontrei com o esporte, o ídolo e o meu time.

Em algum lugar do primeiro semestre de 1973 – e depois vocês vão entender a precisão -, era noite em Copacabana, no alto da rua Santa Clara. Nós morávamos num prédio de quatro andares, sem elevador, que já não existe mais – foi derrubado para a construção de um apart-hotel.

Nosso apartamento era grande e confortável. Para mim, era gigante. Eu sempre me lembro de ficar no quarto. No do meus pais, também tinha uma cama pequena para mim, onde dormia às vezes, geralmente de tarde. E tinha a saleta, onde eu brincava de Polly e outras coisas.

Naquela noite, eu estava no quarto dos meus pais, na minha segunda cama, enquanto eles estavam na sala, acho que com visitas. Num súbito, meu pai abriu a porta e vem falar comigo. Todo orgulhoso, ele trazia consigo outra descoberta para mim: um álbum de figurinhas. Ele os adorava, e é uma lástima para mim que todos tenham se perdido com nossas mudanças. Os álbuns eram uma declaração de amor do meu pai pelo futebol.

– Paulo, olha aqui. Esse é o Félix, ele é do Fluminense. É o goleiro do Fluminense e do Brasil”.

Parei e olhei com atenção. Eram duas palavras completamente novas para mim, Félix e Fluminense. Eu as decorei de imediato, então posso dizer que naquele momento, cercado pela felicidade de meu pai ao me mostrar o álbum, num só instante eu me tornei Fluminense – se é que já não era -, fã do Félix e, inevitavelmente, do futebol. Foi tudo um furacão de sentimentos, vejam vocês: eu era Fluminense, já era torcedor mas nem sabia as cores do time ou como era seu escudo. Numa cena de quinze segundos, eu tinha um time, um ídolo, mais um esporte para seguir pelo resto da vida. Não me apaixonei primeiro pelas cores, pela torcida, pelas bandeiras ou pelos jogadores: meu amor pelo Tricolor nasceu da palavra escrita, falada, num supetão. Ploft: Fluminense!

Félix veio junto. Eu começava a decorar as letras e palavras, e aquele nome foi tão marcante para mim que Félix e Fluminense significavam a mesma coisa, uma coisa só. Faz sentido: Félix é um dos maiores ídolos da história do clube. Cheguei a vê-lo, ainda muito criança e ele como a muralha da Máquina 1975, quando já era um personagem mítico e multicampeão das Laranjeiras.

De onde veio minha certeza sobre o primeiro semestre de 1973? Porque meu aniversário de cinco anos era em julho e, nele, eu já tinha uma bolinha com o escudo do Fluminense, já sabia que era tricolor e que meu time também tinha um lindo uniforme branco. No ano seguinte, 1974, tenho a minha primeira lembrança do Maracanã, olhando o antigo placar em 0 a 0. Enquanto o grande Gerson dava seus últimos passos na carreira e o Fluminense recebia Francisco Horta como presidente – o mais emblemático da história tricolor – e maquinista de um dos maiores times do mundo, eu já era Fluminense de alma, palavra, escudo e sentimento.

Desde então, se passaram muitos anos e aquelas palavras ficaram comigo para sempre. Há quase cinquenta anos, é muito difícil eu passar dias sem lembrar do nome de Félix – e imediatamente do meu pai. O do Flu passou de paixão: virou ofício, trabalho e parte da minha carreira como escritor. Chega a ser incrível pensar que tudo parecia escrito lá atrás, quando passei a amar o clube pelo som e grafia de seu nome.

Félix é um dos grandes heróis tricolores da história, um vencedor supremo, uma fera, um paradigma, um campeão do mundo. Para mim, ele ainda consegue ser mais do que isso: olhando esse longo tempo para trás, ele é a primeira lembrança de uma longa estrada que veio até aqui, sem previsão de término. Félix é Fluminense, as duas palavras são a felicidade de Helio Andel abrindo a porta e, todo orgulhoso, mostrando seu ídolo num álbum de figurinhas para o pequeno filho. É a eles que tenho perseguido por todos os anos. O Fluminense é, a cada três dias, meu sonho de reencontro com aquela noite da infância.

Aquele apartamento não existe mais, nem meu pai, nem Félix, mas a força das palavras atravessou os tempos de tal forma que eles parecem eternos. Agora está escuro aqui no quarto e a TV mostra um noticiário na madrugada, mas me basta uma breve espiada no teto escuro e ele me sugere aquele outro quarto, onde em segundos pai, filho, goleiro e time fizeram involuntariamente – mas nem tanto – um pacto para a eternidade.

UM JOGO NUNCA É UM JOGO SÓ

por Paulo-Roberto Andel

Sábado passado, cheguei ao Maracanã com meu amigo Marcelo e fomos para a arquibancada hoje chamada de setor Norte, nem sempre aberta.

Quando me sentei na cadeira, olhei para a frente e me deparei com a massa de gente do Fluminense, por todos os lados. Tudo bem, o Maracanã de agora não é o de antigamente, mas o que importa é que, nas circunstâncias atuais, o que sobrou do velho estádio estava lotado.

Às vezes eu espio as arquibancadas e vejo o que já não existe: a velha arquitetura com cadeiras na parte de baixo e a inesquecível geral. Tudo se mistura. Não é loucura, mas a memória que transborda e que parece tão viva fisicamente, por maior que seja a ilusão.

Cadeiras abaixo, o pai brinca com seu pequeno filho que ainda descobrirá o mundo do futebol, das lágrimas e alegrias às vezes simultaneamente. Outro dia mesmo era eu quem brincava com meu pai, mas acreditem: quarenta anos passam rápido demais. Por um instante, sei que ser órfão é um tiro no peito, não importando a idade, mas a maturidade me regenera em instantes.

Eu estou num jogo e venho para ver a despedida de um ídolo do meu clube, para ver o ballet da vida que a minha torcida vai proporcionar, mas ao mesmo tempo reencontrar meu passado. São muitos e muitos anos, são vitórias inesquecíveis com derrotas idem. A perfeição não existe; a vida, sim.

Perto de mim, garotinhos esbugalham seus olhos antes do jogo porque esperam o último ato de Fred, o maior ídolo de todos eles. Eu era um garotinho quando Rivellino foi embora, depois Wendell, depois Edinho e Cláudio Adão, sei o que é aquilo. Minha única vantagem é ser testemunha de que tudo passa, que a máquina do tempo não para e que os ídolos precisam passar para que venham novas sementes a germinar o futebol.

[Afonsinho, um dos maiores jogadores de seu tempo, encerrou a carreira no Fluminense em 1981. Ainda jogava muito. Ganhou várias notas 10 dos jornais em seus três meses de Laranjeiras. Isso já passou de quarenta anos.

No novo Maracanã, a torcida tricolor poucas vezes encheu o estádio. As campanhas não ajudaram, nem a escassez de títulos, mas alguma coisa mudou. O futebol é outro, o povão está alijado do estádio, as pessoas estão empobrecidas e há muito sofrimento.

O sábado foi mais do que agradecer a Fred ou testemunhar o fim de sua carreira. Para pessoas como eu, que já viram e viveram muita coisa, que estão mais próximas do fim do que do começo, a arquibancada repleta de três cores foi o reencontro com minhas raízes, com o que vivi ali por muitos e muitos anos.

Apesar de todas as dificuldades e dos tempos modernos, o futebol ainda faz com que sessenta mil tricolores compareçam ao Maracanã. Dá a certeza de que ainda estamos muito vivos, tal como em tantas e tantas ocasiões que agora parecem tão distantes.

Meu momento culminante foi com a entrada do time em campo. Os tanques de fumaça criaram uma espessa nuvem branca que aos poucos subiu, cobrindo tudo. A gente sabe que não era, mas parecia demais o velho e bom pó de arroz que cativou milhões de tricolores para sempre. Olhei para baixo e vi a multidão alucinada na geral imaginária. Olhei para o lado e vi meu pai balbuciar alguma coisa enquanto apertava minha mão. Na impossibilidade daquela fantasia, o Marcelo presente também ao lado trouxe o conforto que a gente precisa quando se sente só no meio da multidão.

O Fluminense venceu, Fred se despediu, teve celebração e homenagem, a torcida saiu feliz. Os garotinhos de 2022 já procuram pela próxima partida. Ainda tensos com a saída do ídolo, eles esperam pelos novos jogadores que possam arrebatar os corações em três cores. A fumaça dos tanques não é o pó de arroz, mas aquele momento mágico nos fez sentir como se estivéssemos nas nuvens.

Um jogo nunca é um jogo só. São muitos e muitos jogos. Os corações mais atentos sabem que, num Maracanã lotado, o passado e o presente andam de mãos dadas.

@pauloandel

O PONTO FINAL

por Mauro Ferreira

Foto: André Durão

Fugiu uma lágrima, Fred. Fugiu, artilheiro. Bem que você tentou esconder a emoção, cumprir a promessa e não chorar. Pra quê? Como? Quem emociona, precisa antes se emocionar. Da cara amarrada ao sorriso largo e à lágrima solitária escorrendo pelo rosto, tudo passou pela bola, pela magia e pela poesia do futebol.

E não há poesia no futebol sem o gol. Talvez por isso, de todos os esportes com bola, seja o que menos vezes arranque da torcida um grito de êxtase durante a disputa. E você escreveu muitas poesias ao longo dos anos. Emocional, precisava arrancar emoções. Pra isso, pouco importou a forma. Deitado ou voando, de cabeça ou de bico, o que valia era a poesia do gol. A poesia do grito explosivo de um gol. Bem como aquele tal 199.

Pois é, não poderia ter o gol 200. Precisava haver a sua marca, o seu “9”. Por duas vezes no Fluminense, ambas com o “9” tatuado nas costas. Os Deuses do futebol sabem o que fazem e colaram dois “noves” na sua marca. 199 gols com a camisa do Fluminense é o presente final. Como diria o ex-presidente tricolor Manuel Schwartz, “Deus escreve certo por linhas certas porque Deus jamais vai escrever torto ou errado”.

E, ao contrário do que você pensa, Deus incumbiu, sim, Nelson Rodrigues de escrever o roteiro final de sua carreira. Pediu ao seu fiel escritor tricolor que lhe entregasse sua obra mais poética e emotiva: o gol 199, o gol dos noves, o gol do nove mais nove de todos os times que habitaram as Laranjeiras.

Fred, uma lágrima fugiu. E tantas outras – tantas – fugiram junto. Você, ainda bem, não cumpriu a promessa de não chorar. E só há um motivo:

O Fluminense te pegou.

TRICOLORES CHORARAM COM O ÍDOLO

por Elso Venâncio

A torcida tricolor chorou junto com Fred. Impressionante a reação da galera, não só no Maracanã, mas em todo o país, após o Ídolo entrar em campo, marcar e se emocionar durante a comemoração de seu gol contra o Corinthians.

É fundamental ter um Ídolo! Fred fez a torcida crescer. Apenas na semana passada, 8 mil associados a mais em apenas três dias. Incrível!

João Saldanha falava que clube grande podia até não conquistar títulos, mas a presença de um ídolo era obrigatória. Citava o Corinthians, ao longo do jejum de 23 anos. A torcida, com grandes contratações, se tornava cada vez mais apaixonada e gigantesca.

No mês em que o Fluminense completa 120 anos de fundação, Fred, aos 38 anos, aproveita o embalo para novas emoções. Ele se despede no próximo sábado, contra o Ceará. Amigos que moram fora do Rio me ligam querendo ir ao jogo, mas os ingressos estão esgotados.

Vamos aproveitar a empolgação da galera e relembrar momentos marcantes do tricolor. Qual o melhor time do Fluminense que você viu jogar? Qual é aquele que te traz as melhores recordações?

A Máquina que mais admirei foi a de 1976, já que houve duas, ambas formadas por Francisco Horta, o ‘Presidente Eterno’. Uma, em 1975; outra, no ano seguinte. Falo dessa: Renato, Carlos Alberto Torres, Miguel, Edinho e Rodrigues Neto; Carlos Alberto Pintinho, Paulo Cezar Caju e Rivellino; Gil, Doval e Dirceu.

Mas, que tal essa formação: Paulo Victor, Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato.

Em relação à Máquina Tricolor dos anos 70, Rivellino e Paulo Cezar Caju eram os principais craques do Brasil. O primeiro saiu quase expulso pela Fiel, após derrota para o Palmeiras na final do Paulista, em 1974. Já o ‘francês’ PC Caju foi repatriado ao Olimpique de Marselha. O artilheiro argentino Doval e o Capitão do Tri, Carlos Alberto Torres, eram duas outras estrelas de ponta naquela constelação.

O paraguaio Julio Cesar Romero foi um dos grandes ídolos do nosso futebol nos anos 80. Raçudo, rápido e habilidoso, Romerito levou o Fluminense ao tricampeonato carioca em 1985, após ter feito o gol do título do bicampeonato brasileiro, contra o Vasco de Roberto Dinamite, um ano antes. Delei, Ricardo Gomes, Branco… quanta gente boa! Além, claro, do infalível ‘Casal 20’: Washington e Assis faziam um ataque e tanto.

E os campeões cariocas de 1969, com Flávio Minuano e o catimbeiro Samarone? Vitória na final sobre o Flamengo, diante de um público superior a 170 mil pagantes. 3 a 2, o resultado. O time era composto por Félix, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Lulinha; Wilson, Flávio Minuano, Samarone e Lula. Todos treinados pelo mestre Telê Santana.

Em 1970 veio a conquista da Taça de Prata, o Brasileirão da época, com Mickey sendo decisivo: marcou gol nos quatro últimos jogos. Nessa competição, os tricampeões no México estavam em campo. Nomes como Pelé, Rivellino, Tostão, Carlos Alberto Torres, Gerson e Cia…

O time campeão de 1964 também não deve ser esquecido. Ainda contava com o gigante Castilho no gol. Na decisão, 3 a 1 sobre o Bangu. A equipe? Castilho, Carlos Alberto Torres, Valdez, Procópio e Altair; Denilson e Oldair; Jorginho, Amoroso, Joaquinzinho e Gilson Nunes. Elba de Pádua Lima, o Tim, também conhecido como ‘El Peon’, era o comandante.

O Flu conquistou com brilhantismo os Cariocas de 1971, 73, 75, 76 e 80. Depois foi tri, de forma magistral, na década de 80. Até chegarmos ao histórico ano de 1995. Naquela temporada aconteceu o épico Fla-Flu do gol de barriga do Renato Gaúcho. Romário, o maior jogador do mundo, estava do outro lado e saiu cabisbaixo.

No novo milênio o tricolor levantou outros quatro canecos cariocas: em 2002, 2005, 2012 e este ano. Após a conquista da Copa do Brasil, em 2007, veio o vice da Sul-Americana e Libertadores. Em 2009, Fred liderou uma impressionante sequência de vitórias, evitando a queda para a segunda divisão. Surge, então, o time de Guerreiros. Na sequência, dois novos Brasileiros. Em 2010, após 26 anos, e em 2012.

No primeiro, Muricy Ramalho era o técnico e Emerson Sheik fez o gol do título: 1 x 0 sobre o Guarani, no Estádio Nilton Santos. O time entrou com Ricardo Berna, Mariano, Gum, Leandro Euzébio e Carlinhos; Diguinho, Valencia, Júlio César e Conca; Émerson e Fred. O argentino Conca foi, disparado, o melhor jogador do Campeonato. Participou de todos os jogos da campanha, sendo decisivo na maioria. Um espetáculo!

No tetrabrasileiro, em 2012, Fred se consagrou de vez no coração da torcida. Marcou duas vezes na decisão contra o Palmeiras, uma vitória por 3 a 2, em Presidente Prudente. Acabou sendo o artilheiro do Campeonato, com 20 gols. Hoje, é ídolo eterno das Laranjeiras.

Não podemos esquecer aquela equipe: Diego Cavallieri, Bruno, Gum, Leandro Euzébio e Carlinhos; Edinho, Jean, Deco e Thiago Neves; Wellington Nem e Fred. Abel Braga, o técnico campeão, era o mesmo que esteve também à beira do campo no título estadual deste ano. Aliás, nos três últimos Estaduais conquistados.

Mas, e pra você? Qual o melhor time tricolor, o título inesquecível e seu ídolo preferido?

UMA LIÇÃO AOS (IR)RESPONSÁVEIS

por Zé Roberto Padilha

Quando compramos um ingresso para um espetáculo, como uma partida de futebol, uma peça de teatro, está incluído no pacote um palco e um gramado à altura dos seus artistas.

O que o Maracanã possibilitou aos milhares de espectadores, anteontem, momentos de pura magia, foi negado a quem se dirigiu domingo ao Alfredo Jaconi.

Deveriam devolver o ingresso aos que foram assistir e os pontos ao Fluminense. E punir quem autorizou a bola ser afogada por lá.

Um crime palcos irregulares cercearem a Fernanda Montenegro e ao André, o Divino, e Cia, toda a plenitude de sua arte.

Todos perdem.