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Fluminense

BELAS E LIBERTADORAS DA AMÉRICA

por Zé Roberto Padilha

Estão há tanto tempo atuando ao lado que pouco são exaltadas. Mal dão entrevistas. Era para carregá-las no colo, como num gol decisivo, mas as chuteiras e as glórias estão calçadas em pés egoístas e famosos que as tornaram invisíveis ao mundo da bola. Porque nos microfones atrás da meta os gols só são dedicados a “Filhas, papai te ama!”. Mulheres de jogadores de futebol. As mães dos nossos filhos que já nos concederam netos, percorreram gramados que não escolheram, falaram a língua que nem estudaram, mas arrumaram as malas com carinho como se escolhessem seu próprio destino. E foram escrever histórias pelos passaportes que abrimos. Os lápis, cenários, vieram embutidos no contrato de cidades e clubes que mal opinaram. Isto cabia ao empresário. Não a mulher que embarcou ao lado para escrever a história do marido com a bola. E anestesiar grande parte da sua.

Nossos álbuns são recheados de clubes diferentes, as paredes da sala emolduradas com pôsteres e as cristaleiras ficam com a missão de exibir troféus e medalhas. E em um álbum apenas estão presentes posando: o de casamento. Que, aliás, poucos que nos visitam querem folhear. Cadê você jogando no Flamengo? E sua passagem pela Arábia Saudita? E a foto do Vasco ao lado do Roberto Dinamite?

Algumas mal tiveram lua de mel diante do calendário opressivo, e cederam seus maridos para passar a noite encantada na concentração. Outras nem puderam celebrar a formatura dos seus filhos, eram obrigadas a trocar de colégio, apartamentos, ginecologistas, mercados sem direito a levar amizades recentes como as raras que fez em Campinas, quando se tornou amiga da esposa do goleiro da Ponte Preta. Seu marido foi emprestado para Chapecoense e só lhe restou arrumar de novo as malas. E desarrumar de vez a sua vida.


Bela, a encantadora mulher do meu compadre Zé Mário, nos inspirou a homenagear, hoje, todas as Rossanas, Elizabeth Cristinas, a Leila Pinho, que o Jorginho retirou do Círio de Nazaré para viver em Areal, a colombiana Sonia Galaxe que foi “seqüestrada” pelo nosso coringa quando de uma excursão tricolor em Cáli, a Gracinha, que meu primo Vinícius carregou para Portugal…. e todas vieram a tona porque meu genial cabeça-de-área postou ontem, no Facebook, as 35 camisas que defendeu. E fiquei a viajar com minha comadre pelas cidades e países que não escolheu, pelas camisas que nem usou mas lavou e passou, diante da criação dos filhos nômades que teve que se virar para educar.

Até hoje enquanto lutam em campo por uma vaga na Taça Libertadores, poucos jogadores de futebol percebem que a companheira que buscou em casa, passou pelo altar e prometeu um mundo que não passou de Recife, já os libertou da solidão de uma difícil profissão. Cuidaram com gelo e Tandrilax das suas contusões e, ao contrário do jornal, do Neto e dos cartolas, estarão sempre ao seu lado. Com qualquer resultado, serão sempre belas e libertadoras da América..

CHURRASCO TRICOLOR

vídeo: Guillermo Planel | edição de vídeo: Daniel Planel

Com muita felicidade, fomos convidados para participar do churrasco de aniversário do Fluminense, nas Laranjeiras, e não pensamentos nem duas vezes antes de aceitar o convite e relembrar grandes momentos com ídolos que vestiram a camisa tricolor.


Como a alegria merece ser compartilhada, levamos também Walter Duarte, colorador ativo do Museu, para participar da festa e trocar uma resenha com craques como Delei, Carlos Alberto Pintinho, Mário Português, Arturzinho e Búfalo Gil. A felicidade estava estampada no rosto do tricolor, de Campos dos Goytacazes.

Quando deixávamos a Laranjeiras, ainda tivemos o privilégio de encontrar os sambista Noca e Celsinho, da Portela, que se declararam pelo clube pelo Fluminense cantando uma música:

– Ôôô ôôô o Fluminense é o meu grande amor! Ôôô ôôô eu sou guerreiro, eu sou tricolor!!

ABEL, UM ZAGUEIRO MITOLÓGICO

por André Felipe de Lima


Para os gregos da Antiguidade, desenhava-se o herói com ideais altruístas, moldados por ética, sacrifício, fraternidade, justiça, coragem, paz e moral. Superar desafios épicos. Eis a missão dos bravos. No futebol brasileiro, muitos chegaram a este patamar definido lá longe, na Antiga Grécia. Poucos foram, contudo, unanimemente observados sob esse arquétipo.

Superação. Essa é a palavra ideal para resumir a trajetória do herói. Ele chora, pode até vacilar defronte a desafios, mas seu ímpeto é sua alma e sua alma é sua glória. Poderia direcionar este perfil para alguns gênios da bola, como Garrincha, Pelé, Didi, Tostão…, mas o ex-zagueiro Abel merece ser proclamado herói dos gramados tanto quanto estes gênios pela superação que moldou sua trajetória, transformando-o em um ídolo do futebol no final dos anos de 1970.

Abel começou a carreira no Fluminense, em 1968, onde permaneceu até 1975, transferindo-se para o Vasco no ano seguinte. Nos dois clubes, transitou entre o céu e o inferno, apesar de sempre reverenciado por treinadores e cartolas, que reconheciam sua bravura em campo, mas não lhe davam a chance da regularidade nos times titulares. Aos poucos, desanimou-se com a reserva e chegou a pensar em abandonar os gramados. Para o bem do futebol, isso não aconteceu. Abel se consagraria como um dos melhores zagueiros de sua época e, tempos depois, um dos melhores treinadores de sua geração.


Conquistou glórias nas Laranjeiras, mas foi com o Vasco que houve maior identificação.
O começo em São Januário não foi fácil porque o preferido do técnico Orlando Fantoni era o zagueiro Renê. Mas em quatro meses, com Renê indo para o Botafogo, Abel assumiu a vaga de titular na zaga do Vasco. Esmerava-se, correndo nos dias de folga nas Paineiras “até cansar”, como o próprio contou ao jornalista Maurício Azêdo. Acabado o treino, Abel, com a ajuda de Roberto Pinto, então auxiliar de Fantoni, e dos preparadores físicos Antônio Lopes e Djalma Cavalcanti, permanecia cerca de uma hora no campo exercitando os fundamentos que fizeram dele um dos principais zagueiros de sua época. Chegou a usar um colete de chumbo nos treinos. Saltava incansavelmente. Tudo para melhorar a impulsão. Fantoni ficou maravilhado com ele, afinal foi o treinador quem lhe dera uma “carinhosa” dura para que corrigisse seus defeitos Dali em diante, Abel — sempre muito grato a Fantoni — passara a ser sempre cogitado para a seleção brasileira.

E pensar que aquele rapaz parrudo começara no Fluminense como ponta-de-lança, mesma posição em que atuava nas peladas de rua, no bairro da Penha, zona norte do Rio. Treinava descompromissadamente na Portuguesa, da Ilha do Governador, quando um amigo da família o levou para um teste nas Laranjeiras. Pinheiro, que fora um dos melhores zagueiros da história do Fluminense, gostou de Abel e pediu a ele que regressasse ao clube. Na semana seguinte, já estava escalado na lateral-direita durante um amistoso em Volta Redonda.


E o jovem Abel foi conquistando tudo com o Fluminense e a seleção brasileira de novos até, em 1972, o Fluminense emprestá-lo ao Figueirense, que utilizou-o no campeonato brasileiro. Estava à vontade em Florianópolis. Primeiro porque o treinador era Antoninho [ex-ídolo do Santos], com quem Abel trabalhara na seleção de novos, segundo o contrato era excepcional. Ganhava cinco mil cruzeiros mensais — três a mais que o salário que recebia no Tricolor —, luvas de 20 mil, casa e comida de graça e uma popularidade incomum que surpreendeu o técnico Duque, que treinava o Fluminense quando o time carioca visitava Florianópolis.

Duque sabia das coisas e repatriou Abel nas Laranjeiras. Ora no lugar de Assis, ora no de Silveira, Abel foi, aos poucos retomando a vaga na zaga tricolor. Com a chegada de Carlos Alberto Parreira, foi sacado do time no dia da final do campeonato carioca de 1975. Didi assumiu o time e prometeu-lhe dez jogos seguidos como titular, mas logo após o papo entre Abel e o novo treinador, o Fluminense contratou Carlos Alberto Torres e, vindo da Portuguesa da Ilha do Governador, o zagueiro Fernando. Didi não cumpriu a promessa e frustração de Abel transformou-se em depressão. Pensara até em deixar o futebol, pois estava prestes a concluir o curso de Administração, na Universidade Gama Filho. “Todo mundo me dava força, me apontava como exemplo de atleta dedicado ao clube. O próprio presidente Horta [Francisco Horta] fazia questão de me citar como modelo; chegava a dizer que eu era um símbolo do Fluminense. ‘Diante de Abel ninguém cospe na camisa do Fluminense’ — ele repetia com freqüência. Eu acreditava nisso, tinha o Fluminense como a minha casa. Achava bacana aquela história de ser confundido com o clube. De que adiantou isso?”


Realmente Abel não teria espaço nas Laranjeiras. Sobrava zagueiro [alguns bons, outros nem tanto] para o time. Além de Torres e Fernando, havia Buñuel, Assis, Silveira e o jovem e brioso Edinho. Fosse pouca a leva, Horta, trouxa Pescuma, que fora ídolo no Coritiba e estava no Corinthians. Segundo Azêdo, o cartola tricolor teria ficado encantado com Pescuma por este ter lhe mostrado o caminhos das pedras para eu o Fluminense convencesse o velho Nicola, pai de Rivelino, a deixar o filho trocar o Corinthians pelo Fluminense. E Abel, como ficou nisso tudo? O Flamengo bem que tentou levá-lo, mas Horta não o liberava. O América ofereceu uma troca por Alex, ídolo Alvirrubro. Abel iria para Campos Sales junto com Herivelto, mas Horta bateu o pé e dizia que nunca venderia seu craque. Mas o rapaz amargava o banco de reservas. Chateava-o muito a situação. Uma ex-namorada, Roberto Mauro, Rivero e Arlindo, amigos da faculdade, confortavam-no.

Seguia triste, acabrunhado, porém não imaginara a peça que lhe reservara o destino.
Abel, como narrou Azêdo, seguia de carro para a Universidade Gama Filho quando, aproveitando-se do sinal fechado, decidiu espiar rapidamente o jornal. Veio o susto: dizia a notícia que ele, Marco Antônio e Zé Mário foram cedidos ao Vasco. Ficara feliz. Era o queria, naquele momento: trocar de ares. O Fluminense avaliou para abaixo o valor do passe de Abel. Mas nem isso o incomodou. Queria mesmo é jogar bola, mas como titular… e No Vasco, para realizar o sonho de seu velho pai, um vascaíno “doente”.

Após os conselhos de “Titio” Fantoni, Abel acertou o prumo. Estava jogando uma barbaridade na zaga. Àquela altura já era ídolo da torcida. Foi o jogador vascaíno que mais vezes entrou em campo em 1976. Foram 90 partidas. Em abril, o Vitória o queria em Salvador. O Vasco disse não. Como vender o passe de um jogador que chora pelo clube, nas derrotas ou nas vitórias? “Ele é alma do time”, destacava Fantoni. “Ele é a garra que sempre caracterizou o Vasco”, reconhecia Dulce Rosalina, torcedora símbolo do Vasco nos anos de 1970 e 80.


Com Abel comandando a nau vascaína, o time conquistou o tão almejado título estadual de 1977. Fantoni estava certo: “Esse rapaz fez um progresso maravilhoso”
Abel não fugia da luta. Ocultava dores homéricas para estar em campo. Em outubro de 1978, o Vasco vivia um momento de transição. Chegara Leão, mas perdera Dirceu e Marco Antônio. Zé Mário e Geraldo estavam há meses no estaleiro. Abel, Orlando, Guina, Wilsinho e Roberto Dinamite tentavam manter o mesmo ímpeto do time de 77.
Em campo, o Vasco, que fazia uma campanha sofrível no campeonato estadual, deparou-se com um Flamengo embrionário do timaço que conquistaria tudo nos anos seguintes. Abel entrara em campo sentindo muitas dores no joelho. Escondera dos médicos, contudo, a enfermidade. O médico do Vasco, Otávio Martins, perguntara insistentemente se sentia algo. Abel negara sempre. No campo, o Flamengo estava sempre impetuoso no ataque, mas Abel parou Zico, Claudio Adão e Adílio… até não agüentar mais e desabar, heróico, no gramado.

Justificava a bravura com a mesma emoção com que chorava ao ver uma faixa de carinho da torcida em reverência ao ídolo. Aquele empate reanimou o Vasco, reanimou Abel. “Sei que entrar num jogo como esse, todo machucado, pode ser um desastre. Aí, me lembrei: há dois anos, o Fla não ganha nem marca gol no Vasco. Ainda: desde que fui para a Seleção, em fevereiro, o Vasco não perde quando jogo. Resolvi entrar.”

Até novembro daquele ano de 1978, com Abel em campo o Vasco não sabia o que era derrota. No mesmo ano, Abel esteve com a seleção brasileira, na Argentina, para a Copa do Mundo, mas não entrou em campo. O treinador Claudio Coutinho [também do Flamengo] preferia o miolo de zaga com Oscar e Amaral. No ano seguinte, Abel seguiu para o futebol francês. De lá, mantinha a esperança de nova oportunidade, na Copa de 1982. O treinador Telê Santana preparava o time que encantaria o mundo e Abel, em 1980, mandava recados que acabaram proféticos: “Os nossos inimigos em 82, queiram ou não, serão os times europeus. Lá, a dinâmica é outra, o jogo não pára, não fica truncado, o tempo passa rápido”. Exatamente como a Itália derrotaria o Brasil, no estádio de Sarriá, na Espanha.

Abel Carlos da Silva Braga, como consta em sua certidão, nasceu no Rio de Janeiro no dia 1º de setembro de 1952. Fluminense e Vasco não foram suas únicas casas. Também foi do Paris Saint-Germain, da França [de 1979 a 1981], onde chegou a jogar de líbero e até de centroavante e ganhava cerca de 500 mil cruzeiros mensais.
Em 1981, Abel retornou ao Brasil, para defender o Cruzeiro. A chegada não foi amena. Uma cirurgia no joelho o afastou dos gramados em pelo menos dois meses, recuperou-se e deu nova cara à zaga, com reflexos em todo o time, a ponto de o lateral-direito Nelinho, seu ex-parceiro nas peladas nas ruas de Olaria, defini-lo como “doping” da equipe, que não vinha bem e sofria com o poderio do Atlético, de Reinaldo, Cerezo e Lusinho. “E o que esse cara grita e xinga em campo não é normal, xará”. Abel tornara-se o homem de confiança de [quem diria…] Didi, o mesmo técnico dos tempos de Laranjeiras. “Quando penso em dar uma orientação a um garoto, o Abel já foi e conversou com ele”. Na Toca da Raposa, Abel era a voz dos companheiros. Reivindicava aumento para jovens talentos e discutia com cartolas e comissão técnica um regime mais justo nas concentrações. Desabrochava o futuro treinador de sucesso.
Do Cruzeiro, Abel teria de voltar ao Paris Saint-Germain, mas acabou transferindo-se para o Botafogo, em 1982, numa transação confusa porque o clube carioca ficou devendo 40 mil dólares ao clube francês.

Entende-se o pouco esforço do Paris Saint-Germain para não querê-lo de volta. Em 1988, ou seja, quatro ano após Abel ter encerrado a carreira de jogador, o jornal L’Equipe publicou um levantamento sobre 23 estrangeiros que atuaram no Paris e no Matra Racing ao longo da história dos dois clubes parisienses. Abel não ficou bem na fita. O jornal o colocou na lista dos onze piores. “Falência total de um zagueiro-central, que treinou apenas uma temporada no Parc des Princes”, escreveu o diário. No período em que lá jogou vestiu a camisa do Paris Saint-Germain 45 vezes.

Em 1984, Abel trocou o Botafogo pelo Goytacaz, de Campos, no interior do estado do Rio de Janeiro, clube com o qual encerraria a carreira, conforme dados da Confederação Brasileira de Futebol [CBF].

Pela seleção brasileira, esteve na Copa de 78, como reserva do zagueiro Oscar [da Ponte-Preta]. Vestiu a camisa canarinho em 15 ocasiões [10 delas com a seleção olímpica]. Também participou, em 1971, da seleção pré-olímpica. Além do eloqüente título de 1977, com o Vasco, Abel foi campeão carioca em 71 e 73 e bi-campeão, em 75 e 76, todos com o Fluminense.

A fama de mau, garantia ele, sempre fora injusta. “Olha, só machuquei um cara por querer. Foi um tal de Lula, do Vila Nova de Goiás, quando eu jogava no Vasco. Ele me deu duas entradas na barriga. Na seguinte, acertei o seu joelho.”
Após deixar os gramados, transformou-se em um bem sucedido técnico. O começo foi no Botafogo, em 1985.


O saudoso jornalista Sandro Moreira recorda uma deliciosa história dos primeiros momentos de Abelão, como gostavam de chamá-lo na imprensa ou na arquibancada, como técnico do Alvinegro carioca, que acabara de ganhar os dois primeiros jogos sob a batuta do ex-zagueiro.

Entusiasmado com a boa estréia de Abel como treinador, o repórter de uma rádio telefonou para a casa do ex-craque, tentando entrevistá-lo. Do outro lado da linha atende uma mulher, que pergunta ao trepidante com qual dos dois ele queria conversar, se com o “Abelão” ou com o “Abelinho”. Seguro de si e sem pestanejar, o repórter emendou: “Com Abelão, naturalmente”. Abelão vai ao telefone e trava-se o nosense diálogo:

— Alô, quem quer falar comigo?”

— É o Gomes, da rádio. Explica para os ouvintes como você viu a vitória de hoje do Botafogo?

— Não vi.

— Como não viu? Está me gozando?

— Não. Eu sou o Abelão, o pai. Você deve estar querendo falar com Abelinho, meu filho.

Amante da boa música. Abel [ou Abelinho”, para o velho pai] arrisca-se no piano desde os 12 anos de idade. Quando treinava o Vitória, em Salvador, em 1986, decidiu intensificar os estudos musicais.


Abel comandou, entre outros clubes, o próprio Vasco, Internacional de Porto Alegre, Sport Recife, os Atléticos mineiro e paranaense, Coritiba, Flamengo, Ponte Preta e o francês Olympique de Marselha. Em 2004 e 2005, teve grandes passagens por Flamengo e Fluminense, com os quais, respectivamente conquistou o campeonato carioca nos dois anos. Mas foi no Internacional a consagração: campeão da Copa Libertadores e do Mundial Interclubes em 2006. E, no Inter, seu filho Fábio ingressaria no futebol. A relação com o Colorado é, inegavelmente, singular. Em 2011, com a inquestionável bagagem de sucesso, o Fluminense recebeu-o novamente como técnico. Voltaria, porém, ao Inter em 2014. O Rio o acolheria novamente. E mais uma vez as Laranjeiras, onde está até hoje.

Foi, porém, nos gramados que Abelão encantou as torcidas, especialmente a tricolor e a vascaína. Como zagueiro, era conhecido mais pela força do que pela técnica, mas o resultado dessa inversão não é queixa para ninguém, sobretudo para os vascaínos, que no campeonato carioca de 1977 viram o time sofrer apenas quatro gols. Todos apenas no primeiro turno. Dá para imaginar de quem é a pecha de herói?

***

O texto acima integra a “Letra A” (primeiro volume) da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos Craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, cujo lançamento será ainda neste semestre pela Livros de Futebol.com, do bravo editor Cesar Oliveira, autor do imperdível “João Saldanha, cem anos sem medo” (https://www.facebook.com/joaosaldanha100/), com Alexandre Mesquita e Marcelo Guimarães.

INFELIZMENTE, CURADO

por Zé Roberto Padilha


O mais bacana no futebol é a paixão. Desmedida, então…. Ter o direito de escolher um lugar na arquibancada, vestir a camisa do seu clube e assumir aquela breve loucura que lhe dá o direito de abraçar com ardor, o dono da camisa ao lado, esteja vestida em quem for, xingar o juiz, ofender o zagueiro adversário e deixar que o resultado guie pelas próximas horas os rumos do seu sentimento. Feliz ou chateado, depende de quem acertou aquela bola na veia e correu para o abraço. Agora, vá se vestir de Pato da FIESP e ir para a Avenida Paulista cruzar com o boneco do Lula com uma bandeira vermelha nas mãos…..

Dezessete anos correndo atrás da bola, defendendo sete equipes em quatro estados diferentes me roubaram esta preciosa emoção. A realidade dos cartolas insensíveis, a fria concentração, o tapinha nas costas que vai virando com o tempo ostracismo na alma, nos roubou a parte mais bonita do imponderável. Não há fantasia que resista a uma barração na portaria de um clube que você entregou seus meniscos, fraturou seus tornozelos e ajudou a erguer sete títulos. Quem viveu o mundo da bola sabe que paixão por lá é sinônimo de ingratidão.


E quando o Ramon acertou aquele tiro cruzado, dando a vitória ao Vasco, não fiquei triste como deveria sendo torcedor tricolor desde garotinho. Pensei no contrário, o Léo nos dando a vitória e o Vasco ficando a um ponto da zona de rebaixamento. Outra vez. O futebol carioca, o brasileiro, não pode ficar sem o Vasco para nos lembrar sempre das nossas origens. De mais um navegador português que passou ao largo do nosso descobrimento e encontrou um caminho alternativo, contornando a costa africana, apara alcançar as preciosidades das Índias. E como apagar do futebol a história de Ademir, Barbosa, Andrada e Roberto Dinamite? Quando dei por mim torcia pelo conjunto da obra futebol movido pela razão. E a paixão tricolor foi posta de lado, não havia mais espaço dentro de mim para a emoção. Que pena!

Bom mesmo era ser tricolor doente, discutir com o André Seixas, rubro-negro, provocar o Décio Barbosa, botafoguense, e buscar na Internet outra piada de vice para sacanear o Professor Filipe. Mas sábado à tarde descobri, no hospital da minha sala em meio a Fluminense x Vasco, que não sou mais um torcedor doente como o meu amigo Andmar Andrade. Recebi alta de uma fria junta médica formada pelos dos deuses da bola e estou curado. Bom para o jornalismo que terá relatos isentos. Pior para mim que perdi a parte insana a que tinha direito no meio de uma multidão encoberta pelo fascínio de um pó de arroz.

“GRANDES SÃO OS OUTROS. O FLUMINENSE É ENORME”

 por André Felipe de Lima


Faria anos hoje o genial dramaturgo, cronista, jornalista e, acima de tudo e de todos, o que convencionamos como o amor mais genuinamente traduzido em Fluminense. É festa para o “profeta tricolor” Nelson Rodrigues, que nasceu em Recife, no dia 23 de agosto de 1912.

Pernambucano na carne, mas com uma vocação carioca que muitos que aqui no Rio nasceram jamais tiveram. Aos quatro anos, mudou-se para a cidade que amou incondicionalmente e que dela fez palco para sua produção magistral. Mais que isso. Nelson fez do Rio o Fluminense, e do clube das três cores o óbvio e ululante amor de sua jornada. Amou-o mais que a si mesmo, mais que as mulheres de sua vida e filhos que acariciou. Amou o Fluminense de cabo a rabo, do paraíso ao inferno, no sol e na chuva. Amou-o com o calor das palavras tendo como única confidente dessa paixão a sua máquina de escrever, de onde brotaram estribilhos e odes ao seu Fluminense.


Abaixo, algumas declarações rodrigueanas ao Tricolor:

“Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar.”

“Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos.”

“O Fluminense não nasceu para ser unanimidade nem massa de manobra do interesse demagógico das elites opressoras. O Fluminense nasceu para atravessar a harmonia do bloco dos contentes. Nasceu para incomodar o senso comum. Essa é a nossa sina.”

“Pode-se identificar um Tricolor entre milhares, entre milhões. Ele se distingue dos demais por uma irradiação específica e deslumbradora.”

“A Grande Guerra seria apenas a paisagem, apenas o fundo das nossas botinadas. Enquanto morria um mundo e começava outro, eu só via o Fluminense.”

“Se quereis saber o futuro do Fluminense, olhai para o seu passado. A história tricolor traduz a predestinação para a glória.”

“O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade…tudo pode passar…só o Tricolor não passará jamais.”

“Sou tricolor, sempre fui tricolor. Eu diria que já era Fluminense em vidas passadas, muito antes da presente encarnação.”


“Uma torcida não vale a pena pela sua expressão numérica. Ela vive e influi no destino das batalhas pela força do sentimento. E a torcida tricolor leva um imperecível estandarte de paixão.”

“Ser tricolor não é uma questão de gosto ou opção, mas um acontecimento de fundo metafísico, um arranjo cósmico ao qual não se pode – e nem se deseja – fugir.”

“O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade…tudo pode passar…só o Tricolor não passará jamais.”

“O Flamengo tem mais torcida, o Fluminense tem mais gente!”

Nelson Rodrigues não era daqui. Nasceu em outra dimensão, em outro planeta, onde brilham no céu o grená, o branco e o verde. Para ele, isso bastava.