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Fluminense

‘REI’ ARTUR DO ‘REINO’ DE MOÇA BONITA

por André Felipe de Lima


Os cartolas do Fluminense definitivamente não sabiam o que estavam fazendo naquele longínquo ano de 1979. Nenhum torcedor, em sã consciência, aceitou a cessão, por empréstimo, de um garoto baixinho chamado Arturzinho por módicos 800 mil cruzeiros ao Operário, de Mato Grosso. O rapaz jogava o fino, mas, mesmo assim, cederam o seu passe por uma quantia considerada na época comum a um perna de pau, o que, convenhamos, não era o caso do jovem Artur, sobretudo para quem o viu jogar. O ex-goleiro Carlos Castilho, maior ídolo da história do Fluminense, que dirigiu Arturzinho no Operário, assim o definia: “Ele é muito talentoso, sabe colocar-se em campo e desequilibra qualquer jogo com seus dribles curtos.”

Seu futebol de passes precisos e, claro, muitos gols começou a chamar a atenção quando defendeu o clube mato-grossense. Em setembro de 1979, o Operário tido como imbatível no estado tinha como treinador Castilho, que, por sua vez, depositava toda fé no brilhante Arturzinho, um jovem e confiante craque que acreditava em um futuro promissor. “Cheguei disposto a vencer. Sempre reserva no Fluminense, jurei a mim mesmo que aqui mostraria o meu futebol. Mostrei. No Brasileiro, vou dar tudo. Quero voltar ao Rio um dia, mais respeitado e com meu lugar garantido no Fluminense. Com ajuda do seu Castilho e do Operário, vou conseguir.” E conseguiu. Anos depois, defendendo o Bangu, entraria para a história do clube, como um dos maiores ídolos de todos os tempos, no mesmo patamar de Domingos da Guia e de Zizinho.

Artur dos Santos Lima é o que se pode definir como um verdadeiro cigano do futebol brasileiro, mas, acima de tudo, um genuíno cobra. Nasceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de maio de 1956, e começou a jogar bola no futebol de salão do São Cristóvão. O caminho seria, contudo, árduo. Tentou cinco vezes passar por uma peneira no Bangu, comandada pelo ex-treinador Mendonça, zagueiro do Alvirrubro na década de 1950 e pai de outro craque dos anos de 1980: o também Mendonça, ídolo botafoguense.

Arturzinho jogou apenas 20 minutos e até agradou, mas foi dispensado. Com inabalável ânimo, arriscou a sorte na Portuguesa da Ilha do Governador, permanecendo no teste durante cinco minutos. O bastante para ouvir o seguinte de um cartola, cujo nome ignorava: “Você aí, magricela: pode sair. E não precisa voltar.”

Desistir, nunca. Afinal, Arturzinho era filho de Amaro Pio de Lima, de quem herdou a paixão pelo futebol.

O velho motorista de caminhão reservava as manhãs de domingos para o culto à boa e velha “pelada”, ora vestindo a surrada camisa do Independente, ora a do Aliança, dois clubes tradicionais do bairro do Caju, na zona portuária do Rio de Janeiro. Exatamente naquela região da cidade é que Artur, garoto obediente e estudioso, deliciava-se com o seu único brinquedo: uma bola.

Dona Anita, mãe do garoto, costumava frisar que o velho Amaro encantava-se com o futebol de Arturzinho, que dividia a atenção dos zelosos pais com os irmãos Almir, ex-ponta-esquerda do Campo Grande, do Vasco, com passagem pelo futebol equatoriano, e o caçula Alair, um rubro-negro convicto, igualmente à mãe.

O que, talvez, Amaro não percebesse é que Arturzinho estava longe de ser igual ao ex-zagueiro Pavão, um jogador viril, que defendeu o Flamengo nos anos de 1950 e com quem Amaro insistia comparar o filho bom de bola. Pavão era o ídolo de Amaro, mas Arturzinho era fã mesmo de outro rubro-negro, esse, ídolo incontestável do Flamengo: Dida.

Arturzinho sentia-se o Dida. Em cada pelada disputada nas ruas do Caju jogando pelo Redentor, time organizado pelo velho Amaro, o menino ensaiava um drible do Dida. Acreditava, piamente, ser o Dida.

Foi nessa época que Nestor, vizinho da família Lima, bateu um papo com seu Amaro e conseguiu dele a autorização para levar Arturzinho para um treino no futebol de salão do São Cristóvão. Amaro não se opôs e o clube conquistou um novo craque das quadras.

Adílio, ídolo rubro-negro e que também começou no futebol de salão, recordou os tempos em que o time infanto-juvenil do Flamengo enfrentava Arturzinho e o time de quadra do São Cristóvão: “Ninguém o chamava pelo nome. Ele era o Motorzinho, um endiabrado.”

Em 1975, já morando no bairro de Senador Camará, no subúrbio carioca, Arturzinho decidiu que faria voos mais altos. Fez teste para o time juvenil do Fluminense. Passou, com a aprovação do ex-zagueiro Pinheiro, ídolo do clube nos anos de 1950, que se encantara com os dribles curtos daquele menino.

A rotina era pauleira. Diariamente, acordava às 5h30 e embarcava em um trem lotado até a estação da Central do Brasil. Antes de pegar um ônibus rumo ao estádio das Laranjeiras, fazia de um pastel e um caldo de cana seu indefectível café da manhã. Indo e voltando para casa, gastava quatro horas diárias somente com o transporte. Igualmente a alguns meninos que amam jogar bola, seu desejo, como contou ao repórter Hideki Takizawa, era singular: concluir os estudos, fazer sucesso como jogador e comprar uma casa para os pais.

Devagar, se vai ao longe. O primeiro técnico a escalá-lo entre os cobras da Máquina Tricolor foi Mário Travaglini, em 1976. Com os meias Pintinho e Paulo César Caju machucados, o treinador decidiu dar uma chance ao rapaz, no jogo contra o Americano. E não se arrependeu. Foram de Arturzinho os passes para os gols de Gil e Doval na vitória de 2 a 0. Saiu de campo consagrado.

Em 1977, assinou o primeiro contrato, com um clube que mantinha craques, como Rivelino e Cléber, na mesma posição do então menino Artur, que se conformava com a reserva. No ano seguinte, o salário melhorou, saltando de 10 mil para 15 mil cruzeiros mensais. O dinheiro o ajudou a comprar uma Kombi para o pai trabalhar.

ADEUS, FLU… VIVA O REI ARTUR!

Arturzinho, quando entrava em campo, era um assombro. Mesmo assim, entrando e saindo treinador, nada de chance concreta para firmá-lo no time titular do Fluminense. Deu um basta. Chamou o então técnico Zé Duarte para uma conversa reservada e pediu que o dispensasse do clube. Pedido aceito, arrumou as malas e seguiu para o Operário, de Mato Grosso. No período em que lá esteve, sentiu uma de suas maiores dores na vida: a morte do pai, em 1980, dois dias antes do Natal.

O baixinho Arturzinho, que mede 1,62m de altura e foi campeão com o Operário, marcando gols decisivos e inserindo o clube entre os cinco melhores colocados do campeonato nacional de 1979, tão cedo não voltaria ao Fluminense, como almejava. Seu destino estava reservado a ser ídolo, mas de outros clubes. Destacar-se-ia primeiramente no Bangu, onde seria tratado como rei, e, logo depois, no Vasco.

Chegou ao clube de Moça Bonita em 1982, após tornar-se herói do Operário e com uma passagem relâmpago pelo Internacional, de Porto Alegre.


A estada no Sul foi, no entanto, complicada. O clima frio fez com que Arturzinho embarcasse a esposa Vera Lúcia, sempre doente, de volta para o Rio de Janeiro antes do término do contrato do jogador com o clube gaúcho. Do Inter, onde disputou pouco mais de 10 jogos, sem marcar gols, Arturzinho regressou ao Operário, após ter o passe trocado pelo do jogador Washington.

Mas foi no Bangu que conheceu a glória. Glória de rei. De Rei Artur.

Tornou-se ídolo incontestável no Alvirrubro suburbano, conduzindo o Bangu às finais do campeonato estadual em 1983, sempre reverenciado pela crônica esportiva carioca como o melhor jogador do torneio, rodada após rodada. É o sétimo maior artilheiro da história do Bangu, com 93 gols.

Suas atuações, sobretudo contra o poderoso Flamengo dos anos de 1980, são consideradas inquestionáveis antologias nas páginas da história do Bangu.

Em um jogo memorável, realizado no feriado de 7 de setembro de 1983, o Bangu goleou, por 6 a 2, no Maracanã, o time que contava, entre outros, com Leandro, Júnior, Marinho, Adílio e Mozer. Arturzinho esteve fenomenal. Marcou quatro gols no goleiro Abelha e entrou, definitivamente, no rol dos maiores ídolos da história do clube. Com inteira e irrevogável justiça.

Ainda nos tempos de Bangu, o religioso Arturzinho mostrou um louvável perfil humanitário ao comandar o grupo de jogadores que decidiu, em 1983, doar 10% dos “bichos” ganhos após os jogos para a creche das presidiárias da penitenciária Talavera Bruce, em Bangu.

Em 1984, ficara difícil para Castor de Andrade mantê-lo em Moça Bonita. Antônio Soares Calçada, presidente do Vasco, botou na mesa 400 milhões de cruzeiros pelo passe de Arturzinho, que formou com Roberto Dinamite e Mauricinho um excelente ataque durante o campeonato brasileiro de 84, que só tombaria diante do Fluminense, de Romerito, Branco, Assis e Washington, na decisão do torneio.

Pelo cruz-maltino, também fez partidas memoráveis naquele campeonato nacional. Uma delas, contra o Tuna Lusa, quando marcou quatro dos nove gols da goleada de 9 a 0. E o mais impressionante: estava com o tornozelo bastante inchado. Após o apito final do juiz, a torcida invadiu o campo para carregá-lo, triunfante, pelo gramado de São Januário. O craque já se acostumara à apoteoses do gênero.

No mesmo ano, Arturzinho seguiu para o Corinthians, que pagou 380 milhões de cruzeiros pelo passe do craque.

O jogador ajudou a levar o time paulista à final do campeonato paulista, mas perdeu o troféu para o Santos. Foi uma passagem apenas razoável pelo Timão.

Regressou ao Bangu, em 1985, quando o clube alvirrubro acabara de perder a final do campeonato brasileiro para o Coritiba. Arturzinho era a esperança do Bangu para o fim do jejum de títulos. A principal meta foi conquistar o tão ambicionado campeonato carioca, entalado na garganta dos banguenses desde 1983, mas, novamente, o Bangu se deu mal, e Arturzinho acabou perdendo espaço no clube.

O caldo entornou de vez com a péssima campanha do time na Taça Libertadores da América, em 1986, com o craque veementemente criticado pela torcida e cartolas. Desprestigiado, Arturzinho foi emprestado ao Botafogo, no segundo semestre de 86. Tempos difíceis aqueles. O dinheiro escasseou e, para manter, a família e os filhos, Arturzinho cortou um dobrado. As portas de muitos clubes estavam fechadas. Exceto uma.

O Bangu era a sua casa. Ali, em Moça Bonita, mesmo com a má fase entre 85 e 86, sentia-se à vontade. Todos no clube, especialmente o misto de cartola e banqueiro do jogo do bicho, Castor de Andrade, decidiram dar uma nova [e merecida] chance ao ídolo.

Com tanto carinho, Arturzinho decidiu, no começo de 1987, que poderia dar a volta por cima no clube suburbano. Mas não foi tão fácil assim. Pelo menos, no primeiro semestre daquele ano. O tratamento era o mesmo do ano anterior, com Arturzinho sendo marginalizado e ficando cinco meses fora do time, proibido até de treinar com os companheiros.

A sorte só mudaria com a chegada do técnico Pinheiro, o mesmo que o revelara no juvenil do Fluminense, em 1975, e que insistiu para que o Bangu renovasse o contrato de Arturzinho. Em apenas cinco jogos, o craque mostrou-se indispensável ao time. “Por ser tão querido, nunca pensei que sofreria tanto em Moça Bonita.”

O que Arturzinho talvez não percebesse é que há situações que somente os “reis” podem suportar.

Seu futebol de rei da bola para que o Bangu chegasse à final da Taça Rio, em junho de 1987, derrotando o Botafogo por 3 a 1, com dois gols do próprio Arturzinho. “Eu precisava dessa conquista”, disse o craque ao repórter Milton Costa Carvalho, quando estava de joelhos, no vestiário, diante de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, agradecendo à santa pelo título conquistado.

Arturzinho vinha sendo questionado pelo fato de ser ídolo, mas sem comparecer com gols nas decisões pelo Bangu. Se o problema era esse, redimiu-se e calou a boca dos críticos. O rei recuperara, enfim, o trono.


Após sua grande jornada no Bangu, peregrinou por diversos clubes no Brasil [Botafogo, Fortaleza, Paysandu e Itinga da Bahia] até retornar à Moça Bonita, em 1991, mas por pouco tempo. Logo seria negociado com o Vitória, da Bahia, onde estreou no dia 18 de março de 1992. No clube baiano, foi considerado o cérebro do time campeão estadual de 1992. O título foi pouco para Arturzinho, que também conquistou a artilharia da competição, com 24 gols. Pelo Vitória, Arturzinho entrou em campo 83 vezes e marcou 52 gols.

Um craque do porte dele, merecia vestir, com muita frequência, a camisa da seleção brasileira. Mas isso aconteceu apenas uma vez, no dia 21 de junho de 1984, em Curitiba, durante um amistoso contra o Uruguai. O Brasil derrotou a “Celeste Olímpica” por 1 a 0, com um gol de Arturzinho. A única reminiscência de um dos melhores jogadores de sua época com o manto canarinho.

A história de Arturzinho nos campos de futebol é uma síntese de amor ao esporte e de superação de desafios. Foram várias vezes em que o Arturzinho “rei” perdera a coroa, sendo, às vezes, tratado injustamente com desprezo por seus antigos “súditos”.

O ponto final da maravilhosa carreira de Arturzinho como jogador de futebol aconteceu no Olaria, em 1996. Hoje, o ídolo da torcida do Bangu é técnico. Uma trajetória iniciada no Vitória, um ano após pendurar as chuteiras.

E a estreia foi alvissareira. De cara, sagrou-se campeão baiano e da 1ª Copa do Nordeste, em 1997. À frente do América de Natal, em 1998, seria novamente campeão da Copa do Nordeste. O nome do treinador Arturzinho passou a figurar como um dos principais do futebol no nordestino. Em 2000, retornou ao Vitória para ser novamente campeão baiano. Estava consolidada a nova trajetória na vida de Artur dos Santos Lima, o inesquecível “rei” Artur… do “reino” de Moça Bonita.

***

Foto: Reprodução da revista Placar/ Abril, assinada por Ignácio Ferreira

O CÚMULO DA IRRESPONSABILIDADE

Luis Filipe Chateaubriand 


Devido a uma situação absolutamente prosaica, o futebol carioca passou, ontem, por uma das maiores vergonhas de sua história. 

Tanto Vasco da Gama como Fluminense queriam disputar o clássico decisivo da Taça Guanabara com suas torcidas acomodadas no setor sul do Maracanã. 

Como não houve acordo entre os clubes, uma medida judicial determinou que a decisão acontecesse sem público, com portões fechados. 

O jogo assim começou, mas outra medida judicial determinou a abertura dos portões – prejudicando o Fluminense, pois só havia torcedores vascaínos no entorno do estádio. 

O Vasco da Gama argumentava para que sua torcida ficasse no setor sul, que isso era uma tradição desde 1950. 

O Fluminense argumentava para que sua torcida ficasse no setor sul, que o acordo com o consórcio que administra o Maracanã previa isso. 

Como sempre, faltou diálogo para resolver o impasse. 

Era fácil resolver o dilema: o Vasco da Gama, mandante do jogo, comunicaria ao Fluminense sua intenção de ter a sua torcida no setor sul. Com a negativa do Fluminense, decidiria ou por acomodar sua torcida no setor norte, ou por realizar o jogo no Estádio Nílton Santos ou em São Januário. 

Se houvesse, portanto, diálogo entre as partes, a situação patética não se sucederia. Mas, ao optarem por muito barulho por nada, dirigentes irresponsáveis e inflexíveis criaram um papelão poucas vezes visto no futebol brasileiro.  

É pena, pois a sensação que se passa é que futebol não é ambiente para gente séria, o que é ofensivo a todos nós que amamos este esporte fascinante.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

UM PAI ALÉM DE UMA GRANDE PAIXÃO

por Zé Roberto Padilha


Em 1995 era treinador do Entrerriense FC, que disputava o Campeonato Carioca da primeira divisão. Com extrema ousadia, por se classificar entre os oito finalistas, e doses de imprudência, por enfrentar os grandes clubes no centenário do Flamengo, e do título nacional do Botafogo, acabávamos de cumprir nosso último compromisso em Bangu após apanhar bastante. E voltamos para casa escutando no rádio a final da competição entre Flamengo x Fluminense.

Minhas filhas, então com 13 e 15 anos, já rubro-negras por sua bisavó, a Rutinha, ser mais convincente que as camisas tricolores que lhes dei de presente, estavam no banco traseiro quando alcançamos o trevo da Ponta das Garças, na entrada da cidade. Faltavam três minutos e o empate era do Flamengo. E as duas pediram para passar pela Chopperia que de lá sairia a maior das carreatas. A carreata do título do centenário.


Em meio a travessia da ponte o Ailton chamou o Charles, o Guerreiro, para dançar, e o Renato colocou de barriga a bola para o fundo das redes. Uma tristeza jamais sentida no interior de um Passat mudou o roteiro daquela chegada e elas pediram para ficar em casa. Naquela noite, em que faltei pela primeira vez à carreata tricolor, descobri que era muito mais pai que torcedor do Fluminense.

E, ontem, foi a vez do Bruno sair de casa em busca de um empate. No futebol, diz a lenda, jogar por ele é como sair com uma mulher que você desconhece e ela se apresentar de mini saia, decote ousado e salto alto. Você sabe apenas que vai sair, se vai voltar com ela pra casa só os noventa minutos, às vezes prorrogação, pênalti, uma falha do Arrascaeta…

Bruno também ganhou a camisa recusada pelas irmãs, mas no nosso jogo de despedida, então com 13 anos, em que veio a Três Rios o Máster do Flamengo, não resistiu ao concerto oferecido por Zico, Adílio, Junior, Andrade, Claudio Adão e Julio Cesar. E foi com as meninas para o meio da massa.


Saiu, ontem, de casa com o empate nas mãos e ele escorregou aos 47 minutos do segundo tempo. E nunca ninguém entrou em nossa casa com a cabeça tão baixa daquele jeito. Triste por ele, redescobri, mal dormindo também, que continuo muito mais pai que tricolor.

Quanto ao Guilherme, o nosso caçula, que a Tia Vera convenceu a ser Botafogo e fez por encalhar de vez a camisa original tricolor, dormiu muito bem, obrigado. Tem coisas que só acontecem aos que torcem pelo Botafogo.

SERIEDADE NO FUTEBOL TEM SINÔNIMO: ZÉ MÁRIO

por André Felipe de Lima


O saudoso treinador Paulo Emílio tinha um talismã: o volante Zé Mário. Na Máquina Tricolor, em 1975, Emílio entrou no lugar do técnico Didi e o efetivou como titular. Quando Emílio foi contratado pelo Vasco, no ano seguinte, não pensou duas vezes: “Quero o Zé Mário aqui”. Porém nenhum outro personagem do futebol carioca daquela saudosa década de 1970 desenhou melhor Zé Mário que o companheiro de meia cancha Zanata, com quem Zé jogou no Flamengo e no Vasco: “O Zé tem um ótimo toque de bola e um fôlego fora do comum. Isto lhe dá uma enorme capacidade de auxiliar a defesa e o ataque, o tempo todo sem cansar. No final que está no bagaço é o adversário.”

Zé Mário e Zanata se entendiam maravilhosamente bem no meio de campo. O primeiro foi um dos melhores volantes de sua geração; o segundo, um meia estupendo, capaz de lançamentos de longa distância que deixavam todos os centroavantes e ponteiros na cara do gol, como aquela bola que parou na frente do Freitas, que fez o segundo gol do Vasco na vitória de 4 a 2 sobre o Flamengo, no campeonato nacional de 1975. Zé Mário ainda não estava em São Januário, mas quando lá chegou formou com Zanata uma das melhores duplas de meias do Rio e que este humilde jornalista viu [graças a Deus] jogar. Em 1977, os dois craques foram decisivos para que o Vasco fosse campeão carioca, diante do mesmo Flamengo, de Zico e Júnior, que também estiveram naquele memorável “4 a 2” de 75.


Aquele título de 77 foi especial na carreira do Zé Mário. Se a meia cancha já contava com o talento dele e o do Zanata, ficou ainda melhor com a entrada do magnífico Dirceu. Recorrendo ao jargão do turfe, o Vasco “sobrou na turma”, e o Zé Mário foi o pulmão daquele timaço. Jogou tanta bola que acabou eleito o craque da competição. Justíssimo. O “Dustin Hoffman” vascaíno estava demais. E a comparação é também justa. Zé Mário seria facilmente confundido com o grande ator americano caso desfilasse pelas ruas de Hollywood. É o popular “cara e crachá” ou o não menos famoso “separados ao nascer”. Pode parecer piada pronta, mas parecidíssimos. Mas deixemos o astro americano em seu canto cinematográfico. É do grande Zé de quem falamos, de quem recordamos os bons tempos de craque das tardes ensolaradas do Maracanã.

“Zé Mário é o comando do time dentro de campo, tem autoridade até mesmo para modificar o modo de jogar da equipe. E não se trata de uma função baixada por algum decreto: Zé Mário tem ascendência natural sobre seus companheiros, é um homem de comando. Com ele em campo, fico tranquilo”. Palavras do “Titio” Fantoni, técnico daquele Vasco campeão de 77.

Zanata tornou-se recluso e se afastou do mundo do futebol; Fantoni não está mais entre nós; mas Zé Mário continua atuante, inclusive como treinador. Foi um jogador que comprava o barulho dos companheiros. Um líder nato. Exemplo disso aconteceu com Wilsinho, ponta brilhante, que acabara de ser regularizado no Vasco, em 77. “Ô, Wilsinho, já anotaram o PIS na sua carteira profissional?”, perguntou Zé Mário. “Não, Zé, acho que ainda não”, respondeu o inocente Wilsinho. “Então vai lá em cima, apanha a carteira e entrega pra Marlene. Ela anota e fica tudo regularizado”, orientou o zeloso Zé Mário.


Nenhum outro no Vasco era tão preocupado com os companheiros. Zé Mário era a referência de denodo e comprometimento profissional. Era o capitão do time. Não saía da sala do departamento de futebol do Vasco, onde trabalhava a Marlene. Zé era um líder espontâneo, que defendia os direitos dos companheiros de time. O “Narigueta”, o “Pinóquio” — apelidos que ele sempre aceitou numa boa — não deixava ninguém na mão. Ele não pedia. Exigia. Dirigente de futebol tem de respeitar o jogador profissional. Por isso Zé Mário nunca deu margem para que o criticassem. Se havia regras, as cumpria. Era exemplar, mas quase desistiu de lutar pelos direitos dos colegas de profissão após uma eleição da Fugap (Fundação Garantia do Atleta Profissional), em 1975. Nem 30 jogadores apareceram para votar. Um descaso que o fez pensar se valeria a pena cuidar somente de si. Mas Zé Mário não é assim. Ele é um todo. Um coletivo. Um craque dentro e fora dos gramados, cujo modelo tanta falta faz hoje em dia. E pensar que a década de 1970 a ditadura militar estava no auge, amedrontando o país. Mas — pelo menos no futebol — havia um Zé Mário, um Afonsinho (ícone da luta pelo passe livre), um Ubirajara Mota (maior goleiro da história do Bangu) para falar pelos jogadores. Ou seja, gente que sabia jogar bola de verdade, mas também tinha uma consciência real da situação do atleta profissional.

Zé Mário abomina deslealdade. Quando ainda jogava profissionalmente, recriminava companheiros que desciam a pua nos jogos. Podia ser até amigo dele. Não importava. Zé Mário não perdoava. Vacilou, dançou. Com Zé Mário não havia essa de sacanagem e violência em campo. Ele abria o verbo: “O Merica, do Flamengo, é um deles. Já falei com ele, mas não adiantou nada. Já havia batido no Zanata e depois pegou o Dirceu, quando o juiz já tinha até apitado. Assim não dá. Meu amigo Rodrigues Neto (com quem Zé jogou no Flamengo) também abusou outro dia, entrando pra quebrar no Orlando (Lelé). O Uchoa, do América, fez o mesmo com Dequinha, do Flamengo. Esses jogadores precisam entender que os adversários também vivem do futebol e que de perna quebrada eles não vão poder trabalhar, talvez para sempre.”

O amanhã para Zé Mário é o hoje. Ele sempre procurou mostrar aos companheiros que o futebol é eterno, porém as pernas são limitadas. Um dia a bola as deixa para trás sem um pingo de remorso. Ele trabalhava com afinco na Fugap e percebia que muito mais ex-jogadores de grandes clubes procuravam ajuda que os de pequenos. Em 1977, ele fez a seguinte reflexão: “As estrelas vivem sua época, dilapidam seu patrimônio, esquecem-se de estudar. Jogador de time grande só sabe jogar futebol. É incapaz de se adaptar a qualquer outra coisa. Com exceções, é claro. Jogador de time pequeno, por incrível que possa parecer, sempre acaba se arrumando.”


José Mário de Almeida Barros é carioca. Nasceu no dia 1º de fevereiro de 1949, completa hoje, portanto, 70 anos. Uma estrada longa no futebol, que começou com o incentivo do pai, que pedia apenas ao filho que conciliasse a bola com os livros e cadernos. No segundo semestre de 1967, o rapaz parou com o futebol para não se prejudicar na escola. O pai era louco por futebol e insistiu para que Zé não deixasse a bola de lado. “Ele trabalhou nas obras do Maracanã e, desde então, ficou ainda mais vidrado em futebol.”

Zé começou a jogar no time de futebol de salão da Associação Atlética Vila Isabel, do bairro de mesmo nome. O jogador que se tornaria famoso por conta do estilo arrojado e marcador foi antes um driblador dos bons nas quadras. E — creiam — goleador. Da bola pequena e pesada para a grande, dos gramados. Em seguida, Zé despontou no infanto-juvenil do Fluminense, em 66. Não se empolgou muito nas Laranjeiras. Preferia estudar. Adorava as aulas de Física e de Química do conservador Colégio São Bento.


Mas o pai o convenceu a permanecer no futebol. Do Tricolor, Zé foi parar no Bonsucesso. Treinava apenas uma vez por semana para, como de costume, não atrapalhar os estudos. Como a diretoria do clube suburbano atrasou o salário do rapaz, Zé decidiu requerer o passe livre na Justiça. Conseguiu-o e o ofereceu ao Flamengo. Foi de cara contratado: “O técnico, na época, era o Fleitas Solich, que não encontrava lugar para mim no time. Ele chegou a me experimentar na lateral-direita, depois na ponta-esquerda e, após umas poucas tentativas, desistiu de me aproveitar. Aí eu fiquei quatro meses treinando na pista com o preparador Tião Mendes, sem entrar no time nem mesmo para treinar. Com isso, acabei ganhando fôlego, porque do ponto de vista físico acabei fazendo um treinamento prolongado. Quando Zagallo assumiu a direção técnica do Flamengo, resolveu me aproveitar. Ganhei a posição de titular do meio-campo e, depois disso, me dei bem em todas.”

Foi ali o começo para valer do grande Zé Mário. Um dos mais emblemáticos craques do futebol carioca na década de 1970.

O PARAGUAIO QUE INCENDIAVA AS LARANJEIRAS

por Luis Filipe Chateaubriand


Julio Cesar Romero, o Romerito, começou a se destacar muito cedo no futebol. Aos 19 anos, o jogador do pequeno Sportivo Luqueño, da cidade de Luque, sua terra natal, já era titular da Seleção Paraguaia, tendo sido o astro da conquista da Copa América de 1979 por aquele país, inclusive eliminando a Seleção Brasileira.

No ano seguinte, 1980, transferia-se para o Cosmos de Nova York, onde ficou até o final de 1983.

Mas foi ao chegar ao Fluminense, em 1984, que veio a consagração: o paraguaio tornou-se ídolo da torcida tricolor, e fez o gol do título mais importante do “pó do arroz” até então, o Campeonato Brasileiro daquele mesmo ano, 1984.

Uma característica marcante de Romerito era o chute forte e preciso. Diversas vezes fez belíssimos gols de voleio, alguns chutados de longa distância, habilidade rara entre jogadores de futebol.

Outra característica significativa de Don Romero era a bravura em campo, sua reconhecida raça. Jogador valente, não dava um jogo como perdido com facilidade, era obstinado na busca pela vitória.


Mas o que realmente marcava o paraguaio era a dinamicidade. Com um fôlego invejável e sempre com exuberante preparo físico, se movimentava por todos os lados do campo, parecia se multiplicar pelo relvado, e, assim, sempre dava opções aos companheiros, seja para receber a bola, seja para passá-la.

Estas características, aliadas a uma técnica nada desprezível, fizeram do paraguaio um dos maiores ídolos da nação tricolor. Foi, assim, importante artífice não só do título brasileiro de 1984, mas também do bi e do tricampeonato carioca, em 1984 e 1985.

Ao sair do tricolor em 1988, rumo ao Barcelona, muitos quiseram taxar ao craque a pecha de mercenário, repetindo o bordão “yo quiero mi diñero” – como se não fosse direito do profissional receber os valores que o clube lhe deve.

A verdade é que jogadores que se dedicam ao time em campo como Romerito são raros, muito raros. Técnica e garra a serviço de um clube de futebol são bens preciosos, e quem é de um clube tantas vezes campeão sabe ser grato a quem foi decisivo para importantes títulos do clube verde, branco e grená.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.