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Fluminense

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ALEXANDRE TORRES


O mundo todo acompanhou o ‘tirombaço’ do ‘capitão do Tri’, o lateral direito Carlos Alberto Torres, no último gol da vitória do Brasil sobre a Itália, no dia 21 de julho de 1970, na final da Copa do México, e em seguida a cena do ‘Capita’ erguendo a Taça Jules Rimet. 

Naquele dia, a milhares de quilômetros do Estádio de Guadalajara, um garoto de quatro anos acompanhava pela televisão da sua casa, em São Paulo, toda aquela festa, e não imaginava que 10 anos depois, ele estaria dando os primeiros passos, seguidos de muitos chutes e cabeçadas na bola, seguindo a trajetória de campeão e líder em campo como foi o pai tricampeão. 

Nascido em agosto de 1966, Carlos Alexandre Torres, o Torres, herdou do pai a semelhança física, a habilidade no trato refinado à bola, assim como o ‘Capita’, se formou na lateral-direita da base do Fluminense, onde chegou em 1980 aos 13 anos, e depois de se destacar nas competições, estreou nos profissionais em 1985, sagrando se Tricampeão Carioca. 

Depois de seis anos, quando já havia trocado a lateral-direita pela zaga, o mundo da bola o levou para São Januário, onde conquistou o tricampeonato estadual de 1992/93/94 com a camisa vascaína, e se tornou ídolo da torcida.

O sucesso e o desafio por atuar num mercado de futebol em formação o levou para o Japão, onde defendeu o Nagoya Grampus, conquistando novos títulos.

Alexandre Torres construiu uma carreira respeitada, sendo convocado para a Seleção Brasileira em seis oportunidades, e acabou sendo prejudicado por três graves contusões.

Filho do saudoso Carlos Alberto Torres, nosso sétimo personagem é Alexandre Torres,  que conversou com o Museu da Pelada para a série ‘Vozes da Bola’ 

por Marcos Vinicius Cabral e Fabio Lacerda

Assim como seu pai, você começou no Fluminense. Você se lembra, à época que subiu ao profissional, de supostas comparações com o ‘Capita’?

Eu joguei como meio campista logo que cheguei ao Fluminense, aos 13 anos. Nessa posição ganhei títulos no infantil, juvenil e cheguei a jogar na Seleção Brasileira Sub-17. Depois disso, nos juniores, passei para a zaga, mas eventualmente jogava como lateral-direito. O lateral do time principal (Aldo) sofreu uma fratura e joguei a Taça São Paulo como lateral, para servir de teste. Fui bem e subi para os profissionais como lateral.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Nosso futebol sempre foi muito rico, e meu pai, obviamente, foi minha maior inspiração. Mas posso dizer que, na verdade, o próprio futebol brasileiro foi minha inspiração. Sempre aparecendo grandes jogadores, grandes jogadas, grandes times.

Dentre os grandes do Rio, seu pai não jogou no América, Bangu e Vasco e você esteve em São Januário em duas oportunidades, antes e depois da sua passagem pelo futebol japonês. Apesar de ter conquistado o tricampeonato Carioca, um Brasileiro e a Mercosul defendendo o Cruzmaltino, e as estatísticas demonstrarem que você foi um dos maiores zagueiros da história do clube, seu nome é pouco falado ou lembrado pela torcida. Você atribui isso a quê?

Eu tive ótimos momentos no Vasco e, na verdade, sou tratado com muito carinho pelas pessoas do clube e seus torcedores. Não sou muito falado, é verdade, mas sei o que fiz quando joguei no Vasco, e sou muito bom pra me auto-avaliar.

No Campeonato Brasileiro de 1990, quando você formou uma grande dupla de zaga no Fluminense, ficou um gosto amargo após a eliminação para o Bragantino?


Tínhamos feito uma campanha ruim, correndo até risco de rebaixamento, depois o time se acertou e fizemos uma ótima campanha. Poderíamos ter vencido o Bragantino, mas nosso time fez o seu melhor. Não tínhamos o melhor time do campeonato.

Quem foi seu melhor companheiro de zaga?

Tive a sorte de jogar com grandes zagueiros. Alguns foram os óbvios Ricardo Gomes, Válber e Ricardo Rocha. Mas outros zagueiros foram parceiros importantes também, como Vica, Jorge Luiz e Géder. O zagueiro Go Oiwa, que jogou comigo durante cinco temporadas no Japão, foi um ótimo companheiro de zaga. Muito bom e me ajudou muito.

No último 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que representou o futebol para Alexandre Torres?

O futebol foi e é a minha vida. Quando eu nasci, o futebol do meu pai sustentava a nossa família. E até hoje, é do futebol que eu sustento a minha. Já tentei sem sucesso fazer outras atividades, mas só no futebol me realizo.

Fale sobre sua experiência no Japão que naquela época já tinha o modelo de negócio de clube-empresa…

Foi uma experiência muito boa. Os torcedores eram muito amistosos e os times, assim como o país, eram, e acredito que ainda são, super organizados. O modelo de clube empresa lá é diferente, pois as grandes empresas são as donas dos clubes. Os diretores dos clubes, geralmente, são recrutadas dentro das empresas e seguem o modelo administrativo da empresa. O futebol é tocado pelo treinador ou alguém contratado para essa finalidade. Nem sempre funciona bem em termos esportivos, mas funciona muito bem em organização e finanças.

Você lamenta por não ter jogado na Europa? Você chegou a ser sondado por algum clube do Velho Continente?

Realmente, eu queria ter jogado na Europa. Tive algumas sondagens, e na época, disseram que houve propostas, mas que não foram aceitas, principalmente pelo Fluminense. Era uma época anterior aos empresários e tinha a lei do passe.

Você acha que poderia ter tido mais oportunidades na Seleção?

Na época em que joguei, talvez tenha sido o período com o maior número de zagueiros de bom nível técnico dos últimos tempos. Nesse sentido, a disputa era grande e muito acirrada. Fui cortado de algumas convocações por motivo de contusão. Quando estive na Seleção fui bem nos treinamentos e estava confiante. De umas seis convocações, consegui estar com o grupo em dois amistosos, e joguei 15 minutos em um deles. Na minha opinião, eu não era pra ter jogado 100 jogos pela seleção, mas também não era pra ter jogado apenas um.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

De jogar. Eu adorava jogar. Gostava do desafio. Me sentia bem estando dentro de campo, procurando as soluções para resolver as jogadas. Gostava daquele clima dos estádios e de fazer parte de um time. Sinto saudades disso!

Como se sente tendo sido filho de um dos maiores laterais do futebol mundial?

É engraçado que até os meus 18, 19 anos nunca tinha pensado nisso. Sabia que ele tinha sido um jogador importante, mas pra mim era o meu pai. Depois que passei a viver do futebol profissionalmente, comecei a entender o tamanho dele no mundo do futebol. No início era uma pressão insustentável que eu mesmo me impunha para tentar superá-lo. Depois de um tempo eu me dediquei a achar meu próprio caminho. E finalmente, reconhecendo o talento, a fama, e o carisma dele com muito orgulho.

Então, ser filho do ‘Capitão do Tri’ te atrapalhou um pouco no início da carreira?


Era um peso muito grande. Meu pai foi, na sua posição, um dos melhores jogadores de todos os tempos. Isso é muita coisa. As pessoas criam expectativas muito grandes. Tanto positivas, quanto negativas, e que podem te desestabilizar, ainda mais quando você é um garoto. Mas eu queria ser jogador profissional e para ter sucesso tinha que superar isso. Foi difícil, mas consegui.

Defina Alexandre Torres em uma única palavra?

Humano.

Seu pai era exigente com você? Ele te cobrava muito na época em que você foi profissional? Como era essa relação?

Não. E devo a ele ter tido algum sucesso como jogador profissional. Meu pai sempre me apoiou, mas nunca me cobrou nada. Algumas raras vezes, ele me dava algumas dicas, de posicionamento e coisas do tipo. Ele fazia alguns comentários sobre a minha carreira, renovação de contratos, proposta de outros clubes, mas nunca me cobrou nada. Só me apoiou.

Faltou algo na sua carreira?

Acho que faltou muita coisa, mas só conseguimos entender isso depois que paramos. Em algum momento da carreira ou da vida poderia ter feito algumas escolhas diferentes. O mais importante é que tenho essa consciência, mas não sou ressentido com isso. Tive uma carreira muito boa que proporcionou coisas importantes para mim e para minha família.

Quais os ensinamentos que o ‘Capita’ deixou para o cidadão e jogador Alexandre Torres?

Meu pai tinha várias qualidades que eu admirava. Ele tinha liderança, personalidade e muita confiança. Mas a principal virtude dele era ser verdadeiro com o que ele acreditava. Temos personalidades diferentes, mas tento seguir esse exemplo.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Tenho uma rotina de trabalho e também procuro me exercitar todos os dias. Fico preocupado com os amigos e familiares, mas não há muita coisa a fazer. Esse vírus pegou todo mundo de surpresa e não me meto a opinar sobre o que não conheço.

O MAIOR GRITO DE GOL DA HISTÓRIA

por Leandro Ginane


Terça à noite era o dia da pelada dos moleques. Jogavam em um campinho na Piedade, cinco na linha, um no gol. Ficava ali perto do Rei do Bacalhau. Campo de terra preta salpicada com uma espécie de purpurina cor de prata que pendia nas pernas dos garotos mesmo depois do escovão no banho. 

Se reuniam na pracinha quatro horas antes da pelada começar e ficavam ali jogando conversa fora até a hora de ir para o campo. Ritual que se repetia toda semana. Mas aquela terça foi diferente. Havia dois dias de um dos mais memoráveis Fla x Flus da história. Aquele do gol de barriga do Renato Gaúcho no finzinho do jogo. Esse mesmo, que ficaria marcado na memória daqueles moleques para sempre. Não pelo jogo em si, mas pela astúcia do João, tricolor mais chato da rua.

João presenciou no Maraca o gol épico marcado pelo craque tricolor. O detalhe é que em segredo, tinha deixado o jogo sendo gravado em fita cassete. Naquela época, as partidas eram transmitidas pela rádio Globo AM com narração do José Carlos Araújo, o Garotinho.

No dia seguinte, de alguma forma engenhosa, João conseguiu editar apenas o trecho da narração que descreve a hecatombe que estava prestes a acontecer no Maracanã. 

A partir daí, todos os dias religiosamente com início naquela terça dia 27 de junho de 1995, e durante os seis meses seguintes, ele repetiria a narração do Gol no mesmo horário, com o maior volume possível numa caixa de som presa entre a janela e a parede do prédio em que morava no primeiro andar. 

João obrigou velhos, crianças, bebês e todos os seus vizinhos a ouvirem no mínimo cento e oitenta vezes a mesma narração. Isto sem contar as vezes em que ele colocava a fita em loop com o grito do gol de barriga do Renato. Dizem até que ele é o responsável pelo surgimento de uma nova geração de tricolores nascidos nos meados da década de noventa ali pela região.

Fato é que esse som ficaria marcado na memória dos moleques da praça uma vida inteira, inclusive na minha, rubro-negro roxo, que hoje escrevo essas palavras 25 anos depois com a voz do José Carlos Araújo na cabeça.

A MÁQUINA TRICOLOR, SEPP MAYER E A ESTREIA DE PC CAJU

por Valdir Appel


Eu e meu pai, subimos a rampa do Mário Filho e assumimos uma posição privilegiada nas arquibancadas, pertinho daquela linha imaginária que costuma dividir as torcidas rivais nos dias de clássico. Linha desnecessária porque era noite de uma torcida única, exceção para meu pai e eu, dois torcedores sem bandeira, ávidos por um grande jogo de futebol.

No gramado, os times saúdam os torcedores e os craques se cumprimentam antes do pontapé inicial do amistoso internacional promovido pelo Fluminense contra o Bayern de München, base da seleção alemã, Campeã do Mundo em 1974.

É a estreia de Paulo César Caju na “máquina”, repatriado junto ao Olimpique de Marselha. É o “pó de arroz” se preparando para o bicampeonato após a conquista da Taça Guanabara.

O espetáculo atrai um público soberbo, muito acima do previsto, e a administração do estádio acaba liberando a entrada de milhares de pessoas sem ingresso.

Bola rolando.

Desde o começo o Fluminense é só pressão. Tem o domínio da meia-cancha, é agressivo, brilhante. Entusiasma até quem não torce por ele.

Apenas um “chucrute” não quer ser coadjuvante do show de bola aplicado pelos bailarinos do presidente Francisco Horta, é o goleiro alemão Sepp Mayer, destaque do Die Bayern, como é conhecido o timaço europeu.

Rivelino dá um elástico na entrada da área e toca a bola para Cléber que invade a área. Mayer sái fechando o ângulo. Cléber desloca o goleiro com um toque sutil, mas sem endereço e a bola caprichosamente encontra as canelas de Gerd Müller – centroavante do Bayern que voltara para marcar no escanteio – indo para o fundo da rede.


Gol contra do artilheiro da Copa de 74.

E é só o comecinho da partida.

Um time dá espetáculo, o outro se defende. Aliás, Mayer defende. A facilidade com que detém os disparos, sempre bem colocado, é de arrepiar.

Meu pai, que no passado também fora goleiro, vibra muito, aplaude e não contém o comentário ácido:

– Isto sim é que é goleiro, não estes merdas que a gente vê por aí!

Sorri concordando, com uma pontinha de inveja. Ele nem se lembrou que o filho também era goleiro.

Segundo tempo, réplica do primeiro. O show de Mayer continua. Defesas incríveis, seguras. Feitas com tanta simplicidade que irrita os atacantes do Fluminense e delicia quem vê.

Cafuringa, que nunca fez gol em ninguém, invade a área na vertical, ameaça o chute uma, duas vezes, cortando sempre para a direita. Quando vai fazer o disparo final, Mayer se projeta aos seus pés, dá um tapa com a mão espalmada e arremessa a bola pela linha de fundo.

O alemão ergue-se rápido e desafia:

– Mann, hier nicht!

Os astros Beckenbauer, o Kaiser Rumenigge, Kapelman assistem impotentes à exibição de bola de Rivelino, Marco Antonio, Mário Sérgio. O magro marcador construído na etapa inicial é pequeno e não espelha a superioridade do futebol jogado pelos astros das Laranjeiras.

O espetáculo termina. O público aplaude de pé, inclusive Herbert e eu.

A vida inteira e até o fim dela, meu pai não perdeu uma única oportunidade de descrever para os amigos as defesas daquele que para ele foi o maior goleiro do mundo.

(Amistoso internacional. Dia 10 de junho de 1975 para um público pagante de 60.137 torcedores. Fluminense 1 x 0 Bayern München Local: Maracanã. Árbitro: Arnaldo César Coelho. Renda de Cr$ 1.162187,50. Gol: Müller contra, aos 7 do 1º tempo.

Fluminense: Félix, Toninho, Silveira, Assis, Marco Antonio, Zé Mário, Cléber, Cafuringa, Paulo César (Manfrini), Rivelino e Mário Sérgio.

Bayern: Maier, Durnberger,Schwarzenbeck, Beckenbauer, Weiss, Roth, Tortensson, Rumenigge, Zobel, Müller e Kapell .                                                                                    

(Glossário pra quem não sabe nada de futebol: Mário Filho = Maracanã; máquina, pó de arroz, tricolor das Laranjeiras = Fluminense; Die Bayern = Os Bárbaros; chucrute = alemão; Mann, hier nicht! = Cara, aqui não!; Kaiser = Imperador)de arroz, tricolor das Laranjeiras = Fluminense; Die Bayern = Os Bárbaros; chucrute = alemão; Mann, hier nicht! = Cara, aqui não!; Kaiser = Imperador)

MINHA CARREIRA COMO TORCEDOR DE ARQUIBANCADA

por Mário Moreira


Há pessoas que anotam todos os filmes que veem na vida. Outras preferem registrar por escrito os vinhos que bebem, com estrelinhas ao lado à guisa de cotação. Existem ainda as que elaboram listas para o futuro: experiências que ainda desejam viver, países que planejam conhecer… Tem pra todos os gostos.

Pois eu também faço cá minhas anotações. No caso, de todas as partidas do Fluminense a que assisto no estádio. Pode parecer meio bobo ou inútil. Mas é uma forma não só de manter vivas as memórias de torcedor de arquibancada como de registrar a minha própria história, já que cada jogo remete a uma fase vivenciada, a um momento inesquecível, à companhia da minha filha e de outras pessoas queridas, à celebração da vida, enfim.

E por que resolvi compartilhar isso agora? Porque cheguei à marca histórica (para usar um jargão do jornalismo esportivo) de 150 jogos torcendo e sofrendo ao vivo, junto com o time, pelo Tricolor. Reconheço que o número nem é assim tão expressivo, se considerarmos que tenho 53 anos. Mas é preciso lembrar que, desses, morei quase 15 em São Paulo, período em que acompanhei o Flu praticamente só pela televisão. Subtraindo essa fase, dá 38 anos, ou seja, quase quatro jogos por ano de vida… Não é ruim.

A marca épica (olha outro jargão aí!) foi atingida no início de fevereiro, no Maracanã, no frustrante empate em 1 a 1 com o Unión La Calera, do Chile, pela primeira fase da Copa Sul-Americana. Escolhi uma competição internacional para celebrar a efeméride, e vejam no que deu… A longa saga, porém, se iniciou há 45 anos, em uma segunda-feira, 21 de abril de 1975, feriado de Tiradentes e de Maracanã cheio. Já já eu conto…

Antes, algumas considerações. A primeira é que anoto as partidas da maneira mais rústica possível. Se você pensa que mantenho para isso uma pastinha no computador, ou mesmo um caderno passado a limpo, engana-se: registro tudo em folhas soltas, no verso de provas antigas do colégio ou da faculdade, guardadas sabe-se lá por quê, ou ainda de contratos de aluguel já encerrados ou de recibos de matrícula em cursos já frequentados. A cada jogo presenciado, anoto o placar, o público pagante e os autores dos gols do Flu. Só isso. Quando a folha que está em uso chega ao final, acrescento outra por cima e vou formando um pequeno calhamaço, que a esta altura já soma 12 folhas, guardadas numa gaveta da escrivaninha.

Feita essa confidência, divido com o leitor algumas estatísticas dos 150 jogos. Primeiro, uma nota metodológica: os dados não incluem as cinco partidas do Flu que presenciei como jornalista esportivo, já que estava ali a trabalho. Tampouco contemplam confrontos entre outros clubes e seleções – quando eu era criança, meu pai, botafoguense, me levou umas poucas vezes a jogos do seu próprio time. São 150 partidas só do Fluminense mesmo, quase sempre vistas do nível superior da arquibancada, junto ao escanteio, numa posição tal em que, na definição de um velho companheiro de Maracanã, afeito às coisas da geometria, a bandeirinha represente a bissetriz do ângulo do córner…

Mas vamos aos números. Nesses 150 jogos, vi o Flu vencer 67 (45%), empatar 47 (31%) e perder 36 (24%), marcar 194 gols (média de 1,29) e levar 142 (média de 0,95). Vi o clube conquistar 12 taças, relativas a dois Campeonatos Brasileiros, cinco Cariocas e cinco turnos do Estadual (incluindo quatro Taças Guanabara). Ou seja, por 12 vezes saí do estádio gritando “É campeão!”.


E quem terá sido o maior artilheiro da epopeia? Washington, que formava o Casal 20 com Assis, o Carrasco: 17 gols. Na sequência, vêm Romerito (dez gols), Assis e Fred (nove cada), Rafael Sóbis e o meia Wagner (oito) e, num honroso sétimo lugar, o zagueiro Gum (sete). A maior goleada? 5 a 0, duas vezes: sobre o Coritiba, em 1984, e sobre o Horizonte (CE), 30 anos depois. Já a maior derrota foi para o Botafogo: 4 a 1, em 86.

Os 150 jogos registraram, em média, 37.500 pagantes. Mas qual foi o maior público? Os 153 mil presentes ao Flu 1 x 0 Fla que decidiu o Carioca de 84 – número hoje impensável, depois que o Maracanã foi criminosamente reduzido à metade. E o menor? Os heroicos 1.600 que fomos ao estádio das Laranjeiras numa quarta-feira à noite testemunhar a opaca vitória de 2 a 1 sobre o Picos, do Piauí, pela Copa do Brasil de 92 – com direito a pênalti perdido pelo lateral tricolor Carlinhos Itaberá, cujo nome fora gritado em coro pela torcida para fazer a cobrança, um sarcasmo não compreendido pelo jogador.

O adversário mais frequente nessa odisseia particular foi o Vasco, com 27 confrontos – infelizmente para mim, mas para gáudio do editor-chefe do Museu da Pelada, com ampla vantagem cruzmaltina: 12 vitórias a 6. O segundo adversário nesse quesito é o Flamengo: 23 embates, com 6 vitórias tricolores e 7 rubro-negras. Contra o Botafogo, foram 11 jogos, com 5 triunfos do Flu e 4 do Alvinegro. Dentre os clubes de outros Estados, os rivais mais frequentes foram Corinthians e São Paulo (cinco vezes), Cruzeiro, Atlético-MG e Grêmio (quatro). 

Ao todo, vi o Fluminense encarar 52 adversários: 12 do Rio de Janeiro (seis da capital e seis do interior), 28 de outros 11 Estados brasileiros e 12 de nove países estrangeiros, incluindo um amistoso em Volta Redonda contra a seleção italiana, às vésperas da Copa de 2014. É curioso como o perfil dos adversários foi mudando ao longo do tempo. No início, eu ia quase somente a clássicos cariocas ou a jogos contra os pequenos do Rio (incluindo Bangu e América, outrora grandes). Aos poucos, vieram adversários paulistas, mineiros, gaúchos e outros. Mais recentemente, tenho presenciado partidas contra times sul-americanos, em partidas de competições continentais. 

Mas um balanço como este não pode reduzir-se a estatísticas. Até porque o que fica, mesmo, são os momentos, as alegrias, a comemoração dos gols, as emoções extraordinárias que só o futebol é capaz de proporcionar. O que me remete de novo ao primeiro jogo da lista, no tal 21 de abril de 75…

Tinha eu oito anos e quatro meses quando ex-alunos (tricolores) do meu pai na faculdade de Direito convidaram a mim e a um irmão botafoguense (três anos mais velho) para aquele Fluminense x Botafogo, válido pela Taça Guanabara, primeiro turno do Campeonato Carioca. O jogo era importante: faltavam duas ou três rodadas para o fim do turno, e quem perdesse ficaria sem chances de levar a taça.

Eu, que até então só acompanhava as partidas pelo rádio, morri de medo de que a estreia resultasse em derrota. Dia de calor e com 110 mil pagantes no Maracanã, os fatos se encarregaram de desfazer meus temores, e da maneira mais cabal: com dez minutos de jogo, o Flu já vencia por 2 a 0. O primeiro gol, do meu maior ídolo no futebol até hoje, uma obra-prima inusitada, tratando-se de Rivelino: uma bomba de pé direito da entrada da área, de voleio, no ângulo. No segundo, após uma arrancada espetacular de Búfalo Gil em direção à área, a bola sobrou limpa para o centroavante Manfrini empurrar para a rede. Enlouquecido, só me faltava subir pelas paredes como as lagartixas profissionais. O Botafogo veio pra cima no segundo tempo, mas só conseguiu reduzir a diferença. No final, vitória por 2 a 1 e uma tarde absolutamente inesquecível.


Claro que não foi a única. A do primeiro título carioca, em 1980, com um gol de falta de Edinho sobre o Vasco, foi outra. A do gol de Assis aos 45 minutos do segundo tempo, no Fla-Flu que decidiu na prática o Campeonato Carioca de 83, mais uma, especialíssima. A do outro gol de Assis que decidiu o Carioca de 84, contra o mesmo Flamengo, outra ainda. A do empate que garantiu o título brasileiro sobre o Vasco, meses antes, outra mais. Pensando agora, que fase aquela!

Evidentemente, também tive tristezas e decepções ao longo da minha carreira de torcedor de arquibancada. A maior delas, inigualável, a perda da Libertadores de 2008, nos pênaltis, para a LDU – um bom time até, mas tecnicamente inferior ao Flu, que amargou o vice em razão de um primeiro tempo desastroso no jogo de ida, em Quito. Dói até hoje.

Houve também situações curiosas, como sair do Maracanã com água pelo joelho após um vitória sobre o Goiás num sábado de chuva torrencial, em 85. Ou, no dia do já citado Fla-Flu de 84, omitir da minha mãe que eu passara muito mal durante a madrugada, informação que certamente a levaria a tentar me demover da ideia de ir ao jogo. Mas valia o bicampeonato carioca… Fiquei na moita, me mandei pro estádio, descolei um escasso ingresso para as antigas cadeiras azuis (a arquibancada já estava lotada) e acabei recompensado com uma das mais belas conquistas da história do Fluminense. Tantos anos depois, imagino minha mãe, que também era tricolor, lá do alto, sorrindo dessa minha pequena travessura adolescente e dizendo, naquele jeito doce: “Seu moleque…”.

MANUAL PRÁTICO DO “QUEM NÃO FAZ TOMA”

por Luis Filipe Chateaubriand


No domingo de 12 de Abril de 1987, Fluminense e Vasco da Gama se enfrentavam pelo primeiro turno do Campeonato Carioca, a Taça Guanabara, já em uma de suas últimas rodadas, com este sujeito nas arquibancadas.

O favorito Vasco da Gama, invicto até então, tinha uma linha de frente poderosa: Mauricinho, Geovani, Roberto Dinamite, Tita e Romário. Poderia, se vencesse o jogo, sagrar-se campeão do turno com três rodadas de antecedência.

O Fluminense, sem o maestro Delei, tinha, no entanto, um time que não podia ser desprezado, com o craque paraguaio Romerito e o “Casal 20”, Assis e Washington, entre outros bons jogadores, como o lateral Branco e o jovem João Santos.

O jogo começa com o Vasco pressionando bastante. Liderado pelo cracaço Geovani, o Pequeno Príncipe, o time domina o jogo e perde gols.

Até que, por volta de metade do primeiro tempo, a zaga vascaína corta uma bola para o lado esquerdo de ataque da grande área e Assis desfere um chute cruzado, indefensável para o bom goleiro Acácio.

Fluminense 1 x 0 Vasco.

O Vasco volta a dominar, Geovani liderando as ações. Chances de gol se sucedendo, ou chutadas para fora, ou defendidas pelo excelente goleiro tricolor Paulo Víctor. O gol não sai e, assim, termina o primeiro tempo.

O segundo tempo começa com o Vasco mais em cima ainda. Liderados pelo genial Geovani, o Pequeno Príncipe, os vascaínos seguem dominando o jogo… e seguem perdendo gols.

Por volta de dez minutos da segunda etapa, Washington e João Santos saem tabelando desde o meio do campo, sem que sejam alcançados pelos defensores cruz maltinos e, na entrada da área, João Santos chuta rasteiro, sem chances para Acácio.

Fluminense 2 x 0 Vasco.

E, após tomar novo gol, o Vasco parte para cima de novo. Liderados pelo divino Geovani, o Pequeno Príncipe, os alvi negros vão em busca do gol novamente. 

Até que, para desespero da torcida vascaína, o então técnico iniciante Joel Santana – que ainda não era o Papai Joel – resolve sacar do time… Geovani! Os gritos de “burro” da torcida cruz maltina, predominante no estádio, são incessantes.

Mesmo sem o cérebro do time, o Vasco domina o jogo. Mas, em descuido da defesa, e já no final do jogo, Washington aparece na entrada da área, para fazer mais um gol tricolor.

Fluminense 3 x 0 Vasco. 

E assim termina o cotejo.

Ao final do jogo, se constata que o Vasco deu uma aula de como dominar uma partida, e o Fluminense deu uma aula de como vencer uma partida. O time que teve mais a bola, mais chances de gol, mais visibilidade em campo, foi goleado pelo colosso de objetividade e clarividência.

“Quem não faz, toma” não é mito, é parte bem visível deste esporte apaixonante, chamado futebol.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor de vários livros sobre o calendário do futebol brasileiro.