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Flamengo

UM ESTRANHO NO NINHO

por Zé Roberto Padilha

Todo o universo da bola se preparou com esmero e carinho para fazer da abertura do Maracanã, o duelo entre Flamengo x Corinthians, um espetáculo grandioso. Reverenciar o futebol em um domingo de tarde, em seu templo sagrado, faz parte da nossa cultura, e é bonito, é bonito e é bonito. Da padaria aqui da nossa rua saiu um ônibus lotado e, ao comprar o pão, senti partir tal energia em ebulição apesar de ser tricolor. Mesmo porque, se havia algum frete para Curitiba, onde jogaríamos mais tarde, este seria de avião. O principado faz diferente, mas a nação consegue um jeito de empolgar diferente.


Quando defendi aquele manto depois de sete anos nas Laranjeiras, era um dos personagens em campo que definiriam se de lá voltariam alegres pela BR 040, ou trariam a tristeza como testemunha daqueles quilômetros que dobrariam até chegar Três Rios. E chegar cedo para quê? Ser sacaneado pelos vascaínos? Aturar o Álvaro nos portões de acesso ao Colégio Ruy Barbosa?

Quando a bola rolou e a televisão nos concedeu a linda imagem de um painel rubro-negro a emoldurar aquele “Ninho do Urubu”, fiquei a imaginar quantos atores, torcedores, imprensa, seguranças e arbitragem se prepararam naquele teatro para nos oferecer o melhor dos espetáculos. Mas na primeira paralisação, Balbuena, zagueiro corinthiano, foi chamado pelo seu treinador na beira do campo. Foi quando percebi um ruído. Oswaldo de Oliveira falava e o zagueiro não escutava. Seus olhos, em uma leitura oftálmica, revelavam: será que este cara conhece o nosso time a ponto de nos passar instruções? Mudar de tática?


Não conhecia. Oswaldo era um estranho no ninho ante tantos sabidos. Chegara há pouco, dirigira apenas três partidas e precisou da ajuda do auxiliar para escalar e realizar substituições. Quem levou aquele elenco para o túnel do vento da pré-temporada, após perder vários titulares para China, foi o Tite. Depois dos testes nas pistas de Jerez de la Frontera, onde carro e pilotos são apresentados, quem estava no comando era o Tite. Mas as câmeras o encontraram na arquibancada já como treinador da seleção.

No lugar de fixar o seu auxiliar, que conhecia o elenco, sua forma de jogar e suas armas de substituição, trataram de experimentar vários pilotos que não conheciam o carro. E o ultimo, Oswaldo, errou nas curvas quando escalou Marlone sem velocidade. E deixou de ganhar o jogo porque demorou a lançar o Luka diante de uma zaga confusa e que resolveu se lançar sem proteção ao ataque.


Do outro lado, Zé Ricardo, o treinador rubro-negro, acompanhou a montagem daquele time desde o começo. Como técnico dos juniores conheceu Felipe Vizeu antes de todos. Nos coletivos contra os profissionais percebeu a virtude dos titulares, e quando assumiu tinha o elenco nas mãos. Se errou e empatou em casa, não foi por falta de conhecimento do grupo, foi por desconhecimento de causa. Então, nossos cartolas, no lugar de se preocupar em aprovar recursos tecnológicos para validar ou anular gols, que tal parar de entregar seu time montado no meio da competição nas mãos de quem o desconhece? Certo fez o Flamengo, com Zé Ricardo,  o Botafogo com Jair Ventura, testemunhas oculares de sua recente história. Errado fez o Corinthians, o São Paulo e quem mais contrata o Argel, que trouxeram para seu ninho um estranho a pilotar seus descaminhos.

ANIVERSÁRIO DO REI

por Sergio Pugliese


Hoje o mundo celebra os 76 anos do Rei Pelé e para homenagear o Atleta do Século a equipe do Museu da Pelada procurou fugir do óbvio. Ao invés de gols, exibiremos uma passagem de sua carreira musical. 

Edson Arantes do Nascimento sempre foi amante da boa música e graças a seu prestígio pôde conviver e gravar com seus ídolos. Simonal, por exemplo, foi um grande amigo e Jair Rodrigues outro ídolo e fã do Rei. O segundo compôs e gravou com Pelé a música “Abre a Porteira”, considerada sua maior obra. 

Santista declarado, Jair sempre foi um peladeiro inveterado, apaixonado por futebol. Portanto, certamente ele lembra-se com orgulho de quando serviu Pelé numa tabela musical, onde era o Rei Pelé quem devolvia quadrado para Jair ajeitar.

Abre a Porteira

Pelé e Jair Rodrigues

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar…

Trovador no fim da tarde dedillhando a viola
Passarinho gorgeando anunciando o luar
E o fogão a lenha pra mãezinha cozinhar…

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar…
Aqui não tem o que eu tenho lá
Trovador no fim da tarde dedillhando a viola
Passarinho gorgeando anunciando o luar
E o fogão a lenha pra mãezinha cozinhar…

De manhãnzinha quando o galo canta
A gente se levanta e começa a trabalhar
Tira leite da vaquinha vendo o sol raiar
E vai cuidar da roça pra poder vingar…

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar
Aqui não tem o que eu tenho lá
Trovador no fim da tarde dedillhando a viola
Passarinho gorgeando anunciando o luar
E o fogão a lenha pra mãezinha cozinhar…

Olha a boiada na beira da estrada
Olha a vaqueijada e a poeira a levantar
Tudo isso dá saudade se começo a recordar
E a tristeza no meu peito só me faz chorar…

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar
Aqui não tem o que eu tenho lá
Cidade grande me faz chorar
Abre a porteira que eu quero voltar…

TREINO INESQUECÍVEL

por Antonio Carlos Ferreira da Costa


Recentemente, em homenagem ao aniversário de 63 anos de Paulo Roberto Falcão, publicamos uma imagem do craque durante a Copa de 1982 na nossa página do Facebook. Para nossa surpresa, recebemos um comentário de Antonio Carlos Ferreira da Costa, ex-jogador do time de juniores do Flamengo, que recordou o dia em que a base rubro-negra foi convidada para treinar contra a seleção brasileira no Maracanã.

Era dia 6 de maio de 1981, quando Telê Santana, técnico da seleção brasileira, convidou um grupo de jogadores da base do Flamengo para treinar com aquele timaço que se preparava para a Copa de 82. Tive a oportunidade de participar daquele treino e me deu até raiva! Tentei marcar o Falcão, mas o cara era surreal.

Além do “Rei de Roma”, a seleção ainda contava com Leandro, Oscar, Luizinho, Júnior, Cerezo, Sócrates, Zico, Reinaldo e Éder! Uma verdadeira covardia, que timaço! Foi um dia inesquecível não só para mim, mas para todos os meus colegas do Flamengo, pois enfrentamos uma das melhores seleções de todos os tempos, mesmo sem ter conquistado aquela Copa do Mundo.


Embora tenha sido muito prazeroso, aquele treino também foi muito desgastante. Além dos jogadores da seleção serem muito superiores, Telê Santana havia pedido para que a equipe do Flamengo fizesse marcação sob pressão, para dificultar a saída de bola daquele timaço! Nosso time até tentou, mas marcar aquelas feras era complicado demais e terminamos a atividade bem mais cansados do que eles.

O lance que mais me chamou a atenção nessa partida, sem dúvidas, foi uma matada de bola do Falcão! Após um bate-rebate na área, a bola subiu, subiu, subiu.. e o craque, com toda sua classe e elegância, dominou com o pé, sem deixar ela cair no chão. Todos ficaram perplexos com a genialidade do Rei de Roma!

UMA PAIXÃO DE 36 ANOS

por Marcos Vinicius Cabral


Acho uma leviandade quando alguém se intitula torcedor de um time desde nascença, querendo justificar sua forte ligação para o clube que torce.

A maioria dos torcedores apaixonados é assim e Maurício Fernandes Vasquez, de 56 anos, morador de Niterói, é um ponto fora da curva, corroborando com o ditado de que ‘toda regra tem sua exceção’.

Não seria difícil imaginar que qualquer clube seria a paixão deste professor universitário de Jornalismo, menos o Flamengo: “Vasquez, em espanhol, quer dizer ‘filho de Vasco’. Sinceramente, acredito que isso vem daquela mania estranha de se trocar o V pelo B e que o correto seria ‘filho de basco’. Mas meu pai foi remador do Vasco da Gama e o capitão da equipe que Lamartine Babo eternizou no hino deles. Ele era capixaba e remava no Saldanha da Gama antes de vir para o Rio de Janeiro”, explica fazendo questão de frisar que não tem qualquer ligação com a equipe cruzmaltina.

Em seguida, o América teria uma interferência na vida daquele garoto que, aos seis anos de idade, ganhara das mãos calejadas do pai o uniforme completo do ‘Diabo Vermelho’, com a flâmula e a bandeira, numa alusão as cores do Saldanha da Gama (clube tradicional, fundado em 1902, em Vitória, no Espírito Santo, nas cores vermelha e branca e que hoje tem futsal e basquete em seus quadros tendo inclusive revelado Anderson Varejão, que brilhou por 12 temporadas entre 2004 a 2016 jogando pelo Cleveland, na NBA).

Sua conversão ao ‘Mais Querido’ deu-se em um Fla-Flu, aos sete anos de idade. Ele e o primo Felisberto foram levados pelo tio Túlio e ficaram nas cadeiras azuis do estádio, exatamente no meio da mulambada, apelido da torcida rubro-negra:

– Lembro que cada vez que tinha um ataque, fosse do Flamengo ou fosse do Fluminense, eu cobria os olhos. Não vi muito do jogo, mas ali virei rubro-negro – diz tentando lembrar-se, em vão, do placar da partida.


Dois anos após essa metamorfose vermelha e preta, com 11 anos, ganhou um uniforme completo: calção preto, camisa rubro-negra, meiões e uma chuteira de travas, embora fosse uma negação com a bola sempre sendo preterido na escolha dos times nas peladas.

Não se embrutecia, apenas aceitava a triste sina de ser ‘perna de pau’ e sempre lhe restava o gol que, modéstia à parte, saía-se razoavelmente bem. Mas sempre que abria uma brecha pedia para jogar um pouquinho na linha.

Morando em Icaraí, bairro classe média de Niterói, o garoto queria ostentar o manto rubro-negro e as chuteiras novas. Em 1971, sem saber a razão, foi passear em São Gonçalo com um amigo. Deslizou nas calçadas úmidas e sujas na cidade temendo um escorregão ou algo pior.

Foi a única vez que usou as chuteiras.

Enfim, o tempo passou e certa noite foi a uma rodada dupla no Maracanã, com um amigo. O primeiro jogo era do Fluminense e o segundo do Flamengo. Na época, 1976 ou 1977, os jogos começavam às sete da noite e tendo rodada dupla terminavam perto da meia-noite.

E pelo Flamengo conseguiu a proeza de na mesma noite, após ter errado o caminho para pegar o ônibus, ser assaltado e ter o dinheiro da passagem devolvido pelo mesmo assaltante:

– Saímos pela entrada do Bellini e, ao invés de virar para a direita, viramos para a esquerda, dando quase que uma volta completa pelo estádio, já vazio àquela hora. Fomos interpelados por cinco pivetes. Entrevi, no bolso de um deles, todos menores que nós, a coronha de um revólver. Não quis nem saber se era de verdade ou não. Calmamente, paramos e nos deixamos ser rapinados. Na verdade, não tinha muita coisa para se levar. Eu tinha um cordão que era brinde da revista Pop, que foi muito popular na época. No meu bolso estava o rádio de meu colega, que levaram, também assim como o dinheiro dele de passagem. Eu estava sem dinheiro, tinha só o das nossas passagens, que segurava na mão, com um saco de churros por cima. Quando pegaram a carteira do meu colega nem nos lembramos de que o da passagem já estava salvo. Ponderamos com eles que não podíamos ficar a pé, já que morávamos em Niterói. Eles perguntaram quanto era a passagem e nos devolveram cinco cruzeiros novos! – conta e emenda: “os assaltantes daquela época eram mais amigos”.

Mas nem isso fez com que seu entusiasmo com o Mengão ou de ir ao ‘Maraca’ arrefecesse.

Assim como o primeiro assalto ninguém esquece, imagina a primeira e única vez na Geral do estádio?

Estádio apinhado de torcedores brasileiros, na sua maioria rubro-negros. Estar lá dentro era uma façanha digna dos verdadeiros torcedores, os que amam o futebol, afinal o jogo foi num domingo de calor insuportável: “Foi num jogo contra o Peru, comemorativo do Dia do Trabalho. Deve ter sido em 1978. Cheguei ao Maracanã e não havia mais ingressos para a arquibancada. Comprei para a Geral. Achei estranhíssimo o ponto de vista. Tudo o que dava para ver bem era um pedaço mínimo do campo. O resto ficava tão longe que não se via nada! E, de repente, uma bola é lançada para o ponta peruano, que corre atrás dela pela lateral esquerda. E lá de longe, surge Toninho, lateral do Flamengo, para disputar a bola. E Toninho vem correndo e quanto mais perto vai chegando da bola, maior vai se tornando para os geraldinos. E quanto mais perto, maior. Até que ele alcança a bola e a isola e nós, geraldinos, procuramos nos proteger daquele tanque humano, que, para nós, parecia que ia nos atropelar, como se estivéssemos num filme 3D”, conta o catedrático, lembrando que sempre foi fã do polivalente lateral da camisa 2 e que naquele escrete canarinho havia também um certo Zico e Nunes, chamado de João Danado (apelido dado pelo radialista Washington Rodrigues, o Apolinho).

Na época que ainda era solteiro passou por algumas ‘saias justas’ e fazia questão de mesmo assim demonstrar todo amor ao ‘Mais Querido’, mesmo nas situações mais inusitadas que viveu no Estádio Mário Filho, vulgo Maracanã. Entre uma aqui e outra acolá, prefere lembrar de uma em especial: “Eu e meu querido primo Felisberto assistimos a um Flamengo X Vasco na torcida cruzmaltina! Quando chegamos não encontramos lugar na do Flamengo e resolvemos ir para a torcida adversária. Ficamos quietos e combinamos que, se interpelados, diríamos que éramos mineiros visitando o Rio pela primeira vez. E não é que um vascaíno chega perto e comenta:

– Esse jogo está emocionante, né?

Na maior cara de pau, respondo: – É! Lá em Minas não é assim!”.

Como ele permanecia junto de nós, resolvi me mostrar ainda mais sonso e perguntei:

– O que são essas estrelas todas na bandeira?

Ele me disse que eram títulos invictos do Vasco, ou coisa que o valha. No que eu emendei:

– Puxa, então o Botafogo só tem um título?

Aí, ele desistiu de nós e pudemos assistir ao resto de jogo mais ou menos sossegados.

Frequentador assíduo das arquibancadas por onde o Flamengo jogasse, começou a guardar por hobby os ingressos sempre que a equipe ganhava ou empatava e os colava na porta interna do armário.

Alguns teriam lugares de destaque nas colagens como no tricampeonato em dois anos (1978/1979/1979) e os da final do Brasileiro de 80 e os da Libertadores de 81, estes dois últimos, que segundo o próprio torcedor, foram especiais.

Mas a vida de Maurício Fernandes Vasquez seguiria seu rumo normal e com o casório à vista, o já degradado armário ficaria no passado do mesmo jeito que o celibato. Até que, sabe se lá porquê, resolveu comprar uma camisa rubro-negra com o número 10 às costas, no mesmo ano da conquista do primeiro título, em 1980.

Havia esperança naquela camisa e quiçá naquele time. Sempre retirada das gavetas com cheirinho de naftalina – com exceção do Brasileiro de 80 o Flamengo só havia ganhado títulos cariocas e inexpressivos – a ansiedade daquele torcedor era do tamanho da nação rubro-negra: gigantesca!


Mas com o título da Libertadores de 1981, que lhe concedeu o direito de jogar o Mundial daquele ano contra os ingleses do Liverpool, a relação mista entre Maurício – que trabalhava no Banco do Estado de Santa Catarina na época – com sua camisa se tornaria mais afetiva a ponto de batizá-la de ‘Invicta’, sendo utilizada em ocasiões especialíssimas.

Enquanto os 40 milhões de flamenguistas espalhados pelo país consideram o Mundial como divisor de águas na história do clube, Maurício faz coro com a massa rubro-negra:”Aliás, o Mundial foi algo surreal! Assisti ao jogo em casa, e quando acabou o jogo fui, com minha namorada, para a Praia de Icaraí. Foi incrível ver a praia cheia, a aglomeração da torcida em frente ao Bier Strand, às duas horas da manhã de uma segunda-feira que ainda iria surgir”, diz salientando que a ‘Invicta’ só sai da gaveta em jogos finais o que comprova sua eficiência tamanha invencibilidade.


Já nos idos de 90, teve a oportunidade de acompanhar seu irmão Pedro Vasquez – repórter e fotógrafo de mão cheia – numa entrevista para a extinta revista Três, no Recreio dos Bandeirantes, na sede do CFZ (Centro de Futebol Zico) com o Galinho.


Na ocasião – a única vez que esteve com o maior ídolo do Flamengo -, teve motivos de sobras para não deixar o momento passar incólume sem pedir autógrafos e um em especial:”Comprei por lá duas camisas do CFZ para ele autografar, uma para minha mulher, outra para meu filho. Levei também a Invicta e ela ostenta hoje, além das marcas do tempo, o autógrafo do Galinho junto ao escudo do Mengão. Aliás, o duplo autógrafo, pois levei uma caneta especial, de tinta permanente ou coisa parecida e, na primeira lavada, o autógrafo passou também para as costas!

– Há anos não caibo mais dentro dela, mas nunca cogitei me separar dela – diz um apaixonado há 36 anos pela camisa.

ZAGUEIRO IMPROVISADO

por André Mendonça


“Fui muito prejudicado com essa transferência, perdi meu melhor momento do meu futebol, certamente estaria na Copa de 90”. A frase é de Fernando Matos, zagueiro que surgiu na Portuguesa Santista e teve passagens por Santos, Vasco, Louletano-POR, Flamengo, Atlético-MG, entre outros. Em entrevista para o Museu da Pelada, o ex-defensor não escondeu sua insatisfação com a transferência para o futebol português e lembrou os grandes momentos da carreira.


“Apaixonado por futebol desde que se entende por gente”, Fernando nasceu em José Bonifácio, no interior de São Paulo, e foi lá que o craque jogou as primeiras peladas e perdeu os primeiros tampões do dedo. Aos dez anos, se mudou para Santos e foi aprovado nos testes da Portuguesa Santista. O curioso é que o defensor surgiu como meia-atacante e jogou nessa posição durante toda a categoria de base.

Como costumava acontecer, Filpo Nuñez, treinador da equipe profissional, convocou alguns jogadores dos juniores para participarem do treino e Fernando foi um deles. Enquanto esperava a sua chance, ainda do lado de fora, o então meia-atacante viu uma forte dividida entre um zagueiro e um atacante e recebeu um convite que mudaria sua história no futebol.

– Treinar no time principal era um sonho e eu estava louco para entrar! Quando o zagueiro se machucou, o treinador perguntou quem poderia jogar improvisado e eu não pensei nem duas vezes antes de aceitar! Treinei bem na posição e nunca mais saí dela!


O último da direita em pé, Fernando surgiu como um grande zagueiro da Portuguesa Santista

Quando acabou o treino, Olavo Martins, ex-zagueiro do Santos e então treinador dos juniores da Portuguesa Santista, fez questão de parabenizá-lo pelo desempenho. Logo em seguida, Filpo Nuñez se meteu na resenha e avisou:

– Belo zagueiro! A partir de amanhã o Fernando passa a treinar com a equipe profissional!

– Mas ele é meu meia-atacante – respondeu Olavo.

– Era! Agora vai ser meu zagueiro! – finalizou Nuñez.


Fernando não demorou muito a se adaptar à nova posição e, por conta da experiência no meio-campo, tinha como grande diferencial o fato de ser um zagueiro técnico, com facilidade para sair jogando e marcar gols não só em bola parada. O talento não demorou a ser reconhecido e, em 1984, aos 23 anos, foi comprado pelo Santos.

No novo clube, teve a dura de missão de disputar vaga com Márcio Rossini e Toninho Carlos, ambos com passagens pela seleção. Arrebentando nos treinamentos, o garoto ganhou a vaga de Toninho, que não vinha bem, e ajudou o Santos a chegar na final do Campeonato Paulista daquele ano. No dia da decisão contra o Corinthians, no entanto, uma surpresa:

– O treinador Castilho me chamou no quarto dele e eu já sabia que não era coisa boa. Ele me elogiou muito, mas disse que ia priorizar a experiência do Toninho na decisão. Eu disse que respeitava a decisão dele, mas não aceitava!

Embora o Santos tenha sido campeão do torneio, Fernando decidiu não renovar o contrato com a equipe paulista, até surgir uma proposta do Vasco da Gama. No Rio, o zagueiro viveu grandes momentos e foi bicampeão carioca entre 1987 e 1988, além de ter conquistado alguns torneios internacionais. As boas atuações no Vasco despertaram interesse de clubes europeus e Fernando foi contratado para jogar no futebol português. A transferência, no entanto, custou a não convocação para a Copa de 90, segundo o zagueiro.


– Não era pra eu jogar no Louletano-POR. Este clube seria apenas uma ponte de transferência do grupo empresarial que me contratou junto ao Vasco para me negociar na Europa, mas eles não souberam negociar e fiquei um ano na segunda divisão de Portugal. Saí do Rio sendo considerado um dos melhores zagueiros do Brasil – lamentou.

 Depois de um ano em Portugal, por ironia do destino, o Flamengo entrou em contato com ele e abriu as portas para sua volta ao Brasil. Mesmo após a boa passagem pelo maior rival do rubro-negro, Fernando disse que em nenhum momento teve medo de ser mal recebido pela torcida.


O terceiro em pé, da direita para a esquerda, Fernando fez o gol do título da Copa do Brasil de 90

Mas se havia alguma desconfiança por parte dos flamenguistas, ela desapareceu quando o defensor aproveitou um cruzamento da esquerda e subiu mais alto que os marcadores para marcar o gol que daria o título da Copa do Brasil de 90 à equipe da Gávea, contra o Goiás.


– Todos os títulos foram muito marcantes para mim, mas esse pelo Flamengo foi ainda mais especial por eu ter sido o autor do gol.

Depois do Flamengo, Fernando teve passagens por Atlético-MG, Guarani, Portuguesa de Desportos, até voltar para a Portuguesa Santista, onde encerrou a carreira em 1996. Quando pendurou as chuteiras, chegou a se preparar para ser técnico, mas seguiu o caminho da gestão porque tinha o sonho de tornar a Portuguesa Santista um grande time do Brasil. Hoje em dia, Fernando não pretende mais trabalhar com futebol

– Desejo agora dedicar o restante da minha vida em prol dos mais necessitados, sejam crianças ou pessoas da terceira idade. Tenho um projeto de trabalhar aqui na prefeitura de Santos e espero que isso aconteça logo – finalizou.