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Flamengo

UMA MÁQUINA NA MÃO, UMA FRUSTRAÇÃO NA CABEÇA

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Cheguei ao Flamengo levando junto do Fluminense, em 1976, o maior lateral-direito em atividade do país, Toninho Baiano. Leovegildo da Gama Júnior, então titular da camisa 2, recebeu do nosso treinador, Carlos Froner, uma dica: ou vai se adaptar na lateral esquerda e disputar a posição com Wanderley Luxemburgo (o titular, Rodrigues Neto, tinha ido para o Fluminense no troca-troca) ou sentar no banco de reservas. Júnior aceitou o desafio e se adaptou tão bem à nova posição que chegou à seleção brasileira.

Na concentração, reparei a quantidade de saladas que seu prato continha, chamava a atenção diante de outros, como o meu, não tão politicamente saudáveis. Como todos ali que jogavam por amor à camisa, que nem tinha patrocínios, Júnior abriu mão das noitadas. Treinava de dia na Gávea e à tarde corria nas areias fofas de Copacabana. Sua renúncia e cuidados foram longe, se tornou o jogador que mais vestiu a camisa rubro-negra em jogos oficiais: 865. Só quem se cuida muito conseguiria alcançar patamares que Adriano, Ronaldinho Gaúcho e os integrantes do Bonde da Stelinha nem sonharam chegar.

E é sobre este exemplo de desportista, ilustre cidadão carioca e meu amigo que dedico esta crônica. Pois na semana passada postaram no Facebook cenas de sua intimidade. Num restaurante cercado de amigos e admiradores, bebeu um pouco mais. Tinha direito, era dia de folga na Rede Globo onde nos brinda com o melhor e mais imparcial dos comentários. Todos já bebemos acima do normal e nossas mulheres nos levaram em segurança para casa. Mas entre o ídolo, sua privacidade e os seus admiradores, havia a postos no local um jogador frustrado de plantão. Com uma máquina na mão, uma inveja na cabeça, um sonho inalcançável de ter sido jogador de futebol, registrou tudo. E jogou na rede.


Até a invenção da Internet, recalcados e frustrados sofriam, afinal, em que lugar poderiam expor suas fraquezas sem serem percebidos? Daí veio a rede social a lhe estender a tela, palco e o anonimato onde poderiam postá-las, compartilhá-las com outros recalcados que passariam frustrações à frente. Não conhecemos quem gravou a cena, mas quem o fez tem o perfil daqueles que sempre se incomodaram com a luz que Júnior irradia, carregando atrás de si cidadãos carentes de ídolos e a procura de um autógrafo, uma foto, um registro seu para a história.

O recalcado da vez não deve ter passado de um jogador qualquer no Aterro do Flamengo. Não sabe onde fica Pescara, e do Estádio Sarriá, em Barcelona, nem passou por perto. Nem que fosse para sofrer junto com a gente. Sua vingança por não ser famoso e tão bom de bola acabou no exato instante em que o Flamengo, 48 horas depois, entrou em campo contra o Bahia e o nome e rosto do Júnior na bandeira, imortalizada ao lado da do Zico, foi erguida com orgulho outra vez pela torcida na Ilha do Urubu. E vai ser sempre assim. Quando uma nação tomba um monumento seu como patrimônio histórico e esportivo, melhor os frustrados de plantão recolherem suas câmeras. E retornar às selfies com que vão revelando, a cada dia, o tamanho da sua mediocridade.

OS DOIS LADOS DA BOLA

por Marcos Vinicius Cabral


Quis o destino que os “Deuses do Futebol” tornassem o ano de 1974 marcante para Wemerson Lins Brum e Leovegildo Lins Gama Júnior.

No mundo ludopédico, tradicionalmente conhecidos como Lins e Júnior.

Foi em janeiro de 1974 que o recém-nascido Lins dava, no Hospital São Paulo, no Ingá, em Niterói, seu primeiro choro em vida.

Havia em Dona Elza, sua mãe, alegria em acordar nas madrugadas para amamentar e trocar suas fraldas, pois o pequeno Lins era a realização de um sonho dela com seu esposo Moacyr.

Em dezembro do mesmo ano, um certo Júnior marcava um golaço do meio-campo, na vitória do Flamengo por 2 a 1 sobre o  América.

O gol em si – precedeu o título carioca em um empate sem gols contra o arquirrival Vasco da Gama – foi marcado no Maracanã e percorreu alguns bairros como Tijuca, Cidade Nova, Praça Mauá, Glória, Flamengo, Botafogo, até chegar em Copacabana, onde Dona Vilma pulava de alegria com o primeiro de muitos triunfos do filho, camisa 4 e lateral-direito do Flamengo.

Se havia um brilho ímpar nos olhos das progenitoras dos predestinados filhos, as emoções em trocar uma simples fralda ou amamentar na madrugada, assim como o gol antológico ou o título logo no primeiro ano como profissional em uma noite iluminada no Estádio Mário Filho, representariam para elas um orgulho imensurável.

A vida seguia seu fluxo normal e ao ganhar pela primeira vez um presente especial das mãos de seu pai, seu Moacyr, o pequeno Lins entenderia aquele gesto paterno como um mandamento: amar a bola sobre todas as coisas.

Foi a primeira vez que, com os olhos marejados, seu Moacyr ficou emocionado com o sorriso sincero e inocente de seu filho.

Já Júnior, então com 22 anos, jogaria sua primeira e única Olimpíada, a de Montreal, no Canadá, na lateral-esquerda.


Contudo, dois anos depois, acabou tendo uma grande decepção ao ser preterido pelo técnico Cláudio Coutinho, que optou em improvisar o tricolor Edinho na lateral-esquerda, na Copa do Mundo da Argentina, em 1978 e não levá-lo ao Mundial na Argentina.

Mas apesar do ato imperdoável de um dos maiores treinadores do Clube de Regatas do Flamengo, os rubro-negros sabem que “herrar é umano”.

Já no fim daqueles anos, o pequeno Lins passou a ser chamado carinhosamente na infância de “Merson”, por ter sido uma criança dócil e benquisto pelos moradores da Rua Benjamin Constant, no Barreto em Niterói.

E Júnior, ganhava dos companheiros de clube e da imprensa carioca, o apelido de “Capacete”, por ostentar um cabelo estilo “Black Power” (movimento representado pelo orgulho racial que teve início nos anos 20 mas ganhou notoriedade durante o período dos direitos civis no final dos anos 60).

Na abertura da década seguinte e na mais prolífera do vermelho e preto, o ano de 1980 traria importância às vidas de Lins e Júnior.

Se os jogos do Flamengo,  transmitidos pela Rádio Globo, na voz marcante de Waldir Amaral, criador do “Galinho de Quintino” – que acompanha Zico até os dias de hoje – eram a única forma de acalmar o espevitado Lins, que dava trabalho aos seus pais com suas peraltices inimagináveis, Júnior sagrava-se campeão brasileiro pela primeira vez, em um Maracanã apinhado de 154.355 rubro-negros.

Ao assoprar o apito com veemência, decretando o fim da partida, o árbitro José de Assis Aragão tornaria aquele épico Flamengo 3 x 2 Atlético Mineiro, a primeira alegria a nível nacional de Lins como torcedor e de Júnior como jogador.

Talvez tenha sido e permanecido até hoje, a maior rivalidade de dois gigantes do futebol brasileiro, oriundos de estados diferentes.

Alguns anos passaram e em 1984, com 10 anos, Lins foi parar no Praia Clube, em Niterói, para ser lapidado pelo “professor”Jair Marinho (lateral-direito reserva de Djalma Santos, na Copa do Mundo do Chile, em 1962), que viu qualidades no menino franzino.

E Júnior, já consagrado com três Brasileiros, alguns Cariocas, uma Libertadores, um Mundial e a Copa do Mundo de 1982, como cereja do bolo de uma belíssima carreira, desembarcava na Itália.

O camisa 5 do Flamengo aceitou uma oferta do Torino-ITA de dois milhões de dólares para jogar no duro “Calcio Italiano”, com 30 anos e pensando no futuro,  pediu ao técnico Luigi Radice para ser deslocado ao meio de campo, a fim de se preservar mais fisicamente e pôr em prática sua visão de jogo privilegiada. 

Com um futebol envolvente, a idolatria ao craque ficou ainda maior perante os torcedores, principalmente após os casos de racismo e preconceito de “pseudotorcedores” rivais.

Na partida contra o Milan, no San Siro, Júnior foi alvo de xingamentos e cusparada e, contra o Juventus, foi vítima de faixas racistas.

À procura de um lugar ao sol em solo brasileiro por onde pisam pés apaixonados e sofridos pela bola, o zagueiro Lins enfrentou os obstáculos como qualquer garoto de sua idade.

Acabou, com muita determinação, percorrendo um árduo caminho nas andanças pelos clubes.

Vestiu camisas como a do Palmeiras de Niterói e do Caramujo, ambos pela categoria infantil e adquiriu experiência para alçar voos maiores.

E na terra do Coliseu, com uma cabelo mais moderado e um futebol cada vez mais encantador, Júnior desfilava seu talento nos gramados italianos.

Pelo Torino, clube fundado em 1906, enfrentava jogadores do quilate do francês Platini, do polonês Boniek e do italiano Paolo Rossi na Juventus; dos brasileiros Edinho e Zico na Udinese; dos brasileiros Alemão, Careca e do argentino Maradona no Napoli; do italiano Baresi e do trio holandês Rijkaard, Gullit e Van Basten no Milan; do brasileiro Falcão e do italiano Conti no Roma; do brasileiro Cerezo e do italiano Vialli no Sampdoria; do trio alemão Matthäus, Klinsmann e Rummenigge no Internazionale e mesmo assim, se tornou em 1985 o melhor jogador do Campeonato Italiano.


O ex-camisa 5 do Flamengo já era considerado um “Maestro” pelos italianos.

E o Lins, no Campeonato Niteroiense, era eleito por três vezes como o melhor jogador, nos anos de 1986, 1987 e 1988, coincidentemente nos anos em que sagrava-se campeão.

Como se vibrassem com um título, os torcedores do Pescara – apesar de nunca terem visto seu clube dar uma volta olímpica – receberiam de braços abertos a nova contratação naquele 1987: Júnior.

Os desafios eram maiores e no segundo ano de clube, apesar de não ter conseguido ajudar a equipe a manter-se na primeira divisão, ele foi eleito o segundo melhor estrangeiro da Série A, ficando à frente de grandes jogadores.

Nada mal para um jogador prestes a completar 35 anos e jogando em uma equipe modesta.

No entanto, em 1989, Júnior resolveu atender a um pedido de seu filho Rodrigo, então com 4 anos à época, de voltar ao Brasil.

O menino, que sonhava vê-lo jogando no Maracanã com o manto rubro-negro, havia cansado de ver no vídeo-cassete, as fitas VHS com os gols do Zico pelo Flamengo, que o “Galinho” mandava para o garoto ver.

Mesmo assim, reconhecendo sua importância para o clube da cidade de Pescara em Abruzzo, em sua despedida do futebol italiano, recebeu uma bela homenagem: uma partida entre as seleções de Brasil e Itália, revivendo a “Tragédia do Sarriá”, em gramado italiano dessa vez.

No mesmo ano, Lins ia escrevendo sua história com destaque nas categorias mirim e infantil do Flamengo, levado por seu Moacyr nas peneiras (testes nas escolinhas de futebol dos clubes) no Fundão e Cocotá na Ilha do Governador, em Jacarepaguá e por fim na Gávea.

Ficou apenas um ano no Flamengo, seu clube de coração e divagou como uma estrela solitária em busca de se firmar no cenário futebolístico, indo parar no Botafogo, onde ficou apenas três meses.

Muitos reconheciam seu futebol e foi parar no Olaria a convite de um amigo.

Percorreu o Brasil, jogando no Estrela do Norte Futebol Clube (ES), Paraná Clube (PR) e chegou a jogar na cidade espanhola de Las Palmas de Gran Canaria, no time do Unión Deportiva Las Palmas, após uma excursão bem sucedida do clube suburbano.

Mesmo sendo um nômade da bola, esperou um dia realizar dois sonhos: enfrentar o Flamengo e Júnior.

Os anos 90 surgiam no horizonte e tanto Lins quanto Júnior trilharam caminhos opostos nas carreiras.

Se Lins buscava sua profissionalização, sendo destaque no Olaria Atlético Clube, o “Maestro”Júnior (apelido recebido pelo fino trato à bola nos anos em que jogou no competitivo futebol italiano) conquistava títulos importantes como o da Copa do Brasil em 1990, o Campeonato Carioca em 1991, vencendo o Fluminense com uma exibição inesquecível e o Campeonato Brasileiro de 1992, disputado no primeiro semestre do ano.

Aliás, foi o único remanescente da década de 80 a conquistar o quinto brasileiro de sua história.

Portanto, ganhar o Campeonato Carioca de 1992, seria para o “Vovô” Júnior encerrar a carreira com chave de ouro, conforme ditado popular.

Já o Campeonato Carioca daquele ano, seria para Lins – jovem zagueiro olariense – a oportunidade em ser relacionado para o banco em algum jogo, pelo professor Toninho Andrade.

E seu maior receio era não jogar contra o experiente jogador da camisa 5 rubro-negra, que estava com 38 anos e com a aposentadoria batendo à porta.

Com isso, naquela quinta-feira, 19 de novembro de 1992, o Flamengo enfrentaria o Olaria, no Estádio da Gávea.

Para Lins, além de querer ser promovido aos profissionais – até a véspera daquele jogo era juniores – o que ele mais queria era estar perto do seu ídolo e viver aquela atmosfera.

Lembrou das suas lutas e do quanto batalhou para estar ali, pisando no gramado onde seu ídolo deu seus primeiros chutes.

Foi escalado sim, não na sua posição de origem mas de cabeça de área. 

Por instantes, segurou o choro ao lembrar das coisas que teve que abdicar para seguir na carreira.

Ao entrar em campo, sentiu um frio na barriga ao ver os jogadores do Flamengo, um a um, pisando no palco verde da Gávea.

Ainda meio disperso, viu com exatidão, o momento em que um enxame de repórteres entrevistava o recordista de partidas oficiais pelo Flamengo, com 876 jogos.

Enquanto seus companheiros do celeste suburbano batiam bola e aqueciam para o jogo, Lins não tirava os olhos da direção dos jornalistas.

Não havia tática e tampouco meios de parar o talentoso craque da camisa 5.

Mas Lins queria era jogar bem e registrar tal momento para um dia poder dizer: “Eu joguei contra o Júnior”.

Porém, antes do árbitro Paulo Roberto Chaves chamar os capitães para o tradicional par ou ímpar, Lins se aproxima do idolo e pergunta sem jeito: “Seu Júnior, dá pro senhor tirar uma foto comigo?”

Com alguns fios prateados no tradicional bigode e nas laterais da cabeça, a lenda rubro-negra se aproximou e fez o registro.

Ele (Lins), não lembra quem bateu a foto e nem da partida em si, pois foi há 25 anos.

– Na verdade, naquele Flamengo x Olaria, eu me entreguei de corpo e alma àquela partida. Com 18 anos, recém-promovido aos profissionais, joguei em uma posição que não era a minha, pois era zagueiro e fui deslocado para cabeça de área e enfrentar um ídolo como o Júnior, não pode ser considerado normal. Mas joguei e tentei aprender um pouco mais, porque aquele ali, realmente foi um maestro. Não tenho como explicar em palavras o que senti jogando contra ele. Sinto até hoje que foi um presente de Deus, algo que jamais vou esquecer”, diz emocionado.

Naquele 1992, o Olaria fez um bom campeonato, terminando em sexto lugar com 14 pontos, à frente do América e Bangu, clubes tradicionais da cidade.

O Vasco foi campeão invicto do torneio – conseguindo ganhar com facilidade as Taças Guanabara e Rio, deixando o vice-campeonato para o Flamengo, em um empate por 1 a 1, em São Januário. 


A equipe cruzmaltina, conquistaria o 18° título de sua história, contra o Bangu, com duas rodadas de antecedência.

Se Júnior não conquistou o título carioca, coube ao jovem Lins, conquistar seu título particular: enfrentar o veterano jogador.

Depois disso, as carreiras tiveram choques de realidade: Júnior parou um ano depois e Lins parou em 1996.

O vitorioso jogador rubro-negro, virou observador técnico da seleção brasileira em 1994, técnico de futebol, diretor de futebol e comentarista esportivo da Rede Globo.

Já o promissor e talentoso zagueiro do Olaria, virou bancário, trabalhou em uma seguradora e há seis anos, virou taxista. E a unidade 14 da Táxi-Forte, por onde conduz clientes contando suas histórias do mundo ingrato da bola.

De tudo, sua única saudade é de seu Moacyr, que faleceu em 2015:

– Meu pai foi meu amigo, companheiro de todas as horas, que me acompanhava nas partidas, treinos e onde eu estivesse, ele estava junto”, diz emocionado.

LARGO DO HUMAITÁ, RUA DO OUVIDOR

por Zé Roberto Padilha


(Foto: Guillermo Planel

O primeiro adversário, antes do primeiro Fla-Flu, de quem sonha em se tornar jogador de futebol é o garoto que se alojou no beliche ao lado do seu. Que desembarcou do interior com os mesmos sonhos que os seus. Irão, primeiro, lutar pela posição que escolheram atuar e depois por um lugar no time titular. Mas o segundo adversário é que será responsável pelo paredão que eliminará a metade deles: a saudade.

Como todos eles, saí aos 16 anos do abrigo dos pais, da cumplicidade dos irmãos, da tranquilidade da minha cidade para viver num quarto cheios de beliches, ocupadas por fusos horários diferentes do meu no bairro da Urca. Mais precisamente, Rua Octávio Corrêa, 45. Como esquecer? E entre um rádio alto, um ronco vindo de cima, o pesadelo de alguns no fundo e um prato carregado de couve-flores que detestava, mas não poderia devolver, a saudade ganhava de goleada. Muitos correram para a rodoviária e jamais voltaram. Recuperaram a namorada que perturbava o sono e se tornaram craques amadores da sua cidade.

Eu, felizmente, tinha o Rubens, namorado da minha irmã, a quem liguei do primeiro orelhão que encontrei após uma noite esquecível – e encontrei abrigo no Largo do Humaitá. Uma família, mesmo não sendo a sua, era tudo o que precisava para não deixar de sonhar. E eles, os Junqueira de Souza, foram tão importantes na minha carreira quanto qualquer iluminada apresentação.

Em 1968, o Rubens, sempre brincalhão, gostava de fazer o teste da gente do interior: pegar em nossas mãos, cheias de vergonha, e atravessar todas as avenidas fora da faixa, que nem sei se já havia, em meio aos carros e aos sinais. Era como entrar com a bola dominada em uma zaga formada por Orlando Lelé, Abel, Geraldo e Alfinete. Se saísse ileso, entrava na cara do gol. Ou da praia. E fui treinando, atravessando, ficando.


Depois de 20 anos ziquezagueando entre avenidas e zagas distantes, voltei a minha cidade, Três Rios, e recuperei a tranqüilidade. De enfrentar carros e avenidas, mas que hoje, terça-feira, será novamente quebrada. Retorno ao Rio de Janeiro para lançar meu novo livro. Levo na bagagem não chuteiras, mas as histórias que elas nos permitiram escrever. Às 19h, na Livraria Folha Seca, no Centro do Rio de Janeiro, estarei autografando “Memórias de um ponta à esquerda”, meu novo livro. Rubens Junqueira de Souza, engenheiro e casado com minha irmã, três filhos e sete netos depois, confirmou presença e prometeu ajudar a toda nossa gente do interior atravessar a Rua do Ouvidor. Entre elas, as nossas memórias, haverá um lugar de destaque, em nome da gratidão, a lhe estender às mãos e lhe dizer o meu muito obrigado.

MARACA E FLAMENGO: TRADIÇÃO DE PAI PARA FILHO

por Leandro Ginane


Nasci em 1970 na Pavuna, bairro pobre do Rio de Janeiro. Já com oito anos pude presenciar, nos ombros do meu pai Juca, um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Eram 41 minutos do segundo tempo, Zico bateu o escanteio e Rondinelli fez de cabeça o gol que fez do Flamengo campeão carioca e criou uma das maiores escritas do futebol. O Flamengo vencendo o Vasco em finais.

Cresci tendo o Maracanã como a minha maior diversão. Aos domingos, em dia de jogo e céu azul com pipas colorindo, o clima da partida já rondava meu bairro desde cedo. O papo nos bares e nas esquinas era o grande clássico que aconteceria logo mais no Maraca. Acordava cedo, ansioso colocava o manto sagrado e esperava o momento do meu pai nos levar ao estádio de trem. O caminho até lá era uma farra. Trem abarrotado, alegria que poucas vezes via meu pai sentir.

Ele levava toda a molecada da região. Eram nove moleques, eu, meu pai e seu amigo Bororó. A ansiedade me consumia a cada estação que passava. A tradição de levar os filhos ao templo sagrado do futebol na Pavuna passava de pai para filho. As histórias do Maraca se disseminavam no bairro como se o Estádio batizado de Mario Filho tivesse vida. Muitos vizinhos mais velhos presenciaram a final da Copa de 1950, outros tantos estavam no jogo do Brasil contra o Uruguai nas Eliminatórias para a Copa de 1994, as histórias que ouvia só aumentavam o meu fascínio pelo Maior Estádio do Mundo.


E talvez por isso, cresci com aquele sonho tradicional de todos que gostam de futebol aqui na área: ter um filho homem para poder leva-lo ao Maracanã. Casei com 21 anos e quando tinha 22, ele nasceu. Seu nome: Arthur. Em homenagem ao maior jogador que vi jogar, o Zico.

Já com dois anos, levei Arthur e meu pai Juca – agora era eu quem o levava – para ver a final do Campeonato Brasileiro de 1992. Flamengo e Botafogo. Primeiro jogo, com mais de cem mil pessoas o Fla venceu por 3 a 0 em um jogo inesquecível de Leovegildo Lins Gama Junior, nosso Maestro.

No segundo jogo, com mais de cento e vinte mil pessoas, minutos antes de o jogo começar parte da arquibancada cedeu a alguns torcedores caíram da arquibancada. Um helicóptero desceu no gramado para resgatar vítimas. Três pessoas morreram, entre elas um amigo de infância. Em um gesto de companheirismo, torcedores amarraram uma faixa de tecido para servir como proteção para os torcedores que ficaram naquela parte da arquibancada. Arthur e o velho Juca se assustaram e queriam sair do estádio. Nós estávamos ao lado do que aconteceu e vimos tudo de perto. Mas apesar do clima de tensão, consegui acalmá-los e continuamos no estádio. Logo em seguida, o Mais Querido entrou em campo e a festa começou.

Mesmo com o que havia acontecido, a Nação mostrou sua força e não parou de cantar o jogo todo. Poucas vezes vi algo parecido no estádio e creio que tenha sido em homenagem aos que caíram e não puderam ver o jogo. Essa energia da arquibancada parece ter sido um incentivo a mais para o Flamengo em campo, que naquele dia com poucos minutos do segundo tempo já aplicava 2 a 0 no Botafogo. Final de jogo: 2 a 2. Festa na favela. Flamengo Pentacampeão Brasileiro. Arthur com dois anos conhecera a Nação e o que nós éramos capazes de fazer nas arquibancadas, cadeiras e geral do Maracanã.

De lá pra cá, a cada reforma que o Maraca passava, ficávamos eu, meu filho e meu querido pai, já com oitenta anos, apreensivos com a data da reabertura do estádio para que voltássemos à nossa maior diversão. A nossa segunda casa.

Mas a cada volta ao estádio, mais eu ficava assustado com o que via. Menos lugares, ingressos limitados e muita violência. Porém nada foi igual ao que aconteceu na última reforma que o Maracanã passou. A transformação em arena para a Copa do Mundo no Brasil fez o Maracanã sucumbir junto com sua colossal marquise de cimento. O que fizeram com o estádio foi um golpe fatal em todos nós que crescemos ouvindo a mística do templo sagrado do futebol.

Desde então, Arthur e eu não conseguimos mais ir aos jogos do Flamengo. Ele, hoje com vinte e quatro anos, e eu, com quarenta e quatro, não conseguimos mais acompanhar nosso time como sempre fizemos desde que ele nascera. De certa forma, fico feliz que o velho Juca não esteja mais entre nós para ver o que fizeram com o seu Maraca e com o nosso Flamengo, o time do povo, da favela, que em dia de jogo inundava as ruas do Rio de Janeiro e as arquibancadas. Tenho receio pelo que pode acontecer com a identidade do nosso Flamengo. Rico nos cofres e pobre nas arquibancadas.

Espero que a tradição se mantenha viva e que junto com Arthur e meu neto Júnior, possamos desfrutar de mais um domingo de festa com a Nação. SRN.

Tomás (Nome que o velho Juca me deu em homenagem ao Zizinho).

HÁ 40 ANOS, UM MENINO SENTIU-SE CAMPEÃO PELA PRIMEIRA VEZ

por André Felipe de Lima


(Foto: Sebastião Marinho)

Tinha apenas nove anos. Mas a memória é feliz. E vivaz! Detalhadamente, posso descrever aquela noite de 28 de setembro de 1977 em que, com ouvido de elefante, sem nada perder, permaneci imutavelmente colado ao rádio. Um tempo em que fazia dos saudosos locutores Jorge Cury e Waldir Amaral meus amigos inseparáveis nas tardes de domingo ou noites de quarta (como aquela) e quinta-feira. Televisão era artigo de luxo. Não pude assistir à final daquele inesquecível Campeonato Carioca de 77, entre Vasco e Flamengo. Não tinha TV. Aliás, tamanho é meu desapego por TV que sequer lembro se houve transmissão ao vivo daquela peleja. Acho que um replay da TVE, com narração do grande Zé Cunha, foi o que sobrou. Essa é, infelizmente, a única informação que não recordo com precisão daquela noite de quarta-feira. Tampouco meu pai tinha dinheiro para levar-me ao Maracanã. Tempos difíceis que (esses sim) não gosto de lembrar. Tirando o Vasco, 1977 não foi um ano bacana.

O Vasco, esse sim, já havia me comovido no ano anterior após perder a final para o Fluminense. Decidi ser vascaíno ali, na ferida derrota. Heroicamente, pensava com cabeça de menino. Senti-me tão bravo quanto os jogadores vítimas da cabeçada à meia boca do Doval. Superei o fato e o dissabor do que considerei uma das maiores “injustiças” na minha vida de menino. O Vasco era minha alegria com figurinhas e botões. Decidi, em meio à derrota de 76, seguir em frente com o meu universo lúdico… e vascaíno.


Em 77, decerto pensava, seria diferente de 76. E foi mesmo. Fui campeão. “Atenção, vai bater Roberto. Roberto correu… gooooooooooooooooooool! Vasco da Gama, campeão carioca de 1977”, narrara Jorge Cury — o dos incomparáveis “gols” que pareciam jamais acabar — o derradeiro lance daquela que foi a cobrança de penais mais emocionante da minha vida. Isso, há exatos 40 anos. Na próxima quinta-feira, dia 28, faz 40 anos que curti para valer a minha primeira festa de campeão. Aquele título significa uma redenção em um ano tão atribulado como foi 1977.

Revivi dias atrás essa memória linda. Foi muito emocionante, mesmo que por telefone, conversar com os dois melhores jogadores daquela noite memorável: o volante (e capitão vascaíno!) Zé Mário, eleito quase que unanimemente o melhor jogador da final e do campeonato, e Rondinelli, o “Deus da Raça” do Flamengo. Ambos foram decisivos para que o jogo no tempo normal e na prorrogação terminasse 0 a 0. “Nos últimos três jogos do Vasco, quem ganhou o Motoradio fui eu”, recolheu para si o Zé Mário a pecha de craque da final. O que inegavelmente aconteceu. Zé Mário foi estupendo, do início ao fim da campanha invicta do Gigante da Colina. Justiça seja feita, o maioral.

“Mengão x Vascão – Morou?”, estampava a primeira página do Jornal dos Sports na manhã do dia da decisão. Ao Vasco, bastava a vitória para conquistar o segundo turno e levar a taça do ano. Ao Flamengo, só a vitória interessava para conquistar o turno e provocar uma final arrebatadora, que envolveria também o Fluminense e a sua “Máquina”, com Rivelino e afins.


Os rubro-negros contavam, evidentemente, com a efusiva e loquaz torcida dos tricolores. O cartola Francisco Horta até ameaçou ir ao Maracanã com a camisa do clube da Gávea. Prudente, desistiu da ideia de jerico pouco antes de o jogo começar. Mais sensato foi o Nelson Rodrigues, outro incansável tricolor, que de uma janela, na véspera do jogo, reverenciou o crepúsculo na Lagoa Rodrigo de Freitas. “Não estava li como paisagista”, escreveu. “Naquele momento, eu pensava no Vasco x Flamengo”. Não poderia ser diferente. Toda a cidade só pensava nisso. Os tricolores ainda mantinham uma vã esperança de entrarem na briga pelo título em triangular final. Não passou de vã esperança mesmo. Irônico, o cartunista (e rubro-negro!) Otelo Caçador não poupou o Horta: “Se o Flamengo vencer, o Horta vai ganhar bicho?”. Não deu para o Fluminense. Não deu para o Flamengo. Não teve bicho para ninguém da dupla Fla-Flu.

Que dia. Que noite. Não há como esquecer as horas que antecederam ao duelo de gigantes em um Maracanã que comportaria bem mais de 150 mil pessoas. Zé Mário e Rondinelli contaram os detalhes do jogo. Ambos não conseguiram, contudo, recordar que, por exemplo, a concentração do Vasco foi aberta aos torcedores e sócios enquanto a do Flamengo seguiu a mão inversa. Certamente, a vitória vascaína começara ali, ou seja, na democrática abertura dos portões ao povo. Também não veio à memória de ambos que os dois times trocaram, inesperadamente, de vestiário. A sugestão partira, como noticiaram, do massagista Santana. Teria sido mais um “trabalho” de fé do “Pai” Santana para favorecer o Vasco? Assim especularam os jornais na ocasião, e parece que os “despachos” do velho pai de santo deram certo.


Aquele redentor Vasco e Flamengo definitivamente jamais sairá da minha cabeça. Da cabeça do menino que pela primeira vez na vida sentiu-se merecidamente campeão.

***

HÁ 40 ANOS: VEJA O QUE ZÉ MÁRIO E RONDINELLI RECORDARAM DAQUELE JOGÃO ENTRE VASCO E FLAMENGO

***


Zé Mário: “Tenho noção de quanto fui importante naquele jogo. Realmente fui o destaque”

ÍDOLOS — Além do prazer incomparável de levantar a taça de campeão de 77, que mais chamou sua atenção naquela noite, no Maracanã e por quê?
ZÉ MÁRIO – O Maracanã estava lotado. Realmente foi uma festa muito grande das torcidas. O Vasco mereceu o título por tudo que fez.

ÍDOLOS – Havia carros estacionados até nos arredores da Quinta Boa Vista. Uma verdadeira multidão. Como você compara os grandes jogos daquela época com os de hoje, no Maracanã?
ZÉ MÁRIO – A segunda coisa mais importante de uma partida de futebol é a torcida. A primeira, logicamente, é o jogador. Acho que futebol sem torcida perde o brilho. Antigamente os clubes viviam de bilheteria hoje vivem da TV. Em longo prazo, acho que haverá uma falta de motivação dos jogadores. A torcida empurra os jogadores. Eu ficava alegre quanto tinha muita gente assistindo o jogo na arquibancada.

ÍDOLOS – Um fato curioso naquela noite, nas arquibancadas: havia bandeiras do Botafogo na torcida do Vasco e do Fluminense na do Flamengo. Esse tipo de, digamos, “harmonia” e “parceria” nas arquibancadas não existe mais por que motivo?
ZÉ MÁRIO – Quando inventaram as Organizadas mudou a maneira de torcer. A arquibancada ficou violenta. Não dá para levar a família. O torcedor individual não briga. Só quando se organizam e saem fazendo baderna. É crime organizado infiltrado.

ÍDOLOS – O Jornal do Brasil assim destacou sua atuação naquela inesquecível noite: “Zé Mário: A eficiência costumeira. Protegeu a entrada da área e procurou deslocar-se sempre para receber a bola”. Já o jornal O Globo foi categórico: “Zé Mário, a perfeição no combate, mas uso e abusou das faltas. Mas todas necessárias e sem qualquer deslealdade. Fechou a entrada de sua área, cobriu os dois lados e chegou a fazer alguns lançamentos. Nota 10”. Você concorda com as análises?
ZÉ MÁRIO – Concordo. Tenho noção de quanto fui importante naquele jogo. Realmente eu fui o destaque. Não quer dizer com isso que levei o time nas costas. Todos foram excelentes, mas eu me destaquei um pouco mais.

ÍDOLOS – O mesmo jornal diz que Zanata estava fora de forma física e não esteve bem no dia. Helinho, que entrou no lugar dele, não alterou muito o panorama na posição. Você sentiu-se mais sobrecarregado para defender a cabeça de área e até mesmo poder distribuir o jogo na meia cancha? Afinal, já era suam missão ao longo da campanha cobrir os avanços do Orlando e do Marco Antônio, os dois laterais…
ZÉ MÁRIO – Não fiquei sobrecarregado porque se o Zanata estivesse realmente fora de forma ele fatalmente colocaria a experiência para fora. Era um grande jogador e companheiro. Sinto muitas saudades dele.

ÍDOLOS – Sua função era frear os avanços e armações do Zico e do Adílio. Foi essa a instrução do “Titio” Fantoni?
ZÉ MÁRIO – O Flamengo tinha um timaço. Estávamos preparados para frear qualquer jogada deles. É claro que o Zico e todos os outros eram perigosos e por isso dobramos a cautela e fomos mais felizes.

ÍDOLOS – Houve um lance, se não me engano aos 10 minutos da primeira etapa, você deu uma entrada no Zico, que definia você como um dos principais responsáveis pelo Vasco não tomar gols. A imprensa achou que você exagerou no lance. Você recorda a jogada? Poderia detalhá-la?
ZÉ MÁRIO – Eu nunca fui expulso de campo e deixei de jogar poucas vezes por cartão amarelo. Não me lembro da jogada em si, mas sempre entrei duro nos adversários, mas sempre com lealdade. Não tinha como querer machucar o Zico que é meu afilhado.

ÍDOLOS – Houve outro lance antes mesmo da dividida com o Zico. Foi aos quatro minutos. Você salvou o Vasco ao tirar uma bola em cima da linha, quando Mazaropi pegou uma bola chutada pelo Zico, mas largou-a praticamente nos pés do Osni (se não me engano), que, sem ângulo, centrou para área. Toninho, de bico, chutou com o gol vazio. Poderia falar mais sobre a jogada?
ZÉ MÁRIO – Me lembro também de ter salvado um gol desse tipo quando jogava pelo Flamengo num jogo contra o Vasco. Paguei com a mesma moeda dessa vez. (risos)

ÍDOLOS – Como o time reagiu ao desfalque de Ramon?
ZÉ MÁRIO – Ramon era a nossa válvula de escape pela esquerda enquanto o Wilsinho era pelo lado direito. Qualquer um que não jogasse, sentíamos falta. Só que também tínhamos reservas à altura que quando entravam davam conta do recado. Portanto sente-se a falta porque cada jogador tem a sua característica e é preciso entendermos isso para amenizar a troca.

ÍDOLOS – O que mais você lembra daquela noite, Zé Mário? E o dia seguinte?
ZÉ MÁRIO – Só felicidade. Comemoramos bastante. Não só pelo último jogo, mas pelo conjunto da obra. Foi um campeonato irrepreensível. O grupo todo comprometido por um objetivo.

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RONDINELLI SOBRE DINAMITE: “ELE ERA UMA FIGURINHA CARIMBADA, COMO EU TAMBÉM ERA PARA ELE”


ÍDOLOS – Zé Mário e você foram os únicos jogadores elogiados pelos jornais como os melhores em campo. O jornal O Globo escreveu, por exemplo, que você “foi perfeito do início ao fim. Nota Dez”. O jornal exaltou a célebre jogada em que você pegou a bola na zaga do Flamengo e conduziu-a até bem próximo da área do Mazaropi, sendo parado somente com falta.
RONDINELLI – Foi entusiasmo. Tínhamos, inicialmente, o comportamento de se defender. Nunca fui jogador de alta técnica, mas era de jogadas de antecipações por baixo e por cima. Recentemente, emocionei-me assistindo a um vídeo de algumas dessas jogadas. Eram bem positivas. Só a vitória contra o Vasco interessava naquela noite. O empate não era nem um pouco favorável a nós, do Flamengo. As minhas arrancadas teriam de ser bem precisas. Tive de arrastar uns três ou quatro jogadores para criar a jogada. Isso, na vontade, no arranque para entusiasmar nossa equipe para criar uma chance concreta de gol.

ÍDOLOS – O que mais te emocionou naquela noite em que o Maracanã acomodou para lá de quase 200 mil pessoas? Não teria sido aquela derrota de 77 que mexeu com o brio da sua geração para que desse a volta por cima no ano seguinte, conquistando o título com um gol seu de cabeça?
RONDINELLI — Até o título de 78, foi uma sequência de derrotas para o nosso maior rival. O Vasco mantinha defesas sempre bem postas e excelentes goleiros, como o argentino Andrada e o próprio Mazaropi. Para a disputa de pênaltis de 77, o time do Vasco tinha excelentes jogadores. Eram jogadores da defesa que, igualmente aos do Flamengo, empurravam seu time. Era o caso do Orlando, do Abel, do Geraldo e do Marco Antônio. Aí tinha o Zé Mário, Zanata e…

ÍDOLOS – Dirceuzinho…
RONDINELLI – Ah, era o Dirceuzinho! Isso. Ponta-esquerda.

ÍDOLOS — Ele caía mais por ali mesmo naquele jogo por causa do Paulinho, que jogou no lugar do Ramon.
RONDINELLI — Isso mesmo. Tinha o Wilsinho na ponta-direita e aí a fera, o Roberto Dinamite. O técnico era o Orlando Fantoni. Tanto aquela geração do Vasco quanto aquela do Flamengo foi valorizada por ter jogado para duas grandes torcidas, que compareciam sempre. Era outra época. Hoje, as torcidas dos clubes saem na porrada. Antigamente eu saía do Maracanã, morava na Tijuca, saía no meio das duas torcidas. As duas torcidas saíam juntas. Sem problema nenhum. Os torcedores rivais entre si se elogiavam. Era muito mais a gozação e o bate-papo no boteco. Essa é a maior emoção: ter jogado para esses quase 200 mil torcedores.

ÍDOLOS – O Cláudio Coutinho estava nervoso naquele dia e na concentração? O que lemos nos jornais da época é que o treinador do Flamengo estava muito tenso. Havia o jogo em si e a seleção brasileira sob seus cuidados…
RONDINELLI – Com toda a sinceridade, o “Capitão” Cláudio Coutinho fazia preleção antes de qualquer partida de forma muito tranquila. Ele pode, sim, ter ficado um pouco mais acelerado em relação ao que ele estava assumindo na seleção. Nunca vi uma pessoa com postura tão tranquila como ele, que tinha como braço direito que acompanhava os jogos o Jairo dos Santos, uma pessoa maravilhosa que passava todo o mapeamento da equipe adversária para ele. Na parte psicológica, ele falava que no futebol você tem de ser primeiro boxeador. Ao dar uma porrada no adversário, não recua, não. Nunca o vi nervoso dentro ou fora do vestiário.

ÍDOLOS – Você marcou quem naquele jogo de 77?
RONDINELLI – O ponto forte do ataque do Vasco sempre foi o Roberto Dinamite. Falta perto da área era com Roberto; os cruzamentos do Dirceu, que Deus o tenha; as enfiadas de bola do Zanata, inteligente pra caramba… a minha preocupação sempre foi, e isso o “Capitão” alertava: ‘Rondinelli, não perca o olho do Roberto!”. Roberto, por quê? Ele sempre foi um pouco mais alto do que eu. Ele usava muito corpo e braço. A determinação que sempre me deram era a de que eu não poderia marcar bobeira com o Roberto. Se você, como zagueiro, impede um atacante de fazer gol, você já é um vitorioso. O jogo terminou 0 a 0. Tanto eu quanto o Dequinha [companheiro de zaga na final de 77] tínhamos essa preocupação com ele. Olhe, vou falar uma coisa para você: começava o jogo, vou defender o meu espaço. Não vou ficar convidando o Roberto Dinamite pra desfilar na Beija-Flor no carnaval e nem vou deixar ele me convidar porque sei que ele estaria tentando me desestabilizar psicologicamente.

ÍDOLOS – Rolou isso naquela final?
RONDINELLI — Ah, ele adorava fazer isso. O Roberto adorava tira a atenção da gente (Risos). Mas eu sabia: “Ô, Roberto, é outro papo, cara”. Não poderia entrar na pilha dele. Tanto que tem um registro comigo, de uma penalidade, no começo de um jogo, acho que aos dois ou três minutos do primeiro tempo e valia pelo campeonato nacional de 76 ou 77, com o Roberto já me perturbando. Ele conseguiu me tirar do sério. Verbalmente, ele te provocava. Conhecia Roberto desde 72 ou 73, das finais de juvenis que fizemos juntos. Ele era uma figurinha carimbada, como eu também era para ele.

ÍDOLOS – Vocês dois travaram duelos memoráveis na história do clássico Vasco e Flamengo.
RONDINELLI – Essa palavra que você usou é realmente a correta: memoráveis! Mas duelos com respeito de um com o outro. Ele saía de campo vitorioso, eu também, mas tudo na maior normalidade.