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Flamengo

FESTA NA FAVELA

por Leandro Ginane


A liderança do Flamengo no Campeonato Brasileiro não é surpresa. Mas não deve ser analisada sob a ótica das táticas, gestão e contratações que foram feitas para o campeonato. A grande diferença deste Flamengo para aquele dos anos anteriores é a presença da sua torcida nos estádios.

Os trens estão novamente lotados. Na entrada do Estádio, é oferecido o melhor amendoim da Mangueira. Crianças na carcunda dos pais exibem seus sorrisos.

Com ingressos a R$15,00, a Nação Rubro-Negra, como é carinhosamente chamada, esta voltando ao Maior do Mundo e é presença constante nos jogos do time este ano. Mesmo sem a bateria e as bandeiras de outrora, o Estádio cheio dá um tom diferente a cada jogo e traz um clima de final para os confrontos. Não é a toa que o Flamengo lidera o Campeonato Brasileiro, não só na tabela de classificação, mas também nas bilheterias.


A saída prematura do craque do time com apenas dezoito anos, não diminuiu a empolgação do torcedor e com sua tradicional característica bem humorada, jogo a jogo entoa o grito “Segue o líder”.

Se o líder do campeonato continuar sendo o líder do povo, esse time do Flamengo recheado de jogadores da base, tem grandes chances de se sagrar campeão. Essa mistura entre time e torcida sempre fez parte do futebol brasileiro, em especial do time mais popular do Brasil. A volta do povo ao estádio, com preços baixos e a manutenção de jovens promessas da base devem ser as prioridades dos times brasileiros.

Ontem ao final do jogo, um fato marcante: a música que se ouvia dentro do Maracanã era “Festa na favela”, fato raro nos dias de hoje. Esse reencontro deve permanecer até o fim do campeonato, não só com o Flamengo, mas com todos os times do Brasil.

O futebol respira.

DESPEDIDA

por Leandro Ginane


A bola estava prestes a rolar e, com os olhos fixos no campo, o menino sentia a pulsação do seu coração subindo pela garganta. Estava ansioso para entrar no campo de terra batida, em São Gonçalo.

O juiz apitou, a bola rolou e aquele menino de sorriso largo jogou como se fosse a última vez. Depois daquele jogo, sua vida mudaria. Assinou contrato com apenas dez anos com o clube de coração. Saiu de São Gonçalo. Foi para a Gávea. Saiu da arquibancada e foi para o campo. Estava no lugar que sempre sonhou.

Sua ascensão foi meteórica. Conquistou as crianças e os velhos. Vestiu a amarelinha, ganhou tudo que disputou e seis anos depois assinou contrato com um grande clube na Europa. Viveu cada segundo intensamente, jogando por amor. Se despediu como ídolo no maior palco do mundo, diante da Maior Torcida do Mundo que o acolheu desde a chegada e gritava seu nome.


O sorriso largo deu lugar às lágrimas e com ele desabou a Nação. Sua vontade era ficar. Com apenas dezessete anos vai desbravar o mundo, sem a dança do passinho e o rubro-negro que o consagrou.

Boa sorte, Vinícius! A Nação estará aqui torcendo e esperando sua volta.

ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM

por Zé Roberto Padilha


Quem o julgou, Guerrero, não sabe o que faz
Impedir um menino simples e talentoso
Criado em um país humilde das Américas
Ter o direito de passar toda uma vida lutando
Para realizar seu sonho de criança
Que é jogar uma Copa do Mundo

Difícil para eles, os sabidos, filhos dos sabidos
Procriados nos primórdios das Américas, enviados à Coimbra
Enquanto os colonizados sofriam e pagavam impostos à matriz
Não convidados ao açoite, poupados ao submisso
Entender o que é ter um filho seu, nativo, sobrevivente e excluído
Ser convocado a jogar uma Copa do Mundo

Porque seus filhos, os filhos das elites
Tiveram acesso aos melhores salões, as mais belas cortesãs, cargos de chefia
Os melhores brinquedos
Do autorama ao videogame, de ultima geração
A serem escolhidos por méritos, conquistas pessoais, gols marcados
Não acordos escusos, indicações, bocadas, fisiologismos

Ao não terem como única opção, à sua disposição
Apenas um campo de terra batida, no Peru, Argentina ou Vila Maria
Uma bola de futebol, como única diversão
Jamais aos seus rebentos fora permitido uma topada sobre pés descalços,
Numa pelada a céu aberto, pois estes calçariam mais tarde, na posse, 
Mocassins italianos pela manutenção da ordem e sobrevida
De suas eternas oligarquias


Essa semana, a FIFA acabou de impedir, no alto do seu poder absolutista
Que a arte de um exímio artista, seu raro domínio sobre os quiques
E o rumo da razão maior de toda a festa do futebol
A bola de futebol bonita, colorida e atrevida, 
Que aos poucos foi cedendo seu encanto, sua magia e empatia
A quem melhor aprendeu, como Paolo Guerrero,
A alinhá-la nas redes que perseguia, seu alvo, sua razão maior de existir

Para eles, Guerrero, que estudaram Direito desde cedo para serem justos
Mas precisam ser justos apenas com os seus e consigo mesmo
O chá de coca que você toma, desde menino, virou cocaína na festa deles
E acaba de estragar a festa do seu povo, peruano
E outra festa da sua nação, rubro-negra
Apenas porque o mundo é sempre injusto com o sul da América
E incapaz de reconhecer o valor dos seus heróis e guerreiros.

Eles não sabem o que fazem, e o artista da festa que estão perdendo.

ADÍLIO, O MENINO JOIA RARA

Um dos maiores ídolos da história do Flamengo, Adílio nasceu e cresceu na Cruzada São Sebastião, no Leblon. Quase vizinha ao campo da Gávea. E foi naquela campo que brotou um dos meias mais sensacionais que vi jogar. A seguir, um pouco da linda história de superação e glórias deste grande craque do passado.

por André Felipe de Lima


Muitos dizem não mais lembrar. Comigo, é diferente. Não esqueço aquela noite de 23 de setembro de 1982. Seria melhor se a recordação fosse a do “primeiro beijo” ou a de “um golaço que fiz no colégio”. Anseios comuns aos meninos na faixa dos treze anos. Mas não era nada disso.

Ouvido colado no rádio, acompanhava a final da Taça Guanabara sob as vozes de Waldir Amaral e Jorge Curi. Era fã deles. Vasco e Flamengo em campo e eu nem aí para a “convocação” da minha avó: “Vá dormir cedo, garoto, que amanhã tem colégio…”.

“Driblei” vovó, passei [de passagem…] pela escova de dentes e sentei-me à mesa da cozinha para acompanhar a radiofônica peleja. Tal e qual a um “Prometeu acorrentado”, lembro minuciosamente de tudo. E sofro.

Como torcedor do Vasco, goste ou não o leitor, imaginava Roberto Dinamite e Geovani paladinos da “forra”. Tínhamos de nos vingar da final do campeonato estadual do ano anterior. Maldito ladrilheiro, que acabou com o meu sonho de ver o campeão do mundo tombar diante da gente… mas essa é uma outra história, para outra crônica.

A verdade é que meus “paladinos” não funcionaram naquela noite “vinte e três” e o nosso menino prodígio, o Geovani, sucumbiu diante de um juiz que estava ali mais para oferecer espetáculo em um telejornal esportivo que para apitar um jogo de futebol. Foi uma presepada só.

O “paladino” do lado de lá e algoz dos vascaínos foi o responsável por uma das primeiras noites de insônia da minha vida de vascaíno e de um péssimo dia de aula na manhã seguinte, em que ouvi piadas de estilos duvidosos e grosseiros. Respondi à “altura” vocabular que o momento exigia. Mas, definitivamente, o “bicho-papão” tinha nome e chama-se Adílio. O mesmo, que em dezembro de 1981, fez o primeiro gol do 2 a 1 que deu, com a irresponsável colaboração do fatídico ladrilheiro, o título carioca ao Flamengo.

Apesar de mais uma desilusão pela perda do título daquela Taça Guanabara, confesso, tornei-me fã do Adílio. Foi craque e protagonista de uma história de vida das mais respeitáveis no universo do futebol.

Mesmo sofrendo pelo Vasco, evidentemente sem nunca imaginar que seria recompensado meses depois com o título de campeão estadual de 1982, reconhecia que ninguém era páreo para o Flamengo. Se Zico era a essência apolínea daquele time, cabia ao Adílio esbanjar o excesso, o êxtase total dionisíaco, da jogada que lembrava Garrincha nos melhores dias. Cabia ao Adílio o aplauso pela arte empregada na jogada. Culminasse ela em gol ou não.

Não me recordo de quem o marcava na final daquela Taça Guanabara. Creio que a “vítima” dele tenha sido um camarada chamado Nei. O “Neguinho bom de bola” — como o chamava o locutor Waldir Amaral — não dava colher de chá para ninguém do Vasco.

O tiro de misericórdia aconteceu com um dos gols mais fantásticos do Maracanã. Tão fantástico, tão dionisíaco, repito, que até mesmo pelo rádio era possível transportar-se ao Maracanã naquela noite para vislumbrar aquela joia rara.

Meu infortúnio começou após um lançamento de Zico, que enxergou Adílio na esquerda, pronto para “devorar” o incauto Nei e o goleiro Mazzaropi, o “rei do golpe de vista”.

Foi um incrível lançamento de uns 50 metros ou mais. Coisa de louco… ou seria de gênio? A segunda opção é a mais plausível.

Adílio dominou a bola pela meia-esquerda, com o lado direito do pé. Sem deixá-la cair passou pelo zagueiro do Vasco e conduziu-a por mais alguns metros até chutá-la contra o arco do goleiro Mazzaropi. Pobre coitado o arqueiro… a bola passou entre suas pernas. Gol do Flamengo. O único do jogo. Foi o gol “iô-iô”, brinquedo que divertia as crianças do início da década de 1980. Eu era exceção. Achava uma chatice aquilo. Fiquei com mais raiva ainda quando associaram o gol do Adílio com o desinteressante brinquedo.
Após o jogo, e com a taça na mão, o herói declarou que, na noite anterior ao clássico contra o Vasco, sonhara com o filho que ainda estava para nascer e com a jogada diante de um goleiro que não conseguira identificar. Azar do Mazzaropi e sorte do alvissareiro Adílio, que fez do gol do título o venturoso “filho” e de mim, um conformado.
Adílio de Oliveira Gonçalves nasceu no dia 15 de maio de 1956, no hospital Miguel Couto, vizinho ao clube do Flamengo. Cresceu na Cruzada de São Sebastião, um conjunto de prédios do Leblon, na zona sul, construído em 1955, por Dom Hélder Câmara, então bispo-auxiliar do Rio de Janeiro, para abrigar moradores da antiga favela da Praia do Pinto desocupada para a construção de um condomínio hoje conhecido como “Selva de Pedra”.

Embora generoso, o anseio de Dom Hélder por acabar com as favelas do Rio a partir da obra na Cruzada, no coração da elite da zona sul, não vingou.
Ao longo dos anos, os 10 blocos, cada um com sete andares, foi a marca do abandono do poder público, onde uma impiedosa pobreza prevaleceu, mas sem ofuscar a dignidade de muitas famílias que ali se instalaram. Uma delas, a do menino Adílio, outras, dos também ídolos do futebol Rui Rei, da Ponte Preta e do Corinthians, e Ernani, do Vasco.

SHOWS DESDE MENINO


Terceiro de seis irmãos, tinha sete anos quando chamou a atenção pelo domínio de bola que exibia. Vestia a camisa sete do time de pelada Sete de Setembro no dia em que ele e seus companheiros “apanharam” de 5 a 0 de um time rival de peladas. Humberto, um treinador da escolinha do Flamengo que estava por ali bisbilhotando tudo, encantou-se com Adílio. Com Humberto, haveria o primeiro momento dele no Flamengo.

Adílio começou a treinar no clube, mas por pouco tempo. Humberto foi embora para os Estados Unidos e o projeto com os meninos foi encerrado na Gávea.
Mas a bola era sua vocação. Não desistiria tão facilmente.
Se não havia chance no Flamengo, haveria no Royal, time da praia do Leblon. Foi nas areias da zona sul que o garoto bom de bola continuou dando seus shows.

Desde os seis anos, o futuro craque pulava os muros do clube para acompanhar ídolos da década de 1960, como Carlinhos e Nelsinho. A tira–colo o acompanhava o inseparável amigo Júlio César, que anos depois seria o ponta-esquerda do Flamengo campeão brasileiro em 1980. Por conta de seu dribles que muito problema de coluna causou em desavisados laterais direitos, Júlio César ficou conhecido como “Uri Geller”, em referência ao ilusionista que entortava, “com a força da mente”, garfos e colheres na TV brasileira dos anos de 1970.

Antes de ingressar, em 1968, no dente de leite e no futebol de salão do Flamengo, Adílio contentava-se em pegar bolas de tênis. Júlio César teve, porém um ingresso mais rápido nas divisões de base do futebol de salão do Flamengo. Era o camisa 10 do time. Adílio chegou depois, mas com vontade de “roubar” a “dez” do amigo. Até que um dia conseguiu e um indignado Júlio César decidiu chamá-lo para quebrar o pau… fora do clube, evidentemente.

A molecada fez coro e queria ver ambos saírem no braço. Adílio e Júlio César começaram a rodopiar de um lado para o outro como dois pugilistas a se estudarem antes da primeira bordoada a ser desferida.

Nada de pontapés, socos ou tapas. Os valentões foram perdendo o ânimo pelo embate e começaram a chorar, como duas crianças que eram. Apertaram a mão um do outro e, como diz a garotada, “ficaram de bem”. O que ambos não imaginavam é que aquela grande amizade faria muito bem ao time do Flamengo num futuro próximo.
Mas quase que o Flamengo perde Adílio: “Eu tinha dez anos e resolvi tentar a sorte no infanto do Fluminense. Quando vesti aquela camisa tricolor, me olhei no espelho e senti o pior grilo da minha vida. Um traidor. O que o pessoal da Cruzada São Sebastião ia dizer de mim? Treinei chorando e me mandei. Fui para a Gávea, queria ficar lá, mesmo que fosse encostado. O coração falou mais alto. Acho que o sujeito nasce Flamengo. Depois é que degenera. E eu não queria ser um degenerado…”.

O Flamengo deu sorte… e Adílio também. O clube nasceu para ele e ele para o Rubro-negro. Mantido no time dente-de-leite do Flamengo, o Maracanã conheceu um Adílio triunfal entre os meninos de sua idade, quando o time foi campeão de um torneio da categoria e o garoto, o grande herói da conquista. Foi carregado em triunfo na volta olímpica da molecada. Foi a primeira de muitas glórias de Adílio naquela grama histórica.

VIDA DIFÍCIL, MAS FELIZ

A vida, contudo, não era fácil para o futuro ídolo do Flamengo. Com a morte da mãe, dona Alaíde, na metade da década de 1970, Adílio passou a cuidar dos três irmãos mais novos, filhos do segundo casamento de sua mãe. Fazia o papel do pai, que morreu do coração no começo da década de 1960 quando Adílio ainda era criança. Com os carrinhos de feira, servia às madames do Leblon para ajudar no sustento dos irmãos, filhos do padrasto, que trabalhava como condutor de bondes. Adílio trocava fraldas, fazia mamadeira. Era “pai” e “mãe” ainda jovem. Muito jovem.

Quando nasceu, ganhou de presente após o parto um par de chuteiras que só usaria aos sete anos. Essa foi a única lembrança que guardou do pai, o padeiro Sebastião Peixoto, mineiro, de Três Corações — terra onde também nasceu Pelé.

Ao longo de 1976, com a carreira começando no Flamengo, ficou sem ver os três irmãos mais novos: Alexandre, o caçula, Ivã e Sebastião. Todos moravam com Baltasar, padrasto de Adílio, em uma localidade muito pobre de Santo Antônio de Pádua, no Norte fluminense.

Os dramas pessoais nunca o abalaram. Estava sempre bem disposto e aberto para a vida. Esta, como recompensa, preparava-lhe a glória.

Adílio sempre foi considerado — desde as categorias de base, onde o chamavam de Pelezinho da praia do Pinto — como um dos atletas mais simpáticos do clube. Imitava [e cantava!] James Brown para animar as modorrentas concentrações. 
Embora jogasse entre os profissionais com a camisa número oito, sempre vestiu a “dez” em todos os times que defendeu no Flamengo, do infantil ao juvenil. Mas conseguiu estrear no profissional com a “dez” porque Zico, o dono do manto sagrado, estava contundido.

Após o jogo, contra o Sport, recebeu elogios pela atuação. Os comentários eram de que um novo Zizinho pintara em Adílio. Na manhã seguinte, o garoto, empolgado com a repercussão, comprou todos os jornais que estampavam sua estreia no Flamengo.
A carreira de Adílio foi evoluindo no compasso de suas jogadas de gênio.

Aprendera [e muito!] com José Nogueira, professor da escolinha do Flamengo. “Era um homem durão, que fazia questão de testar a nossa força de vontade e a nossa disciplina. Se ele marcava um treino para s oito da manhã, a gente tinha de chegar às sete e meia. Eu me lembro que fiquei dois meses indo à escolinha sem participar de nada, até que um dia ele me explicou por que fazia isso: queria ver se eu tinha meso força de vontade. Pouco depois seu Nogueira foi para o Botafogo, mas morreu muito cedo”, contou Adílio, em 1976.

Geraldo, grande meia do Flamengo, morto precocemente em agosto de 1976, também apostava em Adílio. O “Assobiador”, como apelidaram Geraldo, “cansou” de simular contusões para que o rapaz tivesse a chance de mostrar, entre os profissionais, seu incomparável talento com a bola. O próprio Zico já afirmava, em 1979, que a “vida ficava mais mansa” com Adílio em campo porque os zagueiros adversários tinham mais um craque do Flamengo com quem se preocupar. Rubens, o Dr. Rúbis, ídolo do Flamengo nos anos de 1950, sempre disse a Adílio que seu drible curto e suas geniais jogadas na entrada da área renderiam faltas que fariam de Zico um dos maiores cobradores de bola parada da história do futebol brasileiro. Se alguém duvidou da irrefutável tese de Rubens, estrepou-se.

Entre 1977 e outubro de 1981, pouco antes de o Flamengo consagrar-se campeão do mundo, Adílio não só proporcionou a Zico muitos gols, mas também assinalou os seus. No período, o “Galinho” marcou 220, Cláudio Adão, 81, Tita, 64, e Adílio, ora veja, empatou com Nunes, o “artilheiro das decisões”. Ambos com 57 gols. Carpegiani, que era o “dono” da camisa oito, fizera apenas 12 gols. Como questionar a eficiência de Adílio?

Se em campo os bons resultados e os títulos apareciam para o Flamengo, é porque teve Adílio como um dos seus protagonistas. Não demorou para que o craque começasse a pensar no “pé de meia”.

Em 1980, Adílio conseguiu comprar um bom apartamento em Botafogo, na zona sul do Rio. Era o “Beco do Neguim Adílio”, como descrevia uma placa pendurada na parede do novo lar.

Até que Carpegiani se aposentasse, em 1981, Adílio disputou com Andrade a posição de meia-armador durante bastante tempo. Embora atuassem juntos em muitos jogos, somente com o fim da carreira de Carpegiani os dois assumiram suas posições no time titular. Andrade mais recuado e Adílio mais avançado. Os dois formaram com Zico um dos melhores meios-campos da história do futebol brasileiro.

O “PESO” DE CLÁUDIO COUTINHO


(Foto: Marcelo Tabach)

O técnico Claudio Coutinho, do time tricampeão estadual em 1979, definia Adílio como sua “bomba V-2”, uma “arma secreta” capaz de destruir os adversários em uma jogada genial.

Apesar dos elogios rasgados, Coutinho relutava em escalá-lo desde o começo dos jogos. A reserva o incomodava. Adílio só não explodia com o técnico porque, como frisava a todos, a vida lhe ensinou a ser malandro. “Melhor conversa para técnico é você mostrar bola para o público, para a imprensa. Aí, ele é quem fica em situação ruim”.

A indefinição de Coutinho deixou-o inseguro.

Adílio nunca escondera sua mágoa com a incômoda situação. Dizia que Coutinho mantinha Carpegiani para não magoá-lo. Carpegiani sabia que Adílio era uma fera nas quatro linhas. Quando assumiu como treinador do Flamengo, em 1981, preparando o time que se tornaria campeão do mundo, em dezembro, disse: “Ele é mais habilidoso do que o Zico. É um bailarino que sente cada gomo da bola. Claro, tem essas deficiências do chute e do cabeceio, mas isso são pequenos detalhes diante da técnica que destrói o meio-campo dos adversários”.

Na final do campeonato brasileiro de 1980, contra o Atlético, Adílio, que entrara no decorrer da partida no lugar de Carpegiani, mostrou que não poderia sair do time titular. “Naquela decisão Fla e Atlético, eu amargurado no banco e vendo que podia resolver a situação. A torcida começou a gritar meu nome e, aí, me levantei. Cheguei a pensar: ‘Agora vou lá e digo ao Coutinho: vou entrar, você tira quem quiser; já estou indo para o campo’. Algo me segurou, mas eu estava louco pra chegar junto do Capitão [Coutinho]. Com 20 minutos entrei no lugar do Carpegiani. Não disse nada. Ao pisar em campo, Júnior correu em minha direção: ‘Vamos lá, negão, faz este time andar’. Todos gritaram: ‘Vamos lá, negão’. Então, explodiu dentro de mim um gigante. Mas no vestiário, depois da vitória, eu era um homem triste — não jogara desde o início e por isso não me considerava campeão”.

Se Coutinho ainda não decidira escalá-lo como titular, caberia à torcida decidir: “O povo vai me dar a camisa oito”. Batata…

A popularidade era tão grande que até participação em novela da TV Globo Adílio fez. Em julho de 1980, ele, Rondinelli e Andrade, com suas respectivas companheiras, atuaram em um capítulo da novela Marina, que ia ao ar às 18h. Após a cena, gravada na antiga boate Regine’s, no Rio, os três craques do Flamengo foram cercados por caçadores de autógrafos. Ninguém menos que todo [ou quase todo] elenco da novela.

Adílio era uma unanimidade, até mesmo entre cartolas e técnicos, sobretudo Coutinho e Carpegiani, mas as confusas renovações de contrato foram retardando, até 1981, a posse definitiva da camisa oito do Flamengo. “Comigo, a perseguição é diferente. Meu contrato vence em abril [de 1981] e os dirigentes forçam o Modesto Bria a me barrar. Para não se desgastar, o técnico acaba conivente […] Os três meses que antecedem o fim de um contrato são horríveis. Os dirigentes e seus intermediários deixam de atender a gente nos mínimos detalhes, nos quebra-galhos. Dá indignação! Aí, você discute, briga e então vem a multa. É preciso ter muito autocontrole”.

Por muito pouco Adílio não trocou o Flamengo pelo Palmeiras, em maio de 1981. 
O então presidente do clube rubro-negro, Antônio Augusto Dunshee de Abranches, estipulou o passe do jogador em 70 milhões de cruzeiros e a imprensa especulava que até por menos poderia se desfazer de Adílio. Um completo suicídio futebolístico que, para o bem do Flamengo, não foi consumado.

O “Neguinho bom de bola” faz parte de uma geração de jogadores que faziam história nos clubes que os projetavam. Amor e fidelidade à camisa ainda existiam.

Adílio afirma que jogar no Flamengo foi o “maior orgulho” de toda a sua carreira. Com o rubro-negro, escreveu bela trajetória. Foram 24 títulos, entre os quais o Mundial de Clubes, em 1981. A Taça Libertadores da América, no mesmo ano. Uma penca de campeonatos cariocas [1978, 79, especial, 79, 81 e 86] e três campeonatos brasileiros [1980, 82 e 83]. Entrou em campo pelo Flamengo 611 vezes, venceu 471 partidas e empatou 147. Assinalou 128 gols.

Um dos jogos mais importantes da carreira de Adílio foi contra o Cobreloa, do Chile, no dia 20 de novembro de 1981, em Santiago. Era o segundo embate da “melhor de três” que valia a Taça Libertadores da América.

O Flamengo perdeu por 1 a 0 e Adílio saiu de campo com um corte no supercílio, após uma cotovelada intencional de Mário Soto, o mais violento zagueiro do Cobreloa. Do goleiro Raul, ouviu o seguinte: “Garoto, esqueça a pancada eu levou, esqueça tudo. Jogue como se fosse contra o Bangu, contra o Botafogo, contra um adversário do dia-a-dia. Jogue à procura de uma vaga na seleção brasileira.”. O ponta-esquerda Lico, que também apanhou muito naquele jogo contra os chilenos, levantou o astral de Adílio: “Dê um drible desmoralizante em Mário Soto, faça isso por mim.”. Adílio ouviria os conselhos e não decepcionaria.

Tudo se resolveu, portanto, no terceiro e decisivo jogo, realizado no dia 23 de novembro, no estádio Centenário, em Montevidéu. O Flamengo saiu vitorioso, com dois gols de Zico, mas com Adílio entre os grandes heróis daquela inesquecível noite.

DESPREZO DA SELEÇÃO BRASILEIRA


Se a camisa do Flamengo lhe traz boas recordações, a “amarelinha”, nem tanto. Adílio viveu uma época em que sobravam excelentes meios-de-campo no futebol brasileiro. Sócrates e Falcão, por exemplo, atuavam na mesma posição do jogador do Flamengo. Tanto que ambos foram convocados por Telê Santana para a Copa de 1982, na Espanha, e Adílio, em espetacular fase, foi rechaçado.

Melhor jogador do Liverpool derrotado pelo Flamengo na decisão do Mundial Interclubes, em 1981, o apoiador Souness tornou-se fã de Adílio desde aquele inesquecível dia 13 de dezembro. Para ele, nem mesmo Zico o superou naquela final. Souness sabia das coisas. Para ele, o lugar de Adílio era na seleção brasileira. “Como joga esse negrinho, hein? Por que não está na seleção? É infernal. Parece que tem a bola presa com um imã nos pés e, quando a solta, encontra sempre um companheiro desmarcado e próximo de nossa área. Hoje, pelo menos, o achei melhor até que Zico”.
Adílio vestiu a camisa da seleção nacional pela primeira vez em 1979, num amistoso contra a seleção da Bahia. O placar foi 1 a 1. Somente no dia 21 de março de 1982, época em que estava recém-casado com Rosemary, sua primeira esposa, voltaria ao time canarinho.

O jogo foi no Maracanã, contra a então Alemanha Ocidental, que tinha um escrete fenomenal, com Rummenigge e Hans Müller. Os brasileiros derrotaram os alemães com um belo gol de Júnior após receber um passe milimétrico de Adílio. Com atuação irrepreensível, a presença do jogador do Flamengo na lista de convocados para a Copa do Mundo era considerada certa. Inclusive pelo próprio técnico Telê Santana. Até hoje Adílio se recorda com frustração por não ter estado na Espanha.

Tinha de se contentar com a glória clubística. Essa, ninguém sequestraria dele. Basta lembrar da final do campeonato brasileiro de 1983, entre Flamengo e Santos, no Maracanã. Três a zero e o “tri” brasileiro direto para a Gávea.

O terceiro gol daquele jogo, aos 44 minutos do segundo tempo, foi de Adílio, após cruzamento do ponta-direita Robertinho.

Um gol épico. Inesquecível como aquele da Taça Guanabara de 1982, o do “iô-iô”, do qual não gosto de lembrar. Fazer o quê…

Aquele “peixinho” histórico do Adílio sacramentou a conquista e enlouqueceu as arquibancadas. Fotógrafos invadiram o gramado e o centroavante santista, Serginho “Chulapa”, baixou o pau no pessoal da imprensa. De nada adiantou a indignação dos jogadores do Santos. Flamengo campeão após o jogo “da vida” do Adílio, que acabara de ser pai de seu primeiro filho.

O craque chorava copiosamente após o feito irreprimível. “Sabe, irmão, eu costumo ficar na minha. Mas hoje liberei uma energia reprimida há muito, há muito tempo…”. Depois do filho, Adílio, após o gol sensacional do “tri”, lembrou-se dos amigos da Cruzada. “O Brown [apelido de Adílio entre os jogadores do Flamengo] fez uma partida divina”, assim definiu Zico, sobre a importância de Adílio, de forma inquestionável e unânime o melhor em campo, naquele Flamengo 3, Santos 0.

Zico foi embora da Gávea logo após a conquista do “tri” e Adílio herdou a camisa 10 do Flamengo.

É verdade, o manto pesou e, obviamente, Adílio não correspondeu às expectativas substituindo Zico. Ora o escalavam no meio, ora na ponta-esquerda, posição, que, diziam, Adílio detestava, mas até que gostava de atuar pela canhota. Tudo para reverenciar o amigo Júlio César, com quem chegou, em alguns momentos, a também disputar a camisa 11, nas divisões de base. Mas jogar mais avançado, como o Galinho, não era mesmo a sua praia. Sempre gostou de vir de trás, com a bola dominada, armando o jogo para quem estava mais a frente. Jogasse ele em qualquer posição, mostrava-se imprescindível para o time, sobretudo em jogos decisivos. Como na final da Taça Rio de 1983, quando marcou o único gol do jogo que deu o título ao Flamengo diante do Bangu, Repetiria a proeza na final da Taça Rio de 1985, contra o mesmo Bangu. Sua impecável atuação e o seu gol [o único do jogo] garantiram o Flamengo no triangular final do campeonato carioca. Aquela vitória foi mais que profissional. Foi pessoal. Uma justa volta por cima do craque que acabara de se separar de Rosemary e que por várias vezes ficou afastado do time por conta de seguidas contusões.

Aquele 1985 foi duro, mas também mostrou ao próprio Adílio o seu valor. Nunca fora expulso até então e, meses antes do título da Taça Rio, recebera da Caixa Econômica Federal o prêmio de jogador mais disciplinado da Taça de Ouro [o campeonato brasileiro]. “Se eu fosse violento em campo, não sobreviveria. Para quem nasceu onde nasci, seria suicídio não me controlar”.

No ano seguinte, mesmo com o Flamengo campeão carioca, o craque pressentia o fim da carreira. No dia 7 de outubro, sofrera uma entorse no joelho direito, durante um amistoso de “troca de faixas” contra a Internacional de Limeira, campeã paulista daquele ano.

O Flamengo perdeu de 3 a 0 e Adílio seguiu para a sala de cirurgia dias depois, em um hospital do Alabama, no sul dos Estados Unidos, onde foi operado pelo médico americano James Andrews, o mesmo que operara Zico, meses antes da contusão de Adílio. Extraídos os meniscos internos e externos do joelho, o meia só voltaria ao futebol em fevereiro de 1987.

O período fora dos gramados reforçou a vontade de Adílio, que morava na Barra da Tijuca, com o irmão Alexandre, na época com 15 anos, de concluir o curso de Educação Física, que iniciara em 1980, na Faculdade Castelo Branco, em Realengo, no subúrbio carioca.

Era o começo de uma nova fase na vida do jogador, que, naturalmente, começava a planejar seu futuro longe dos gramados.

O assédio e cobranças da torcida foram sempre intensos. Adílio era um dos craques do Flamengo e convivera muito bem com isso ao longo da carreira. No período em que esteve fora do time, mal podia sair à rua. Mas começou a perceber que, se o futebol oferece dinheiro e prestígio, também sequestra a liberdade.

HORA DE PARAR


(Foto: Marcelo Tabach)

Adílio percorreu todos os cantos do mundo, mas o máximo que conheceu foram aeroportos, hotéis e estádios de futebol. Nada mais. Recuperando-se da fatídica contusão no joelho, praticava um despretensioso e inofensivo futevôlei na praia quando um torcedor o repreendeu. “Estou esperando te ver no time e te encontro na praia?!”, esbravejou o torcedor. Adílio apenas pensou: “Vai ver que ele pretendia que eu ficasse em casa o tempo todo, protegido das tentações comuns”.

Por essas e outras se considerava “escravo do futebol”.

Adílio recebeu, em 1987, passe livre por atuar 10 anos no Flamengo, como profissional. Ofereceu-se para continuar na Gávea, mas a diretoria e o técnico Antônio Lopes não o quiseram mais lá. No dia 9 de setembro de 1987, o “Neguinho bom de bola” trocava o Rubro-negro pelo Coritiba. Era hora de reconstruir a vida. Levou para Curitiba a mulher Rosemary, com quem havia se reconciliado, e os filhos Bruna e Júnior.
A passagem pelo “Coxa” não foi das melhores. Mesmo assim não conseguia dar um ponto final na carreira. Deixou o Coritiba em junho de 1988, indo para o Barcelona, de Guayaquil, onde encontrou o treinador Edu — irmão de Zico — e Carlos Henrique, ex-ponta-esquerda do Flamengo. Atuar pelo fraco futebol equatoriano da época não foi saudável para Adílio, que deixou o Barcelona no mesmo ano em que lá chegou. Dali em diante, o declínio.

Tentou voltar ao Flamengo, em novembro de 1988, mas o então técnico Telê Santana, o mesmo que o preteriu para a Copa de 1982, vetou sua contratação. Jogou em times do interior do Brasil, como o Itumbiara de Goiás [1990], e do exterior, como o Alianza de Lima [1991/92], que o contratou após um amistoso do Itumbiara contra o clube peruano, em Lima. Passou também pelo modesto Santos, do Espírito Santo [1991], América, de Três Rios [1992], Avaí [1993], Friburguense [1994], onde conquistou o campeonato carioca da segunda divisão, Bacabal, do Maranhão [1995], Serrano, da Bahia [1995], pelo qual conquistou o campeonato baiano da segunda divisão, Barreira [1995], time do interior do estado do Rio, Barra Mansa, em 1995, e, por fim, Borussia Fuld, da Alemanha [1996].

Terminada a epopéia nos gramados, foi para o banco orientar às novas gerações. Teve uma escolinha de futebol no campo de terra batida localizado na saída do Túnel Rebouças, na Lagoa Rodrigues de Freitas, zona sul do Rio. Finalmente o Flamengo resgatou-o.

Como técnico das divisões de base do clube que o revelou ídolo, sagrou-se bi-campeão juvenil. Trabalhou cerca de cinco anos com Zico, no CFZ, e foi também técnico do Bahain, da Arábia Saudita. Assumiu, em 2005, o comando do time dos profissionais do Flamengo em algumas partidas, dividindo a tarefa com o ex-companheiro de meio-campo, Andrade. Mudou-se para a Ilha do Governador, com Sônia Nicolau, com quem está casado há 14 anos, e o filho Soni Adílio.

A LIÇÃO MATERNA


(Foto: Marcelo Tabach)

A vida de Adílio é exemplo para muitos jovens que almejam a carreira de jogador de futebol. Da mãe, dona Alaíde, que não chegou a ver o sucesso do filho “Pelezinho”, ouvia sempre: “Você tem de fazer as pessoas gritarem seu nome bem alto”. E ele fez.

Seu maior fã era ninguém menos que o maior ídolo da história do Flamengo. “Esse menino aí merece tudo, é um garoto joia. Sofreu muito: perdeu um irmão, a mãe, teve de tomar conta dos irmãos menores. Ele lavava e cozinhava para os garotinhos. É uma flor de rapaz”, disse Zico, em reportagem de Maurício Azêdo, para a revista Placar, em 1976. Na época, Adílio cursava, no Colégio Estadual Manuel Bandeira, onde este autor também estudou, o segundo ano científico, correspondente hoje ao ensino médio.

Adílio ficou longe da bebida, das drogas, das farras e teve o irmão mais velho, Paulo Roberto, de 24 anos, assassinado durante um assalto quando saía de um cinema com a companheira. Paulo trabalhava como trocador de ônibus e era o arrimo da família. Com sua morte, Adílio, ainda menino, assumiu a difícil missão. A mãe, com a morte do primogênito, definhou em depressão, morrendo, ainda jovem, aos 42 anos, após um derrame cerebral.

Tinha tudo para desviar-se do caminho reto, honesto: “Condições para fazer coisas erradas eu sempre tive. Vi muito amigo morrer na minha frente, polícia dando blitz à toa, mas sabia que tentar lutar com as mesmas armas era suicídio”.

Adílio escolheu ser um dos melhores no que fazia: jogar bola, sempre sob a mais rigorosa aura profissional.

Nos tempos de jogador [e como católico fervoroso], raramente recusava um pedido do padre Bruno Trombetta, da Pastoral Penal do Rio de Janeiro, para visitar presidiários e mostrar-lhes, além do belo futebol, ensinamentos de superação e dignidade que construíram um grande ser humano e um profissional exemplar. “Ele [padre Trombetta] ia lá em casa dizer que a minha carreira era importante para a transformação da Gávea”. Sem dúvida foi.

Sua trajetória, da infância ao estrelato no Flamengo, motivou a TV Globo a produzir o episódio “Adílio, o craque da esperança”, para o seriado “Caso Verdade”, que foi ao ar, na mesma semana em que ele marcou o inesquecível gol do “tri” brasileiro do Rubro-negro, entre dois e seis de maio de 1983, às 17h30, com apresentação da atriz Nathalia Timberg e narração do goleiro Raul, além dos depoimentos de companheiros do Flamengo, como Tita, Júnior e Zico, e até uma participação de Pelé, ídolo de Adílio na infância.

A idéia de retratar a vida do craque na televisão partiu do ator Milton Gonçalves. Quem o interpretou foi Romeu Evaristo, na época o “Saci”, do Sítio do Pica-pau Amarelo, outra produção de sucesso da TV Globo, no começo da década de 1980.
Antes mesmo do “Caso Verdade”, por pouco não interpretou Pelé para o documentário “Isto é Pelé”, de 1974, dirigido por Eduardo Escorel e Luiz Carlos Barreto. Queriam levá-lo para filmar em Santos. A mãe não deixou. “Adílio tinha de estudar”, argumentou dona Alaíde. Mas para que ir para tão longe se ali do lado havia o Flamengo? Numa daquelas puladas pelo muro da Gávea, Adílio fugiu do seu Edmundo, o vigia do inconfundível cachimbo. O mesmo Edmundo que lhe aplicou uma carreira naquele dia o abraçou meses depois, quando Adílio, num Fla-Flu dos fraldinhas do futebol de salão, marcou um golaço após driblar todo o time adversário. “Nos abraçamos e ele passou a ser meu eterno amigo na Gávea”.

A história de Adílio não é somente medida pelo que fez dentro das quatro linhas ou por conta de sua difícil juventude. O craque é exemplo em todas as épocas de sua vida. E assim vem sendo.

Em agosto de 2011, com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil [OAB], ele e o amigo Júlio César lideraram o grupo que fundou a Associação de Ex-Atletas de Futebol do Estado do Rio, cuja meta é auxiliar e reintegrar craques do passado no mercado de trabalho. Além do apoio aos ídolos de outrora, Adílio e sua Associação apoiam projetos sociais, sobretudo escolinhas de futebol em comunidades carentes.

Apesar da infância humilde, Adílio aprendeu inestimáveis lições de sua mãe. “Amar o próximo, como a ti mesmo” talvez seja a principal delas.

Apesar de aluno aplicado da Escola Henrique Dodsworth, na Gávea, na qual dona Alaíde era merendeira e ele uma espécie de “bibliotecário” e auxiliar de segurança que ajudava aos colegas a atravessarem a rua em frente ao colégio, Adílio cortou um dobrado por conta de um distúrbio de fala.

Acreditando ser didática com o menino, uma professora impôs alguns castigos a Adílio, que insistia em trocar o “erre” pelo “ele”. Diante do quadro negro, era obrigado a escrever dezenas de vezes a palavra “três” para nunca mais repetir “tlês”. Foi frustrante para os mestres e angustiante para o garoto, que cresceu e superou muito mais que as reprimendas escolares de seus mestres, ou “mestles”, como seguiu pronunciando, sem trauma nem rancor dos professores.

Talvez ali, diante de tanto rigor na educação, aprendera a ser também um bom professor. Estudar o estimulava. Queria ser médico, mas passou para a faculdade de Psicologia, da PUC. Acabou optando pelo curso de Educação Física, o ideal para atender à futuras gerações de jogadores que abrigaria após deixar os gramados.

Com o seu Grupo de Iniciação Esportiva da Cruzada [Gidesc], foi mais que um mestre. Foi quase um pai para muitos meninos também nascidos, como ele, na Cruzada São Sebastião. Nunca abandonou suas raízes. Mesmo nos tempos em que jogava pelo Flamengo, nem mesmo sua atribulada rotina de infindáveis jogos o impedia de ir à Cruzada para ver os meninos com a pelota nos pés. Chegava a filmá-los em ação para melhor estudá-los e indicá-los ao clube do coração. O que um dia foi seu sonho décadas passadas, também despertara aqueles garotos para o futuro.

Até hoje, quando um garoto começa a jogar bola na Cruzada São Sebastião logo lhe falam que ali, naquele terreno, pisou Adílio, um dos mais geniais e distintos jogadores da história do Flamengo. E os mais velhos insistem com a molecada: “Honrem, portanto, o chão do ‘Neguinho bom de bola’”.

POUPAR O GOLEIRO?

por Zé Roberto Padilha


Aprendi, no futebol que, goleiro, mais do que todos os jogadores “de linha”, precisa jogar para aprimorar, além da forma física, os reflexos. Que são muitos. É o único em campo a ser permitido usar, além dos pés, as mãos. Ter o tempo de bola afiado nas duzentas e vinte alçadas sobre a área em faltas próximas e escanteios. Talvez por isto, Rogério Ceni, no seu auge e do seu time, o São Paulo, jamais deu brecha no gol, estabelecendo todos os recordes de jogos disputados. Alberto Valentim foi o último a tentar um revezamento entre Jefferson e Gatito Fernandéz. Os dois não conseguiam manter o ritmo. E o tempo da bola. E desistiu da ideia.

O Flamengo perdeu para a Chapecoense porque poupou seu goleiro titular, Diego Alves, quando este começava a incomodar a relação do Tite. Vai pegar muito mal levar tantos atletas de fora e apenas o Fágner, talvez outro meia, como o Diego, ou o Luan, que jogam perto e estão disputando o Campeonato Brasileiro.


Diego Alves está no auge e já merecia ser convocado. E foi, ontem, inexplicavelmente poupado dando lugar a César, sem ritmo, que tentou evitar o gol da vitória com uma saída não de goleiro do Flamengo, mas “a lá Aterro do Flamengo”.

Fica a lição para Barbieri, este jovem e corajoso treinador, que teve a ousadia de realizar substituições audaciosas jogando fora de casa, quando muitos administrariam o empate, mas que acabou entregando a chave do cofre nas mãos inseguras de um goleiro interino. E interino, ele sabe, o mundo do futebol está cansado de saber, dura só até quando as derrotas se tornarem efetivas.