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Flamengo

O BONDE DE 200 CONTOS

por Israel Cayo Campos


200 contos de réis…Convertendo para valores atuais aproximados teríamos em torno de 200 mil reais. Um salário considerado baixo para contratações de clubes de grande porte atualmente. Mas em 1942 era uma verdadeira fortuna! A maior contratação da América do Sul até aquele ano. Assim chegava na estação do Brás em São Paulo, recepcionado nos ombros por mais de dez mil paulistanos, o maior jogador da história do futebol brasileiro até então. Leônidas da Silva.

Voltando um pouco no tempo, chegamos a um período em que ser jogador de futebol ainda era algo malvisto pela sociedade. Nessa cronologia, um jovem garoto negro, morador do bairro de São Cristóvão, enquanto ajudava seu padrasto nos afazeres de um bar, sonhava em reinar nos gramados do Rio de Janeiro.

Como todo garoto pobre, jogava suas peladas nas já inexistentes praias de uma cidade que se transformou por completo. Com o tempo, o garoto virou funcionário de uma fábrica de vidraças intitulada “Light”. Mas o verdadeiro sonho daquele rapaz de gênio forte estava longe do proletariado fabril. Leônidas logo deixaria o futebol com os companheiros de fábrica para atuar no São Cristóvão em 1929, e logo em seguida defender o Clube Sírio Libanês.

Desse período quase não existem informações da passagem daquele que viria a ser conhecido como “Diamante Negro”, a não ser que após o encerramento das atividades futebolísticas do Sírio, o então técnico do clube Gentil Cardoso foi contratado pelo Bonsucesso Futebol Clube e com ele levou Leônidas para atuar no time da região Leopoldina carioca. O futebol ainda era amador, mas ali, começava a aparecer no cenário mundial a figura de um gênio da bola.


No Bonsucesso, ao lado de seu maior parceiro de ataque, Gradin, Leônidas marcou 55 gols em 51 em jogos. Uma média de gols superior a um por partida! Mas o mesmo talento que tinha para balançar as redes, possuía para arranjar encrencas. Sendo até antes de Heleno de Freitas, considerado um craque problema! Sofrendo com acusações de roubos de joias e até de galinhas, além de suas supostas exigências “artísticas” para entrar em campo.

O ônus valia a pena! E jogando pelo modesto clube ainda em 1932, Leônidas já era convocado para defender a Seleção Brasileira contra a atual campeã do mundo, a seleção uruguaia! Em pleno Estádio Centenário em Montevidéu pela Copa Rio Branco. O resultado seria de pura euforia para os brasileiros! Uma vitória na casa do adversário por 2 a 1. Com os dois tentos brasileiros marcados por Leônidas da Silva, um ao estilo que lhe ficou marcado: De bicicleta!

A atuação brilhante diante da melhor seleção do mundo, associada a problemas financeiros vividos pelo futebol brasileiro decorrentes da grande crise mundial de 1929 e a briga entre cartolas cariocas para profissionalizar ou não o futebol, fizeram com que Leônidas fosse defender o Peñarol de Montevidéu em 1934. Onde teve uma rápida passagem marcada por lesões no joelho, que no mesmo ano o fizeram regressar ao Brasil para defender o Vasco da Gama.

A passagem pelo clube da colina também fora breve, se resumindo apenas a um campeonato carioca conquistado pelo time cruz-maltino novamente com Leônidas como protagonista. Logo ele rescindiu o contrato com o clube para defender a Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Itália de 1934.

Tal atitude não poupou sua reputação ao ser chamado de mercenário pelos vascaínos, pois aceitou da extinta CBD um salário bem maior do que recebia no clube para defender a Seleção. Vale salientar que nesse período, a briga entre dirigentes impedia que jogadores profissionais defendessem a Seleção Brasileira.

No mundial, disputado de maneira eliminatória, a Seleção teve sua pior apresentação na história das Copas. Uma derrota por 3 a 1 para os espanhóis do goleiro Zamora, e a eliminação precoce do torneio! Porém para Leônidas não fora tão mal. Marcou o gol de honra brasileiro, criou boas jogadas, e nos demais amistosos feitos pela Seleção Brasileira na Europa para não “perder a viagem”, marcou 13 gols em 11 jogos!

Terminada a participação pelo Brasil, o contrato com a CBD previa que Leônidas deveria se integrar ao Botafogo. Porém, segundo o jornalista Roberto Assaf, a passagem do craque por General Severiano fora bastante conturbada. Mesmo campeão carioca de 1935, a não aceitação de jogadores negros vestindo camisa do clube fez com que ele logo buscasse sair do time da “Estrela Solitária”.


Após ter esperado seis meses para que seu passe se encerrasse com o Botafogo, Leônidas fora defender o Flamengo. Nos dois primeiros anos apesar de muitos gols pelo rubro-negro, duas percas de títulos para o Fluminense. Mas a falta de glórias não parecia atingir Leônidas. Em um concurso promovido por uma empresa de cigarros, Leônidas fora eleito o jogador mais popular do Brasil com o dobro de votos dos dois jogadores que vieram após ele na disputa.

Novamente segundo Assaf, Leônidas ao final dos anos 1930 era um dos três homens mais conhecidos do país, ao lado do cantor Orlando Silva e de Getúlio Vargas! Tal popularidade reverteu-se em torcedores para o time que defendia, o Flamengo, sendo Leônidas o primeiro jogador a contribuir para a formação da maior torcida do Brasil. Se o Clube de Regatas Flamengo se orgulha de ser a maior torcida do país, com toda certeza Leônidas é um dos jogadores que mais contribuiu para isso!

Chegava o ano de 1938, as brigas entre os dirigentes e as diferentes ligas cariocas foram deixadas para trás, e enfim, a Seleção Brasileira poderia disputar uma Copa do Mundo com sua força máxima. Obviamente, Leônidas estava convocado para o mundial da França.

No primeiro jogo contra a Polônia, uma vitória memorável por 6 a 5, com direito a três gols de Leônidas! Um deles, segundo narração própria, com o pé descalço! Escondido (ou disfarçado) pela lama do gramado de Strasbourg. Nas quartas de final, marcou o gol de empate contra a Tchecoslováquia, que obrigou o Brasil a uma nova partida contra a seleção do leste europeu, já que naquela época não havia disputa de pênaltis em jogos eliminatórios.

Dois dias depois, no jogo desempate, marcou mais uma vez na vitória por 2 a 1 sobre os tchecos. O Brasil pela primeira vez em sua história chegava a uma semifinal de Copa do Mundo. Contra a temível atual campeã mundial Itália.

  Para esse jogo uma história até hoje pouco explicada. Leônidas fora sacado da partida contra os italianos. Alguns alegam que o próprio inventou uma contusão para evitar enfrentar o time de Vitório Pozzo, outros dizem que devido aos dois jogos contra a Tchecoslováquia em dois dias ele fora poupado para uma provável final já assoberbada pelo técnico brasileiro Ademar Pimenta. Seja qual foi o caso, Leônidas não jogou e o Brasil perdeu por 2 a 1. Restava a disputa de terceiro lugar contra a Suécia!


 Nesse jogo, Leônidas já “recuperado’ marcava mais dois gols na goleada por 4 a 2 contra os escandinavos. O Brasil chegava a terceira posição do mundial (melhor colocação do Brasil até então) e Leônidas com 7 tentos em quatro jogos se tornava o artilheiro do torneio! Do mundial da França também veio um dos apelidos que o seguiu durante a carreira. Leônidas era o “Homem de Borracha”! Devido a sua elasticidade, velocidade e jogadas plásticas. Dentre elas a Bicicleta!

Leônidas nesse mundial saia com o título de melhor jogador do torneio. Consequentemente melhor jogador do mundo daquele ano se pudéssemos trazer para os prêmios atuais. Sem pessoas como ele a desbravar os continentes, muito provavelmente não existiriam tantos outros brasileiros a conquistarem o mundo nas décadas seguintes!

A partir de tamanha popularidade, o jogador que já era apelidado de Diamante Negro, virou símbolo midiático nacional. Se hoje todos os grandes jogadores do futebol brasileiro usam de seu prestígio no marketing de produtos e em comerciais, devem a abertura dessas portas a Leônidas.

Usando de seu nome ou de seus apelidos, várias marcas de diferentes produtos foram lançadas no mercado. De cigarros a chocolates, ter seu produto associado a figura do artilheiro e craque maior da Copa do Mundo de 1938 era sucesso em vendas garantido. No final dos anos 1930, Leônidas virava o primeiro jogador “popstar” do Brasil!

Devido a sua alta popularidade, a mídia da época voltava-se para noticiar tudo que fosse relacionado a Leônidas. Também se tornara lucrativa a indústria de notícias “pejorativas” sobre o craque. E a cada fracasso do Flamengo, Leônidas era colocado pela mídia como principal responsável pela fase do clube. Tal perseguição só veio a diminuir quando voltando de uma apendicite conseguiu o tão sonhado título carioca pelo time em 1939 (Seu único título importante pelo Flamengo), tirando o clube de um jejum de campeonatos cariocas que vinha desde 1927.


Entretanto, após a tão esperada conquista, o joelho voltou a prejudica-lo, o obrigando a fazer cirurgias que lhe retiraram a forma física ideal, atraindo novamente as “fofocas” da mídia. Curiosamente ou não, uma fraude comprovada sobre seu alistamento militar, o ajudou a sair do foco por algum tempo. Ao falsificar seu certificado de reservista, recebeu uma pena de oito meses de detenção no Batalhão de Infantaria Regimento Sampaio no Rio de Janeiro, podendo assim se recuperar fisicamente para voltar ao futebol.

Após voltar ao clube rubro-negro, a relação com os dirigentes não era mais a mesma. Melancolicamente, Leônidas deixava o Flamengo com destino ao São Paulo Futebol Clube. Mesmo em baixa, foi vendido por uma quantia alta para os padrões da época: 200 Contos de Réis, a maior transação da América do Sul até aquele período! O “Diamante Negro” seguia rumo ao futebol paulista em 1942, aos 29 anos de vida. 

Em São Paulo, o “Homem de Borracha” recuperava seu prestígio já desgastado no Rio de Janeiro. Recebido por mais de dez mil paulistanos em sua chegada a cidade, também quebrou o recorde de público do estádio do Pacaembu até os dias atuais, com mais de setenta mil espectadores na sua estreia contra o Corinthians, em um jogo que terminou empatado em 3 a 3, onde Leônidas teve atuação discreta.

A má atuação de sua estreia atraiu as críticas dessa vez da imprensa paulista. Os sábios jornalistas diziam que o tricolor havia gasto uma fortuna de 200 Contos em um Bonde. Jogador velho na gíria da época. Mas logo os críticos de plantão iriam perceber que o Bonde de 200 Contos valia cada centavo investido.

No mês seguinte a sua estreia, o “Diamante Negro” enfrentou o Palestra Itália. Mesmo com a derrota São Paulina por 2 a 1, Leônidas foi o destaque da partida marcando um gol espetacular de bicicleta. Das cabines de rádio o famoso narrador José Geraldo de Almeida gritava: “O bonde, o bonde de 200 contos fez um gol de bicicleta!!!”. A torcida ia a loucura! Mas era só o começo!

Sobre o lance de bicicleta que o caracterizou em toda sua carreira, com toda humildade o mesmo dizia não ser o inventor. No máximo o popularizador do lance. Se de fato essa jogada também chamada de “Chilena” nos países do cone sul não foi de sua criação, quem o fez com mais capacidade, frequência e beleza plástica foi Leônidas da Silva.

Poderíamos hoje mudar o nome do lance para “Diamante Negro” ou “Leônidas”, ou dar o prêmio “Leônidas da Silva” para o mais belo gol de bicicleta do ano… São apenas conjecturas, mas creio que em um período em que o rádio ainda era o principal veículo de comunicação do planeta, ter a projeção que Leônidas conseguiu não é algo pueril no tempo.

Voltando ao São Paulo, o clube da capital só tinha 13 anos de vida e apenas um título paulista em 1931 (Estou me referindo o São Paulo Futebol Clube, e não aos seus predecessores!). Em comparação a seus rivais mais velhos, clubes fundados ainda nas primeiras décadas do Século XX, como o Corinthians e o Palestra Itália, o tricolor ainda era considerado um time pequeno. Até 1943, O Palestra (atual Palmeiras) já possuía nove títulos estaduais, enquanto o Corinthians já havia conquistado onze canecos! Em uma época em que o Campeonato Paulista era o principal torneio para esses clubes, o São Paulo ainda era um time sem estofo rivalizar com os dois grandes. Era, pois Leônidas da Silva, que já havia erguido o Flamengo, que viera para mudar as estatísticas!

Já com um ano de clube, “a moeda caiu em pé”, para todos que esperavam Palestra ou Corinthians como campeão de 1943, Leônidas garantiu o seu primeiro título paulista com a camisa tricolor. Em 1945 mais um título para o São Paulo com Leônidas marcando 16 gols. Em 1946, o bi invicto, terceiro titulo de Leônidas com a camisa do São Paulo. Em 1948 e 1949 mais um bicampeonato paulista! No total, cinco títulos paulistas em oito anos de clube. Sendo eleito o melhor jogador do campeonato nos cinco campeonatos vitoriosos! No total, foram 140 gols em 212 jogos pelo São Paulo!


Da mesma forma que o Flamengo deve parte de sua popularidade iniciada nos anos 1930 a Leônidas, o São Paulo deve grande parte de sua história ao “Homem de Borracha”. Hoje, duas das três maiores torcidas do país têm algo em comum, foram formadas pela popularidade de um homem que superou o tempo! Nem Pelé no Santos e Garrincha no Botafogo (os dois maiores jogadores de todos os tempos para mim!) conseguiram tal façanha!

Há quem possa alegar que a torcida do Flamengo é fruto da era Zico, e a do São Paulo da era Telê, mas para que essas gerações pudessem surgir, foi necessário que antes viesse Leônidas da Silva.

No caso do São Paulo, uma associação de futebol que sequer chegou ao centenário no dia que escrevo esse texto, a existência de Leônidas foi essencial para que o clube se equiparasse aos mais importantes e antigos do país. Isso sendo possível, graças aos títulos dados por Leônidas ao clube logo nos seus primórdios! O “Bonde de 200 Contos” pagou cada centavo investido e ainda deixou o clube em dívida com o mesmo por toda eternidade!

Em 1950, Leônidas tinha 36 anos. Já não era mais o rápido e elástico atacante que fez sucesso no Rio e em São Paulo, mas ainda era o principal nome do futebol brasileiro no mundo! Infelizmente, desavenças com o temperamental técnico da Seleção Flávio Costa, ainda nos tempos em que o “Diamante Negro” atuava no Rio de Janeiro tiraram suas chances de disputar o Mundial do Brasil. No lugar do Diamante Negro, Flávio Costa preferiu Otávio do Botafogo, e deu no que deu!

No mesmo ano, Leônidas se aposentou dos gramados e a partir daí seguiu para novas profissões. Tentou ser técnico, ator, mas a profissão que de fato ele mais se destacou fora exatamente aquela que antes tanto pegava no seu pé por atitudes fora do campo. A imprensa!

Como comentarista, Leônidas se mostrou um autodidata. Aos poucos foi corrigindo seus próprios erros de língua portuguesa e se adaptando a nova função com uma velocidade assustadora. Virou sucesso nas rádios paulistanas. Ganhou vários prêmios, entre eles sete troféus Roquette Pinto, principal prêmio dado aos profissionais de imprensa do estado de São Paulo.


Seu perfil como comentarista era muito duro e incisivo. Uma de suas maiores polêmicas era a implicância com Pelé, que muitos atribuem a ciúmes desse ter tomado seu trono de maior jogador brasileiro de todos os tempos. Infelizmente, veio a se aposentar em 1974, quando fora diagnosticado com Mal de Alzheimer, doença a qual poucas pessoas conheciam naquele período.

Ao lado da fiel esposa Albertina Pereira dos Santos, que não o abandonou sequer um dia durante os cinquenta anos que estiveram juntos, Leônidas aos poucos ia perdendo sua memória. Definhando numa triste doença ainda sem cura que atinge silenciosamente cerca de 1,2 milhões de idosos atualmente! Em uma das últimas reportagens com ele em vida no Esporte Espetacular da Rede Globo, dona Albertina relata que num raro rompante de recuperação de memória, o craque gritou para ela: “EU SOU LEÔNIDAS DA SILVA”!

A essa senhora que mais parece um anjo, todos os amantes do futebol e principalmente São Paulinos e flamenguistas devem toda gratidão. Pois ela cuidou até o fim de uma das maiores preciosidades que um clube de futebol possui. Maior até que seus títulos! Um ídolo atemporal! A dona Albertina, hoje com 89 anos, dedico essa singela homenagem como forma de agradecimento por tudo que ela fez a história desse país tão sem memória.


Leônidas nos deixou no dia 24 de janeiro de 2004 aos 90 anos devido a complicações decorrentes do Mal de Alzheimer (Após conviver com a doença por cerca de 30 anos!). O agradecimento ao documentário “Leônidas da Silva, o homem que venceu o tempo”, exibido pela TV Cultura em 2004 no programa semanal “Grandes Momentos do Esporte”, de onde vieram a maioria das fontes para a construção desse texto. E deixo um questionamento o qual não sei ou não posso responder… No futebol de hoje, quantos “Contos” valeria o “Bonde Leônidas”?

A CÉSAR O QUE NÃO É DE CÉSAR

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Quando o córner contra o Flamengo foi batido, logo cedo pela manhã de domingo, e a bola caiu na pequena área, segundos antes do meu filho deixar a sala inconformado com o segundo gol tomado pelo Flamengo contra o Atlético-PR, lembrei-me de um goleiro que fez parte da nossa formação: Jorge Vitório. Alto, forte e disposto, quando uma bola daquela era alçada sobre a grande área, porque a pequena ele já tomava com sua envergadura, ele saia em todas e gritava: “Sai que é minha seus juvenis!”. E com aqueles joelhos à frente do corpo subindo em todas as direções, crescemos tomando cuidados a cada escanteio. Não tem trauma de infância? Então o trauma juvenil meu e do Rubens Galaxe, e do Cléber e do Pintinho, e de outros tantos que se formaram nas Laranjeiras, era de ser atropelado durante a cobrança de um escanteio.

César não. Podendo usar suas mãos e socar aquela bola, ficou plantado em cima da linha do seu gol a esperar que a sorte, ou o tempo de bola, porque esqueceu que quem possuía seus melhores fundamentos, Rever e Juan, não estavam por ali a protegê-lo, acabou levando impávido, estático, o segundo gol do Furacão. Fora de ritmo, sem o tempo da bola e ainda dando azar de pegar um campo de grama sintética que dá velocidade aos tiros em sua direção, César recebeu o que não é para ser do César: a camisa titular do Flamengo para defender sua liderança no Campeonato Brasileiro.

O treinador pode poupar todo mundo. Menos o goleiro. Este, quando mais joga, mais esperto, mais ligado nas inúmeras situações que rondam sua cidadela fica. O tal ritmo de jogo lhe é fundamental e por isto Rogério Ceni jogou um milhão de partidas seguidas no auge do São Paulo. Nos anos 70, falava-se em Palmeiras, e lá estava o Leão no gol. Era o Félix no Fluminense e o Raul no Flamengo. E era Gilmar dos Santos Neves o nome que abria as escalações dos gloriosos tempos do Santos FC.

Em Minas, não tem mais Atlético x Cruzeiro: é Victor x Fábio. Em Recife, a escalação de Magrão, no gol do Sport, é mais certa no programa de domingo do que a de um boneco de Olinda. E no gol do Grêmio, Renato Gaúcho quando entrou o titular era o Marcelo Grohe. E ele jamais pensou em mexer naquela peça cheia de segurança. Cheia de confiança e detentora de todos os rumos e tempos da bola.

Portanto, Barbieri, poupe o Diego, que já passou dos 30, e reveze seus goleadores que não marcam gols. Mas não brinque com aquela nobre posição. Ou você escala o Diego Alves, e continue a brigar pela liderança, ou continue a dar a César o que não é, ainda, de César.

PRODUTO POPULAR

por Israel Cayo Campos


O Caju está certo. O futebol é um produto popular. Que a cada dia mais elitizado vai se tornando artigo de uma pequena classe que mais virou cliente que torcedora apaixonada. 

Esse papo de que rendas enormes sustentam os clubes ou impedem que nossos craques saiam daqui é pura balela. Pois mesmo times que lucram com essa situação, caso de Palmeiras e Corinthians, situados em uma zona do país economicamente melhor do que o Rio de Janeiro, ocorre frequentemente a venda de seus jogadores mais promissores (no caso do Corinthians até pela necessidade de outras dívidas) para mercados “poderosos” como o Egito por exemplo (kkk)! 

Quem sustenta os clubes e suas dividas são a televisão e suas cotas, patrocinadores aos mil nas camisas, dos de material esportivo aos de suvaco e bunda, programas de isenção de impostos como o Profut, programas de sócio-torcedores (muitos desses sócios ajudam seus clubes mesmo morando longe do estado de origem dos mesmos, denotando apenas seu desejo em ajudar) e a venda de jovens promessas! 

Claro que grandes receitas não podem ser desprezadas, mas essas também são conseguidas com planos muito mais baratos! Só saber um pouco de economia! E em outras ocasiões o Flamengo soube fazer isso, lotando o estádio a preços bem menos salgados!


Por sinal, esses clubes hoje criaram os torcedores de aeroportos, que ao não conseguirem entrar no estádio vão atrapalhar o funcionamento normal desses estabelecimentos para apoiar seus jogadores com uma empolgação que muitos torcedores dentro dos estádios não possuem mais! E ainda há quem bata palmas pra esse tipo de segregação velada. 

Por fim, esses clubes quando precisam do torcedor mais pobre, abrem o estádio em vésperas de grandes jogos com o intuito de contagiar seus jogadores! Precisam do seu Zé, que mora lá no fim do mundo, que ainda tem TV de tubo, mas paga ao Premiere para torcer para seu clube amado… 

Então deveriam respeitar economicamente a situação daqueles que de fato sustentam seus times (e ai não é só o Flamengo!), e abrir também as portas para esse publico que ama seu clube nas vitórias e derrotas! Que tinham como único passatempo falar o dia todo no trabalho de futebol, e é claro, dos orgulhos e tristezas que seus clubes lhe dão a cada fim de semana! Pois esses vivem o futebol, não vão só na boa! 


Volta, Geral! Em todos os estádios! Chega de elitização de tudo! O presidente do Flamengo, assim como o de outros clubes podem entender de grana, mas entendem muito pouco do mal que fazem ao futebol (no caso do presidente citado, acho que nem de futebol entende!), criando essa segregação e já notório desinteresse do publico brasileiro por seus times de futebol. 

É só olhar as últimas pesquisas que já vemos que antes de torcedores de Flamengo, Corinthians ou São Paulo, temos uma grande porcentagem de pessoas que sequer se interessam pelo esporte! 

E essa porcentagem de desinteressados só faz aumentar graças a esses preços salgados, onde apenas 1% da população brasileira (com mais de 200 milhões de habitantes) já foi a um estádio de futebol! Para uma nação que carrega e se orgulha da alcunha de viverem no “país do futebol”, é uma lástima que clubes tão grandiosos estejam contribuindo para uma situação dessas ! 

Tô fechado com o Caju nessa!

JOGOS INESQUECÍVEIS

por Mateus Ribeiro


São Paulo x Corinthians (Semifinal do Campeonato Brasileiro 1999).

Clássicos são emocionantes na maioria das vezes. Se o clássico em questão valer algo grande, a tendência é que a emoção alcance níveis estratosféricos. E foi isso que aconteceu no dia 28 de novembro de 1999.

São Paulo e Corinthians se enfrentaram pela primeira partida da semifinal do Campeonato Brasileiro de 1999. De um lado, um São Paulo que vinha de uma década fantástica, com títulos nacionais, continentais e mundiais. Do outro, o Corinthians, que naqueles dias, vivia a melhor fase de sua história. Como se isso não bastasse, grandes nomes do futebol como França, Marcelinho, Rogério Ceni, Rincón, Ricardinho, Raí, Edílson, Jorginho, Dida e muitos outros estavam em campo. Não se poderia esperar algo diferente de um grande jogo.

A partida foi um lá e cá sem fim, do primeiro ao último minuto. Os treinadores deram uma bica na tal da cautela, e ambos os times atacavam sem medo de ser feliz.

O Corinthians saiu na frente, com gol do zagueiro Nenê. Alguns minutos depois, Raí, acostumado a ser carrasco do Corinthians, acertou um chute que nem dois Didas seriam capazes de defender. Eu, que já havia ficado muito chateado pelo tanto que Raí judiou do meu time do coração (acho que já deu pra perceber que torço para o Corinthians) em 1991 e 1998, senti um filme passando pela minha cabeça. Estava prevendo o pior.


Para a minha sorte, dois minutos depois, Ricardinho aproveitou um lançamento e colocou o Corinthians na frente de novo. Meu coração estava um pouco mais aliviado, e eu conseguia respirar. Até que Edmílson tratou de empatar a partida, e jogar um banho de água fria na torcida do Corinthians. O frenético e insano primeiro tempo terminou empatado em dois gols, e com muitas alternativas para ambos os lados. Eu tinha certeza que o segundo tempo seria uma loucura. E realmente foi.

Logo no início, Edílson deixou Wilson na saudade, e caiu dentro da área. Pênalti para o Corinthians. Na batida, o jogador que eu mais amei odiar na minha vida inteira: Marcelinho. Bola de um lado, goleiro do outro, e o Corinthians estava novamente em vantagem.

Alguns minutos depois, pênalti para o São Paulo. De um lado, um dos maiores jogadores da história do São Paulo. Do outro, um goleiro gigantesco, que estava pegando até pensamento em 1999. O Resultado? Nas palavras de Cléber Machado, “…Dida, o rei dos pênaltis, pega mais um…”.

Naquelas alturas, eu já estava quase tendo uma parada cardíaca. Teve bola na trave, bola tirada em cima da linha, e tudo mais que os deuses do futebol poderiam preparar para fazer meu coração parar.


Até que quando o jogo estava se aproximando do fim, mais uma surpresa. Desagradável, é lógico. Mais um pênalti para o São Paulo. Eu já achava que aquilo fosse perseguição. Meu coração, desde sempre, nunca foi de aguentar fortes emoções. Tanto que no segundo pênalti, fiquei de costa para a tevê, sabe se lá o motivo, com meu chinelo na mão. E o chinelo foi um personagem importante, já que o monstruoso Dida defendeu o pênalti do gigante Raí mais uma vez, e eu arremessei meu calçado na árvore de Natal, e destruí o adorno que enfeitava a sala da minha casa.

Antes do apito final, Maurício (que substituiu Dida) ainda fez uma grande defesa, garantindo a vantagem para o jogo de volta.

Um jogo emocionante, que consagrou Dida, e de certa forma, foi uma espécie de vingança minha contra Raí, que em muitas oportunidades me fez chorar. Vale ressaltar que o craque são paulino é o rival que eu mais admirei durante minha vida.

A vitória me deixou feliz, é claro. Porém, além dos três pontos e da vantagem para o jogo da volta, quase uma década depois, o que me deixa feliz (e triste) é ver que naqueles dias as torcidas dividiam o estádio, os times se enfrentavam em pé de igualdade, e os craques ainda passeavam pelos gramados.

Um dos dias mais emocionantes e insanos da minha vida. Agradeço aos grandes jogadores que me fazem lembrar daquele domingo como se fosse ontem. Agradeço também, você que leu até aqui, e dividiu essas lembranças comigo.

Um abraço, e até a próxima!

 

 

 

CLUBE DE REGATAS DO FERNANDINHO

por Marcos Vinicius Cabral


Muitos jogadores passam por um clube de futebol e deixam saudades, enquanto outros, nem são lembrados.

Alguns se tornam ídolos e conquistam respeito com aquilo que fizeram dentro de campo, enquanto outros, passam ser ser notados.

Poucos marcam a vida de um torcedor que, movido à paixão desenfreada chamada futebol, vai ao estádio, grita, xinga, comemora, sorri, chora, enquanto outros, nem tanto.

Portanto, no solo sagrado esverdeado de um campo de futebol, pés e mãos se tornam heróis ou vilões, neste esporte apaixonante. 

Mas raríssimos atletas têm o privilégio de escrever seu nome na história de um clube, além de, conquistar o status de querido no “Mais Querido do Brasil”.

Assim foi o ex-goleiro Fernandinho, que aos 105 anos, nos deixou na madrugada deste sábado (28), no Hospital São Lucas, em Copacabana, Zonal Sul do Rio de Janeiro.

Seu nome – apesar de ser diminutivo – em nenhum momento nos faz duvidar de sua grandeza para o Clube de Regatas do Flamengo, mesmo com nenhum título conquistado.

Ao longo de seus 1,85 metros de altura – era grande não só em estatura mas também em servir ao manto rubro-negro – trocou os pés pelas mãos e as usou com maestria, formando um belo caso de amor com a bola.


À frente da zaga, era comum ouvir sua voz que chamava atenção como o solo da guitarra de um B.B King (1925-2015) ou de um Jimi Hendrix (1942-1970), nas vezes em que instruíu aos seus beques.

Nascido e registrado naquele 2 de março de 1913, no Rio de Janeiro, Fernando Ferreira Botelho fez história.

Em 1919, foi às Laranjeiras para assistir o “Clássico das Multidões”, e ali, pela primeira vez, no mítico estádio do tricolor carioca, sentiu na alma o significado da palavra tristeza.

Com um choro incontido, viu das arquibancadas Marcos, Vidal e Chico Netto; Lais, Osvaldo e Fortes; Mano, Zezé, Welfare, Machado e Bacchi, comemorarem o tricampeonato na tradicional volta olímpica com a goleada de 4 a 0 imposta sobre o Flamengo.

Apesar da decepção com o resultado sofrido pelo clube de coração, aquele 8 de junho seria marcante na vida do menino de apenas 6 anos de idade, carinhosamente chamado de Fernandinho.

O futuro lhe reservaria surpresas e ele faria justiça com as própria mãos!

O tempo passou…

Já em 1927, levado por Japonez – jogador que mais vezes havia vestido a camisa do Flamengo nos anos 10 e 20 e que havia se tornado campeão em 1920/21/25 – passou a amar o rubro-negro como poucos.

Impressionou a todos tamanha devoção ao clube de maior torcida do país, ao jogar de graça, por quase 6 anos, até o esporte se profissionalizar em 1933.


Usou a camisa 1 pela primeira vez no time principal na última rodada do Carioca de 1931, no dia 20 de dezembro, quando o Flamengo venceu o Fluminense por 1 a 0. 

– O Fla-Flu era a maior rivalidade (da época), o Vasco chegou depois, na época era segunda divisão. Mas o América era um time forte. Eu nunca perdi para eles (Fluminense), ganhei todas as partidas que joguei contra eles, pois o tricolor era um bom freguês. Eu estreei contra o Flumiense ganhando de 1 a 0, foi uma estreia boa! – disse certa vez numa entrevista.

A justiça com as próprias mãos começava a ser feita, já que Fernandinho fechou o gol naquela partida, e com isso, o Flamengo vencia o arquirrival, ajudando a quebrar um jejum contra o tricolor que já durava três anos.

Já como titular absoluto do gol do Flamengo, fez o melhor jogo da sua vida e “se vingou” dos tricolores, devolvendo o mesmo placar de 1919.

Orgulhoso do feito, veio à mente a imagem nas arquibancadas das Laranjeiras e do choro mais triste que dera na vida, naquela tarde que preferia não ter que existido.

Portanto, em todas às vezes que enfrentou o Fluminense no tempo que foi profissional – sem nunca ter perdido –  usou as mãos para se vingar nas inúmeras defesas que fazia embaixo das traves.

A vida seguiu e continuou a fazer história, como por exemplo, ao elevar o nome do clube na 1ª excursão internacional em 1933, no Uruguai, enfrentando a equipe do Peñarol (base da Seleção Uruguaia que conquistou a Copa do Mundo de 1930), no estádio Centenário. 

A partida foi vencida em um heróico 3 a 2, com Fernandinho operando milagres, o que para ele era normal, já que estudava Medicina.

– Eu estudava medicina, fui jogar no Uruguai e ganhei deles, era tudo de navio, não tinha avião. E foi em Montevidéu, eles eram campeões do mundo – gabava-se o último goleiro amador e primeiro profissional do Flamengo.

A tristeza daquele menino sucumbiu no pequeno espaço de tempo em que viu a sede do clube mudar da rua Paissandu para a Gávea, a construção do Maracanã, o surgimento da lenda Zico e praticamente todos os goleiros que passaram pelo Flamengo.

No mais, Deus foi tão generoso com Fernandinho, que o fez nascer em março, um dia e quarenta anos antes de um certo Arthur Antunes Coimbra.

Em 1934, uma lesão nos joelhos lhe obrigou a pendurar as luvas.


Desde então, vinha frequentemente à sede do clube para passar belas tardes, jogando conversa fora com os amigos que fez na curta carreira.

Agora no céu, disputa com o ex-goleiro Zé Carlos – falecido em 2009 – a titularidade do time que já conta com Toninho Baiano, Figueiredo, Domingos da Guia, Reyes, Carlinhos Violino, Doval, Zizinho, Leônidas, Geraldo e Gaúcho.