por Felipe Corvino
O futebol não é só um jogo. É uma forma de vida. É uma cultura. Se você não respeita e não compreende sua cultura, você perde sua identidade. Sem identidade você não cria, não imagina, não supera os obstáculos do jogo e da vida. A sanha em reproduzir o estilo de jogo europeu evidencia que estamos cada vez mais nos afastando de nós mesmos. Quase todos, para não dizer todos, os analistas de futebol sugerem a reprodução do que “dá certo” na Europa com relação ao estilo de jogo. Mas não entendem que “domar os corpos” do jogador brasileiro é amputar sua liberdade criativa. É limitar a sua possibilidade imaginativa. E aqui recorro ao historiador francês Serge Gruzinski para utilizar o conceito “colonização do imaginário”.
O que quero dizer com isso? Que no campo de jogo tal qual no jogo da vida estamos reproduzindo comportamentos mirando num modelo de “civilização” que não nos representa, que tira nossa potência. Num modelo de sociedade que sempre precisou da força e da violência pra impor seus conceitos, suas vontades e que nos castra. E nós introjetamos, enquanto país que por muito tempo sofreu com a catástrofe da colonização, da escravidão e do controle do corpo, essa ideia.
Não. Não é necessário ignorar o que se faz pelas bandas de lá. Mas é preciso, urgentemente, resgatar os signos que nos fazem únicos. E o futebol é uma ferramenta que traduz de maneira evidente essa perda cada vez maior da nossa identidade devido a imposição de uma métrica, um modelo, uma tática e um jeito específico de jogar.
Precisamos nos “deseducar” pra desapegar desse método para que possamos voltar a nos entendermos e nos reaproximarmos novamente daquilo que nos define. Não é na força, na velocidade ou na tática que vamos virar o jogo. É no samba, no preenchimento dos espaços vazios entre uma marcação e outra, é na finta, no drible, assimilando que há caminhos variados e que nem sempre o menor trajeto entre 2 pontos é uma reta.
Os lançamentos parabólicos do Gerson me conferem razão. O futebol pobre, hermenêutico e sem criatividade é um sintoma de uma sociedade que cada vez mais se permite “ser o que não é” e se nega a assumir sua identidade. E quando lhe é negado tudo “o que é” para ser o que não é perde – se o encanto. O propósito. A paixão. Perde-se a si próprio. É flagrante que nós necessitamos nos achar, pois estamos completamente perdidos. Só assim é possível buscar o placar e virar o jogo.
E aí meu camisa 10, vai tocar de lado ou vai desafiar as leis da física e reinventar o tempo/espaço pra fazer a jogada mágica e inesperada rumo ao triunfo e buscar teu reencontro contigo mesmo?
Felipe Corvino, vascaíno, historiador e metido a besta a escritor.