por Fausto Rêgo
Passou sem muito alarde um aniversário que nenhum vascaíno esquece: o da volta triunfal de Roberto Dinamite. No caso, uma data redonda como a bola que o nosso ídolo maior jogou naquele dia: quatro décadas.
Era o primeiro domingo de maio de 1980 e eu tinha 12 anos. Fui com meus pais e meu irmão almoçar na casa de meu tio, então conselheiro do Vasco, que não perdia um jogo em São Januário ou no Maracanã. Com alguma frequência, ele arrumava os ingressos e a gente ia aos jogos. Do também inesquecível Campeonato Carioca de 1977, por exemplo, tenho até hoje na memória um 6×0 no Bangu e um 7×1 contra o Madureira saboreados com muito gosto nas sociais da colina histórica. Mas voltemos àquele domingo de maio.
Era o dia do retorno de Roberto ao Maracanã, depois da breve aventura catalã e de uma disputa com o Flamengo que em algum momento parecia perdida. Vou poupar os leitores mais novos de recorrer ao Google. Dinamite havia sido contratado pelo Barcelona no início do ano. Marcou dois gols na estreia, depois fez mais um e parecia que ia emplacar na Espanha. Mas caiu o treinador em seguida e o cenário mudou. Tudo passou a dar errado.
Espertamente, o Flamengo – presidente Márcio Braga à frente – tentou repatriar o artilheiro pra fazer dupla com Zico. Os vascaínos gritaram, o clube se mexeu e conseguiu atravessar o negócio. Três meses depois de partir, Bob voltou pra casa e reestreou contra o Náutico em Recife (PE), no fim de abril – mas isso quase ninguém lembra. O “jogo da volta” mesmo é o do dia 4 de maio, no então maior estádio do mundo, contra o Corinthians. Detalhe: era rodada dupla e quem fazia o primeiro jogo era justamente o Flamengo.
Meu tio morava na Tijuca, razoavelmente perto do Maracanã. Não perdia um jogo do Vasco, certamente não deixaria de ver a volta do Dinamite. Pensando nisso, eu estava animadíssimo quando saímos de casa, em Engenheiro Leal. Ora, é claro que depois do almoço ele vai levar a gente ao jogo!
Chegamos, comemos, ainda era cedo, tudo no esquema. Meu tio foi fazer a sesta habitual. Acontece que ele tinha tomado umas e outras durante o almoço, e nada de acordar. Quatro da tarde, quatro e quinze… ele ainda roncava. O jogo era às cinco.
Quatro e meia… nada. A agonia tomava conta de mim. Mandei indiretas (depois diretas mesmo) pra mulher do meu tio, querendo saber se ele não ia ver o Vasco. Ela respondia vagamente que sim, depois desconversava, mas o fato é que o tempo passava e o nobre conselheiro permanecia no mundo dos sonhos. E eu sonhando com o Maracanã.
Acho que em algum momento, afinal, foram sacudir o pobre coitado e perguntar se não ia levar os meninos no jogo. Ele apareceu na sala de cara amassada e começou a se arrumar pra sair. Pegamos o carro e fomos. A essa altura, a partida já tinha começado. Ouvimos no rádio que o Vasco vencia. O placar era de 2 a 1 pra nós – dois do Roberto! E eu sem acreditar que ainda não estava lá.
Chegamos. Carro estacionado. Mas ele não tinha ingresso. Achou um cambista, comprou e conseguimos entrar. Da porta até o interior do estádio, ainda ouvimos a comemoração da torcida por mais dois gols. Todos dele, soubemos em seguida. A essa altura, os torcedores do Flamengo que tinham ficado pra secar o Vasco já estavam a caminho de casa.
Quando finalmente pudemos ver o gramado, pênalti pro Corinthians. Dr. Sócrates bateu, bola na rede: 4 a 2 pra nós. Fim de primeiro tempo.
Passei o intervalo tentando entender a falta de sorte. Estávamos ali tão perto e perdemos praticamente todo o primeiro tempo. E Roberto fez quatro gols.
Quatro!
No Corinthians!
No Corinthians do Sócrates!
E não vi nenhum!
A essa altura, eu temia que tivesse acabado a munição do artilheiro.
E bola rolando, começa o segundo tempo.
Não me lembro de praticamente nada. Só de uma cena: Roberto conduzindo a bola pela intermediária do Corinthians, partindo em direção ao gol. Mauro se aproxima, ele corta pra dentro, chega à meia-lua da área e dispara. No ângulo do Jairo. Um golaço.
Foi há quarenta anos. E eu continuo comemorando como uma criança.