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Fabio Lacerda

À LUZ DOS OPERÁRIOS

por Fábio Lacerda


A nação mais ocidente do continente europeu está em festa. O árduo trabalho vem desde o século XII quando Portugal tornou-se o mais antigo Estado-nação da Europa através do Tratado de Alcanizes que tinha por objetivo planejamentos estratégicos defesa pelo rei D. Dinis. Nos séculos XV e XVI, o pequeno país do sudoeste europeu apresenta suas armas e mostra que globalização não é um termo recente. Suas lutas, navegações, mortes, fome, sempre tiveram conotações dramáticas. O primeiro império global da história e mais longo dos impérios coloniais do Velho Continente – conquista de Ceuta em 1945 até a soberania de Macau para a China em 1999 – agora conquista a Europa com o futebol


O momento em que Cristiano Ronaldo se lesiona, ainda no primeiro tempo

A dramaticidade da vitória circula, bombeia, motiva o povo português. Das navegações para as possessões África, Ásia, Oceania e América do Sul, ao louro da vitória no relvado do estádio Saint Dennis. O enredo do título luso coloca o astro do futebol mundial à prova diante de uma entrada maldosa do argelino naturalizado francês, Payet. O objetivo foi conquistado pelos franceses. Tirar o jogador que poderia amedrontar o sistema defensivo e a torcida bleu. O astro combalido saiu de cena para contemplar os operários da seleção ‘quinas’. Sim, os verdadeiros reis celebram seus súditos, apoiam seu povo, e fazem por merecer o fator sorte. 

Todos os fatores apontavam com convicção o terceiro continental da França. A Cidade Luz preparou-se para colocar as cores azul, branco e vermelho na Torre Eiffel. O tabu de 45 anos de superioridade sobre os lusos confeccionava-se com pompas a continuação de uma das maiores invencibilidades do mundo. Não! A sorte que soprou as caravelas pelas aventuras mares e oceanos adentro também esteve ao pé da trave do chute de Ginac, nas mãos de Rui Patrício e sobretudo no pé direito de um caneludo que eternizou-se na Pátria-Mãe. 


Nos minutos finais do segundo tempo, a bola de Gignac bate caprichosamente na trave

O título construído com dificuldades iniciais que foram consolidando-se com a esquadra lusa tendo que provar que é possível resistir e mirar terras à vista. É bem verdade que o chaveamento foi preponderante para o primeiro título da Eurocopa doze anos depois de uma das maiores frustrações do país no campo de jogo: a derrota na final para a Grécia. 


Jogadores da Grécia comemoram gol marcado na final da Eurocopa de 2004

Celebra-se o inédito título justamente no ano de partida de Eusébio para o mundo de Deus. Ídolos não morrem. Celebra-se um trabalho feito desde o início da década de 1990 quando uma geração conquistou o Mundial de Juniores da Fifa. Comemora-se 40 anos de um Estado Democrático, de fato e de direito. Celebra o negro, tão escravizado pelos lusos, e hoje preponderantes na ‘equipa’ de Fernando Santos. O Dia da Liberdade não ficará mais restrita à data de 25 de abril. O dia 10 de julho demarca o renascer de Portugal no futebol. E daì adiante. 

A França foi despachada da sua própria casa. Assim como ocorrera em 1567 quando os portugueses deram o golpe de misericórdia nos franceses instalados ainda nas localidades que estão os bairros do Flamengo e Ilha do Governador. Este ano Portugal comemora sua primeira Eurocopa. Ano que vem celebra os 450 anos da expulsão francesa do Rio de Janeiro. Portanto, na hora do vamos ver, de matar ou morrer, chora a mãe francesa primeira. Parabéns, Portugal, por quebrar tabus, desconfiança e a cara dos franceses, tão soberbos, tão superiores perante ao mundo. O pragmatismo luso, a vanguarda e o lado avesso às modernidades e inovações prevaleceram nesta conquista. Navegar nunca foi tão preciso assim! E na seleção que conta com um astro do futebol e da mídia, prevaleceu os carregadores de piano como William Carvalho e seu bigode à moda antiga, o cangaceiro Pepe, brasileiro naturalizado luso há mais de uma década, o lado guerreiro do jovem lateral-esquerdo Rafael e o surgimento de Nani depois de três temporadas em baixa. 


Quadro de 1845, de Paul Delaroche, mostra um Napoleão bem chateado

Não duvido que Napoleão Bonaparte está se rasgando de raiva. Se por um lado Portugal não quis rivalizar com a possível invasão franco-espanhola no século XIX para fechar os portos que tinham relações comerciais com o Reino Unido, desta vez os lusos foram ao território inimigo em busca do ouro. Àquela época entre os anos de 1805 e 1808 as ameaças francesas podem ser comparadas com a artilharia pesada e domínio territorial do time do comandante Deschamps na final da Eurocopa. A diferença entre a primeira invasão francesa à Portugal e o jogo final da Eurocopa é que no século XIX os lusos tiveram os britânicos como aliados para garantir a soberania do país. E no Saint Dennis um britânico de Londres mediou a partida sem beneficiar um ou outro. Legitíma vitória lusa! A vitória da garra. O triunfo do astro que comporta-se no campo de jogo como seus demais companheiros sem tanto holofotes voltados para si. Cristiano Ronaldo torna-se Rei de Portugal. E todo monarca vangloria sua tropa!


PÊNALTIS, NÃO!!!

por Fabio Lacerda


 

Os deuses do futebol não escrevem certos por linhas tortas. Os deuses do esporte mais apreciado do planeta é diferente do Deus Supremo. Eles escrevem das cenas mais brilhantes às cicatrizes ou feridas não saradas para os craques. Na Cultura da Destruição, toda a sua construção pode ficar devidamente demarcada na hora H com a bola na marca da cal. Sim, os deuses do futebol marcam os craques com ferro quente como a forma de haver um porém diante do brilhantismo das carreiras. Os craques nasceram para perder pênaltis nos momentos decisivos. Os craques do time estão para carregar essa farda. Só vi um que passou ileso no nesse espaço de apenas 11 metros da consagração plena: Romário de Souza Faria. 

No auge futebolístico dos meus 39 anos e seis meses de vida, pelo menos 34 já sabendo que futebol era transmitido na televisão, cheguei à conclusão que craques ou até mesmo o jogador que fez chover durante os 90 minutos não deve cobrar as penalidades decisivas caso os 30 da prorrogação sejam consumados. E também durante os 90 minutos. Jogadores de futebol por mais experiente, sente as pernas tremerem, a cabeça remoer na hora do ‘mano a mano’. Não venha com essa de que é experiente, que é isso, é aquilo! É conversa fiada! Estou para ver um verdadeiro craque revelar qual foi o momento que as pernas bambearam em razão da insegurança e que o êxito não tenha sido consumado! Sugiro inclusive como uma proposta para essa obra-prima chamada Museu da Pelada. Uma obra-prima que o Pugliese, Paulo César Caju e demais colaboradores assinam, parodiando o grande Édson Mauro! E também para o funcionário que leva o café para a diretoria e seus convidados. A arte de servir que falta ao futebol, à sociedade.  

O maior artilheiro do Maracanã com 333 gols teve seus dias de ferro quente. Numa final de Taça Guanabara, na disputa dos pênaltis, o Flamengo com a faca e o queijo na mão. Foi quando o arqueiro de Além Paraíba, Mazzaropi, voou raso como um galo para espalmar a cobrança daquele que um ano depois iniciaria uma saga de títulos pelo Flamengo.  Em seguida pegou de Geraldo, outra jogador projetado a craque que veio a desperdiçar sua cobrança. Há exatos 37 anos e 14 dias. Mas foi na Copa do Mundo de 1986 que o Zico perdeu a grande oportunidade de fazer o gol de pênalti diante de uma França forte que já vinha de uma bela Copa do Mundo em 1982 e conquistado a medalha olímpica diante do Brasil, em Pasadena, nos EUA. 

Contemporâneo do Zico na seleção e nos duelos marcantes entre Flamengo e Atlético-MG, Toninho Cerezo é outro exemplo de craque que titubeou na marca da cal. Em 1977, ano de nascimento de quem vos escreve, chutou para longe a cobrança de pênalti na decisão contra o São Paulo de Valdir Peres. Abriu a contagem pelo Galo de Minas e não permitiu que o alvinegro das Alterosas largasse à frente no placar. A curiosidade desse fatídico momento para a massa do Galo foi que as duas outras cobranças perdidas foram praticamente iguais a do Cerezo – bola no canto superior esquerdo, porém, por cima do travessão. 

Em 1994, quando o Brasil terminou o jejum de 24 anos sem colocar as mãos na taça Jules Rimet, durante a Libertadores quando o São Paulo tentava o tricampeonato do continental de clubes, Palhinha, o cérebro do time, sucumbiu diante do goleiro artilheiro e paraguaio Chilavert, do Veléz Sarsfield, que foi ao Japão para conquistar o Mundial Interclubes. 

Edmundo, outro exponencial jogador dos últimos anos do futebol brasileiro teve seus dias de vilão. Pelo Vasco chutou para longe uma cobrança contra o Corinthians na final do Mundial Interclubes no Maracanã depois que Hélton realizou o improvável: pegar o último pênalti cobrado por um dos jogadores mais perfeitos do disparo da bola: Marcelinho Carioca. Este, coincidentemente, também fraquejou na ‘hora do vamos ver”, na “hora da onça beber água”. Fez surgir um santo no Palestra Itália – São Marcos. Alguns anos depois, a vez foi do Edmundo dar uma de ‘animal irracional’ e cobrar a pior penalidade da sua vida diante do Sport em São Januário. Fez uma grande partida, fez o segundo gol no final do jogo dando a vitória por 2 a 0 e a chance de ir à final da Copa do Brasil, ano este que culminaria com o primeiro rebaixamento do Vasco da Gama. Diferentemente de 2000, Edmundo foi o único a perder a cobrança que comprometeu a ida do Vasco para a segunda final da Copa do Brasil em dois anos. 

Outro caso que os deuses do futebol preparam para os craques pode ser mensurado pela final da Libertadores da América entre Fluminense e LDU do Equador, clube este que teve uma sequência interessante de títulos sul-americanos e contribuindo com a ascensão da seleção do país que não é nosso vizinho geograficamente falando. Thiago Neves, provavelmente é o único jogador do planeta a fazer três gols numa decisão de Libertadores. Porém, o pior estava por vir na cobrança das penalidades máximas, na hora de ficar “de frente para o crime”. Ele errou a cobrança logo em seguida do insucesso do Conca, outro craque da ‘Máquina Tricolor Versão Anos 2000’ guardada às devidas proporções. Por favor!

Platini na disputa de pênaltis contra o Brasil também em 1986 – num mesmo jogo dois craques sucumbindo à Psicologia Esportiva -, Franco Baresi e Roberto Baggio, que fez uma Copa do Mundo brilhante não somente em 1994, como também em 1990, chutou aos ares a chance da Itália vingar 1970 numa final. Em época de Eurocopa, David Beckham também teve seu dia de pesadelo durante às quartas-de-finais da competição européia em 2004 quando Portugal sediou a competição. O craque-galã, camisa 7 do English Team, isolou a bola diante do goleiro Ricardo, da seleção portuguesa, nas quartas-de-finais, que custou a classificação inglesa para encarar a Holanda. Os craques são punidos pelos deuses do futebol, mas são absolvidos pelos torcedores. 

Para brindar minha tese, na final da Copa América Centenária, o maior jogador do planeta abriu a disputa de pênaltis pelos argentinos cobrando um tiro de meta e deixando de colocar a segunda maior campeã da Copa América na frente depois do craque Arturo Vidal também perder a primeira cobrança pelos bicampeões da Copa América. Olha que “el pibe’ celebrou aniversário na última quinta-feira, mas a festa é andina mais uma vez. 

Quem lembrar de grandes craques que fraquejaram na hora do penalti deixando a taça de campeão para o adversário, fale com o Museu da Pelada. A lista deve ser extensa. Grande abraço e saiba que na hora do pênalti o posicionamento é na meia lua e quando o árbitro autorizar obrigatoriamente para a cobrança sair com mais perfeição é necessário correr para a bola. Esse lance de paradinha, repicada, posicionamento torto perante à gorduchinha – olha eu parodiando o grande Osmar Santos – é fruto de falta de seriedade nos treinamentos. 

Craques não foram feitos para decisões nas disputas de pênaltis. É preciso saber que uma cobrança, para ser perfeita, depende do posicionamento do cobrador na meia lua para que o mesmo possa correr em direção à bola e dificultar a escolha do goleiro. É por isso que Romário nunca deu chances para os arqueiros. Quem vai correndo para a bola vai decidido. Essa técnica é observada por um jornalista frustrado que não conseguiu ser jogador de futebol.