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Estádios

ARENAS ARRASAM VELHOS ESTÁDIOS

por Pedro Redig, de Londres

O fim da temporada na Europa vai ficar marcado pelo desaparecimento de estádios de uma outra era que vão sendo substituídos por versões modernas muitas vezes sem a mesma atmosfera.

O Atlético de Madrid dá adeus ao estádio Vicente Calderon, um alçapão sem cobertura onde 55 mil torcedores intimidavam qualquer visitante. Construído em 1966, o velho estádio no coração de Madrid vai dar lugar a um empreendimento imobiliário e deve vir abaixo até 2018.

A nova arena de 68 mil lugares, um pouco mais afastada, vai adotar o estranho nome “Wanda Metropolitano” por causa do patrocínio do grupo chines Wanda que também é parceiro da FIFA.

Calderon foi presidente do Atlético e minhas lembranças do velho estádio não podiam ser melhores. Foi lá que assisti França 4×1 Irlanda do Norte na Copa do Mundo de 1982. Também vi um tremendo show dos Rolling Stones, com o Mick Jagger passando rodo literalmente no palco por conta da chuva torrencial.

Outro estádio que está sendo demolido a toque de caixa é o White Hart Lane, a casa do Tottenham no norte de Londres durante 118 anos. Conhecido simplesmente como “Lane”, era um alçapão mais apertado ainda do que o Calderon: 36.284 torcedores bem perto do campo, na melhor tradição inglesa.

O novo estádio com capacidade para 61 mil espectadores vai engolindo o antigo e o projeto de mais de R$ 3 bilhões de reais deve ficar pronto para 2018-2019. Neste intervalo, o Tottenham vai jogar a próxima temporada em Wembley. Para ganhar mais dinheiro, o novo estádio do Tottenham vai sediar ainda jogos da NFL, com um gramado retratável especial para a liga de futebol americano.

Clubes mudam de estádio porque eles precisam faturar mais. As chamadas arenas modernas abrem espaço para o torcedor diferenciado em detrimento do torcedor comum. Esta elitização rouba parte do clima que só as torcidas mais animadas conferem ao futebol-espetáculo.

Estes novos templos são confortáveis, com bons serviços, mas são todos parecidos, padronizados porque seguem a mesma estratégia de tratar o torcedor como consumidor. Estádios são como automóveis que hoje parecem os mesmos, sem identidade. Ou shopping centers que também pecam pela falta de originalidade e individualidade. São todas construções sem alma.


O formato em cuia que caracteriza todos os estadios padrão-FIFA aplicado ao Maracanã (Foto: Pedro Redig)

Os estádios antigos têm algo de diferente que fica difícil replicar na arena moderna. Imagine pegar a Bombonera, o estádio do Boca Junior,s com seu desenho diferente e assimétrico, botar abaixo e fazer outro, seguindo o padrão global FIFA de agora. Seria um crime contra a humanidade e a memória do futebol.

O formato sempre igual em forma de cuia, com áreas vip, mídia e patrocinadores faz com que os estádios modernos não tenham a mesma atmosfera. Estas novas exigências reduzem o espaço e, às vezes, a consequência é a diminuição da capacidade, como é o caso do Maracanã, onde atualmente só cabem 78 mil.


O nova arena vai engolindo o velho estádio de White Hart Lane que resistiu durante 118 anos (Foto: tottenhamhotspur.com)

O ex-estádio mais animado do mundo mais parece um cemitério para quem viveu os tempos de casa cheia dos antigos Campeonatos Cariocas e da velha Seleção Brasileira de Pelé e cia. Com a exceção de poucos jogos de casa cheia, a magia do torcedor comum morreu.

Os fãs do Arsenal sabem que o antigo Highbury era mais animado do que o novo estádio dos Emirados. Mas eles são os campeões do faturamento com mais de R$10 milhões por jogo. O West Ham se mudou para o novo estádio Olímpico de 2012 mas tem saudade de Upton Park.  Na nova arena, apesar das adaptações, a torcida fica longe demais do campo e isso prejudica o ambiente.

O segredo é balancear tradição e modernidade. Os clubes precisam sim de novas receitas e novas arenas, mas a alma do torcedor e o ambiente precisam ser preservados. Senão, todo o investimento com a exploração destes novos templos do futebol-dinheiro não vai valer a pena.

CATRACAS

por Claudio Lovato


(Foto: Reprodução)

 – A gente vai?

A pergunta do menino atingiu o homem como um corte de punhal de gelo em algum lugar entre a boca do estômago e o meio de peito.

— Claro!

A resposta exprimia vontade, não certeza. Nenhuma certeza.

Fim do mês. O dia do pagamento ainda coisa distante – teria que esperar mais uma semana pelo menos. Uma pindaíba de dar dó (a dó que ninguém sentia por eles, a não ser eles próprios).

O homem precisava arranjar R$ 120,00 se quisesse levar o menino ao jogo desta tarde.

O dinheiro restante na casa estava em poder da mãe, dentro de um envelope que todos sabiam onde estava, mas do qual ninguém se atrevia a chegar perto. Era o dinheiro da comida, do gás, da conta da luz (atrasada) e da condução para o trabalho.

O menino ouviu a respostae voltou para o quarto.

O homem pensou.

Aos amigos aos quais podia recorrer, já o havia feito, em outras ocasiões recentes.

Poderia falar com o patrão, pedir um vale, mas logo desistiu da ideia. Simplesmente não conseguia imaginar aquele sujeito sovina, dono do mercadinho onde ele trabalhava como faz-tudo havia dois anos, lhe dando um adiantamento.

Poderia falar com o vizinho que emprestava dinheiro para quem quer que aceitasse pagar os juros obscenos que ele cobrava. Se sua mulher descobrisse que ele havia pegado dinheiro com o agiota do bairro, o casamento sofreria sério abalo. Poderia até acabar. Ou no mínimo lhe render duas semanas dormindo no estropiado sofá da sala.

Por fim, pensou no irmão.

O problema era que o irmão costumava combinar uma coisa e se esquecer dela meia hora depois – meia hora regada a toda cachaça que conseguisse beber.

Mas resolveu ligar.

O telefone tocou várias vezes antes de o irmão atender. Estava acordando e, pelo jeito, em seu estado normal: enfrentando uma ressaca furiosa.

Explicou o caso. Sim, o irmão tinha R$ 120,00 para emprestar. Claro que ele sabia o quanto sobrinho queria ir àquele jogo. Marcaram o encontro para dali a duas horas, no portão de acesso que usavam para entrar desde os tempos em que eles dois, os irmãos, eram adolescentes.

Antes da hora marcada, o homem e o menino estavam em frente ao portão. A hora chegou e o irmão não apareceu.

A aflição do homem aumentava a cada minuto. O menino não olhava para o homem; concentrava-se em assistir aos outros torcedores entrarem no estádio.

O homem percebeu que um dos porteiros, o mais velho, os observava. 

Agora havia poucos torcedores no entorno do estádio. O jogo estava para começar. O homem sabia: o irmão não apareceria. Ligou para ele do celular. Caixa de recados. A irritação, a amargura e a certeza de que de nada adiantaria fazer aquilo o impediram de tentar uma nova chamada.

O porteiro veterano continuava a olhar para eles. No peito do menino, a iminência da decepção se manifestava na forma de batidas aceleradas do coração.

A torcida lá dentro. A festa. Era o time entrando em campo. O entorno do estádio praticamente deserto. E nada do irmão.

Agora, lá dentro, a primeira explosão da torcida. Gol? Quase gol?

Duas lágrimas invencíveis surgiram nos olhos do menino. 

Ódio em estado bruto transbordava do peito do homem – ódio de tudo, ódio da vida.

Então ele viu o porteiro coroa fazer um sinal. Depois o assistiu colocar a catraca numa posição neutra, caminhar em direção ao colega, cochichar alguma coisa e, na sequência, afastarem-se, ambos comas mãos no bolso das jaquetas pretas.

O homem pegou o menino pela mão e o arrastou. Com o máximo de cuidado e rapidez (uma combinação difícil) passaram pela catraca.

O menino enfim ingressou no território em que seu desejo mais profundo se realizava.

O homem olhava para o menino, e para nada mais; era a única forma possível de sufocar a imensa vergonha que sentia.


(Foto: Reprodução)

O barulho da batucada. Os gritos. Quando, por fim, o menino e o homem conseguiram dirigiro olhar para o gramado,um dos atacantes do time deles, o craque tatuado, ídolo maior do menino, estava na cara do gol, sozinho, de cabeça erguida, com a bola colada ao pé direito,  apenas ele e o goleiro, e então fez exatamente o que tinha que fazer, para a momentânea desforra do homem e do menino diante daquilo que jamais poderiam enfrentar de igual para igual. 

FALHAMOS. DENTRO E FORA DE CAMPO

por Mateus Ribeiro

Sabemos que existem poucas verdades absolutas. Porém, uma delas não podemos contestar: o ser humano falhou miseravelmente durante seu processo de evolução.

No último final de semana tivemos mais algumas provas dessa máxima. O mais triste de tudo é que essas situações ocorreram durante partidas de futebol, que teoricamente deveriam garantir nossa diversão, mas ultimamente nos proporcionam mais medo do que qualquer outro tipo de emoção.

Começando pela tragédia que teve o pior desfecho, vamos até a Argentina. Não vamos nos aprofundar muito, até porque não somos apresentadores de jornal policial, é bom deixar claro.


(Foto: Reprodução)

Durante o clássico entre Belgrano e Talleres, um torcedor foi arremessado da arquibancada e faleceu. Foi jogado, como uma pedra, um copo descartável, ou um pedaço de papel. Tanto faz a “razão” pela qual o tumulto se iniciou. Tanto faz se o torcedor que já não está mais entre nós estivesse caçando o suposto assassino do seu irmão. A forma como tudo aconteceu entristece, choca, e mais uma vez, nos faz perder a fé na humanidade.

Algumas horas depois, durante o Domingo de Páscoa, que deveria ser um dia no mínimo tranquilo, tivemos um espetáculo repleto de barbaridade na França.


(Foto: Reprodução)

Antes da partida entre Bastia e Lyon, torcedores do time mandante começaram a provocar os atletas do Lyon que estavam aquecendo. Claro que ninguém tem sangue de barata, e alguns jogadores devolveram a provocação. Não foi a melhor atitude a ser tomada, ainda mais levando-se em consideração que existem torcedores de futebol que não são dotados de paciência e capacidade de raciocínio. O resultado? Confusão, e um grande número de vândalos invadiram o gramado para tentar agredir Depay e seus companheiros.

Depois de quase uma hora, a partida teve início. Uma grandiosa falta de responsabilidade por parte dos árbitros e de quem autorizou o início da partida, uma vez que a segurança não era garantida. Claro que as coisas poderiam ficar piores, e ficaram. Após o final do primeiro tempo, mais uma confusão, dessa vez envolvendo o goleiro titular. Após cenas horrorosas, o jogo foi suspenso. Menos mal que não houve nenhuma agressão mais pesada. Porém, o risco era gigantesco.


(Foto: Reprodução)

Vale lembrar que na última semana, o Lyon já havia passado por problemas em seu jogo contra o Besiktas. Situações deprimentes como as mencionadas viraram rotina. E existe quem ache legal torcedor brigar, jogador com discurso agressivo, e tudo que lembra a violência gratuita. Não precisa ser muito esperto para saber que isso está longe de ser aceitável, muito menos legal.

O mesmo torcedor que reclama que o futebol não tem emoção sente-se com medo de ir até o estádio e voltar com algum hematoma ou com algum trauma. Na verdade, o torcedor que realmente pensa em sua segurança fica na sua casa. E não importa se é torcida única, torcida mista, que seja. Selvagem existe em qualquer lugar. E a selvageria está sendo perdoada, e em alguns casos, exaltada.

Um ambiente que era para significar lazer e diversão passou a significar medo e apreensão. E isso não pode passar batido.

O que não pode passar batido também é o discurso de que tais cenas acontecem em países de terceiro mundo. Ledo engano. Imbecis e criminosos existem no mundo todo. Desde a Guiana Francesa até a Noruega.

Infelizmente, depois de um final de semana repleto de grandes partidas, o que chama a atenção são espetáculos tétricos protagonizados por imbecis que se perderam na Idade da Pedra.

A esperança é a única solução. Esperança em dias melhores e leis mais rígidas. Enquanto isso não acontece, nos resta assistir jogos no sofá com a garantia de que terminaremos o jogo com vida.