por André Felipe de Lima
Antes de chamarem o canhoto William Kepler de “Esquerdinha”, chamavam-no “Pequenino”. O apelido que o consagraria anos mais tarde no Flamengo nascera, porém, quando, em uma pelada do time do Morrinho contra o da rua Pereira, no subúrbio carioca, o “Pequenino” foi deslocado para a ponta-esquerda. Começou a marcar muitos gols com a potente canhota e o batismo definitivo tornou-se inevitável: nascera o “Esquerdinha”, que se tornaria, anos depois, um dos melhores ponteiros-esquerdos da história do Flamengo. Foi a partir dele que muitos “Esquerdinhas” despontaram com o mesmo apelido Brasil afora.
Hoje, no mesmo dia em que o Rio de Janeiro completa 453 anos, Esquerdinha faria 95. Saudade do grande craque, com quem tive o imenso prazer de entrevistar em 2011. Talvez a última entrevista concedida pelo grande ponta-esquerda dos anos de 1950.
Esquerdinha ingressou no futebol em 1941, nos juvenis do Madureira. Em 1946, tornara-se profissional. Foi craque da bola e do jornalismo. Durante a célebre excursão do Flamengo à Europa em 1951, escreveu crônicas para o já extinto Diário Carioca. Tornou-se um bom escriba de imprensa e passou a assinar artigos para vários jornais durante alguns anos. Suas crônicas eram sempre muito requisitadas.
Com a bola nos pés, o craque tinha um chute forte, verdadeiro petardo. Mas não era muito bom em cobranças de pênaltis. Chegou a perder dois em um só jogo. Se marcou gols aos montes também perdeu muitos outros. Se a pontaria fosse quase 100%, Esquerdinha estaria, no mínimo, entre os quatro maiores goleadores da história do Flamengo.
Primeiro filho do casal Raimundo Santa Rosa e Terezina da Costa Santa Rosa, Esquerdinha nasceu em Belém, no Pará, no dia 1º de março de 1924, e recebeu o nome de William Kepler. Seu irmão Walter Kepler nasceria no ano seguinte, no dia 22 de fevereiro.
O pai de Esquerdinha decidira mudar-se com a esposa e os dois filhos para Nova Iorque. Seguiu viagem antes de levar a família para tratar de documentação, moradia e trabalho, o que garantiria mais segurança a todos. Certa noite, antes de retornar para a casa recém-adquirida, Raimundo decidiu parar em um bar acompanhado de um amigo. Ladrões renderam os clientes e exigiram o dinheiro de todos. Raimundo, ao colocar a mão no bolso de trás de calça para pegar a carteira com o dinheiro e entregá-la aos assaltantes, levou um tiro no peito que atingiu o coração, matando-o em seguida. Terezina, após saber da trágica morte do marido, embarcou com os filhos para Nova Jersey onde seus pais já moravam. O bandido foi preso e condenado à cadeira elétrica.
Passara o tempo e Terezina casou-se, lá mesmo nos Estados Unidos, com o brasileiro Antônio Jerônimo da Silva. Ficaram por lá até 1930, quando todos retornariam a Belém. Do novo casamento da mãe de Esquerdinha nasceram Amélia e Wilson. Permaneceriam poucos meses na capital paraense e toda a família trocaria os Estados Unidos, no mesmo ano, pelo Rio de Janeiro, mais precisamente pelo bairro do Santo Cristo, no centro da cidade, no qual ficariam pouco tempo, mudando-se todos para o suburbano bairro de Oswaldo Cruz, na Travessa Blandina, nº33.
Esquerdinha não gostava de jogos de azar, tampouco de carteado; não bebia e nem fumava. Apesar de torcedor do Flamengo, nunca escondera gostar do São Paulo. Confessou isso aos mais próximos e em poucas entrevistas. Ao contrário da maioria dos jogadores de sua época, gostava das concentrações antes dos jogos. Seu treinador preferido foi Gentil Cardoso e o melhor jogador que vira jogar, Zizinho. Seu melhor amigo foi o centroavante Índio. Ambos eram compadres. Uma amizade que perdurou até o fim da vida. Aliás, neste dia 1º de março, Índio também faz anos. Foi um dos grandes atacantes do Flamengo nos anos de 1950. Ele e Esquerdinha eram infernais pelo lado esquerdo.
O ponta canhoto dizia que as maiores alegrias na carreira foram as vitórias contra o Arsenal, o Rapid Viena e o Malmoe, em 1949, e a vitoriosa excursão do Flamengo à Europa, em 1951, quando o Flamengo venceu os 10 jogos que disputara. O maior desgosto, ainda no começo da carreira, foi ter sido vetado pelo treinador Picabea para uma excursão do Madureira ao Pará, terra natal do Esquerdinha, o que só aconteceria com o Flamengo, anos depois.
Esquerdinha permaneceu 15 dias fora do time para curtir a lua de mel e, quando voltou, seu posto na ponta-esquerda estava ocupado por um rapaz que acabara de chegar do América. Treinou até no carnaval e logo retomaria a vaga. Mas, nos dois anos seguintes, o grande ponta-esquerda começava a abrir espaço para o mesmo rapaz que chegara à Gávea tempos atrás vindo do Alvirrubro. Um jogador que entraria para a história do clube e do futebol mundial. Um jovem que se chama Zagallo.