por Elso Venâncio
A cada dia aumenta a dificuldade do torcedor em ter acesso a seus ídolos. Isso acontece também com a imprensa. Há um abismo entre os jornalistas e os craques.
Quando surgiu o Fla-Barra, nos anos 90, Vanderlei Luxemburgo levava o time para o clube na véspera dos jogos. Não queria perder a identidade. Hoje o pai não pode levar o filho para bater uma foto com o ídolo. Na maioria das vezes, o pai era quem tietava; o filho era o escudo.
As crianças sonhavam entrar em campo com o time no Maracanã. Quando isso acontecia, chegavam a perder o sono. Eram os mascotes, substituídos hoje por bonecos, caricaturas.
Aos poucos, a paixão do torcedor por seu clube do coração vai diminuindo. Fato que, há tempos, acontece com a Seleção Brasileira. Paixão tem que ser regada, precisa ser renovada.
Vamos relembrar as tardes de sábado na Gávea. Jogadores, dirigentes, sócios, torcedores e imprensa conviviam todos bem de pertinho. Aquela energia positiva passava para o time. Seu Edmundo, no portão de entrada com seu inseparável cachimbo, sorridente, chamava todos de ‘Doutor’ e barrava os penetras. Ele era a última barreira para quem tentava se aproximar do campo. O treino de apronto se tornava programa obrigatório na agenda dos torcedores, que vinham de toda parte do país para assistir ao jogo do dia seguinte.
Zico, o grande Ídolo, atendia, com toda paciência, um repórter de cada vez. Falava com as TVs, com as rádios e com os jornais. Não existia coletiva! Arquibancada cheia, a Gávea era uma verdadeira festa!
O Galo treinava faltas, normalmente no gol à esquerda dos vestiários, e quase sempre sozinho. Eu pensava com os meus botões: como pode o maior jogador do Brasil, um dos maiores do mundo em todos os tempos, armar sozinho as barreiras móveis. Ele pegava umas dez ou vinte bolas e dava um show nas batidas. Era um ‘avant-première’ do que aconteceria na tarde seguinte.
Os cartolas e jogadores não se escondiam atrás de assessores. Nomes consagrados, como Junior, Leandro, Bebeto e Renato Gaúcho, paravam para dar entrevistas e posar para fotos à beira do gramado. Jogadores chamavam os repórteres pelo nome. A imprensa fazia o elo entre quem era notícia e os torcedores. Hoje os craques não conhecem sequer os diretores, à exceção dos que trabalham diretamente no futebol e, claro, o presidente do clube.
O futebol brasileiro, o maior do planeta, começa a despencar no momento em que tenta imitar os europeus. Nosso país tem calor humano. Quem já morou fora sabe disso.
Vale lembrar aquela máxima do Tom Jobim:
“Viver no exterior é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom.”
Vamos direto para a despedida oficial de Zico – o último treinamento na Gávea antes da ida do Flamengo para Juiz de Fora. Ele fica no vestiário por bastante tempo. Faz sauna, corta a barba, é o último a sair. O ônibus já tinha seguido para Minas Gerais, onde a equipe disputaria um histórico Fla-Flu. Zico preferiu ir de carro com Sandra, sua esposa, domingo cedo. A tarde de repente virou noite e só eu o esperava. Fomos para o estacionamento dos jogadores e ele me atendeu com calma. Vesti toda a programação da Rádio Globo (noite, madrugada e manhã) com suas declarações. Não havia com ele um assessor, um puxa-saco, sequer um segurança. Estamos falando de Zico!
Na Copa do Brasil de 1990, o Flamengo foi campeão ao vencer por 1 a 0 o Goiás em Juiz de Fora (o Maracanã estava em uma de suas intermináveis reformas) e, depois, empatar sem gols no jogo decisivo, disputado no Serra Dourada. A festa uniu jogadores, dirigentes, imprensa e alguns torcedores. Uma grande mesa foi colocada na parte externa de uma churrascaria.
Não sou saudosista. Acho essa era atual das mídias sociais muito melhor do que antigamente. A modernidade chegou. É verdade, sim, que sinto falta do furo de reportagem. Da briga pela notícia exclusiva – ‘guerra’ definitivamente sepultada. Hoje tudo é falado ou exposto em tempo real e há as chatíssimas e pasteurizadas entrevistas coletivas.
O que não consigo entender é o isolamento do torcedor, que é a razão principal dessa paixão nacional chamada futebol. Para azar do futebol. E também da própria paixão nacional.