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Elso Venâncio

DISTÂNCIA DO ÍDOLO DIMINUI PAIXÃO DO TORCEDOR

por Elso Venâncio


A cada dia aumenta a dificuldade do torcedor em ter acesso a seus ídolos. Isso acontece também com a imprensa. Há um abismo entre os jornalistas e os craques.

Quando surgiu o Fla-Barra, nos anos 90, Vanderlei Luxemburgo levava o time para o clube na véspera dos jogos. Não queria perder a identidade. Hoje o pai não pode levar o filho para bater uma foto com o ídolo. Na maioria das vezes, o pai era quem tietava; o filho era o escudo.

As crianças sonhavam entrar em campo com o time no Maracanã. Quando isso acontecia, chegavam a perder o sono. Eram os mascotes, substituídos hoje por bonecos, caricaturas.

Aos poucos, a paixão do torcedor por seu clube do coração vai diminuindo. Fato que, há tempos, acontece com a Seleção Brasileira. Paixão tem que ser regada, precisa ser renovada.

Vamos relembrar as tardes de sábado na Gávea. Jogadores, dirigentes, sócios, torcedores e imprensa conviviam todos bem de pertinho. Aquela energia positiva passava para o time. Seu Edmundo, no portão de entrada com seu inseparável cachimbo, sorridente, chamava todos de ‘Doutor’ e barrava os penetras. Ele era a última barreira para quem tentava se aproximar do campo. O treino de apronto se tornava programa obrigatório na agenda dos torcedores, que vinham de toda parte do país para assistir ao jogo do dia seguinte.

Zico, o grande Ídolo, atendia, com toda paciência, um repórter de cada vez. Falava com as TVs, com as rádios e com os jornais. Não existia coletiva! Arquibancada cheia, a Gávea era uma verdadeira festa!

O Galo treinava faltas, normalmente no gol à esquerda dos vestiários, e quase sempre sozinho. Eu pensava com os meus botões: como pode o maior jogador do Brasil, um dos maiores do mundo em todos os tempos, armar sozinho as barreiras móveis. Ele pegava umas dez ou vinte bolas e dava um show nas batidas. Era um ‘avant-première’ do que aconteceria na tarde seguinte.

Os cartolas e jogadores não se escondiam atrás de assessores. Nomes consagrados, como Junior, Leandro, Bebeto e Renato Gaúcho, paravam para dar entrevistas e posar para fotos à beira do gramado. Jogadores chamavam os repórteres pelo nome. A imprensa fazia o elo entre quem era notícia e os torcedores. Hoje os craques não conhecem sequer os diretores, à exceção dos que trabalham diretamente no futebol e, claro, o presidente do clube.

O futebol brasileiro, o maior do planeta, começa a despencar no momento em que tenta imitar os europeus. Nosso país tem calor humano. Quem já morou fora sabe disso.

Vale lembrar aquela máxima do Tom Jobim:

“Viver no exterior é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom.”

Vamos direto para a despedida oficial de Zico – o último treinamento na Gávea antes da ida do Flamengo para Juiz de Fora. Ele fica no vestiário por bastante tempo. Faz sauna, corta a barba, é o último a sair. O ônibus já tinha seguido para Minas Gerais, onde a equipe disputaria um histórico Fla-Flu. Zico preferiu ir de carro com Sandra, sua esposa, domingo cedo. A tarde de repente virou noite e só eu o esperava. Fomos para o estacionamento dos jogadores e ele me atendeu com calma. Vesti toda a programação da Rádio Globo (noite, madrugada e manhã) com suas declarações. Não havia com ele um assessor, um puxa-saco, sequer um segurança. Estamos falando de Zico!

Na Copa do Brasil de 1990, o Flamengo foi campeão ao vencer por 1 a 0 o Goiás em Juiz de Fora (o Maracanã estava em uma de suas intermináveis reformas) e, depois, empatar sem gols no jogo decisivo, disputado no Serra Dourada. A festa uniu jogadores, dirigentes, imprensa e alguns torcedores. Uma grande mesa foi colocada na parte externa de uma churrascaria.

Não sou saudosista. Acho essa era atual das mídias sociais muito melhor do que antigamente. A modernidade chegou. É verdade, sim, que sinto falta do furo de reportagem. Da briga pela notícia exclusiva – ‘guerra’ definitivamente sepultada. Hoje tudo é falado ou exposto em tempo real e há as chatíssimas e pasteurizadas entrevistas coletivas.

O que não consigo entender é o isolamento do torcedor, que é a razão principal dessa paixão nacional chamada futebol. Para azar do futebol. E também da própria paixão nacional.

EVARISTO DE MACEDO, O TÉCNICO QUE ENQUADROU ROMÁRIO

por Elso Venâncio


“Você tem essa marra toda… Quer saber? Eu joguei mais que você. Muito mais.”

Evaristo arrancava gargalhadas de Romário ao apontar para ele, nas preleções.

“Pelé só surgiu porque eu fui vendido. Eu seria o titular na Copa de 58.”

Na época, só eram convocados jogadores que atuavam no Brasil – e, basicamente, atletas do eixo Rio-São Paulo. Evaristo de Macedo era um dos destaques do Barcelona.

As colocações de Evaristo visavam descontrair o grupo antes dos treinamentos e jogos. Principalmente após ter acontecido uma séria discussão entre ele e Romário no início do seu trabalho como treinador do Flamengo.

Jogo com o Atlético Mineiro, no Maracanã. Intervalo e o Galo vence por 1 a 0. Romário entra possesso no vestiário:

“Vocês não jogam merda nenhuma… Maracanã tá cheio por minha causa, salários só estão em dia porque estou aqui, e essa merda de time não faz por onde.”

Não era a primeira e nem segunda vez que o artilheiro agia assim.

Antes, com Joel Santana no comando, o zagueiro Jorge Luiz não gostou das colocações e partiu para o confronto:

“Ah, tá bom… Você não marca ninguém, fica paradão, chupando sangue lá na frente. Não f…!”

A turma do deixa-disso teve de entrar em ação. Vale lembrar que brigas acontecem no vestiário sem que a imprensa sequer fique sabendo. Na volta para o segundo tempo, presenciei as últimas orientações do treinador. Naquele tempo, repórter tinha acesso direto aos ídolos e aos vestiários. Papai Joel terminou assim:

“E você, Baixinho, marca só um pouquinho…”

“Vai pra p…”, reagiu Romário. “Não f…!”

“Não se pode nem brincar um pouquinho?” – sorriu, sarcástico, Joel. A risada foi geral e o time entrou em campo mais leve.

Voltando ao entrevero com Evaristo, o treinador esperou Romário falar de forma áspera, aos gritos e com respiração ofegante.

“Terminou?” – o técnico perguntou, com uma calma de deixar qualquer um se roendo de raiva.

Romário olha sério para todos os cantos do vestiário, ao passo que Evaristo retoma a palavra:

“Foi a última vez que você fez preleção. No vestiário, só eu falo. Mais ninguém.”

“Eu vou falar, sim.”

“Não vai, tá entendido? Isso vale pra todos.”

Silêncio sepulcral…

Segundo tempo começa. O Flamengo vira o jogo com dois de Romário. A cada gol marcado, o artilheiro corre até o túnel e aponta para Evaristo:

“Você jogou mesmo? Já fez gol assim? E aí, já fez?”

Washington Rodrigues, diretor técnico, chama Evaristo:

“O Baixinho não quer briga, ele quer falar contigo.”

O Velho Apolo, meu padrinho no rádio esportivo, com habilidade contornou o impasse. Evaristo de Macedo e Romário viraram amigos e se dão bem até hoje.

A partir de então, a cada preleção o jogo virou:

“Você tem essa marra toda… Eu joguei mais que você” – mandava o técnico. Romário ria, feito criança.

Primeiro brasileiro a ser ídolo no Barcelona e no Real Madrid, Evaristo tinha currículo para falar de igual para igual com o melhor jogador do mundo da última Copa. ‘Dom Evaristo’ me disse que, antes da pandemia, participava com certa regularidade de homenagens nestes dois clubes. Falava que, lá fora, o ídolo é reverenciado sempre, jamais é esquecido.

Um dos destaques no segundo tricampeonato estadual do Flamengo (1953,54 e 55), o centroavante não demorou a ser vendido para a Europa. Onde jogaria com Di Stéfano, Puskas, Gento, craques de outro gabarito. Todos do seu nível.

Único jogador na História a marcar cinco gols em um único jogo com a camisa da seleção, fez também a mesma quantidade contra o São Cristóvão, pelo Flamengo, numa tarde mágica do Maracanã.

Anos mais tarde, na década de 70, abriu caminho para os técnicos brasileiros se aventurarem no mundo árabe, onde, por sinal, enriqueceu com petrodólares.

Treinou vários clubes e também a Seleção Brasileira. Só um ‘peso pesado’ desse porte para bater de frente e chamar o ‘Homem do Tetra’, na época o número 1 do planeta bola, para uma ríspida mas equilibrada e crucial queda de braço.

No fim, final feliz. Hoje, um respeita o outro. Ambos se uniram, para o bem do futebol.

JOGAR NO FLAMENGO: SONHO QUE O FENÔMENO NÃO REALIZOU

por Elso Venâncio


Ronaldo Fenômeno é um dos personagens mais vitoriosos do mundo do futebol. Paulo Roberto Falcão costumava dizer que jogador morre duas vezes. A maioria perde o rumo quando se afasta dos campos. Ronaldo, não. Renasce sempre e melhor, como atleta ou empreendedor, lembrando a história da Fênix, lendário pássaro da mitologia grega que morria e pouco depois ressurgia, renascendo das próprias cinzas mais forte do que nunca.

Muitas articulações nos bastidores não chegam à imprensa. O predestinado Ronaldo foi uma espécie de “estagiário” na Copa de 1994. Seus empresários argumentaram com Parreira que a convocação do garoto agradaria ao patrocinador, à CBF, e que ele ganharia experiência para os próximos Mundiais. Afinal, despontou aos 16 anos de idade como um autêntico furacão, um tufão que varria todas as defesas que encontrava pelo caminho, brilhando com a camisa do Cruzeiro.

Parreira levaria Evair, que estava em grande forma no Palmeiras, mas o atacante de 29 anos não teria chance de jogar nos Estados Unidos, menos ainda nas próximas Copas. Com isso, o técnico mudou de ideia. Convocou Ronaldo, então com 17 anos, para ser talvez o único “trainee” da história de um Mundial.

Preparado desde cedo para ser um grande jogador, tinha pinta de craque. Acabou se tornando um fora de série, um supercraque. Estrela mundial, brilhou pelo PSV, arrasou no Barcelona, foi muito bem na Inter de Milão, ídolo de uma constelação no Real Madri e craque do Milan, sendo eleito por três vezes (1996, 1997 e 2002) o melhor jogador do mundo.

Passou a ser o jogador brasileiro mais conhecido e idolatrado na Europa. Bem orientado, inteligente, apoiado por multinacionais e com futebol digno de Fenômeno – apelido que recebeu dos italianos quando atuava pela Inter –, superou adversidades e atingiu todas as metas traçadas até se tornar sócio de clubes poderosos em todo o planeta.

Ronaldo parece ter o mundo a seus pés, mas um sonho de criança passou ao seu lado por três vezes e ele nunca conseguiu realizá-lo: jogar no clube do seu coração.

Na primeira tentativa, saiu da humilde Bento Ribeiro para ser testado dentre quase mil meninos que tentavam a sorte na peneira do Flamengo. Aprovado, não pôde voltar por não ter dinheiro para pagar as passagens.

O São Cristóvão lhe abriu as portas após um convênio com o Social Ramos, clube de salão onde jogava. Para o Cruzeiro e para a fama foi um pulo, mas o Flamengo – e eu pude comprovar isso – não saía da sua cabeça.

Eis que surge na sala de imprensa um garoto magrelo, dentes para fora, munido apenas de um calção e sem camisa. Tinha saído da sala de musculação que ficava entre o vestiário e o corredor onde os jornalistas resenhavam. O garoto já era jogador do Cruzeiro, contratado havia poucos meses, e se recuperava de uma contusão na Gávea. Com um sorriso juvenil, me fez um pedido:

“Elso, eu sou Flamengo. Me ajuda… quero jogar aqui.”

Revelou que ouvia os jogos do time pela Rádio Globo, torcendo ao lado do pai, Nélio Nazário, e que era fã do ‘Garotinho’ José Carlos Araújo.

Ronaldo ainda teve uma última chance de vestir o manto rubro-negro. O sonho do atacante ficou bem perto de ser realizado 15 anos depois de despontar no cenário futebolístico. Em setembro de 2008, já rico, famoso, realizado, protagonista do pentacampeonato conquistado na Copa do Mundo do Japão e da Coreia, o jogador passou quatro meses treinando na Gávea, recuperando-se de uma grave contusão no joelho esquerdo. Estava livre no mercado, pronto para quem sabe finalmente jogar no seu clube e fazer, enfim, um gol no Maracanã.

É verdade: Ronaldo, como profissional, por ter atuado muito tempo no exterior, não tinha marcado ainda no maior e principal estádio do mundo. Mas, curiosamente, não recebeu nenhuma proposta da diretoria rubro-negra. Treinava normalmente, forte, mas não participava dos coletivos. O tempo se passando e nada de proposta, nada de projeto para que permanecesse, ficasse de vez e jogasse pelo Mais Querido.

Seu lado profissional entrou em ação e o craque decidiu aceitar uma proposta tentadora do Corinthians. No clube paulista, encerraria ainda em bom nível a sua brilhante carreira.

Ele não entende até hoje como foi desprezado pelo Flamengo, deixando de realizar o seu sonho de criança.

Coisas do futebol. Vá entender cabeça de dirigentes…

INTERVENÇÃO GARANTE O TETRA

Parreira e Zagallo não queriam Romário em 1994

por Elso Venâncio


Romário fez o jogo de sua vida contra o Uruguai, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 19 de setembro de 1993. Uma das maiores atuações individuais de um jogador em toda a história da seleção brasileira.

O atacante só foi chamado por duas razões: absurda pressão nacional e intervenção do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que obrigou a comissão técnica a convocá-lo.

Parreira e Zagallo não o queriam, já que no ano anterior, em 16 de dezembro de 1992, o Baixinho reclamou por ficar na reserva. Careca e Bebeto foram titulares contra a Alemanha, em Porto Alegre. Romário sentou no banco ao lado de Renato Gaúcho e só entrou no fim do jogo. “Nunca fui reserva e sou melhor que os dois juntos”, extravasou o artilheiro que assombrava a Europa. A frase deixou os técnicos de olhos arregalados. Ambos procuraram o craque em seu quarto no hotel, após o jogo, para um puxão de orelhas.

Naquele momento, Romário foi riscado das Eliminatórias e, consequentemente, da própria Copa.

Zagallo era enfático:

“Desagregador. Temos que cortar o mal pela raiz.”

Parreira, mais diplomático:

“Vamos aguardar. Só o tempo dirá se ele volta.”

Ninguém esperava tamanha crise. O Brasil tinha sido eliminado da Copa América do Equador, ao perder nos pênaltis para a Argentina, e capengava nas Eliminatórias. Chegou a ser derrotado pela Bolívia em La Paz, fato inédito. Na penúltima rodada, Brasil, Bolívia e Uruguai se encontravam empatados, com 10 pontos ganhos. A seleção corria riscos, podendo ficar fora de um Mundial pela primeira vez na História.

Romário, no PSV-Eindhoven, da Holanda, era uma máquina de fazer gols. No começo de 1993, foi comprado a peso de ouro pelo Barcelona, que era dirigido pelo genial Johan Cruyff. No novo clube, mal chegou o Baixinho desandou a fazer o que mais sabia: gols. Era um atrás do outro. Um mais belo do que o outro.

Em sua estreia, na abertura do Campeonato Espanhol, os campeões da Champions League venceram o Real Sociedad por 3 a 0. Três de Romário. Parreira e Zagallo, a contra gosto, recuaram, baixando a guarda em relação à rixa estabelecida entre eles meses antes.

Romário desembarcou na semana do jogo contra o Uruguai, após estranho corte de Müller, e mudou o astral na Granja Comary. A confiança estava de volta e o otimismo em Teresópolis só foi quebrado devido à humilhação sofrida por Barbosa, 43 anos após o “Maracanazo”.

O ex-goleiro recebeu um cachê para ser levado pela BBC, de Londres, a Teresópolis com a finalidade de fazer um registro dele ao lado de Taffarel. Eu acompanhava tudo de perto e vi o constrangimento de Barbosa. Aos 72 anos de idade, ele foi impedido por Parreira de falar com o então titular da camisa 1 da seleção.

Zagallo se comportou de forma mais humana. Não era de agradar ninguém, mas foi ao encontro de Barbosa. Os dois conversaram por certo tempo. Barbosa sempre lembrava que, no Brasil, a pena máxima por qualquer delito era de 30 anos, mas ele pagava a dele havia mais de 40 por um crime que jamais cometeu. Apenas levou um gol que impediu o país de comemorar, em casa, o seu primeiro título mundial.

Veio o tão esperado jogo! O placar eletrônico anunciava: 101.670 pagantes, fora os eternos penetras. Maracanã lindo, entupido de gente. Clima tenso, com muita gente da imprensa trazendo à tona os fantasmas de 1950.

Em campo, Romário mostrou toda a sua genialidade. Marcou os dois gols da partida. O primeiro, de cabeça. O segundo, driblando o gigante goleiro Siboldi. Ainda chutou na trave, deu lençol, passou a bola por entre as pernas de um marcador. O normalmente contido Sérgio Noronha, “Seu Nonô”, me puxou pelo braço e sussurrou:

“Esse baixinho é foda! Foda!!!”

Sem sombra de dúvidas, foi um momento histórico que abriu caminho para que a seleção conquistasse, no ano seguinte, mesmo a duras penas, o seu quarto título mundial. Uma conquista entalada na garganta do povo nacional havia 24 anos.

O Brasil tinha à época os dois maiores atacantes do mundo e isso fez toda a diferença: Bebeto e Romário. Os dois já haviam arrebentado na Copa América de 1989. Pena que não continuaram brilhando juntos após o Tetra.

Em 1995, Parreira se afastou do comando. Zagallo assumiu, mas a rixa não teve fim. Romário, mesmo sendo o melhor do mundo, padeceu meses sem ser convocado. No ano seguinte, Olimpíadas de Atlanta. Zagallo descartou Romário para levar Aldair, Rivaldo e Bebeto como os três jogadores acima de 23 anos, o que a Fifa ainda permitia. Bebeto foi o artilheiro da competição, junto com o argentino Hernán Crespo, mas o Brasil, eliminado pela Nigéria, ganhou apenas a medalha de bronze.

Em 1997, Zagallo acusou Romário de simular contusão e o barrou na decisão da Copa América, contra a Bolívia, escalando Edmundo em seu lugar. Um ano depois, cortou o Baixinho da Copa do Mundo da França após o atacante realmente se contundir durante um jogo do Flamengo em Friburgo. Romário chorou. Garantia que se recuperaria a tempo de jogar o Mundial. Não o ouviram. O craque voltou às pressas ao Brasil e, provando que tinha razão, jogou pelo Flamengo durante o Mundial, inclusive marcando gol. A seleção perdeu a Copa para a anfitriã do torneio.

Após a derrota acachapante – França 3×0 –, Romário abriu uma boate na Barra da Tijuca colocando na porta dos banheiros caricaturas de Zagallo e Zico, então coordenador técnico da seleção no Mundial e responsável direto por lhe noticiar seu corte. Os desenhos? Zagallo sentado na privada – como quem quer dizer que fez merda – e Zico segurando o rolo de papel higiênico – dando a ideia de que coube ao Galinho limpar aquela “cagada”. O caso parou na Justiça.

Romário ainda poderia ter ido à Copa do Mundo da Coréia e do Japão, mas Felipão o preteriu após longa conversa com Ricardo Teixeira, depois de o Baixinho ter se recusado a disputar um amistoso. Ronaldo, às voltas com graves contusões, mesmo sendo uma incógnita, teve seu nome confirmado na competição. E menos mal que voltou ao Brasil com a taça na mão e a artilharia da Copa, sagrando-se pela terceira vez o melhor jogador do mundo.

Mas que o país queria ver em campo a dupla Ro-Ro, ah, isso todo mundo queria. O Brasil foi penta, mas a conquista teria sido bem mais bonita com os dois juntos no ataque.

NILTON SANTOS, O MAIOR LATERAL DA HISTÓRIA

por Elso Venâncio


O maior lateral-esquerdo da História do futebol mundial se chama Nilton Santos. Eleito pela FIFA, em 2000, como o melhor do Século 20 na sua posição, ele, merecidamente, tem um busto na sede de General Severiano e virou estátua, inaugurada em 2009, no estádio do Botafogo, que de “Engenhão” passou a levar seu nome.

Nilton era conhecido como a “Enciclopédia do Futebol”. Foi o primeiro lateral a atacar. Em 1958, contra a Áustria, na Copa do Mundo realizada na Suécia, saiu driblando o time adversário inteiro até fazer o gol. No banco, o técnico Vicente Feola se desesperava a cada avançada do defensor, pedindo o tempo todo para ele tocar logo a bola e voltar imediatamente. Incrédulo, de olhos arregalados, vibrou de forma contida na hora em que a bola estufou as redes. Aquele gol, definitivamente, apresentou Nilton Santos ao futebol internacional.

No Mundial seguinte, disputado em 1962 no Chile, o lateral cometeu um pênalti no atacante espanhol Enrique Collar, mas deu dois passos para frente saindo da área com a bola nos pés. O árbitro estava no meio de campo e, sem videotape e muito menos VAR, acabou não marcando a penalidade máxima que poderia mudar a história daquele jogo.

Nilton Santos vestiu somente uma camisa clubística. Além do uniforme da seleção brasileira, honrou apenas o manto da “Estrela Solitária”. Em 16 anos, conquistou 20 títulos em 718 partidas disputadas pelo Glorioso. É o atleta que mais entrou em campo defendendo o alvinegro carioca.

“Compadre” – na verdade, uma espécie de tutor de Mané Garrincha –, a amizade entre os dois só ficou de certa forma abalada quando o “Gênio das Pernas Tortas” resolveu deixar a esposa para viver com a cantora Elza Soares. Menos mal que esse distanciamento entre os amigos durou pouco.

Nilton falava sobre a pureza de Garrincha:

– Ele me perguntou após o bicampeonato mundial, em 1962, se eu iria um dia à terra dele. Disse que sim. Cheguei em Pau Grande, distrito de Magé, e ele estava descalço, de bermuda e sem camisa, jogando pelada em um campo de terra batida cheio de buracos. Falei para ele: “Mané, você é o maior jogador do mundo. Pode acabar se machucando…”. Ele nem deu bola e saiu me apresentando a seus amigos.

Morei por um tempo bem perto do ídolo, na Rua Paissandu, quando ele se casou com Maria Coeli, sua segunda esposa. Encontrava-o cedo, nas caminhadas que eu fazia pela passarela que dá acesso ao Aterro, ao lado da rua Barão do Flamengo. Um dia lhe perguntei:

– Pelé ou Garrincha?

Ele disse:

– Garrincha ia sempre pela direita. Pelé saía para os dois lados e, se a gente bobeasse, metia entre as nossas pernas. E não adiantava bater nele, pois era bravo e maldoso.

Um dia, Nilton comentou sobre isso com Zizinho:

– Você jogou como ninguém, mas ensinou o Pelé a bater. Que professor é esse, pra que isso?

– Por que se ele não se impor, quebram o garoto. Você sabe disso – retrucou.

Não vi Nilton jogar. Paulo César Caju, outro gênio da bola, me falou de uma característica do inesquecível lateral. Raramente ele usava a perna esquerda:

– Quando meu pai, o velho Marinho, o colocou na quarta zaga, na verdade como líbero, aliás o primeiro líbero do futebol, era comum Nilton Santos cobrir o Rildo e, quando a bola estava no lado esquerdo, dava passes de trivela com a perna direita. Era aplaudido até pelos torcedores adversários.

Era comum também encontrá-lo em uma academia no bairro do Flamengo. Entrava com uma toalha no pescoço e ia para a hidroginástica.

Levei-o algumas vezes ao “Enquanto a Bola Não Rola”, programa de debates que apresentei aos domingos na Rádio Globo. Ele ficava à vontade ao lado de Didi, o “Mr. Football”, Gerson, o “Canhotinha de Ouro”, aniversariante da semana, e os botafoguenses Luiz Mendes e Armando Nogueira. Aliás, Armando sempre me pedia para participar do programa quando Nilton fosse convidado. Tinham uma forte ligação. Eram amigos do peito e me lembro bem do último encontro entre os dois.

Isso se deu em março de 2001, quando Nilton aceitou ser enredo da Vila Isabel. “O Glorioso Nilton Santos. Sua Bola, Sua Vida, Nossa Vila”, era o tema da escola. Homenagem em vida, merecidíssimo!

Mestre Armando Nogueira, o “Machado de Assis” da crônica esportiva brasileira, tinha o lateral como o seu ídolo maior.

“Tu, em campo, parecia tantos, e no entanto, que encanto! Eras um só, Nilton Santos”.

E haja dito!