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Elso Venâncio

AS COPAS QUE FIZ COM PELÉ

por Elso Venâncio

Durante a cobertura de três Copas do Mundo, tive a chance – e a honra – de estar próximo do maior jogador de futebol que o planeta já viu. Em 1990, na Itália; nos Estados Unidos, em 1994; e no Mundial seguinte, em 1998, Copa disputada na França. Pelé convivia com a imprensa brasileira por ser o principal comentarista da Globo. E posso afirmar: nunca vi um brasileiro ser tão idolatrado no exterior.

Naqueles três Mundiais, a Rádio Globo ficou posicionada na tribuna de imprensa ao lado das tevês. Os olhos dos jornalistas do mundo inteiro se fixavam sempre em Pelé. Não como ser humano, mas como uma entidade. Eu observava a educação e o carinho do “Rei do Futebol” para com todos. Sempre com um sorriso sincero no rosto, distribuía autógrafos e posava para fotos. Ninguém é rei por acaso!

No intervalo dos jogos do Brasil eu pegava o gravador e caminhava em sua direção. Ele sintetizava, em menos de um minuto, o que tinha visto no primeiro tempo. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, foi quem teve a ideia e levou a Roberto Marinho, um rubro-negro apaixonado por futebol, a sugestão de tê-lo como comentarista da emissora. Mandou muito bem!

Nosso amigo em comum, Paulo Cezar Caju me contou dois fatos ocorridos durante a Copa de 1970. No jogo contra a Inglaterra, o mais difícil da competição, na entrada em campo, com os times lado a lado, Pelé observou que alguns jogadores brasileiros, sobretudo os mais jovens, olhavam os britânicos com admiração. Ora, eles eram os atuais campeões do mundo, venceram o Mundial que realizaram quatro anos antes, como anfitriões; eram atletas que foram para o México de navio – levando, inclusive, água e a alimentação. Pelé berrou para os brasileiros, cientes de que os rivais não compreenderiam o nosso idioma:

– Vocês estão vendo esses branquelos de merda? Vamos ganhar! Nós é que jogamos bola!!!

Foi um silêncio geral…

Nessa mesma Copa, antes de um treino, Pelé, Tostão e Gerson colocaram o zagueiro reserva Fontana na roda. Cada um dava um toque e, tonto, correndo de um lado pra outro, Fontana não conseguia de jeito nenhum alcançar a redonda. Até que resolveu entrar numa com Pelé, dizendo que ele escalava a seleção.

Vale lembrar que todos já o chamavam de Rei. Ninguém falava Pelé. João Havelange, Zagallo e até o chefe da delegação, o brigadeiro Gerônimo Bastos, um baixinho invocado e temido, sempre com respeito se referiam ao nosso craque maior chamando-o de “Rei”. E não era para menos: ele já era tetracampeão do mundo – duas vezes com a seleção (1958 e 1962) e outras duas com o seu Santos (1962-1963).

À noite, Pelé solicitou uma reunião com a presença de todos: atletas, presidente da CBD (A CBF daquele tempo), dirigentes, comissão técnica – e, não esqueçam, era época de ditadura, ou seja, vários deles eram militares. Ao pegar no microfone, avisou:

– Eu não tô aqui pra brincar. Não aceito certas coisas. Esse cidadão…

Fontana nunca mais abriu a boca no México.

12 de julho de 1998, Stade de France, em Saint-Denis. Antes da decisão da Copa – disputada pela anfitriã França contra o atual campeão, o Brasil –, a FIFA estendeu um tapete vermelho na tribuna do estádio e convidou as maiores personalidades do mundo. Uma verdadeira constelação estava presente, acredito que mais de 50 celebridades de primeira grandeza. Nomes como Al Pacino, Alain Delon, Arnold Schwarzenegger, Elizabeth Taylor, Denzel Washington, enfim, só fera. Além dos campeões mundiais vivos de todos os países. No que chegou Pelé todos se levantaram, buscando um melhor ângulo para admirar o melhor jogador de todos os tempos. Nisso, automática e instintivamente, todos começaram a aplaudi-lo. Cena emocionante que vi de perto. Belíssima reverência ao nosso grande ídolo.

Mestre Armando Nogueira certa vez escreveu:

“Edson Arantes do Nascimento, se não tivesse nascido gente, teria nascido bola.”

Hoje dedico essas linhas ao Eterno Pelé, que aos 81 anos vem jogando a principal partida da sua vida, lutando contra graves problemas de saúde. Muita força, Rei Pelé! Estamos todos na torcida por mais um gol de placa seu!

HORTA ERA TÃO POPULAR QUANTO RIVELLINO

por Elso Venâncio

Francisco Horta foi um dirigente visionário, acima do seu tempo. “Vencer ou Vencer” era o seu lema. Eleito Presidente do Fluminense, com o aval de João Havelange, em 1975 contratou Roberto Rivellino – simplesmente, o ídolo de Maradona. O dono da “Patada Atômica” estreou num sábado de Carnaval levando quase 50 mil torcedores ao Maracanã. De quebra, marcou três gols na goleada de 4 a 1 sobre o Corinthians, seu ex-clube. Em seguida, chegava às Laranjeiras Paulo Cezar Lima, o Caju. Rivellino e o “francês” Caju eram os maiores jogadores do país.

Horta formou supertimes. Na verdade, foram criadas duas máquinas de jogar futebol. No primeiro ano do seu mandato, a equipe era formada por Félix, Toninho Baiano, Silveira, Assis e Marco Antônio; Zé Mário (Cleber), Pintinho e Rivellino; “Búfalo” Gil (Cafuringa), Manfrini e Paulo Cezar (sendo que Zé Roberto era o titular até a chegada de Mário Sérgio, ídolo do Vitória que faleceu no desastre da Chapecoense, em 2016, que, em contrapartida, perdeu a posição com a chegada de Caju).

Futebol arte, futebol show, espetáculo que só o brasileiro sabia realizar. Em 1976, incrementando ainda mais o que já estava ótimo, veio a política do “troca-troca”. Forma criada pelo dirigente para promover o futebol do Rio de Janeiro sem desembolsar um tostão sequer, já que a bilheteria era o único recurso dos clubes na época. E além disso, empolgava – e como! – o torcedor.

Jorge Benjor, que ainda era conhecido como Jorge Ben, cantava:

“Troca, troca, troca, troca… Quero ver trocar! Se não troca, o homem troca… É melhor trocar!”

A nova Máquina – na verdade, foram duas – ficou mais afiada ainda com o novo “toma lá, dá cá” feito junto ao Vasco. Marco Antônio, Zé Mário e o zagueiro Abel (empréstimo com passe fixado) chegaram a São Januário; o Cruz-Maltino cedeu o zagueiro Miguel.

Horta madrugava no clube, chegando antes mesmo dos nadadores. A imprensa nunca trabalhou tanto como naquele tempo. Novas negociações surgiram: do Botafogo veio o ponta-esquerda Dirceu, em troca de Mário Sérgio e Manfrini. Com o Flamengo ele fez o seguinte: pegou o goleiro Renato, o artilheiro Doval e o lateral-esquerdo Rodrigues Neto, mandando o goleiro reserva Roberto, Toninho Baiano e Zé Roberto para a Gávea. A equipe ficou ainda mais forte. Uma autêntica seleção: Renato, Carlos Alberto Torres, Miguel, Edinho e Rodrigues Neto; Carlos Alberto Pintinho, Rivellino e Paulo Cezar Caju: Gil, Doval e Dirceu. O Fluminense, campeão carioca de 1975, era o time a ser batido.

Horta refez o grupo após se decepcionar com a eliminação da equipe na semifinal do Brasileiro, em pleno Maracanã, diante do Internacional. A derrota impediu o torcedor de sonhar com a disputa da Libertadores. Nessa partida, venceu a retranca e a violência propagada pelo treinador Rubens Minelli, com seus três cabeças de área: Falcão, Caçapava e Carpegiani.

Mas no Rio, não deu outra. O campeão carioca se tornou bi. O argentino Doval marcou de cabeça, na prorrogação, após um teimoso zero a zero na decisão, contra o Vasco.

Por onde a Máquina Tricolor jogava, sempre recheada de craques, os estádios enchiam. Não eram somente torcedores do clube. Todos queriam ver Rivellino, Caju, Torres, Doval e Cia… Além de Francisco Horta. Sim, o Presidente era tão popular quantos seus craques. Não à toa, foi apelidado de “Presidente Eterno”.

Nas manchetes, os jornalistas não colocavam o nome Fluminense, o que aguçava o ego dos conselheiros, que ardiam de ciúmes. Exemplo:

“HORTA QUER CONQUISTAR O MUNDO!”

A Máquina encantou a Europa ao conquistar o Torneio de Paris, em 1976. Jorge Benjor não perdeu o timing:

“Veja bem como aconteceu
De Presidente a cartola popular
De troca-troca, ele chegou lá
No estádio do Parque dos Príncipes, em Paris
Onde o Flu foi campeão…”

Outra conquista foi a Copa Viña del Mar, no Chile. Alem de ter vencido o maior esquadrão do planeta: o bicampeão europeu Bayern de Munique, com Beckenbauer, Maier, Müller, Rummenigge e grande elenco.

A Máquina logo se preparou para o seu maior desafio. Conquistar o Campeonato Brasileiro de 1976. A campanha foi espetacular. Se a disputa fosse por pontos corridos, o título estaria garantido. Mas os jogos nas fases finais eram eliminatórios, o famoso mata-mata, onde tudo pode acontecer.

O time tricolor era tão forte que Horta, mesmo com uma liminar obtida por José Carlos Villela, o “Rei do Tapetão”, preferiu tirar o suspenso Paulo Cezar Caju do jogo com o Corinthians. Sentiu que dava para ganhar a semifinal sem ele. Porém, a “Fiel” invadiria o Maracanã.

Mas… como se deu isso?

O Presidente tricolor, confiante, foi a São Paulo e convocou a massa corintiana nas rádios e TVs, ao lado de Vicente Matheus, o mandachuva do time paulista. A intenção era promover o jogo que se daria no Rio. Detalhe: Matheus, com a ajuda de Horta, comprou 40 mil ingressos na Federação Carioca de Futebol.

Bola rolando, Maracanã tomado, Pintinho faz 1 a 0 quando, do nada, desabou sob o estádio uma tempestade impressionante. Chuva fortíssima, raios, trovões e, claro, gramado impraticável. Água para tudo quanto era lado. Os paulistas queriam parar o jogo, mas o Fluminense, superior e com sede de chegar à final, não aceitou. Ruço acabou empatando. Nos pênaltis, Rivellino, que tomou uma das maiores vaias de sua carreira, parecia tonto e se acovardou. Foi para o vestiário avisando que não bateria sua penalidade. O destino tirou dos tricolores, nas cobranças de penais, o sonho do título.

Na temporada seguinte, Francisco Horta, um dos maiores dirigentes do século passado, errou feio. De forma obsessiva, desmontou a Máquina para ter na equipe seu sonho de consumo: o lateral-esquerdo Marinho, o “Bruxa”. Trocar Paulo Cezar Caju, Gil e Rodrigues Neto por Marinho foi um tiro no pé. Ainda assim, a equipe conquistou na Espanha o cobiçado Troféu Teresa Herrera. Na decisão, venceu o Dukla, de Praga, por 4 a 1, no Estádio Riazor. No entanto, foi mal no Carioca e no Brasileirão.

Apesar do equívoco na reta final, Francisco Horta merecia chegar à Presidência da CBF. Certamente, contribuiria ainda mais para o bem do nosso futebol. O advogado e magistrado brasileiro, aos 87 anos, segue em atividade. É, desde 2014, o Provedor da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. E será para sempre o “Presidente Eterno”. Um dos maiores símbolos, fora de campo, do tricolor das Laranjeiras.

DOM EVARISTO – LENDA VIVA DO FUTEBOL

por Elso Venâncio

Evaristo de Macedo é uma das lendas vivas do futebol. Foi o primeiro brasileiro a ter superdestaque na Espanha. Jogou com craques antológicos. Idolatrado pela torcida e pela imprensa do Velho Mundo, sagrou-se bicampeão da Liga de Futebol Profissional pelo Barcelona (1959/1960). Nas decisões, enfrentava o poderoso Real Madrid de Di Stéfano, Kopa, Didi, Puskas e Santamaria.

Pouco depois, pelo próprio Real, entre 1962 e 1964, teve a seu lado algumas dessas feras, como Di Stéfano e Puskas, além do ponta-esquerda Gento. A grande fase desse ídolo, contudo, deu-se mesmo no Barça. No time da Catalunha, estreou ganhando a Taça do Mundo de Caracas, em 1957, com direito a dois gols sobre o Botafogo de Garrincha, Nilton Santos e Cia, na decisão. Além do bi conquistado em 1959/60, faturou outro: o da Taça da Cidade de Feiras, que corresponde à Liga da Europa.

Dois times, porém, marcaram a trajetória de Evaristo. O Flamengo tricampeão carioca e o Barcelona do final dos anos 50 e começo dos 60. No Rubro-Negro, jogou com Rubens e Dequinha, além do grande Dida, e também com Índio, Paulinho de Almeida e Zagallo. Sem falar dos paraguaios García, um gigante no gol, e o artilheiro Benítez. Com esses craques nasceu o histórico tricampeonato de 1953/54/55, que representou a maior façanha de um clube nos primeiros anos de vida do Maracanã.

Nosso personagem foi também o único de toda a História a marcar 5 gols com a camisa da seleção brasileira em um único jogo, e gosta de contar que, se não fosse vendido para o exterior, Pelé não jogaria em 1958 pois ele seria o titular. Na época, eram convocados apenas jogadores que atuavam no país, ao passo que Evaristo já brilhava no Velho Continente.

Treinador por mais de três décadas, pude acompanhá-lo de perto em suas três passagens pelo Flamengo. E também em 1985, quando dirigiu a seleção pouco antes das Eliminatórias para a Copa do Mundo do México. Campeão Brasileiro pelo Bahia em 1988, e da Copa do Brasil pelo Grêmio nove anos depois, em relação a Estaduais faturou títulos com os mesmos Grêmio e Bahia, além de quatro canecos pernambucanos com o Santa Cruz, de Recife.

Nessa função, ganhou seu primeiro troféu comandando o América, em 1967. O time rubro ganhou do campeão uruguaio Nacional, de Montevidéu, por 1 a 0 – gol do craque Edu, irmão do Zico. O jogo valeu pela decisão do Torneio Internacional Negrão de Lima, que o próprio Negrão, então prefeito do Distrito Federal, fez questão de entregar pessoalmente o troféu ao capitão Alex.

Evaristo de Macedo Filho nasceu em 22 de junho de 1933. Prestes a completar 89 anos, em suas caminhadas matutinas por Ipanema é sempre parado por amigos e torcedores, para falar de futebol. Iniciou sua carreira no Madureira, onde ficou de 1950 a 1952. No Flamengo foram quatro anos – de 1953 a 1957. Vendido ao Barcelona, jogou meia década pelo clube catalão (1957/62). Nos seus últimos tempos na Espanha, honrou a camisa do Real Madrid entre 1962 e 1964). Na volta, quis encerrar a carreira no seu clube do coração, o Flamengo, onde atuou de 1964 ao começo de 1966.

  • Colaborou Péris Ribeiro (escritor)

ONDE ESTÃO OS FUROS DE REPORTAGEM?

por Elso Venâncio

Jorge Jesus ficou pouco mais de uma semana no Rio, deslumbrado com seu status de ídolo. A situação do conterrâneo português Paulo Souza, que desarruma o time mais do que arruma, fez aumentar o coro de “Volta, Jesus”. O treinador campeão da Libertadores de 2019 rodou a cidade, reencontrou amigos e jogadores, além do seu restaurante preferido. Na Sapucaí, durante todo o Desfile das Campeãs, era uma celebridade. Até ir ao encontro de dirigentes e jornalistas e chutar a ética profissional, pensando estar entre amigos, onde poderia abrir seu coração. Acabou virando uma espécie de “traíra” – termo muito usado no futebol.

Isso me fez sentir falta dos furos de reportagem. Essas entrevistas coletivas chatas, os treinos fechados e a falta de contato do torcedor com seus ídolos vêm adormecendo a imprensa. É estatística pra lá, estatística pra cá, mas… cadê a notícia?

Sim, até que há algumas. Só que repetidas ou requentadas. Não há mais a disputa saudável pela informação. Onde estão os GRANDES FUROS DE REPORTAGEM?

Durante um programa na TV, junto a Cahê Mota, que representa com brilhantismo na Globo a nova geração do Esporte, debatemos o tema. Ele explicou que hoje é tudo em tempo real. A redação cobra postagens imediatas, antes, durante e após os fatos. Ninguém tem paciência para suportar a ansiedade e trabalhar uma notícia.

Os chefes têm culpa no cartório. Não cobram mais boas informações. Veículo grande tem obrigação de INFORMAR COM EXCLUSIVIDADE. Hoje é muita gente atrás do computador, atenta aos twitters. O celular virou instrumento de trabalho, mas nada como a apuração olho no olho! Indo pra rua! Buscando “A Notícia”.

Jantei recentemente com meu amigo Sérgio Lobo, o Lobinho, do SporTV:

“Você tem o telefone do Landim?” – pergunto. “Você liga para o presidente?”

“Não. Não temos contato.”

Como assim? Argumento que Landim é um dos personagens do futebol dos mais agradáveis que conheço. É acessível e valoriza quem está ao seu lado. Lobinho ainda completou dizendo que o presidente Mário Bittencourt, do Fluminense, lê as mensagens e um assessor retorna.

As redes sociais aproximam as pessoas, atualmente contatamos qualquer um. Teve até o caso de um paulista que ligou para o Michel Temer quando ele era o Chefe do Executivo. E o Presidente da República, simplesmente, assim o atendeu:

“Sim, sou eu” – respondeu Temer.

No futebol, noto que há um abismo cada vez maior entre os setoristas, que vem diminuindo a cada dia, e quem comanda os clubes. O que dificulta ainda mais o vazamento das grandes notícias, aquelas capazes de abalar estruturas.

Em 1997, o “Maestro” Junior, que nunca se firmou como técnico, foi afastado após um empate do Flamengo com o Madureira, em Conselheiro Galvão. No tenso e acanhado vestiário, assim que eu o questionei sobre o jogo, ele declarou que não era treinador. Disse que estava apenas “colaborando”.

“Mas… como assim?” – perguntei, surpreso.

Não obtive resposta.

No início da madrugada, recebo a informação de que Evaristo de Macedo tinha ido para o apartamento do então presidente rubro-negro, Kleber Leite, no Posto 6, ao lado do Forte de Copacabana. Dei plantão por lá. A reunião, que contou também com Plínio Serpa Pinto e Michel Assef, só terminou depois das três da manhã. Porém, o Rio amanheceu ouvindo, pela Rádio Globo, o nome do substituto do recém-demitido “treinador”.

Sei que o momento é outro e que vida de repórter não é fácil. Mas a busca pela notícia tem que ser constante e não ficar restrita a comunicados oficiais ou coletivas de Imprensa.

1995 – A ÚLTIMA GRANDE DECISÃO DO CAMPEONATO CARIOCA

por Elso Venâncio


A última grande final do Carioca se deu em 1995, no jogo que ficou marcado pelo gol de barriga do Renato Gaúcho. Aquela competição foi disputada em todo o primeiro semestre, com direito a um octogonal final disputadíssimo, que pegou fogo.

No ano do seu Centenário, o Flamengo era o favorito ao título – principalmente após a espetacular contratação de Romário, o melhor jogador do mundo. No entanto, na véspera da decisão, durante o último treino, realizado na cidade de Friburgo, os desentendimentos eram mais que visíveis.

Vanderlei Luxemburgo, técnico que levara o Palmeiras ao bicampeonato paulista e brasileiro, havia sido contratado por Kleber Leite. O treinador, contudo, não aceitava as regalias de Romário. Por dentro, ardia de ciúmes. A verdade é que, em todos times pelos quais o Baixinho jogou no Brasil após a Copa do Mundo dos Estados Unidos, o camisa 11 deixava bem claro aos presidentes:

– Gosto da noite, mas não bebo. Por isso, só treino de manhã se eu quiser.

Evidenciando o mal-estar, Romário, até por não falar com Luxemburgo, voltou ao Rio no sábado à tarde, de carro, junto aos amigos que o cercavam, seus “parças”. Ou seja, o ônibus rubro-negro desceu a serra, direto para a concentração de São Conrado, sem o seu principal jogador.

Do lado do Fluminense, Renato Gaúcho chegara às Laranjeiras contra a vontade do técnico Joel Santana. Nosso amigo Pierri Carvalho havia sido fundamental na contratação. Ele era o setorista da Rádio Globo nas Laranjeiras e viajou a Búzios com o dirigente Alcides Antunes para contatar o atacante, que estava curtindo férias forçadas, após o rompimento do contrato do atacante com o Atlético Mineiro, um dos raros fracassos do camisa 7, que sempre foi carro-chefe nos clubes que defendeu. A recepção, após um longo chá de cadeira, não foi nada boa:

– Vocês estão de sacanagem… Esse treinador não me quer! – vociferou Renato, apontando para uma manchete de jornal.

Alcides avisou que contratar era responsabilidade dele. A fera gaúcha sentiu firmeza:

– Vocês querem ser campeões? Eu dou o título a vocês! – bradou Renato, com uma bola de futevôlei à mão.

Nem o Campeonato Carioca de 2001, que terminou com aquele indefectível gol de falta de Petkovic contra o Vasco, foi mais emocionante do que a disputa que estamos falando. Teve o lance decisivo, sim, mas no todo, o “Fla-Flu do Século” foi imbatível.

Sem falar que, de quebra, estava em jogo a coroa de “Rei do Rio”. Romário, Túlio Maravilha, Renato Portaluppi e Valdir Bigode estavam no páreo. Os craques “vendiam” o jogo e, nisso, lotavam o Maracanã. Como de costume, Túlio provocava. Sem papas na língua, Romário respondia ao vivo, pelas rádios e TVs. Detalhe: não havia ainda Internet. Muito menos redes sociais.

O Flamengo jogava muito na Gávea, sempre contra os times de menor investimento. Naquele ano, o estádio do Mais Querido contava com arquibancadas tubulares no entorno do gramado. Numa partida contra o Madureira, me avisaram que o cantor Nelson Gonçalves estava atrás do gol que ficava à direita da velha arquibancada. Para os mais jovens, vale dizer que, até hoje, no Brasil, apenas Roberto Carlos vendeu mais discos do que ele. Foram 79 milhões de cópias consumidas entre os anos 40 e 90.

Assim que fui entrevistá-lo, o velho boêmio pegou meu microfone e cantou:

– Ô-lê-lê, ô-lá-lá… Romário vem aí…. o bicho vai pegar!

De repente, com vários rádios ligados, surge o coro que viraria símbolo da “Era Romário”:

– Ô-lê-lê, ô-lá-lá… Romário vem aí…. o bicho vai pegar!

Pois bem; vamos para a histórica decisão do dia 25 de junho de 1995. Astuto, Alcides Antunes, sem avisar a ninguém, tirou no sábado a delegação tricolor do antigo Leme Palace após o jantar, levando a equipe para o Sheraton. A torcida do Flamengo, com direito a intensos foguetórios, não deixou nenhum hóspede dormir no Leme naquela madrugada, sem saber que os tricolores roncavam tranquilíssimos na Avenida Niemeyer.

Leo Feldman no apito. Um temporal forte surge do nada, dificultando a bola rolar. Até a visão do campo se torna turva. O jogo se equipara e os tricolores demonstram uma garra, uma gana, incomum. Ouso dizer que ali surgiu o “Time de Guerreiros”.

Mais de 100 mil torcedores viram Renato Gaúcho e Leonardo marcarem, calando a massa rubro-negra no primeiro tempo. Aos 26 da etapa final, Romário, que nunca havia vazado redes tricolores em toda a carreira, desencantou. Seis minutos depois, Fabinho empatou. Resultado que dava o título ao Flamengo.

Pandemônio no estádio, vários jogadores foram expulsos em sequência: um pelo Flamengo e três pelo Fluminense, que se viu com apenas oito atletas em campo. Até então contida, a nação rubro-negra explodiu:

– É campeão!!! É campeão!!!

Eis que, aos 41 minutos, Ailton, outro ex-rubro-negro, driblou duas vezes Charles Guerreiro e bateu cruzado, marcando o terceiro. Na súmula, gol dele, Ailton. O grande José Carlos Araújo, o “Garotinho”, narrou gol de Ailton. Na mesa redonda da CNT, graças aos exaustivos replays, notamos que a bola, antes de estufar as redes do goleiro Roger, tocou a barriga de Renato.

Na tribuna de honra, incrédulo, o presidente Arnaldo Santiago comentou com Juber Pereira, seu vice de finanças:

  • – Do coração eu não morro mais!

Pois então…. Médico, Arnaldo Santiago faleceu cinco anos depois após um infarto fulminante enquanto jogava basquete com amigos, no Clube Caiçaras, na Lagoa.

Valorizado, Joel Santana assinou com o Flamengo poucos dias após o “Fla-Flu do Século”. Porém, só desembarcou na Gávea em janeiro do ano seguinte. Essa notícia estou revelando somente agora. Na época, não vazou porque “Papai Joel” pediu a seu procurador para guardar todas as vias daquele contrato.

Em 1996, Joel levou o Flamengo ao título carioca. Roubando de Renato a coroa de Rei do Rio.