por Elso Venâncio “O Repórter Elso”
A matéria de Sergio Pugliese, ‘Constelação de Ídolos na Terra do Chuvisco’, me fez voltar no tempo… Afinal, Campos dos Goytacazes deu ao Brasil personagens que mereciam ser eternizadas em estátuas na cidade. Senão, vejamos.
Nilo Peçanha, único negro a se tornar Presidente da República na história do país.
José do Patrocínio, tutor e conselheiro da Princesa Isabel, reza a lenda que comprou na livraria ‘Ao Livro Verde’*, a primeira do país, a caneta ‘bico de pena’ que foi por ela usada para assinar a ‘Lei Áurea’. Nesse dia, o ‘Tigre da Abolição’ participou do ‘beija-mão’, ajoelhando-se diante dela para beijar-lhe as mãos.
Waldir Pereira, o Didi, também chamado de ‘Mister Football’, puxou a fila da FIFA, em 1958, ao ser eleito o número 1 do mundo mesmo numa seleção que tinha ninguém menos que Pelé e Garrincha.
Wilson Batista, ídolo do Paulinho da Viola, está para o samba assim como Didi está para o futebol.
Durante anos, Campos foi o único município do Brasil a ter um campeonato profissional próprio. Goytacaz, Americano, Rio Branco e Campos, clubes centenários, fundaram essa Liga. Havia, ainda, fortes times dos distritos, bancados por endinheirados usineiros.
O mais popular de todos é o Goytacaz. Não à toa, segue sendo a quinta torcida do estado. O Americano, mesmo apoiado ao longo de décadas pelo apaixonado Eduardo Viana, o ‘Caixa d’Água’, continua em busca de projeção nacional. De olho no Campeonato Carioca e no Brasileirão, porém, os clubes deixaram morrer o Campeonato Campista, o que prejudicou bastante o futebol da região.
O ponta-esquerda Paulo Roberto e o meia Fernando Bastos, o Dudu, são os maiores ídolos vivos dos arquirrivais. Dudu e Gerson formavam o meio de campo do Flamengo nos juvenis. A mãe de Dudu não queria ver o filho no malvisto ambiente do futebol e o resgatou na Gávea colocando-o, em seguida, no semi-internato do Colégio Bittencourt. Ainda assim, o Goytacaz ganhou um ídolo! E que ídolo! Líder em campo, Dudu misturava raça e habilidade incomuns.
Paulo Roberto e Dudu só vieram a ser superados por Chico Preto, melhor jogador e maior goleador campista por muitos anos. Prestes a completar 30 anos de idade, o Goytacaz entendeu certa vez que o atacante estava velho. No Calçadão do Boulevard, a notícia-bomba se espalhou. Como o contrato de Chico não foi renovado, o jogador se transferiu para o Esporte Clube Cambaíba.
Sua estreia aconteceu na Taça Cidade de Campos, justamente contra seu ex-clube Goytacaz. A cidade inteira se encaminhou para a Rua do Gás. Com o Estádio Ary de Oliveira e Souza entupido de gente em plena quarta-feira à noite, o Cambaíba venceu por 4 a 3, num jogo espetacular. Chico fez os quatro. Marcou de falta, de pênalti, de cabeça e, claro, com a bola rolando, para delírio da massa.
Na verdade, o Americano tinha usado o Cambaíba como ponte, tanto que pouco tempo depois contratou o Ícone do futebol local. Chico chegou motivado ao Parque Tamandaré, levando a tiracolo sua pontaria afiada e o incrível repertório de gols. O locutor Joselio Rocha, melhor e mais popular da história do rádio campista, narrava pela Difusora repetindo o mesmo bordão sempre que o artilheiro marcava:
“Chico, sempre Chico.”
O atacante foi um dos destaques do eneacampeonato, sequência de nove títulos consecutivos que levou o Americano a superar o rival em número de conquistas. Na decisão, o gol do título foi marcado por Paulo Roberto, contra o Goytacaz, no Estádio Godofredo Cruz.
Vendo aquele negro forte e diferente, mas já na decadência, aos 36 anos de idade, Roberto Pinto, que assumira o Americano no Brasileirão de 1975, só pôde se lamentar:
“Se o artilheiro tivesse três aninhos a menos…”
Não deu outra. Dionísio foi imediatamente contratado para substituí-lo.
Chico, que nasceu em Goytacazes, distrito de Campos, morreu logo depois. Desgostoso, talvez não entendesse como o destino o impediu de disputar competições maiores, e assim, ter o tão sonhado reconhecimento nacional.
“Chico era valente, veloz, habilidoso, estilo Ronaldo Fenômeno, e ainda batia faltas e cabeceava como ninguém. Era bravo e temido por seu futebol e pela exuberante força física”, atestava Eduardo Viana, um dos maiores, senão o maior, fã do artilheiro campista.
*Fundada em 1844, a livraria se localiza a uma quadra do Rio Paraíba, no centro de Campos.
Elso Venancio nasceu na Rua do Gás, próximo ao Estádio do Goytacaz, mas na cidade, torce pelo Americano. Na Rádio Globo, foi setorista do Flamengo durante 11 anos e cobriu a seleção brasileira nas Copas de 1990, 1994 e 1998.