Piazza para Gerson, que toca a Pelé. Clodoaldo recebe e com ginga dribla quatro italianos. Deixa a bola com Rivellino, que encontra Jairzinho pela esquerda. O “Furacão da Copa” corre em diagonal e passa ao Rei, que de forma genial rola instintivamente, rente a grama, para o lado direito. A bola dá um leve quique até surgir Carlos Alberto Torres batendo forte com o lado externo do pé. O chute transversal estufa as redes do goleiro Albertosi. Brasil 4 x Itália 1.
Considero esse gol do Carlos Alberto, o quarto dos tricampeões, que fechou de forma apoteótica o Mundial do México, em 1970, como o “Grande Gol das Copas do Mundo”. A meu ver, ele sintetiza e representa uma das últimas páginas do futebol-arte.
Carlos Alberto foi contratado pelo Santos, junto ao Fluminense, no início de 1965, aos 20 anos de idade. Custou 200 milhões de cruzeiros – a maior transação da história do futebol brasileiro na época, apesar dos protestos da torcida tricolor, que ameaçou incendiar a sede das Laranjeiras. O jovem lateral já havia sido campeão carioca em 1964 e foi medalha de ouro no Pan-Americano disputado em São Paulo.
Há cerca de 10 anos, fui almoçar no Real Astoria, antigo Sol e Mar, em Botafogo, com Carlos Alberto Torres e seu filho Alexandre Torres. Eu estava com os meus filhos Marcello e Rodrigo, além de Luiz Carlos Silva, meu sócio, e o amigo Juber Pereira. De repente, o papo se alonga e ele nos pergunta:
– Vocês sabem como surgiu o ‘Capitão’?
Resposta geral, menos de Alexandre, que sorriu:
– Não…
O Capita continuou:
– Eu tinha poucos meses de Santos e estava todo mundo na bronca porque a gente jogava muitos amistosos e somente o Pelé ganhava uma cota especial por partida. Os mais antigos e eu, que ainda era pato novo, reclamávamos entre nós. No grupo, vários campeões do mundo: Gilmar, Mauro, Zito, dentre outros. Não sei de quem partiu a ideia, mas fizemos uma reunião no meio do campo e decidimos não viajar mais. A não ser que houvesse divisão para todos da cota extra.
Nisso, surge, do nada, o presidente Athié Jorge Cury. Chega de gravata, sem paletó e, suando muito, pede a palavra. Aos gritos, começa a bronca:
– Estou sabendo que vocês não querem viajar por causa do bicho especial do Pelé. Saibam que vocês só fazem esses jogos e estão com os salários em dia porque temos o Pelé. E mais: quem não quiser viajar que levante agora o braço. Eu coloco a garotada toda jogando com o Pelé.
Os jogadores se entreolharam e apenas um ergueu a mão. Carlos Alberto.
Silêncio Geral no gramado, o presidente determina:
– Sr. Carlos Alberto, vá direto para o meu gabinete, por favor.
Carlos Alberto contou que uns três minutos o separavam do campo à sala da presidência. O trajeto, segundo ele, pareceu durar uma hora. Passou tudo pela cabeça: recém-casado, com filho pequeno, teria quem sabe o passe preso, passaria a treinar sozinho, isolado do grupo… Na época, os clubes faziam o que queriam com seus atletas.
Carlos Alberto bate na porta e entra. Athié, o mais vitorioso presidente da história do Santos, famoso tanto na política como no futebol, se impõe de início falando sério:
– Você foi o único homem entre esses moleques. Fizeram um pacto, mas apenas você teve a hombridade e o caráter de confirmar às claras. Por isso, agora sou eu quem te pergunto… Quer ser o capitão do Pelé?
Surpreso, o lateral respondeu:
– Aceito, Presidente!
– Outra coisa… Não fala para ninguém, mas só você e o Rei vão receber premiação extra nos amistosos. Topa?
– Topo, sim!
Surgia assim o maior capitão e líder em campo da história do nosso futebol.
Vendo Carlos Alberto desfilar sua arte, uma coisa me intrigava. Como pode um jogador ser o capitão do Pelé e batedor oficial de pênaltis do time onde o Rei jogava?
O ‘Capitão’, como era carinhosamente chamado, foi muito mais do que isso. Acabou eleito pela FIFA como o lateral-direito do Século XX!”
Confira a coluna da semana passada: