por André Felipe de Lima
Jair Rosa Pinto foi, oficialmente, o primeiro “camisa dez” famoso do futebol brasileiro. Antes de adotarmos por aqui, no final dos anos de 1940, números na camisa dos jogadores, eles já estampavam as blusas dos clubes ingleses há, pelo menos, 50 anos antes de Jair ostentar o “dez” nas costas. No Rio de Janeiro esteve a passeio o time do Arsenal, em 1949. A onda por aqui dos números começou ali, sob influência dos britânicos, que enfrentaram o Flamengo de Jair. Veio a Copa do Mundo no ano seguinte e o nosso “camisa dez”, bem antes de Pelé imortalizar o número, foi ele, Jair Rosa Pinto, que nasceu no dia 21 de março de 1921, em Barra Mansa, interior do Estado do Rio de Janeiro, para a alegria do futebol brasileiro.
O pé era relativamente pequeno — calçava número 38 —, mas a bomba que aquela canela fina e canhota certeira proporcionava era surreal. Detestava que o chamassem de Jair “da” Rosa Pinto. Jamais teve no nome a intrusa contração da preposição com o artigo. Até os seus últimos dias lia ou ouvia aquilo que considerava um acinte ao seu nome. Acostumou-se, contudo.
Foi ele um dos primeiros e mais bem-sucedidos ciganos do futebol. Por onde passou, deixou um rastro de brilho, glórias e encantamento com seu futebol de dribles curtos e rapidez, tornando-se ídolo de muitas torcidas. A primeira delas, a do Madureira, onde formou o inesquecível trio “Os três patetas”, com Lelé e Isaías. Os três craques migraram juntos para o Vasco e repetiram o sucesso em São Januário. Jajá foi para o Flamengo. Fez sucesso lá também, embora a saída da Gávea tenha sido turbulenta após uma derrota para o Vasco, que virou um placar adverso de 2 a 0 para 5 a 2. Quando o score estava favorável ao rubro-negro, Jair perdeu um gol feito. Seria o terceiro e o fim das pretensões vascaínas no jogo. “Foi uma tristeza. Houve um boato, na época, que a minha camisa havia sido queimada em campo. Isso doeu mais que a derrota para o Vasco, que acabou campeão invicto. São coisas da sorte e do futebol”, disse Jair muitos anos depois. Mas, ao contrário do que sempre negara, a camisa teria sido realmente queimada. Não uma do Flamengo, mas outra qualquer como ato simbólico da irritação da torcida contra Jair. O culpado pelo gesto insano de alguns torcedores tem nome e sobrenome: Ary Barroso. Foi ele, rubro-negro fanático, que ao microfone da rádio insuflava a torcida a queimar a camisa de Jair, um “covarde”, segundo Ary, que não merecia jamais ter vestido o manto do Flamengo.
Da Gávea, partiu para o Parque Antarctica e, com o Palmeiras, foi campeão da Copa Rio, uma espécie de “mundial de clubes”, realizado em 1951. A passagem pelo Verdão — sobretudo após o fiasco na Copa do Mundo de 50 —representou um período mágico na carreira de Jair, que está — pelo menos até 1982, após uma enquete da revista Placar com cronistas, ex-jogadores e cartolas — no “time dos sonhos” da história do Palmeiras. Jair foi curtindo o futebol paulista e, nele, defendeu também Santos, São Paulo e Ponte Preta.
Glória e desilusão são siamesas no universo do futebol. Jair é exemplo disso. Principalmente quando o assunto é justamente “Copa do Mundo de 50”. Jajá estava no “Maracanazo” que nos sequestrou o sonho naquele fatídico 16 de julho de 1950. Tocou a vida pra frente, ouvindo uma piada aqui, outra acolá. Igualmente ao que teve de aturar após a virada vascaína para cima do Flamengo. Como sempre, acostumava-se.
Passava boa parte do tempo cuidando dos passarinhos que criava e batendo longos papos com amigos da velha guarda na Praça Saens Peña, a principal da Tijuca, na zona norte do Rio, bairro em que morava e onde treinou garotos do morro do Borel para brilharem no futebol. Isso por volta dos primeiros anos da década de 1980. “Não troco esta experiência pela de técnico em nenhum clube. Aqui, eu escalo, dirijo e treino meus jogadores. Nos clubes grandes, há sempre muita política”. Jair Rosa Pinto sabia das coisas.
Certa vez um repórter perguntou ao Jair, que treinava na ocasião o Santos, em 1972, o que ele achava se um bom técnico deveria ter uma aparência que o distinguisse dos demais. Vejam a reposta: “Claro! E é por isso que sou técnico. Se alguém chegar lá fora e perguntar: ‘Quem é o técnico do Santos?’, vão responder: ‘É o Jair’. ‘Qual Jair? Aquele da Copa de 50? Puxa vida’. Isso impressiona, ninguém se esquece de quem foi craque. E eu fui craque, sem qualquer falsa modéstia.”
Humildemente, jamais duvidei disso, Jajá.
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Jair está na letra “J” da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques”. Um ídolo como o saudoso “Jajá” faz muita falta ao nosso combalido futebol brasileiro.
Abaixo, vídeos sobre o ídolo do passado.