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Dicionário dos Craques

PARABÉNS AO ÍDOLO

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Ivã seria um grande jogador. Isso por volta de 1953. Estrearia no time de cima do Botafogo, como quarto-zagueiro. No dia do tão esperado jogo, recebeu a trágica notícia da morte do pai. O baque foi intenso e Ivã desistiu de entrar em campo. Perdera, portanto, a vaga para Pampolini, companheiro no time de aspirantes. Enquanto Pampolini tocou a carreira e ficou famoso, Ivã recolheu-se e decidiu arrumar um emprego fora do futebol para ajudar a família. O amor pela bola jamais foi deixado de lado. Transmitiu-o ao filho Roberto, que sempre foi carinhosamente chamado pelo diminutivo. Era Robertinho e assim permaneceria.

Com 10 anos de idade, Ivã carregou o filho para o Fluminense. “Fui eu quem o ensinou a não pipocar”. Robertinho compreendeu o recado do pai e tornou-se um dos mais badalados ídolos do Fluminense na virada da década de 1970 para a de 80. Um ponta-direita empolgante. Partia para cima do marcador e, na corrida, raramente era alcançado. Bola na linha de fundo e lá ia Robertinho, um azougue.


(Foto: Reprodução)

A fama de exímio ponteiro convenceu os principais treinadores do país. Um deles foi Mário Travaglini, que, em janeiro de 1979, comandava a seleção brasileira de juniores, que se preparava para a disputa do sul-americano da categoria, na Colômbia. O titular do ataque do escrete juvenil seria Careca, do poderoso Guarani campeão brasileiro no ano anterior. Mas o atacante bugrino se machucou antes da competição e a vaga ficou com Robertinho. Foi naquela competição (e isso é sempre bom lembrar!) que o mundo conheceu um baixinho fenomenal chamado Diego Armando Maradona.

A seleção de juniores fracassou na competição, mas a carreira de Robertinho decolara. Foi ídolo das torcidas do Fluminense e do Sport. Um legítimo campeão.

Roberto Oliveira Gonçalves do Carmo, que (poucos sabem) é um exímio baterista desde criança, faz anos nesta quinta-feira, 22. Parabéns ao grande ponta-direita, um dos últimos craques a brilharem na extinta posição de ponta. Bons tempos em que a alegria reinava nos gramados e quando, definitivamente, podíamos definir o futebol como uma arte.

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EVARISTO, REI DE MADRID, REI DE BARCELONA… O MAIS ORIGINAL REI DE ESPANHA

por André Felipe de Lima


Quem visitar a sede do F.C. Barcelona vislumbrará, logo na entrada do edifício, uma fotografia monumental do atacante brasileiro Evaristo de Macedo Filho. Para os catalães, ídolo histórico na mesma proporção de Kubala ou Samitier. Mas Evaristo também encantou torcedores brasileiros, especialmente os do Flamengo. De família economicamente confortável, Evaristo nasceu no bairro do Engenho Novo, subúrbio carioca, no dia 22 de junho de 1933. Seu pai, Evaristo de Macedo, foi um dos goleiros do Fluminense no começo dos anos de 1930, mas com o profissionalismo de 1933, decidiu encerrar a carreira para priorizar seu empreendimento no setor de material de construções. Evaristo cresceu, ao lado da irmã mais velha, no bairro do Grajaú, zona norte do Rio. Um tio rubro-negro levava o menino aos jogos do Flamengo. Nasceu ali o gosto pelo clube da Gávea e de seu craque na época: Zizinho.

A família mudou-se para Teresópolis e o garoto passou a cursar o ginásio em Juiz de Fora. Estudava no Instituto Grambery, um dos colégios mais conceituados daquela cidade mineira. Seria um afastamento temporário do Flamengo. Com 16 anos, regressou ao Rio e acompanhou um amigo que faria um treino no Madureira. Ao chegar lá, acabou fazendo um teste também. Foi aprovado, naturalmente.


(Foto: Reprodução)

Evaristo jogava o fino. Ainda garoto, mostrava habilidade e marcava gols aos montes. Pela seleção da Guanabara, foi tricampeão do campeonato brasileiro de seleções estaduais juvenis [Taça Paulo Goulart]. Vestindo garbosamente a camisa do Madureira e do escrete da Guanabara, o menino Evaristo foi lembrado pelo treinador Nilton Cardoso [filho do folclórico Gentil] para compor a seleção brasileira de amadores, que participou das Olimpíadas de Helsinque, em 1952. Ao lado de Evaristo figuraram o goleiro Carlos Alberto [então jovem tenente da Aeronáutica], Larry, Zózimo, Vavá, Wassil e Paulinho de Almeida. Mas Evaristo não entrou em campo naquela Olimpíada.

Terminados os Jogos de Helsinque, o atacante regressou ao Madureira. E tome gol e festival de reportagens sobre o “broto” com pinta de craque. Um garoto prodígio como aquele não ficaria muito tempo no tricolor suburbano. Batata, escreveria Nelson Rodrigues, um dos inúmeros fãs de Evaristo na crônica esportiva. Permaneceu no clube suburbano até os 19 anos e só foi para o Flamengo após uma hábil negociação dos cartolas rubro-negros com o seu pai, que exigiu que o passe do rapaz ficasse com o jogador. Uma ação incomum para a época. Ao jornalista Roberto Sander, Evaristo confirmou que os dirigentes do Flamengo só aceitaram a proposta por não acreditarem que o jogador vingaria no clube. Em fins de 1952, Evaristo jogava sem receber um centavo sequer do Madureira. Outros ares lhe seriam mais justos, sobretudo financeiramente. Rumou para a Gávea, em 1953, e formou uma poderosa linha de frente do time de aspirantes com Paulinho, Duca, Maurício e Zagalo, que, no mesmo ano, conquistaria o Campeonato Carioca, abrindo a série que culminaria no segundo “tri” rubro-negro, em 1955.


(Foto: Reprodução)

O começo na Gávea foi complicado. Dividia os jogos e treinos com o curso do CPOR [Centro de Preparação de Oficiais da Reserva]. O futebol nunca impediu os estudos. Mais tarde, Evaristo ingressaria na Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, na Praça da República. Jogador disciplinado e estudante responsável, Evaristo não deixava, contudo, de curtir sua juventude. Ao lado do amigo Joel, então ponta-direita do Flamengo, frequentava assiduamente o piano-bar Sacha’s e os botequins com sinuca do Lido.

Apesar do grande prestígio, Evaristo demorou para ser convocado para a seleção principal. O que aconteceu somente em 1955, quando o Brasil enfrentou o Chile, no Maracanã. Um jogo que marcou a despedida do técnico Zezé Moreira e, sobretudo, a estreia do mais genial ponteiro que o mundo já viu: Mané Garrincha.

No ano seguinte, Flávio Costa convocou craques para a polêmica excursão da Confederação Brasileira de Desportos à Europa. Polêmica sim devido ao episódio que envolveu o ponta-direita Sabará, alvo de comentários racistas da imprensa inglesa pelo simples fato de ter descido ao hall do Hotel Luxor de agasalho da seleção e com uma toalha no pescoço.

Evaristo teria nova oportunidade na seleção em 1957, com Osvaldo Brandão. Jogou muito bem, mas não o suficiente para que o Brasil saísse de Lima como campeão sul-americano. Se o escrete terminou a competição em segundo lugar, Evaristo não teve do que se queixar. Mas, afinal, fez jus aos elogios que recebeu. Marcou cinco dos nove gols na rotunda goleada aplicada nos colombianos.

No dia 19 de janeiro de 1957, o poderoso Honved, com sete jogadores da fantástica seleção da Hungria da Copa de 1954, entrou no gramado do Maracanã para enfrentar o Flamengo. Grosics, Boszik, Lantos, Puskas, Kocsis, Czibor e Budai. Craques, sem dúvidas. Mas aquela tarde foi de Evaristo, que marcou duas vezes no jogo que terminou 6 a 2 para o clube da Gávea.

Com os gols de Evaristo na seleção e o show de bola aplicado pelo Flamengo no mitológico Honved, olheiros europeus se alvoroçaram para levar o craque. Especialmente espanhóis, do Barcelona. Antes, porém, de embarcar para a Catalunha, Evaristo ajudou o Brasil a eliminar o Peru e a classificar-se para a Copa de 58. Representando o Brasil, Evaristo fez 14 partidas e marcou 8 gols.


(Foto: Reprodução)

No final de 1957, Evaristo arrumou as malas e foi para o Barcelona. Na capital da Catalunha viveu uma grande fase e fez história com a camisa azul e grená do Barça. Ajudou a equipe a conquistar dois títulos espanhóis seguidos, em 1959 e 1960, e títulos da Copa da UEFA [ainda com o nome de Competição das Cidades de Feiras de Comércio], em 1958 [representando a cidade de Barcelona], da qual foi o artilheiro, e em 1960 [pelo clube]. Conquistou também a Copa do Rei de Espanha, em 1959. Disputou a final da Copa da Europa dos Clubes Campeões de 1961, perdendo para o Benfica. O torcedor do Barcelona viveu um de seus dias mais felizes ao vibrar com um time que contava com Kubala, Evaristo, Luis Suarez e Cizbor. Quando defendeu o Barça, Evaristo disputou memoráveis clássicos contra o Real Madrid, de Di Stéfano, em jogos que sempre superavam o número de 90 mil espectadores. Em seu jogo de estreia contra o Real Madrid, no estádio Camp Nou, Evaristo marcou três dos quatro gols do Barcelona. O público o aplaudiu de pé e os gandulas cercaram o craque para abraçá-lo. Após o jogo, o húngaro Czibor, companheiro de Puskas na inesquecível seleção da Hungria, da Copa do Mundo de 1954, declarou-se fã de Evaristo, sobretudo após a grande performance dele com o time merengue: “Foi a vitória do melhor quadro. O brasileiro Evaristo foi um monstro. Já enfrentei grandes quadros, mas, com sinceridade, não vi outro jogador tão espetacular e verdadeiro artista da pelota como esse meu companheiro Evaristo. Com esse futebol, é o melhor jogador do mundo.”

Evaristo era tão querido pelos espanhóis que encontrava dificuldade para fazer compras, por exemplo. Quando saía de sua casa em companhia de sua esposa, quase não podia caminhar devido ao assédio de seus fãs pedindo autógrafos. Uma compra que duraria 30 minutos levava entre duas e três horas.

Quando chegou à Europa, Evaristo firmou contrato de três anos, recebendo uma fortuna, entre luvas e ordenados. Em seu auge, recebeu quatro milhões de cruzeiros em luvas e ordenado mensal de trinta mil cruzeiros, gratificações por vitórias e empates. Somente por conta daquela vitória de estreia sobre o Real Madrid, recebeu algo em torno de 500 mil cruzeiros.

Mesmo após 50 anos de sua chegada ao Barça, Evaristo considera sua ida para a Espanha uma surpresa: “Era tricampeão carioca pelo Flamengo e estava muito bem na seleção. No sul-americano de 1957, no Peru, fiz cinco gols num só jogo contra a Colômbia. Até hoje é o recorde em jogos oficiais da seleção. Nem conhecia o Pelé, que estava começando. Só tomei conhecimento dele depois da Copa de 58. Durante o campeonato dois senhores me apresentaram as credenciais do Barcelona, dizendo que estavam observando atacantes. No fim, fui o escolhido. O que pesou na minha decisão foi mesmo a grana. Com a transferência, comprei duas lojas e um apartamento no Leblon […] Pagavam bicho, e bom. O Santos só conseguiu segurar o Pelé porque fazia 50 amistosos no ano. Não saíam mais jogadores porque não havia proposta.”


(Foto: Reprodução)

Evaristo vestiu 219 vezes a camisa grená e azul e marcou 173 gols, uma estupenda média de 0,80 gols por jogo. Roberto Dinamite, ex-craque do Vasco da Gama, que também atuou pelo Barça, atesta o respeito da torcida espanhola por Evaristo: “O torcedor brasileiro não tem ideia de como o Evaristo de Macedo é idolatrado na Espanha. Foi, sem dúvida, um dos maiores jogadores do mundo em todos os tempos”. E, se depender dos espanhóis, foi mesmo. Do Barcelona, Evaristo foi seduzido pelo “canto” merengue, embora decidira retornar ao Brasil após longa jornada no Barça, que insistia para que se naturalizasse espanhol. O que teria, segundo reportagem da Gazeta Esportiva, de 1963, gerado uma indisposição com os cartolas do clube catalão e, consequentemente, culminado na rescisão contratual. Na mesma reportagem, Evaristo falou sobre a carreira na Espanha e a saudade do Brasil. “Não posso queixar-me, mas tudo isso é um preço muito alto para quem passa a viver longe da família. Sinceramente, não sei o quanto ganhei. Todavia, as economias deram para comprar algumas lojas em Copacabana, uma casa, um apartamento, uma oficina mecânica, ações de várias companhias e possuir algumas quirelas no banco. A maior parte do que ganho envio para meu pai, que tudo dirige. Fico com o essencial para levar uma vida normal, sem exageros. E assim mesmo deu para juntar o suficiente para adquirir ações de uma Companhia espanhola fabricante de máquinas de engarrafar.”

De 1962 a 65, Evaristo só vestiu a camisa do Real Madrid, para conquistar o tricampeonato espanhol, em 1963, 64 e 65. Apesar dos títulos, não conseguiu o mesmo brilho na capital espanhola e nas três temporadas ficou como opção no banco de reservas. Seguidas lesões prejudicaram seu desempenho.

Na Espanha, Evaristo deparou-se com um país que se recuperava de uma guerra civil. Com isso, aprendeu costumes e uma nova filosofia de vida: “Com o tempo, fui aprendendo um pouco de História e incorporei outros hábitos, como o vinho que fazia parte das refeições no clube. O time exigia que a gente se apresentasse sempre de terno e gravata.”
As restrições dos clubes aos jogadores, sobretudo brasileiros que atuavam no futebol espanhol dos anos de 1950 e 60 eram flagrantes. “Não podíamos frequentar a parte social. Havia uma entrada para os profissionais. Dificilmente os dirigentes iam ao vestiário. O Santiago Bernabéu foi meu presidente. Era um velho bacana. O clube exigia comportamento dos jogadores mas, para quem gostava, a noite era uma criança […] A mudança [do Barça para o Real] não mexeu muito com a minha vida. Estava casado, tinha filhos pequenos e jogador de futebol é a mesma coisa em todo lugar. Gostava de ver os grandes toureiros como Dominguín e El Cordobés. Claro que Madri era uma cidade mais elitizada com seus museus e uma posição política centrista. Barcelona era mais povão, de esquerda. Os jogadores não levavam essas questões para o campo e acredito que hoje a tensão seja menor. As novas gerações vão se adaptando aos hábitos de outras regiões, mas ainda existe um ranço.”

Evaristo saiu de Madri e retornou ao Flamengo. Conquistou mais um campeonato carioca, em 1965, e encerrou a carreira em 1967, no América, após sofrer uma contusão no joelho. 
A trajetória de Evaristo nos gramados foi coroada com muitos títulos e 298 gols. No dia 27 de outubro de 1956 fez, talvez, sua exibição mais eloquente com a camisa do Flamengo ao marcar cinco gols na maior goleada da história do Maracanã: Flamengo 12 a 2 no São Cristóvão.

O craque dos gramados se tornou um dos mestres da beira do campo. Pelo Alvirrubro da rua Campos Sales começou sua vitoriosa vida de técnico. Dirigiu diversas equipes do futebol brasileiro, como Grêmio, Cruzeiro, Atlético Paranaense, Flamengo, Corinthians, Vasco da Gama e Vitória da Bahia. Teve passagens marcantes pelo Santa Cruz, onde conquistou quatro campeonatos estaduais, em 1972, 78, 79 e 1980, e pelo Bahia. Aliás, foi no tricolor baiano que Evaristo carimbou seu currículo de grande treinador ao levar o clube ao inédito triunfo no campeonato nacional, em 1988. Pelo time da Fonte Nova, conquistou ainda os campeonatos estaduais de 1970, 71, 73, 88 e 98 e faturou o estadual e a Copa Nordeste, em 2001. Pelo Grêmio, ergueu a Copa do Brasil, em 1997, superando o Flamengo na final. Pela seleção do Qatar, conquistou a Copa do Golfo Pérsico, em 1992. Como treinador, teve uma passagem efêmera — e não menos turbulenta — pela seleção brasileira, em 1985. Mal ocupara o cargo no escrete, em maio, Evaristo deflagrou uma guerra contra a imprensa, que criticava a imposição da lei da mordaça aos jogadores da seleção. Nada do que acontecia na concentração poderia ser exposto. A decisão do técnico acirrou a discussão com jornalistas e o treinador levou a pior com o boicote. Ele deixou o cargo após a publicação de várias reportagens, algumas até ofensivas, como a publicada pela revista Placar, cuja capa mostrava fotos dos jogadores com um xis desenhado sobre suas bocas e estampava um título irônico: “A culpa é da imprensa! Burrice de Evaristo contagia a seleção!”. Dias depois, Telê Santana voltou ao cargo que havia deixado após a Copa de 1982.

O tempo é o melhor remédio para as rusgas que travamos com o destino. Um dia chove e, verdade seja dita, para Evaristo, na maioria das vezes, outros se firmaram ensolarados.


Histórico gol de Evaristo (Foto: Reprodução)

Em 2006, o Real Madrid prepara uma grande festa em homenagem a Di Stéfano, que completaria 80 anos. Em sua casa, no bairro de Ipanema, na zona sul carioca, Evaristo recebeu um envelope com o timbre do clube merengue, no qual continha um convite e duas passagens aéreas para que comparecesse à festa de Di Stéfano. No ano seguinte, foi a vez do Barcelona reverenciá-lo. Foi recebido com tapete vermelho e com a exibição, em um telão, de seu gol mais célebre, de peixinho, com a camisa azul-grená, no estádio Nou Camp, contra o Real, pela Liga dos Campeões.

O Rio de Janeiro, cidade em que nasceu, reverenciou-o como craque, mas não na mesma proporção de Barcelona. Lá, Evaristo de Macedo é rei… para sempre.

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CACÁ, UM ÍDOLO BOTAFOGUENSE, PARTIU

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Carlos de Castro Borges, o lateral-direito Cacá, esteve próximo de realizar um sonho para qualquer jogador de futebol: defender a seleção brasileira em uma Copa do Mundo. Em abril de 1958, o técnico Vicente Feola preparava a lista que de craques que iriam à Suécia para defender o escrete. Cacá era nome certo, mas, na última hora, Feola desistiu de levá-lo e convocou De Sordi e Djalma Santos. Até hoje o motivo para corte de Cacá não ficou muito claro. João Havelange, que à época era o mandachuva da seleção, mostrou-se surpreso com a saída de Cacá e acreditava, num primeiro momento, que o jogador é quem pedira para sair: “Todo atleta deve se sentir honrado em vestir a camisa da entidade que representa a sua pátria. Eu, quando fui convocado para as seleções de natação e water-polo, sempre me senti orgulhoso de ver o meu nome dentre os convocados. É estranho que um jogador de futebol procure fugir a um chamado para o qual ele, mais do que nunca, devia estar disposto a dar o máximo de sua capacidade física, técnica e mental.”

A pinimba de Havelange com Cacá pode ter origem no fato de o craque ter sido o precursor da luta pelo “passe livre” no futebol brasileiro. Bem antes do grande Afonsinho, com a sua luta pelo passe livre no começo dos anos de 1970, Cacá já peitava a cartolagem para ter os seus direitos preservados. Exigia sempre cláusulas que lhe garantissem o passe livre após o término dos contratos. Isso aconteceu com o América, seu primeiro clube, e de forma traumática. Cacá incomodou [e muito!] os cartolas de sua época ao se recusar a voltar ao América, em setembro de 1955, mesmo com o clube exigindo juridicamente seu passe e ignorando a cláusula contratual que facultava ao atleta o passe livre.

De 1950 a 1954, Cacá permaneceu como amador do América, que defendia desde os juvenis, no final dos anos de 1940. Tentara ingressar nas divisões de base do Botafogo, clube que ficava próximo de sua casa e da praia, onde também jogava bola. Mas o Botafogo não o quis. “Eu sempre fui torcedor do Botafogo e, por isso, frequentava o Clube com o meu pai, antes mesmo de começar a minha carreira de jogador. Como eu conhecia o Octávio Morais, ex-jogador, eu tinha contato com alguns jogadores do Botafogo da época, entre eles o Nilton Santos”. No América, pelo menos, conseguia conciliar os jogos do time amador e com os da praia, dos quais não abria mão de jeito algum.

Em 1952, Cacá vivenciou uma fase muito boa no América sendo, inclusive, convocado para compor a seleção brasileira que se preparava para disputar os Jogos Olímpicos, em Helsinque. Mas, surpreendentemente, Cacá pediu dispensa da seleção. Não teve culpa alguma no imbróglio. Se houve culpada, foi a diretoria do América que o requisitou, agora como profissional, para um jogo — o primeiro jogo oficial da carreira de Cacá — contra a toda poderosa seleção do Uruguai, bicampeão mundial, em Montevidéu. 

Cacá era vítima das manobras dos dirigentes, que fazem o que bem entendem com os jogadores. Ali, o jogador começou a ficar mais atento com os cartolas. Afinal, ele era um exemplo de jogador e, mais: um jovem craque, com um potencial para ser ídolo da torcida. Mal iniciara sua carreira profissional no América do Rio, em outubro 1954, quando assinou seu primeiro contrato, Cacá foi agraciado com o prêmio Belfort Duarte pela sua desportividade em campo.

Mesmo sendo exemplo dentro e fora dos gramados, Cacá não foi respeitado pela diretoria do América. Em setembro de 1955, após uma renhida negociação com os cartolas para que liberassem o seu passe para o Fluminense, que sinalizara querer contratá-lo, Cacá vencera, enfim, uma guerra jurídica contra o América. Não foi fácil. A diretoria do América recorreu de todas as formas para mantê-lo no clube. O Ministério do Trabalho chegou a intimar a antiga Confederação Brasileira de Desportos [CBD] e a antiga Federação Metropolitana de Futebol [FMF], em vão, para que decidissem sobre o caso “Cacá”, mas ninguém quis interferir para não melindrar a cartolagem. Cacá estava prestes a perder a causa de forma injusta e lastimável.

Naquele período conturbado de sua vida profissional, Cacá, que era o capitão do time, cursava o segundo ano da faculdade de engenharia na antiga Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica, na qual se formaria em dezembro de 1958. Teve de, provisoriamente, trancar a matrícula para tentar resolver a situação com o América. “Eu não podia mais permanecer no clube. Depois de combinar um encontro com os diretores para reformar o contrato, e eles faltarem sem uma palavra de justificativa, vi que estava sobrando e que o melhor seria procurar outro ambiente. Na verdade, o América nunca mostrou interesse por mim. Do contrário teria concordado em procurar-me […] Não estou lutando por dinheiro, mas por convicção”, disse ao jornal O Globo, no auge da tensão com os cartolas, que tentaram de todas as formas prejudicar a imagem de Cacá para forçá-lo a permanecer no clube.

Cacá tinha direito ao passe livre por acordo e cláusula assinada logo expirasse o contrato. Além do passe livre, outro fator garantia a ele defender outro clube em 1955: Cacá, até outubro, não havia disputado uma única partida pelo América por conta de uma cirurgia de apêndice. Mas ele estava decidido e, desiludido, não mais desejava defender o América: “Juro por minha fé de ofício, pelo prêmio de disciplina que me foi conferido — o prêmio ‘Belfort Duarte’ — que jamais tive intenção de fugir aos meus compromissos legais, como algumas pessoas do América pretendem insinuar, alegando até, o que é inteiramente absurdo, que forcei a operação do apêndice só para ganhar tempo e não jogar mais este ano, de maneira que ficasse livre para me transferir… É falso. Vou contar o que houve. Tenho um músculo distendido desde o dia 9 de julho. Machuquei-me em S.Paulo, ao enfrentar o Corinthians pelo Torneio Charles MIler. Nesse ínterim, fui operado. A 5 de agosto, deixei a Casa de Saúde e retornei aos treinos. Somente depois que o médico declarou que eu não estava restabelecido da distensão e que precisava continuar o tratamento, foi que comecei a faltar aos exercícios. Mas ainda não estou bom. Tanto que continuo tomando aplicações no Fluminense. Por causa da operação, permaneci apenas vinte dias inativo. No entanto, os que me acusam em Juízo, falam em dois meses de ‘ausência premeditada’.”

A indignação de Cacá com o América por pouco não o fez abandonar a carreira de jogador. O craque ameaçou pendurar as chuteiras caso os órgãos esportivos competentes ou mesmo a Justiça do Trabalho proferissem decisão favorável ao América.


(Foto: Reprodução)

No fim de outubro, a pendenga foi resolvida e Cacá estava livre para defender o novo clube, que tinha no comando o treinador Gradim. Foi o técnico, aliás, quem sugeriu aos diretores do Fluminense que o contratassem após descobrir, durante um almoço informal, que Cacá estava com o passe livre. Gradim procurou Augusto Borges, pai de Cacá, e disse estar interessado em levá-lo para as Laranjeiras. O pai de Cacá conversou com o filho e expôs a situação. Cacá, já bastante indignado com a desgastante relação com o América, aceitou desde que as cláusulas que lhe garantissem ser dono do próprio passe e o de poder estudar mesmo em dias de jogos, se assim fosse exigido pela Universidade. Os diretores do Fluminense aceitaram as condições impostas por Cacá talvez para evitar briga futura com um jogador bem informado e convicto dos seus direitos profissionais. Começava a mudar, ali, com Cacá, a relação dos clubes com seus atletas.

No Fluminense, Cacá jogou como zagueiro, substituindo Píndaro, que formava a zaga com o goleiro Castilho e o zagueiro Pinheiro, este último um dos grandes amigos que Cacá teve após abandonar o futebol. Foram 123 jogos e o título de campeão do Torneio Rio-São Paulo, em 1957, com o Fluminense. Um período em que conquistou muito prestígio. Mas o melhor estava por vir, no Botafogo, onde aportou em março de 1958, no auge e convocado para a seleção brasileira que se preparava para a Copa do Mundo. Foi, infelizmente, cortado, mas a trajetória que construiria no Alvinegro, que um dia o rejeitou, seria a mais auspiciosa de sua carreira.

Em General Severiano, Cacá brilhou ao lado do centromédio Pampolini, goleiro Manga, do lateral-esquerdo e grande amigo Nilton Santos, do lateral Rildo, do magistral Garrincha, do mestre Didi, do artilheiro Quarentinha, do “formiguinha” Zagalo, do “possesso” Amarildo e do “trombador” Paulo Valentim. Dois destes craques foram grandes amigos de Cacá: Pampolini e Nilton Santos, este último, uma amizade que começou em 1955, quando ambos defendiam um selecionado carioca. Ademir de Menezes, ídolo vascaíno, também foi amigo de Cacá, que era o titular absoluto da lateral direita do Botafogo até 1961, quando uma insistente contusão na coxa o tirou do time na campanha do título carioca daquele ano. Abriu-se, portanto, a vaga para o jovem Rildo, mas Cacá, enfim, conquistara seu primeiro campeonato. Em 1957, perdera a final para o mesmo Botafogo, quando defendia o Fluminense, após a acachapante goleada de 6 a 2.

Em 1964, Cacá foi contratado pela Portuguesa de Desportos em um período de êxodo de cariocas para o Canindé. Muitos craques seguiram para lá, como o lateral Jair Marinho [ex-Fluminense], o grande amigo de Cacá, o meia Pampolini, o centroavante Henrique Frade [ex-Flamengo] e o extraordinário Dida [ex-Flamengo]. Dois anos depois, Cacá decidiu pendurar as chuteiras.

Carioca, de Botafogo, bairro da zona sul, Cacá nasceu no dia 31 de agosto de 1932. Sua fama de líder dentro e fora dos campos sempre foi notada e devidamente reconhecida pelas torcidas do Fluminense e do Botafogo. Muitas décadas após deixar os gramados, tornou-se amigo inseparável de Nilton Santos. Quando este foi internado em 2007, Cacá o visitava todos os sábados, o que se sucedeu até o dia da morte de Nilton Santos, em 27 de novembro de 2013.


Cacá não fez fortuna com o futebol, mas não teve do que se queixar com o que o esporte lhe proporcionou. Tornou-se um bem sucedido engenheiro civil e manteve uma vida tranquila. Foi um dos poucos craques de sua época que não insistiram com o futebol, mas como treinador: “O futebol foi o trampolim que eu soube explorar para ter sucesso na vida”. E a sua primeira obra como engenheiro foi a construção da casa do amigo Didi, na Ilha do Governador, em 1959, um ano após se formar. Da engenharia da bola para a dos prédios, Cacá foi um craque que deu certo.

Na quarta-feira, dia 7 de junho de 2017, vítima de câncer, Cacá partiu, e deixou tristes os botafoguenses e, sobretudo, nós, que amamos o futebol de verdade.

#Ídolos #DicionáriodosCraques #BotafogoFR

SÉRIE ‘TIME DOS SONHOS’: ‘UMA VEZ FLAMENGO, FLAMENGO ATÉ MORRER…’

por André Felipe de Lima


Escalar o time dos sonhos do clube do coração é algo mais comum do que imaginamos. Quem gosta de futebol e de um bom papo, sobretudo regado a uma cervejinha em um bar entupido de boleiros afoitos por recordar os craques de outrora, sabe do que falamos aqui. Para incrementar a onda saudosista, o projeto “Ídolos-Dicionário dos craques do Futebol brasileiro” inicia a série “Time dos sonhos”, com escalações preliminares desenvolvidas pelo autor da obra, com base nas investigações jornalísticas que empreendeu ao longo dos últimos quinze anos para escrever os 18 volumes da enciclopédia dos maiores craques da nossa história, dos quais, alguns, tornaram-se míticos de norte a sul do país.


García

O primeiro time do nosso saudável debate é o Flamengo. No gol, escalamos o paraguaio Garcia, que brilhou no “tri” estadual do Flamengo, de 1953 a 55. Foi, segundo muitos relatos, arrojado e extremamente técnico embaixo das traves. Chegou ao Flamengo após um desempenho espetacular no Maracanã defendendo a seleção do Paraguai. Poderíamos escalar outras feras como o amazonense Amado, que tinha como fã número um o cronista Mario Filho. Foi ídolo rubro-negro na década de 1920. Até o começo dos anos de 1970, muitos o achavam o maior arqueiro do Flamengo em todos os tempos. Mas há também Raul, o guardião da meta do timaço campeão de tudo e de todos no começo da década de 1981, ou mesmo o Júlio César, que tão bem se manteve na Gávea na virada do milênio.

Vamos para a lateral-direita. Nela o rei é Leandro, um dos maiores craques já produzidos pelas divisões de base do Flamengo. Integrou o time do Flamengo campeão do mundo em 1981. Até o seu surgimento, o maior era Biguá, o primeiro “Deus da raça” da história do clube, que fez da lateral posto intocável entre o começo dos anos de 1940 e meados da década seguinte. Outro bom lateral-direito do Flamengo foi Toninho, que deixaria o posto para o próprio Leandro, em 1981.

Na zaga central não houve beque mais extraordinário que Domingos da Guia. Para muitos o maior zagueiro da história do futebol brasileiro. Um jogador que conseguiu um feito memorável nos anos de 1930 ao ser campeão de três campeonatos, em sequência, e em três países diferentes, defendendo o Nacional de Montevidéu, o Boca Juniors e o Vasco. Ícone do seu tempo, Domingos destacou-se na Copa do Mundo de 1938, na França. Outros excelentes centrais na história do Flamengo foram Pavão, do “tri” de 1953 a 55, e Marinho, do esquadrão de 1981.


Para compor a zaga do Mengão dos sonhos escalamos Mozer, companheiro de Marinho em 1981. Clássico, Mozer foi, após Domingos, o zagueiro mais sensacional que brotou na Gávea. Mas lá também fizeram história Hélcio, na década de 1920, Tomires, que jogou ao lado de Pavão, o paraguaio Reyes, no começo dos anos de 1970, e o segundo “Deus da raça” do clube, o aguerrido Rondinelli, autor do gol do título estadual de 1978, uma espécie de “pedra fundamental” do time que conquistaria todos os troféus que veria pela frente até meados da década de 1980.

Na lateral-esquerda é Júnior e ponto final. O “Capacete”, como o chamavam na concentração, era tão sensacional que, para muitos, inclusive torcedores de outros times, foi um lateral-esquerdo superior ao Nilton Santos, o maior da posição em todos os tempos. Heresia ou não, o torcedor do Flamengo não está nem aí. Para ele, Júnior é o melhor lateral canhoto que já viram jogar. Mas o Flamengo teve outros craques na posição. Jayme de Almeida (década de 1940), Jordan (anos de 1950) e Paulo Henrique (anos de 1960) também brilharam.

Vamos para a meia cancha, recorrendo ao velho estilo 4-3-3. Como centromédio ou volante, como queiram, Dequinha senão o melhor foi inegavelmente o maior da posição. Dequinha disputou todos (disse ‘todos’!) os jogos das campanhas de 1953, 54 e 55 que garantiram o segundo “tri” estadual ao Flamengo. Baixinho, era magistral no desarme e, fundamentalmente, nos lançamentos, onde, invariavelmente, encontrava o pessoal da frente pronto para marcar mais um tento para o Flamengo. Além dele, Carpegiani e Andrade foram os outros grandes volantes que envergaram o manto rubro-negro. Os dois jogaram entre os anos de 1970 e 80, sempre disputando a posição ferrenhamente. Quando Carpegiani pendurou as chuteiras em 1981 para assumir o comando técnico do time, Andrade tomou conta da posição.


                            Zizinho

Entre os meias-armadores nenhum outro superou Zizinho. Ídolo do Pelé, “Mestre” Ziza foi um dos melhores jogadores que o futebol mundial já teve. Cerebral, com dribles magistrais, ágil e goleador, Zizinho marcou época na década de 1940, mas deixou o clube de forma turbulenta pouco antes da Copa do Mundo de 1950 para defender o Bangu, onde também é ídolo intocável. Na posição, também cultuado foi o grande Adílio, escudeiro de Zico na meia cancha do campeoníssimo Flamengo dos anos de 1980.


E quem vestiria a camisa 10 neste time dos sonhos? Ora, alguma dúvida? O nome só pode ser um: Zico. Embora o Flamengo ostente em sua história grandes jogadores como pontas-de-lança, jamais haverá um como o Galinho de Quintino, o maior artilheiro da história do clube, com mais de 500 gols, e um ícone do futebol mundial na década de 1980. Mas o torcedor do Flamengo pode se gabar de ter vislumbrado grandes craques na posição. Pirillo, até hoje o maior artilheiro de uma edição do Campeonato Carioca, destacou-se no time entre 1941 e 47 e marcou cerca de 200 gols pelo time. Na década seguinte, havia Rubens, ou “Dr.Rúbis”, como o radialista Ary Barroso gostava de chamá-lo. Nos anos de 1960, pintou ao lado de Almir Pernambuquinho o corpulento Silva “Batuta” com “dez” nas costas. Após a Era Zico, surgiu o magrelo, porém genial Bebeto, craque na conquista da Copa União, de 1987, título nacional que a Justiça, digamos, sequestrou da história do clube. Outro camisa 10 icônico despontaria somente na virada do milênio. Um gringo sérvio capaz de colocar a bola em qualquer parte do gramado. Como se esquecer daquela cobrança de falta do Petkovic na final do Campeonato Carioca de 2001?


Moderato

Nesta nossa escalação, que segue o modelo 4-3-3, há espaço para ponteiros. Na direita, ousamos escalar um ponta-esquerda de raiz. Para isso, fomos buscar na década de 1920 o grande ídolo Moderato, craque canhoto dos times do Flamengo nas conquistas do Campeonato Carioca de 1925 e de 27, neste último, Moderato — que formou um ataque poderoso com o ponta-direita de origem Vadinho, os meias Candiota e Junqueira e o centroavante Nonô — fez o gol do título (2 a 1) sobre o América. Um gol épico, talvez mais memorável que o do Rondinelli, em 1978, ou o do Petkovic, em 2001, pelo simples fato de Moderato ter jogado a partida com uma cinta protetora. Sim, uma cinta que impediria o rompimento dos pontos de uma recente cirurgia de apêndice a qual foi submetido. Na ponta-direita também brilharam Joel, na década de 1950, também campeão do mundo na Copa de 1958, e Tita, que às vezes, ocupava a “10” do Zico, quando este se contundia.


Leônidas

Centroavante o Flamengo teve aos montes, mas nenhum igual ao Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”. A famosa marca de chocolate foi criada em homenagem ao craque do Flamengo, o artilheiro da Copa do Mundo de 1938. Antes de Leônidas, quem fez muito gol pelo Mengão foi o “vara-pau” Nonô, um camarada alto pra burro, que se notabilizou por muitos gols de cabeça e o indefectível gorrinho que vestia. Outra fera, que jogava no comando do ataque ou na ponta-de-lança, foi Evaristo de Macedo. Após deixar o Flamengo, em 1957, tornou-se um dos maiores ídolos em todos os tempos dos rivais Barcelona e Real Madrid. Façanha rara de se ver. Lá, na Espanha, Evaristo é reverenciado até hoje. Mas no Mengão, é também inesquecível. Nos anos de 1960 vieram o briguento Almir Pernambuquinho, que quebrou o pau na final do Campeonato Carioca de 1966, contra o Bangu, o argentino Doval, que vestiu Flamengo entre 1969 e 75, o clássico e estiloso Cláudio Adão, Nunes, o artilheiro das decisões dos “Brasileiros” de 1980 e 1982 e do Mundial de Clubes de 1981, e, por fim, o baixinho Romário, que ficou por pouco tempo, porém o suficiente para marcar o seu nome no Olimpo de craques da Gávea.


Dida

Na ponta-esquerda abrimos uma exceção escalamos um jogador que, talvez, jamais atuasse naquela faixa do campo. Escalamos Dida, o ídolo dos sonhos do menino Arthurzico, que mais tarde entraria para a história como apenas Zico. Dida foi o primeiro craque do futebol brasileiro a tornar a camisa 10 singular e popular, antes mesmo do aparecimento de Pelé, no Santos. Dida foi o nome principal do Flamengo na década de 1950, um genuíno herdeiro de Zizinho, que passou o a coroa de maior artilheiro da história do Flamengo para o seu fã eterno, o menino Zico. Mas o Flamengo teve grandes pontas canhotos de ofício. Vevé (anos de 1940) foi o primeiro deles. Também aprontaram ali Esquerdinha (anos de 1950), Zagallo (idem, em 50), o entortador de laterais Júlio César “Uri Geller” (anos de 1970) e, por fim, o eficiente Lico, que foi muito importante taticamente para o Flamengo campeão mundial de 1981.

Pois é, amigos. Está aí o Flamengo dos sonhos, que a televisão jamais poderá mostrar, mas que a literatura e, sobretudo, os memoráveis cronistas do passado, incumbiram-se de trazer para nós. Somente as narrativas de outrora permitem um vigoroso resgate de memória cultural. Somente a literatura nos oferece a oportunidade de — sem determinismos, claro — sonharmos com o time que desejaríamos ver no quadro do nosso quarto, devidamente desenhado e escalado. Pensando nisso, o cartunista Anli, que, por coincidência, é também o autor da enciclopédia “Ídolos-Dicionário dos craques”, colocou no pincel o maior Flamengo de todos os tempos, como poderão conferir na charge abaixo.


Agora, a bola está com você, torcedor do Flamengo ou com quem, acima de tudo, curte de montão a história do futebol brasileiro. Querem arriscar uma escalação do escrete do Mengão dos sonhos?

Nas próximas semanas teremos o Corinthians de todos os tempos. Mas aguardem torcidas dos outros clubes cariocas. Seus times dos sonhos também estarão por aqui, bem como os de outros grandes clubes paulistas, gaúchos, mineiros, baianos, paranaenses e pernambucanos. Até lá.

ZÉ CARLOS, ‘CARREGAR PIANO’ ERA COM ELE MESMO

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Fosse no grande Cruzeiro de 1966 a 1976 ou no estupendo Guarani de 1978, lá estava José Carlos Bernardo, o grande volante Zé Carlos, carregando o piano do time. Mas, verdade seja dita, “carregar piano” naqueles elencos era tarefa das mais amenas. Afinal, o Cruzeiro, em 1966, tinha um time campeão da Taça Brasil formado por craques sensacionais, do goleiro ao ponta canhoto, de Raul, passando por ele, Zé Carlos, Piazza, Procópio Cardoso, Dirceu Lopes, Natal e Tostão, a Hilton de Oliveira. Na máquina de 76, campeão da Taça Libertadores, ocorria o mesmo. No gol, novamente Raul, mas também havia Roberto Batata, outra vez Piazza, Palhinha, Joãozinho, Zé Carlos e até Jairzinho, o “Furacão de 70”. Só cobras…

Pelo Cruzeiro, Zé Carlos entrou em campo 633 vezes e conquistou nove campeonatos estaduais. Até surgir o goleiro Fábio, que defende a Raposa desde 2005, o meio-campo era o jogador que mais vezes vestiu a camisa azul do clube mineiro. Vestiu com extrema galhardia. “Eu me preocupava com a técnica porque é o que tem de prevalecer em qualquer jogador de meio-campo. Se eu errasse mais de três passes em um jogo, voltava para casa com raiva de mim mesmo, até se ganhasse prêmios e fosse elogiado por colegas.”


(Foto: Reprodução)

Quando tinha pouco mais de 30 anos e com a carreira praticamente consolidada como um dos maiores ídolos do Cruzeiro em todos os tempos, Zé Carlos teve o passe negociado com os cartolas do Guarani. O que, para muitos, representava uma aventura sem precedentes, tornou-se uma das maiores surpresas da história do futebol brasileiro. Ao lado de jogadores espetaculares, como o goleiro Neneca, o zagueiro Gomes e os meias Renato e Zenon, Zé Carlos foi campeão brasileiro em 1978.

Na seleção brasileira, teve poucas oportunidades. Por muito pouco não foi à Copa de 70, mas acabou cortado na reta final. Inicialmente, indignou-se, mas acabou resignando-se.

A melhor chance foi com o técnico Oswaldo Brandão, em 1975, quando Zé Carlos ainda se recuperava da grave contusão que sofrera no tendão de Aquiles do pé direito. Com Zé Carlos, o Brasil ficou em terceiro lugar no Campeonato Sul-Americano, na época disputado em jogos de ida e volta. Devido à contusão, Zé entrou em campo somente na segunda fase da competição. “Ele está voltando de uma contusão grave. Ficou muito tempo parado e precisa de apoio para não sentir nada quando entrar no time. É um craque e não posso dispensar seu trabalho”, disse Brandão antes do início da competição.


(Foto: Reprodução)

Certa vez, ele disse o seguinte ao saudoso repórter Fausto Netto: “Se eu tivesse que recomeçar tudo de novo, seria jogador de futebol novamente. Jogo por profissão e por gostar de futebol”. Verdade. Zé foi uma unanimidade entre os companheiros de time. Piazza afirmava ser o amigo o “elo perfeito” entre defesa e ataque. Dirceu Lopes aponta o passe perfeito: “Com o Zé, a jogada sai fácil. Sua colocação em campo é um troço.”

Hoje, dia 28, o mineiro Zé Carlos, de Juiz de Fora, comemora mais um aniversário. Com o craque no Cruzeiro ou no Guarani, os times eram verdadeiras orquestras. Ele, naturalmente como todo volante, o bravo maestro a regê-las. Feliz e em total sintonia com o divino espetáculo chamado futebol.