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Dicionário dos Craques

BALTAZAR ANDA COM FÉ… E GOLS!

por André Felipe de Lima


No início da década de 1980 uma geração de jogadores proclamou-se “representante digna da fé religiosa” nos gramados. Eram os “atletas de Cristo”. Um dos expoentes chama-se Baltazar, o centroavante presbiteriano que marcou época no Grêmio e foi um dos protagonistas da conquista do primeiro campeonato brasileiro do tricolor gaúcho, em 1981. Nenhum jogo seria ganho, reforçava o artilheiro “pastor”, caso não houvesse uma “intervenção divina” graças às leituras dos “Salmos”. Jogos, títulos, troféus… tudo tem, afinal, o “dedo de Deus”. “Quando não faço gols, é porque Deus não quis. Quando marco, é porque estava em Seus planos. E olha que fui artilheiro do Campeonato Goiano. Tudo começou a acontecer quando descobri Deus […] Tornei-me titular, meu salário aumentou, fui artilheiro, o Grêmio me quis. Puxa, isso diz tudo!”, declarou, em maio de 1979, Baltazar, ainda jovem craque, que acabara de chegar ao Grêmio, convicto de que entraria para a história do clube gaúcho. Fé e, sobretudo, muito trabalho o garantiram no panteão de ídolos imortais do tricolor.

Baltazar Maria de Morais Júnior nasceu no dia 17 de julho de 1959, em Goiânia. Converteu-se graças à influência dos pais, seu Baltazar e dona Conceição. “Um dia, entrei no meu quarto, ajoelhei-me diante de uma imagem de Cristo e pedi, com muita fé, que Ele me ajudasse, que desviasse minha mente de namoricos e festinhas. Senti que havia um grande vazio no meu coração e só Deus poderia preenchê-lo.”

O ainda menino Baltazar deixou de lado o carteado das concentrações dos juvenis, as festinhas e os namoricos. A fé veio junto com o sucesso no futebol, com um alvissareiro começo de carreira no Atlético Goianiense, em 1978, time de sua cidade natal, Goiânia, aos 17 anos. Logo no primeiro ano como profissional, foi artilheiro estadual, marcando 31 gols no campeonato, um recorde até hoje imbatível no futebol goiano.


No mesmo ano em que explodiu no Atlético Goianiense, Baltazar cursava Matemática. O sonho era ser engenheiro, mas o talento com a bola parecia seduzir-lhe mais que os números e equações. Em maio do ano seguinte, na maior transação da história do futebol goiano, o centroavante seguiu para o Grêmio, que pagou três milhões de cruzeiros para tê-lo no Olímpico. No clube gaúcho, conquistou, de cara, campeonato gaúcho de 1979, marcando 19 gols em apenas 20 jogos. Logo após o título, a Federação Goiana de Futebol reconhecera o valor de Baltazar, premiando-o com cinco mil cruzeiros, pelos 31 gols do campeonato goiano do ano anterior. O craque doou todo o dinheiro à sede goiana do Movimento de Recuperação de Viciados em Tóxicos.

Em 1980, Baltazar seria “bi” gaúcho e artilheiro principal da competição, com 28 gols. Seus gols garantiram uma vaga nas seleções brasileiras das categorias de base. A fé e, sobretudo, os gols de Baltazar foram exaltados também no Palmeiras, Flamengo e Celta de Vigo, na Espanha.

Todo gremista que viu Baltazar vestir a camisa tricolor vibrou com seus gols. O único lamento era, porém, a escassez de gols do artilheiro em clássico Grenais. Durante os anos em que esteve no Olímpico, Baltazar marcou apenas três gols contra o Internacional. O saudoso Luiz Carvalho, outro ídolo gremista e maior artilheiro tricolor contra o Inter, pedia, em outubro de 1981, às vésperas de mais um embate encarniçado contra o arquirrival, paciência aos torcedores mais exaltados. Dizia que Baltazar, embora goleador nato, nada poderia fazer se não tivesse um bom “garçom” a lhe servir bolas à vontade para estufar as redes coloradas: “Ele precisa de alguém que o ajude, porque sozinho não dá”. Os meias Paulo Isidoro e Vilson Tadei, companheiros de Baltazar em 1981, rechaçaram a opinião do ídolo Luiz Carvalho e garantiram que a sorte estava era mesmo do lado do paraguaio Benitez, goleiro do Inter. Foguinho, outro ídolo imortal do panteão gremista, alertou para uma insegurança de Baltazar diante do Inter: “O problema é que Baltazar não tem uma personalidade marcante. Por isso, sente as críticas e perde a segurança. Eu o aconselho a ter mais confiança nele mesmo”.

O conforto de Baltazar ficava por conta de Myrna, a dedicada companheira do craque, tanto nos momentos mais felizes ou nos duros da carreira do grande atacante. De Myrna, Baltazar nunca se separaria, e com ela, teve dois filhos.

TUDO PELA FÉ

A credulidade exacerbada de Baltazar rendeu algumas histórias, no mínimo, surreais e lendárias. Ainda no Grêmio, o craque artilheiro se preparava para embarcar com a delegação do time para o Rio de Janeiro, onde haveria um jogo contra o Flamengo pelo campeonato brasileiro. Ele se recusou a embarcar por que teria esquecido sua bíblia em casa. A situação foi extremamente desconfortável e o chefe da delegação teria oferecido ao centroavante a sua bíblia particular. Baltazar recusou. “Tenho que buscar o Livro de Deus. Nem que seja para pegar o vôo seguinte, pagar a passagem do meu próprio bolso, e me encontrar com vocês lá no Rio”, teria dito o craque.

Ao desembarcarem, os companheiros compraram imediatamente uma bíblia para Baltazar, que aceitou mais por educação do que por convicção. Prenúncio de “tragédia” no Maracanã? O Grêmio realmente jogou muito mal no primeiro tempo, Baltazar idem. No segundo tempo, porém, há algo no ar. O “Artilheiro de Deus” retornou ao gramado renovado. E não foi por causa da preleção do técnico. “Foi Deus”, teria alegado.

Marcou o gol da vitória do Grêmio e garantiu que a mão divina estava nos seus pés, graças ao “perdão obtido por ter esquecido a bíblia em Porto Alegre”. Jogo terminado, Baltazar concedeu as costumeiras entrevistas no campo e seguiu para o merecido banho no vestiário. Ao remexer sua bolsa, a surpresa: A bíblia… a sua bíblia estava ali, diante dele, como uma espécie de milagre. O autor? Deus? Que seja, mas a colaboradora de Deus no milagroso transporte do texto sagrado foi a esposa de Baltazar, que após conversar com o centroavante pelo telefone, horas antes do jogo, pegou um avião imediatamente rumo ao Rio, desceu no aeroporto e, de táxi, chegou rapidamente ao Maracanã. Autorizada pelo roupeiro do Grêmio, entrou no vestiário e colocou a bíblia de Baltazar na bolsa do craque minutos antes do final do primeiro tempo. Correu para a arquibancada e ainda presenciou o feito do renovado marido durante o segundo tempo. Estava consumado o milagre do Grêmio, dos pés de Baltazar, da perseverança da esposa do ídolo e, vá lá, com mão do chefe lá de cima.


Mas a carreira de Baltazar sempre esteve muito acima de milagres. Seus gols nada tinham de metafísicos ou subjetivos. Eram reais, para a alegria do futebol nacional. Foi dos pés do craque que o Grêmio iniciou sua trajetória de títulos para além dos pampas. Na final do campeonato brasileiro de 1981, contra o São Paulo, no lotado estádio do Morumbi, um golaço de Baltazar, após uma jogada que começou com o lateral direito Paulo Roberto, passou por Renato Sá, que, de cabeça, levantou na área para a “matada” de bola seguida por um chute certeiro de Baltazar contra a meta de Waldir Peres. A “Máquina” do Morumbi caiu diante do tricolor gaúcho.

Em agosto de 1982, o jogador, sem um bom clima no Grêmio após a perda do título estadual de 81, foi transferido, por empréstimo, para o Palmeiras [para onde regressou no segundo semestre de 1983]. Sua passagem, que durou até dezembro, foi, no entanto, curtíssima e aquém do seu farto futebol. Nas duas fases em que esteve no Verdão, disputou 70 jogos, venceu 26, empatou 28 e marcou 25 gols. Antes de se transferir para o futebol espanhol, vestiu ainda as cores de Flamengo, em 1983, após um troca-troca entre os clubes envolvendo também o meia Tita. Na verdade, Baltazar tinha chances de permanecer no Palmeiras, mas a diretoria gremista queria o craque do Flamengo a todo custo. “O que eu não queria mesmo era voltar para o Grêmio, porque me sentia rejeitado pela diretoria que acabara de assumir. Como eles estavam loucos atrás do Tita, acabaram melando minha contratação pelo Palmeiras para poderem fazer a troca com o Flamengo.”

Ao lado de Zico e Júnior, Baltazar ajudou o rubro-negro a conquistar o tri-campeonato brasileiro, em 83. Poderia ter ficado mais tempo no Rio de Janeiro, mas, logo que chegou à cidade, assustou-se com o verão carioca, como descreveu a repórter Maria Helena Araújo: “Passeando pelas areias quentes de Ipanema, Baltazar parece tão à vontade quanto um torcedor do Fluminense perdido no meio da galera flamenguista, em pleno Fla-Flu. A brancura de sua pele o deixa encabulado e produz um contraste chocante com o bronzeado dos corpos seminus que desfilam diante dos seus olhos. De súbito, como que fareja algo estranho no ar, ele franze o nariz e indaga: ‘Que cheiro estranho é esse?’ O cheiro era inconfundível e vinha de um cigarro de maconha que corria de mão em mão, num grupinho de pessoas ao lado. Baltazar balança a cabeça num gesto de reprovação e vai embora.”

E foi mesmo, um ano depois, após a segunda e curta passagem pelo Palmeiras, no segundo semestre de 83, para o Botafogo, com o qual foi artilheiro do campeonato estadual de 84, com 12 gols, ao lado de Cláudio Adão, do Bangu.

Do Rio à Espanha, Baltazar chegou a Vigo em agosto de 1985 para defender o Celta. No ano seguinte, no dia 21 dezembro, em jogo válido pela segunda divisão espanhola, sofreu uma grave contusão após involuntariamente chocar-se com o goleiro Gallardo, do Málaga, que sofreu uma comoção cerebral e morreu dezoito dias após ficar internado, em coma. Muito abalado, Baltazar o visitou duas vezes no hospital. Na temporada seguinte [1986/87], enfim, a volta por cima. Baltazar recebeu elogios e a reverência da torcida e crítica espanholas, ajudando ao Celta a retornar à primeira divisão, com 34 gols, um recorde da segundona italiana, que perdurava desde 1969. Baltazar era chamado de “El rei”, pelos fanáticos torcedores.

Baltazar gostou do “milagre”, e quis mais. Em outubro de 1988, já pelo Atlético de Madrid, a revista Don Balón — que o batizou de “El Diós del gol” — concedeu a ele o prêmio de melhor jogador estrangeiro na terra do flamenco. Não era para menos. Os 35 gols assinalados na temporada 1988/89 garantiram ao “Artilheiro de Deus” o troféu “Chuteira de Ouro” do futebol europeu, desbancando o mexicano Hugo Sanchez, ídolo do rival Real Madrid, principal artilheiro espanhol nos três anos anteriores. Sua missão estava cumprida na Espanha: marcou 53 gols em duas temporadas. Do Brasil, o técnico da seleção brasileira, Sebastião Lazaroni, não ignorou o feito e o convocou. Mesmo na reserva de Romário, Baltazar esteve presente na conquista da Copa América em 1989, realizada no Brasil.

O ex-goleador anunciou, em outubro de 1990, ao presidente do Atlético de Madrid, Jesus Gil, que deixaria o clube. Baltazar trocou a Espanha por Portugal. No Porto, jogou em 91. Não se adaptou e foi para o Rennes, onde permaneceu até 1993. Regressou ao Brasil em 1993 para defender o Goiás. Foi campeão goiano em 1994, realizando o sonho de levantar um troféu em sua terra natal, e deixou o clube no ano seguinte, seduzido pelo futebol japonês. No Goiás, Baltazar percebera que a idade já lhe comprometia a carreira. Simplesmente, o treinador do time era mais novo que ele. Era o sinal.

O craque terminou a carreira em 1996 no Kyoto, evidentemente longe do brilho de outrora, mas com uma marca invejável de 412 gols ao longo da jornada nos gramados.

Na seleção, apesar do sucesso nas divisões de base, raramente era lembrado. Telê Santana foi quem mais deu oportunidades a ele. Já aposentado da bola, Baltazar tornou-se empresário de jogadores e presidente da “Missão Atletas de Cristo do Brasil”.

Quando Baltazar abandonou os gramados, sofreu, como todo jogador, com o fim da carreira: “Orei pedindo uma direção, foi um tempo difícil. E me recordei que, quando jogador, participei sem cobrar nada de transferências [de outros jogadores] para a Europa. Tive satisfação em ajudar e resolvi experimentar de novo, desta vez profissionalmente”. Um dos craques que Baltazar levou para a Espanha, nos tempos em que ainda era um “empresário amador”, foi o amigo Donato, que na época brilhara no Vasco. Donato tornou-se um dos maiores ídolos do futebol espanhol em seu tempo. E Baltazar continua inesquecível, como um dos melhores atacantes que o Brasil produziu nos anos de 1980.

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DA JANELA DO HOTEL NOVO MUNDO, PELÉ SE DELICIAVA COM PELADAS NO ATERRO

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Em outubro de 1969, o Brasil vivia a ansiedade por estar a meses do começo da Copa do Mundo, para a qual a seleção brasileira, ainda sob o comando do João Saldanha, preparava-se exaustivamente. Paralelamente a essa expectativa pelo “tri”, o carioca experimentava a deliciosa mobilização em torno do campeonato de pelada promovido pelo Jornal dos Sports. O Rio era uma festa. Ou melhor, o Aterro do Flamengo. Pelé, uma das “feras” do João “Sem medo”, também mostrava empolgação com o torneio de peladeiros e chegou a confessar ao repórter do saudoso JS a paixão pela pelada.

No dia 12 de julho, aniversário da eleição de Pelé como “Atleta do Século”, publicamos uma recordação bacana do maior camisa 10 de todos os tempos. Uma lembrança da época em que jogou peladas em Bauru e de quando se deliciava com as improvisadas peladas do Aterro bem antes de o JS institucionalizá-las. Com a palavra, o Rei:

“Quando o Santos se hospedou no Hotel Novo Mundo (no Flamengo) eu tive oportunidade de olhar da janela do apartamento algumas peladas jogadas no Parque do Flamengo. Mas eram peladas improvisadas na hora, alguns sem camisas, outros de camisetas, uns de camisas de clubes. Alguns usavam calções, mas outros arregaçavam as calças e entravam de qualquer maneira. Havia até quem entrasse de sapato e tudo. A fome de bola falava alto. A pelada é um negócio muito bacana. Às vezes me dá saudade daquele tempo que jogava nas ruas de Bauru, depois de tirar os costumeiros par ou ímpar para escolher o time (…) Não me lembro bem, mas tinha sete ou oito anos quando jogava no Sete de Setembro, um time infantil da rua Sete de Setembro, esquina da rua Rubens Arruda, em Bauru. Nas peladas, jogavam até 15 ou 16 de cada lado. Joguei também no Radium, atrás do campo do Noroeste, e só não disputei campeonato por este clube porque não tinha chuteira. Só mais tarde é que ganhei uma, com um bico de ferro na frente (…) Lá em Santos tem também um campeonato de pelada, na areia, que às vezes a TV transmite. Alguns jogos são muito bons.”

 

HÁ 60 ANOS, A PRIMEIRA VEZ DO PELÉ

por André Felipe de Lima


Há 60 anos, exatamente no dia 7 de julho de 1957, Pelé vestia a camisa da seleção brasileira pela primeira vez. Isso aconteceu em um jogo contra a Argentina, no Maracanã, valendo a primeira partida da disputa da Copa Roca entre brasileiros e argentinos. Perdemos a peleja pelo placar de 2 a 1, mas Pelé, que entrou no lugar de Del Vecchio, logo na estreia, deixou a sua marca de goleador implacável e assinalou o único tento canarinho.

Pelé foi tão bem no jogo que acabou titular na partida seguinte, realizada no Pacaembu três dias depois da estreia. Com um gol do nosso eterno camisa 10 e do atacante Mazzola vencemos a Argentina por 2 a 0 e levamos a taça.

Infelizmente, não conseguimos o registro de áudio da estreia do Pelé, mas o do jogo do dia 10 de julho de 1957, o do título, sim, nas vozes de Edson Leite, como narrador, e Fiori Gigliotti, como repórter.

FICHA TÉCNICA DOS DOIS JOGOS DA COPA ROCA DE 57

07/07/1957 (16h)
BRASIL 1 x 2 ARGENTINA
Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro (Brasil). Público: 80.000 espectadores.
Árbitro: Erwin Hieger (Áustria). Assistentes: Guálter Gama de Castro (Brasil), José Monteiro (Brasil).
Gols: Labruna, aos 30; Pelé, aos 76; Juárez, aos 77.
BRASIL: Castilho, Paulinho de Almeida, Bellini, Jadir e Oreco; Zito (Urubatão, aos 70) e Luisinho; Maurinho, Mazzola (Moacir, aos 46), Del Vecchio (Pelé, aos 46) e Tite. Treinador: Sylvio Pirillo.
ARGENTINA: Carrizo, Pizarro e Vairo; Gianserra, Rossi (Guidi, aos 77) e Urriolabeitia; Oreste Corbatta, Herrera (Antonio, aos 70), Juárez (Blanco, aos 41), Labruna e Moyano. Treinador: Guillermo Stábile.

10/07/1957 (20h45)
BRASIL 2 x 0 ARGENTINA
Local: Estádio do Pacaembu, em São Paulo (Brasil). Público: 38.441 espectadores.
Árbitro: John Husband (Inglaterra). Assistentes: Antonio Musitano (Brasil), Catão Montes Júnior (Brasil).
Gols: Pelé, aos 20; Mazzola, aos 57.
BRASIL: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Jadir e Oreco; Zito e Luisinho; Maurinho, Mazzola (Del Vecchio, aos 61), Pelé e Pepe. Treinador: Sylvio Pirillo.
ARGENTINA: Carrizo (Musimessi, aos 69), Biaggioli e Vairo; Gianserra, Rossi (Guidi, aos 87) e Urriolabeitia; Oreste Corbatta, Juárez, Herrera (Antonio, aos 46), Labruna e Sesti. Treinador: Guillermo Stábile.

SÉRIE ‘TIME DOS SONHOS’: ‘HONRANDO AS CORES DO BRASIL DE NOSSA GENTE’

por André Felipe de Lima


A série “Time dos sonhos”, um projeto oriundo da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques”, apresenta, nesta terceira edição, o maior Botafogo de todos os tempos. Montar um esquadrão alvinegro, percorrendo mais de 100 anos de uma gloriosa história recheada de craques inesquecíveis, é, no mínimo, um risco de “lesa-pátria”. Mas nossa odisseia pela história dos principais heróis botafoguenses nos permite a arrogante (porém pertinente) escalação. Vamos lá, então. No gol, é ele: Manga (1959 a 1968). O grande Manguita. Não há como discordar que o arqueiro foi o maior que o Botafogo já teve. Em nove anos de clube, conquistou quatro vezes o Campeonato Carioca, em 1961, 1962, 1967 e 1968. Foi também campeão da Taça Brasil, em 1968, e do Torneio Rio-São Paulo, em 1962, 1964 e 1966. Manga integrou aquele que é, até hoje, o melhor time montado pelo Botafogo. “Em 1959, o João Saldanha foi ao Recife, onde eu jogava pelo Sport, e me levou para o Botafogo, quando eu tinha 21 anos. Lá joguei dez anos, participando de conquistas históricas. Serei Botafogo até morrer”, disse ao repórter Rogério Daflon, em 2008. O mesmo Saldanha, que completaria 100 anos no último dia 3 de julho, acusara Manga de ter feito corpo mole em um jogo contra o Bangu, na final do Campeonato Carioca, de 1967. Indignado com o que acreditava ser verdade, o João “Sem medo” correu atrás do goleiro, com arma em punho, e disparou o balaço. Manga escapou por pouco. “Fiquei muito chateado, porque sempre atuei em campo com a maior seriedade, e o Botafogo venceu aquela decisão por 2 a 1. Quando vi o Saldanha armado no Mourisco, atirando em mim, resolvi correr. Daquela forma, não havia como enfrentá-lo. Um mês depois, fizemos as pazes e ficou tudo bem”.


Manga (Foto: Severino Silva)

As mãos, com os dedos todos tortos, dimensionam o empenho de Manga no arco alvinegro e nos de outros grandes clubes brasileiros, como Sport, Inter, Coritiba e Grêmio. Modesto, costuma dizer que apenas procurou “fazer o melhor” pelo Botafogo e que cabe aos jornalistas dizerem se foi ele ou não o melhor goleiro da história do Botafogo. Concluímos que sim, Manga.

Mas seríamos injustos com a história do Fogão se omitíssemos outros grandes arqueiros que passaram por General Severiano, ou mesmo por Marechal Hermes, no momento mais triste do Botafogo. O niteroiense Victor Corrêa Gonçalves, o Victor (1929 a 1934 e 1934 a 1935), foi, talvez, o primeiro grande goleiro a verdadeiramente brilhar pelo Glorioso. Um genuíno paredão do time que conquistou os Campeonatos Cariocas de 1932 (competição em que permaneceu 15 rodadas sem sofrer gols), 1933 e 1934. Ficou até 1935 no clube, mas não chegou a defendê-lo na campanha do “tetra”, naquele mesmo ano. Uma contusão em fevereiro, durante uma peleja contra o River Plate, determinou o fim prematuro da carreira do goleiro. Apelidado de “Gatinho”, Victor, diziam, entrava em campo sob a regência etílica de uma boa dose de cachaça para, justificava aos cronistas, encorajá-lo em campo. Parece que dava certo. Mas Victor não teve vida fácil no arco do Fogão. Teve de conviver com dois fortíssimos adversários na posição: Germano Boettcher Sobrinho (1928 a 1935), que esteve na Copa do Mundo de 1934, e Roberto Gomes Pedrosa (1930 e 1934), que jogou pouco pelo Botafogo, mas o suficiente para que fosse lembrado para o gol da seleção brasileira, junto com Germano, na Copa de 34. Aliás, o elenco do Brasil naquele mundial, marcado pela rixa entre cariocas e paulistas, contou com oito jogadores alvinegros.

Logo após Victor deixar os gramados e Germano e Pedrosa buscarem outros rumos para suas carreiras, o Botafogo acolheu um rapaz baixinho e muito magro para vestir a camisa número um. Chamava-se Aymoré Moreira (1936 a 1946), irmão do renomado treinador Zezé Moreira. Apesar da baixa estatura, voava na bola como poucos. Outras feras no gol do Botafogo foram Ary Nogueira César (1942 a 1950), egresso do Coritiba, onde foi ídolo, Osvaldo Baliza (1944 a 1953), que fechou o gol alvinegro no antológico título carioca de 1948, Cao (1965 a 1974), o que ocupou a vaga de Manga, em 1968, Paulo Sérgio (1980 a 1984), terceiro goleiro da seleção na Copa de 82, Wagner (1983 a 2002) e Jefferson (2003 a 2005 e 2009 até hoje), que, para muitos, é o segundo melhor goleiro da história do Fogão, simplesmente pelo arrojo, classe e longo histórico que construiu no clube.

Na lateral-direita, o nome é Carlos Alberto Torres (1971). Bastou apenas um ano no Botafogo para se consagrar, mesmo sem conquistar sequer um título com a camisa alvinegra. Chegou a General Severiano com a fama de capitão do escrete tricampeão mundial, em 1970, no México. Era o “Capita”, afinal.


Morto em outubro de 2016, Carlos Alberto deixou dúvidas entre tricolores, santistas e alvinegros. Para qual time o ídolo torcia, silenciosamente, desde a meninice? Não há o que questionar. O Capita foi o melhor lateral-direito da história dos três clubes. E também não pairam dúvidas sobre a paixão que nutria pelo Botafogo, seu verdadeiro clube do coração. Fato devidamente confirmado pelos mais íntimos amigos do craque. Até o último momento, foi um apaixonado botafoguense. Sempre lamentou a derrota (1 a 0), para o Fluminense, na polêmica final do Campeonato Carioca de 1971. O zagueiro Sebastião Leônidas (1966 a 1971), que também figura nesse timaço e sobre quem falaremos mais adiante, recordou a angústia do Capita naquele domingo, no Maracanã: “Ele saiu contundido após um choque com Marco Antônio e viu, do banco, o ponta-esquerda Lula correr pelo setor que deveria ser o dele e marcar, no último minuto, o gol da nossa desgraça.”

Até Carlos Alberto eternizar-se como o maior lateral-direito botafoguense, houve outro grande jogador na posição: Zezé Procópio (1938 a 1942), que, antes de se destacar no futebol carioca, foi campeão em Minas Gerais, pelo Villa Nova e pelo Atlético. No ano em que chegou ao Botafogo, foi titular da seleção brasileira terceira colocada na Copa do Mundo de 1938, mas deixou uma marca desagradável naquela competição: Zezé Procópio foi o primeiro jogador brasileiro a ser expulso em um Mundial, após dar um pontapé em Nejedly, no empate em 1 a 1 com a antiga Tchecoslováquia.

Outro lateral que brilhou na direita foi Cacá (1958 a 1964), morto recentemente. Além de bom de bola, o ídolo foi líder dentro e fora dos campos. Uma impetuosidade – igualmente a Carlos Alberto Torres – devidamente reconhecida pelas torcidas do Fluminense e do Botafogo. Na década de 1970, despontou outro grande nome na direita: Perivaldo (1977 a 1982), o “Peri da Pituba”, como os saudosos e queridos locutores Jorge Cury e Waldir Amaral. Perivaldo chegou ao Botafogo com a pecha de ídolo do Bahia. Não decepcionou, e caiu nas graças da torcida e do técnico Telê Santana, da seleção brasileira, que convocou o lateral para alguns jogos do escrete canarinho. O fato é que Perivaldo, após abandonar os gramados, sumiu do noticiário. Quase três décadas depois, a reportagem do programa “Fantástico”, da TV Globo, localizou Perivaldo em Lisboa. Outrora ídolo, o craque tornou-se morador de rua na capital portuguesa. Logo após Perivaldo deixar o Fogão, em 1982, surgiu no clube outra revelação na lateral-direita: Josimar (1982 a 1989), um marcador que avançava com impetuosidade pelo lado do campo. O estilo ousado fez de Josimar uma das figuras mais emblemáticas da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1986, no México. Josimar, além de gol espetacular, foi um dos poucos jogadores daquele escrete que mereceram elogios após a eliminação diante da França. Fora dos gramados, Josimar teve alguns percalços. Foi preso sob a acusação de que estaria portando drogas. O que nega, até hoje, veemente. Mas Josimar foi, e aqui não cabe oposição, um dos mais empolgantes lateral destros da história alvinegra.


A zaga histórica do idílico Botafogo dos sonhos continua com o argentino Basso (1950 a 1951), que defendeu o clube em poucos jogos. Não chegou nem a 20 partidas, entre setembro de 1950 e janeiro do ano seguinte. Mas foi o suficiente para fazer dele, como muitos cronistas botafoguenses do passado reconhecem, o melhor zagueiro central que já defendeu o Glorioso. O saudoso e querido cronista Luís Mendes o definia como aquele zagueiro “louro, de técnica refinada e que jogava como o Domingos da Guia”. Muitos por aqui ignoram quem foi Basso, e Mendes não exagerou na comparação com Domingos. O craque argentino é considerado um dos maiores jogadores da história do tradicionalíssimo San Lorenzo de Almagro e um os melhores defensores argentinos em todos os tempos. Se Basso aportou em General Severiano, foi graças ao empenho, inicialmente, do famoso repórter (e torcedor do alvinegro, claro) Geraldo Romualdo da Silva, do Jornal dos Sports, que disse a Basso que deveria jogar pelo Botafogo, e, em seguida, do próprio Luís Mendes, que apresentou o craque argentino ao presidente do clube, Adhemar Bebianno. Foi paixão à primeira vista.

Mas outros bons jogadores pintaram no miolo da zaga alvinegra: Nariz (1934 e 1941), que esteve na Copa do Mundo de 1938; Gérson dos Santos (1945 a 1956), que formou zaga com Nilton Santos no título de 1948, e Brito (1970 a 1971, 1973 e 1974), o xerife da seleção na Copa de 70.


Para formar dupla com Basso, escalamos outro clássico zagueiro: Sebastião Leônidas, um camarada incapaz de chutar a bola a esmo. Ela sempre tinha endereço certo: os pés de algum companheiro rumo ao campo adversário. Leônidas brilhou, primeiramente, no América e depois migrou para o Botafogo. Esteve cotado para ir à Copa de 70, mas uma lesão o tirou de cena. A “Selefogo” de 1968, com Gérson, Roberto Miranda e Jairzinho, teve Leônidas como um dos seus principais craques.

Uma das predileções de Leônidas era derrotar o Flamengo. O zagueiro esteve em campo na goleada de 6 a 0 imposta ao Flamengo, no dia 15 de novembro de 1972, data em que o rubro-negro festejava 77 anos de existência. Por conta do clássico, o zagueiro, em um assomo de sinceridade, traduziu em palavras o mesmo estilo clássico com que tratava a bola. Simplesmente insinuante e mordaz: “O Botafogo é um time de alma moleque e eu me incluo entre os que adoram ver a torcida (do Flamengo) aos prantos. Dá uma extraordinária sensação de bem-estar, porque derrotar o Flamengo é calar toda a cidade.”

Escalaria para a “reserva” de Sebastião Leônidas o grande Gonçalves (1989 a 1990, 1995 a 1997 e 1998). O zagueiro foi a alma do Botafogo campeão brasileiro, em 1995.


A zaga ficará completa com a “Enciclopédia” Nilton Santos (1948 a 1964). Jamais houve (ou haverá) um lateral-esquerdo como ele. Nos corações dos botafoguenses, Nilton Santos é intocável, um gênio que vestiu apenas duas camisas em toda a vida: a do Botafogo e a da seleção brasileira. Comovia o amor que nutria pelo Glorioso. Emocionava a forma como falava do clube. Não… realmente não há como escolher outro jogador para escalar na lateral canhota do Botafogo dos sonhos.

Mas o clube teve outros bons jogadores que atuaram pela linha esquerda da defesa. Heitor Canalli (1929 a 1933 e 1935 a 1940) foi um deles. Com o Fogão, conquistou o Campeonato Carioca em 1930, 1932 e 1933. Perambulou pela Itália, onde defendeu o Torino, sem sucesso. Voltou ao Alvinegro, em 1935, e foi, novamente, campeão carioca. Juvenal (1946 a 1957), campeão em 1948, quando Nilton Santos ainda jogava como zagueiro, foi outro excelente lateral-esquerdo. Teve também o Rildo (1961 a 1966), brilhante na década de 1960 e também ídolo no Santos. O último grande lateral-esquerdo do Botafogo foi Marinho Chagas (1972 a 1976). Um jogadoraço.


Armar o meio de campo do maior Botafogo que desejaríamos ver, sem tempo, sem relógio, não é tão simples assim. O que tem de craque de bola não está no gibi. Tivemos de remanejar um deles, que jogava um pouco mais avançado, para a posição de centromédio ou volante, como queiram. Esse cara é o Gérson (1963 a 1969), o “Canhotinha de ouro” da Copa do Mundo de 1970 e da “Selefogo”, de 1968. Ao contrário do Capita, que foi ídolo do Fluminense e curtia mais reservadamente a paixão pelo Fogão, Gérson é torcedor loquaz do Tricolor, porém ídolo inconteste do Glorioso. Desde que começou, no Flamengo, e depois brilhou intensamente na Seleção, no Botafogo, no São Paulo e no Fluminense, “Canhotinha” falava em alto e bom som que o Fluminense era o time para o qual torcia. Mas, defendendo o Botafogo, e sobre isso não tenho dúvida, Gérson foi muito mais craque. Muito mais ídolo, inclusive. Por isso, encontramos uma forma de fazer dele o par perfeito de Didi (1956 a 1959, 1960 a 1962, 1964 a 1965) nessa meia cancha memorável. Mas o Botafogo, ao longo dos seus mais de 100 anos, vibrou com grandes volantes. Listamos quatro deles: Martim Silveira (1929 a 1933 e 1934 a 1940), titular na Copa do Mundo de 1938; Ávila (1947 a 1952), ídolo eterno do Internacional e ícone da conquista do Campeonato Carioca de 1948; Pampolini (1955 a 1962), o escudeiro de Didi nos timaços que o Fogão montou no final dos anos de 1950 e começo de 60; Alemão (1982 a 1986), que sofreu com a escassez de título para o Botafogo e o período de dureza do clube, quando o futebol alvinegro foi transferido para Marechal Hermes, e, por fim, o holandês Seedorff (2012 a 2014), cuja passagem pelo Botafogo foi sensacional.


De Gérson para Didi, a bola rola fácil, macia, e formamos aquele que seria o melhor meio de campo em qualquer clube. Eleito o melhor jogador da Copa de 1958, Didi, cuja ótima biografia é assinada pelo jornalista Péris Ribeiro, recebeu da imprensa europeia o justo e carinhoso apelido de Mr. Football (Senhor Futebol). Nelson Rodrigues o chamava de “Príncipe Etíope do Rancho” tal a elegância com que desfilava nos gramados.

Didi, igualmente a Carlos Alberto Torres e Gérson, é outro exemplo de ídolo alvinegro e tricolor. Pelo Fluminense, foi ele a estrela do time campeão da Copa Rio, de 1952, uma espécie de “Mundial Interclubes”, realizada no Brasil. Mas foi no Botafogo em que atingiu o ápice. Foi jogando pelo Glorioso que inventou a “folha seca”, um chute que, de forma incrível, fazia a bola mudar a trajetória rumo ao gol dos pobres e incautos goleiros adversários. “Quem corre é a bola”, dizia, sabiamente, o mestre. E, sob essa filosofia, Didi comandou o meio de campo do Botafogo e da seleção bicampeã mundial, em 1958 e 62.

Outros dois meias armadores encantaram a torcida alvinegra. Geninho (1940 a 1954) e Afonsinho (1966 a 1970). O primeiro foi ídolo no futebol mineiro. Para muitos, o melhor jogador de Minas Gerais no final dos anos de 1930. Jogava tanta bola que passaram a chamá-lo de “O arquiteto”. Certa vez, um repórter da antiga revista Esporte Ilustrado questionou-o sobre o porquê de a diretoria do Botafogo relutar na concessão do passe livre. Ele humildemente respondeu, porém com um coração alvinegro latente e comovente, o seguinte:

“Para quem tem onze anos de clube, como eu, não adianta pensar nessas coisas. Com ´passe’ ou sem ‘passe’, estou amarrado. Estou preso pelo coração”. Enquanto o romântico Geninho pouco se importava com as questões do “passe livre”, o outro meia-armador histórico do Fogão, Afonsinho, pensava diferente. Foi ele o ícone da luta do jogador brasileiro pelo passe livre, e mais: fez isso durante o período mais acirrado da ditadura militar no Brasil, entre 1970 e 1974. No campo, Afonsinho incomodava os adversários pelo toque refinado e maestria com que tratava a bola. Fora dos gramados, os incomodados eram cartolas subservientes ao governo ditador e treinadores que não curtiam a ousadia do craque, um deles, Zagallo. Tornou-se notória a birra do “Velho Lobo” com Afonsinho, ora pelos vastíssimos cabelo e barba que o jogador ostentava, ora pela ideologia libertária que pregava. Ou mesmo as duas coisas juntas.


Para completar essa “meiúca” espetacular, o nosso camisa “10” é Heleno de Freitas (1939 a 1948). Seria “9”, mas decidimos escalá-lo como ponta de lança. Não há como “barrar” Heleno no “Botafogo dos sonhos”. Acho, até, que nenhum treinador em sã consciência ousaria fazê-lo. Primeiro, porque Heleno foi o jogador mais “casca-grossa” que existiu. O chamado “gênio genioso”, como a ele se referia o jornalista e radialista Luís Mendes, não aceitava a reserva, de forma alguma. Heleno tem uma das biografias mais singulares da história dos maiores ídolos do futebol brasileiro. Sua trajetória foi soberbamente narrada pelo jornalista Marcos Eduardo Neves. Leitura obrigatória para quem ainda acredita que o mundo do futebol é idílico. Talvez, somente Nilton Santos “rivalize” com Heleno pelo posto de ídolo que mais amou o Botafogo

Outros grandes pontas de lança de ofício se destacaram com a “10”: Pirillo (1948 a 1952), um camarada que mantém até hoje, mas jogando pelo Flamengo, o recorde de gols em campeonatos cariocas; Paulo Cézar Caju (1967 a 1972 e 1977 a 1978), que foi simplesmente um gênio com a bola nos pés e, certamente, o mais versátil craque que o Botafogo já teve, e Mendonça (1975 a 1982), um camisa “10” clássico, estupendo, mas que, igualmente ao Heleno, jamais levantou, profissionalmente, troféus vestindo a camisa alvinegra. Coisas que, definitivamente, só acontecem ao Botafogo.


Hora de montarmos o nosso ataque, sob o bom e saudoso “1-4-3-3”. Para a ponta-direita, uma unanimidade: Garrincha (1953 a 1965), e não se fala mais nisso. Mané dispensa apresentações, delongas ou “mais-mais”. Praticamente tudo já foi muito bem escrito sobre ele pelo Ruy Castro, na antológica biografia “Estrela Solitária: um Brasileiro Chamado Garrincha”. Este dublê de jornalista e cartunista, que assina estas pretensiosas letras sobre o Fogão, arriscou-se como documentarista, e conseguiu alguns bons depoimentos para o filme “Garrincha: Simplesmente passarinho”, ainda em edição. Há, ainda, boas histórias sobre Mané a serem contadas.


Nosso centroavante é o Quarentinha (1954 a 1964), maior artilheiro da história do Glorioso, com 313 gols. Sua história é contada no livro “Quarentinha: o artilheiro que não Sorria”, assinado pelo Rafael Casé e lançado pela Editora Livros de Futebol, do bravo botafoguense Cesar Oliveira, em 2008. Alvinegros de quatro costados, o jornalista Armando Nogueira era fã incondicional do centroavante, mas se surpreendia com a aparente frieza do craque em campo: “Quarentinha jamais celebrou um gol, fosse dele ou de quem fosse. Disparava um morteiro, via a rede estufar, dava as costas e tornava ao centro do campo, desanimado como se tivesse perdido o gol”. O artilheiro era assim, retraído, mas fenomenal. Impiedoso com os goleiros. O maior goleador que já vestiu a camisa alvinegra. Seria injusto, contudo, afirmarmos que houve apenas Quarentinha como grande goleador do Botafogo. A lista é extensa, com destaque para Carvalho Leite (1928 a 1941), Paulo Valentim (1956 a 1960), Amarildo (1958 a 1963), Roberto Miranda (1962 a 1971 e 1971 a 1972) e Túlio (1994 a 1996, 1998, 2000 e 2012).


Para finalizar a escalação dessa memorável “Selefogo”, deslocamos para a ponta-esquerda Jairzinho (1965 a 1974 e 1981), o “Furacão da Copa” de 70, permitindo a liberdade necessária para ele trocar de posição com Quarentinha, na linha de frente do ataque. Isso deixaria os adversários tontos. Jairzinho foi um atacante extraordinário e verdadeiramente apaixonado pelo Botafogo. Bastava o Gérson lançar a bola em profundidade para a corrida desenfreada de Jairzinho. Ninguém o parava. Mais um gol do Botafogo estava consumado. Na canhota, o Fogão teve verdadeiros craques: Mimi Sodré (1908 e 1916), Nilo Murtinho Braga (1919 a 1922 e 1927 a 1937), Patesko (1934 a 1940 e 1942 a 1943) e Zagallo (1958 a 1965). Mas, que todos me perdoem, Jairzinho tinha de entrar nesse time inesquecível. O maior Botafogo que o escalaríamos, se não existissem os relógios. Um Botafogo que, nos sonhos de todos os alvinegros, manterá sempre vivas as estrelas de uma constelação solidária ao amor que todo botafoguense nutre pelos seus heróis, em preto e branco. Um Botafogo de cinema, meus amigos, diria o centenário (e botafoguense) João Saldanha.

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DI STÉFANO SÓ GOSTAVA DO NILTON SANTOS

por André Felipe de Lima


“Di Stéfano ficou com ciúme porque teria o seu espaço dividido comigo. Nas primeiras semanas, ele mal me cumprimentava. Nos jogos, ele evitava me passar bolas. Porém, com o tempo, passamos a conversar”. Quem contou isso foi Didi, ídolo do futebol brasileiro, do Fluminense e do Botafogo. Vá lá, ídolo de todos nós, e sem revanchismo. Didi foi (ou pelo menos tentou) ser um bom parceiro do “Saeta Rubia” (como apelidaram Di Stéfano) no Real Madrid. Não conseguiu. Chiou quando voltou ao Brasil. Di Stéfano defendeu-se: “De princípio, duvidei que fosse Didi quem tivesse feito tais afirmativas. Se ele é honrado, devia por sua mão no coração e reconhecer que, se fracassou, não foi por minha culpa, nem de meus companheiros. Ele não resistiu ao ritmo do futebol espanhol, sua velocidade e seu estilo forte, além da marcação cerrada. Se Didi pensar bem, jamais poderá dizer que alguém o tratou mal. É um exemplo típico do fracasso de um jogador de grande classe. Como todos sabem, Didi foi contratado pelo Real Madrid como meia-armador. Por isso, pergunto: onde estão os passes que ele devia me dar? Até hoje ainda os espero… apresar de ter fracassado, Didi, no Real, não encontrou mais do que amizade, ajuda e companheirismo.”

A verdade é que Didi foi mesmo boicotado pelas estrelas do time. Guiomar, sua esposa e “advogada” nas causas mais dramáticas do casal, colocou a boca no mundo e, em alto e bom som, disse que Di Stéfano, Puskas e Cia. colocavam o marido de lado. Ela tinha razão. Até mesmo o ponta Canário – sim, o mesmo do América – foi acusado de “leva e traz”. Guiomar o acusava de minar Didi com as outras estrelas do Real, sobretudo o “Saeta”.


Di Stéfano, como a maioria dos argentinos quando falam do futebol brasileiro, torcia o nariz para os nossos craques. E isso sem a menor parcimônia. Logo após a Copa do Mundo de 1962, quando conquistamos o “bi”, ele “barrou” Pelé e Garrincha de um hipotético “maior time de todos os tempos”. Escalou no gol o conterrâneo portenho Julio Adolfo Cozzi. Meteu na lateral-direita outro argentino, o Carlos Sosa, fez de zagueiro central o inglês Billy Wright e escalou na lateral-esquerda o único brasileiro do time: Nilton Santos. No meio jogariam o húngaro Bosizk e o craque do River Plate Nestor Rossi. No ataque, a começar pela ponta-direita, o francês Kopa, o argentino Moreno, o paraguaio Arsenio Erico, Puskas e na canhota o também argentino Lostau. Como se vê, Stéfano jamais teve boa vontade com o nosso futebol. A única exceção foi Nilton Santos: “O melhor elogio que posso fazer-lhe é dizer que ele sabe jogar até de memória. Faz jus a tudo o que de bom têm dito sobre ele.”

O tempo passou, mas Didi e o sutilmente despeitado Di Stéfano, ambos longe um do outro, acertaram os ponteiros. Didi no Botafogo e ele, Di Stéfano, no Real. A rixa entre os dois foi superada.


Recuperei essas histórias para tentar aproximar o Di Stéfano um pouco mais da realidade histórica do futebol brasileiro, sobretudo para os mais jovens. Além desse episódio com o nosso Didi e da demonstração de apreço por Nilton Santos, o craque argentino naturalizado espanhol teve outra relação direta conosco. Ainda jovem, defendendo “La máquina” do River Plate, em 1948, perdeu para o Vasco da Gama a final do primeiro campeonato sul-americano de futebol. A derrota foi um baque para ele, que começou a perder espaço no time. Passou (de passagem) pelo Huracán e, em seguida, foi parar na liga pirata da Colômbia, país que chegou a defender. A ousadia de “Saeta Rubia” em jogar pela marginalizada liga colombiana quase custou-lhe a carreira. Por pouco não foi banido do futebol pela Fifa. Seria um crime da principal frente institucional da bola contra o futebol. Di Stéfano foi um craque, meus amigos. Mais que isso, um jogador extraordinário. Um dos maiores da história. Os madrilenos idolatram-no como se fosse o ídolo um deus. Não ousamos contrariá-los.

Exatamente há 92 anos, em um 4 de julho, em Barracas, bairro de Buenos Aires bem ao lado de Avellaneda, nasceu Di Stéfano. Desde menino foi um virtuoso da bola, igualmente a outros dois gênios argentinos: Maradona e Messi. Quando “Saeta”, em 1953, preparava-se para respirar novos ares, viu seu futebol valorizar-se. A liga pirata da Colômbia (acreditem!) fez bem ele. Dois monstros espanhóis o disputavam com unhas e dentes. Barcelona e Real Madrid quase deflagraram, sem exagero, a terceira guerra mundial. Mas a “batalha derradeira” foi vencida pelo Real, que o levou para o Santiago Bernabéu e fez de Di Stéfano um dos maiores nomes da história do futebol. Vestindo a famosa camisa branca, o portenho genial conquistou tudo. Conquistou o mundo. Di Stéfano retribuiu ao clube que o tornou ídolo e fez do Real Madrid do final da década de 1950 o maior time em todos os tempos, como qualificam os mais renomados cronistas esportivos e ontem e da atualidade.


Com o Real, “Saeta” ostenta a impressionante marca de 418 gols em 510 jogos e uma penca de títulos que nenhum outro jogador jamais conquistou defendendo um único time. Somente Pelé o superou em todos os quesitos. Di Stéfano levantou cinco Taças dos Campeões (a atual Liga dos Campeões da Uefa) e uma Taça Intercontinental (o hoje Mundial de Clubes da Fifa) e conquistou incríveis oito campeonatos espanhóis. Picuinha à parte com nossos maiores ídolos, “Saeta Rubia” foi, indiscutivelmente, um gênio.