por André Felipe de Lima
“Foi a mulher da minha vida. Dei sorte de encontrá-la. A seu lado, deixei a vida boêmia e fui mais profissional. Ela me acompanhou em todos os momentos. Fiquei muito abalado ao perdê-la.” — Danilo Alvim.
Danilo Alvim completaria 100 anos nesta quinta-feira, 3 de dezembro. A glória nasceu para ele, e não contrário, como muitos insistem em rotular. Não fosse o Maracanazo de 1950, Danilo e todos os craques de sua geração que pisaram o gramado do Maracanã naquela pavorosa tarde de 16 de julho seriam lembrados ano a ano, por todas as gerações, como os primeiros brasileiros campeões mundiais. O Museu da Pelada completa hoje a série de reportagens em homenagem ao centenário de Danilo, reforçando o amor dele por sua Zelinda e seu filho Carlos Alberto e o respeito que recebia de amigos como Ademir de Menezes e Domingos da Guia, sobretudo nos últimos momentos da vida do grande craque do passado.
Na reta final, o Príncipe de outrora mostrava-se deprimido devido à morte da esposa Zelinda, a “Zélia”, como carinhosamente a chamava, no dia 11 de junho de 1985, aos 64 anos, de infecção respiratória e parada cardíaca, no Hospital Evangélico, na Tijuca, e ao tumor que parecia dilacerar mais que a matéria. Dilacerava também a melancólica alma de Danilo, como evidenciou a reportagem do Jornal do Brasil assinada por Tadeu de Aguiar[1], em 1988, que o entrevistou em uma tarde, na minúscula sala do não menos minúsculo apartamento de Danilo, na Lapa, no tradicional centro boêmio do Rio. Na conversa com o repórter, Danilo não escondia a tristeza pelo seu destino longe dos gramados e, sobretudo, pela morte da companheira.
A reportagem mostrava um Danilo amargurado, embora com o recente convite que recebera do Vasco para assumir a superintendência de futebol das categorias de base do clube. Foi a forma que o Vasco encontrou para tentar amenizar a dor de Danilo, mas também reverenciá-lo por tudo que fez em campo com a camisa do cruz-maltino. O Museu da Pelada conversou com Aguiar. “Combinei com o filho do Danilo e fui ao apartamento deles. Ele estava muito magrinho, mas estava lúcido. Estes caras não ganhavam dinheiro como jogador. Podiam ter uma vida até razoável, mas ganhavam o que dava para viver o dia a dia. Ele me recebeu bem. É difícil para um jogador que atingiu o auge que Danilo atingiu, fez sucesso, teve uma vida profissional de muito reconhecimento, adoração, e de repente é meio que marginalizado. Vem uma geração, vem outra e outra… até gente da geração de 70, às vezes, é meio escanteada.”
Danilo morava com o filho desempregado e ambos viviam com a parca aposentadoria de somente dois salários mínimos que o ex-jogador recebia. O Danilo também lutava na Justiça para que o antigo INPS reconhecesse sua carteira de treinador. Somente em julho de 1989, com a promulgação da Lei estadual de número 1319, de autoria do então vereador e jornalista Maurício Azedo, Danilo passou a receber uma pensão vitalícia de cinco salários mínimos. Lamentava-se, contudo, de que nada em sua vida dera mais certo após a partida da companheira. Foi Zelinda quem comprara o velho apartamento da Lapa. No dia seguinte em que ela, Danilo e o filho se mudaram para o imóvel, a doce “Zélia”, que além de cuidar da casa também cuidava dos negócios da família, passou mal e foi internada às pressas. Não mais retornou à casa nova. Após dois meses internada no Hospital Evangélico, um enfarte fulminante a levou. “Foi a mulher da minha vida. Dei sorte de encontrá-la. A seu lado, deixei a vida boêmia e fui mais profissional. Ela me acompanhou em todos os momentos. Fiquei muito abalado ao perdê-la.”
‘ZÉLIA’ ERA O SEU CHÃO
A partida de Zelinda devastou-o. Conheceram-se em um dancing. Ela foi bailarina dos notórios night-clubs do Rio dos anos de 1940. Imediatamente um gostou do outro. O amor e paixão foram tão intensos a ponto de Danilo e Zelinda sumirem do mapa para se casarem às escondidas em maio de 1949, com padrinhos e duas testemunhas de última hora. Ele tinha 23 anos e ela 21. A lua de mel foi em Miguel Pereira, no interior do estado do Rio de Janeiro. A imprensa entrou em polvorosa. Cadê Danilo? Os parentes, então, nem se fale. O pai de Danilo, principalmente, porque não aceitava o namoro do filho com Zelinda. “Mais tarde, Zélia virou a melhor amiga de meu pai. Chegou a lhe dar um apartamento, no Méier, de presente”, contou Carlos Alberto ao repórter Tadeu de Aguiar.
Zelinda foi a companheira prefeita para Danilo. Esteve com ele o tempo todo no dia da final da Copa do Mundo de 1950, exceto naqueles 90 minutos trágicos daquela tarde de 16 de julho. Zelinda, grávida do primeiro filho do casal, esteve com ele na concentração e depois seguiu para o Maracanã, onde cada um foi para um lado. Ela para a tribuna social e ele para o vestiário. Após o jogo, o drama. Ele mesmo recordou detalhadamente aqueles momentos ao Tadeu de Aguiar: “Na saída do vestiário para o ônibus havia muita gente. O ambiente era pesado. Nos chamavam de vigaristas. Só a encontrei no ônibus. Não trocamos uma palavra. Choramos juntos todo o trajeto de volta ao Vasco.”
Danilo e Zelinda refugiaram-se na casa de Miguel Pereira, a mesma onde passaram a lua de mel após o casamento ás escondidas. Tentavam buscar explicação para a derrota contra os uruguaios. Não a encontraram. Regressaram ao Rio e, em novembro, nasceu Carlos Alberto, o único filho do casal, ardorosamente seu maior fã.
Tadeu de Aguiar ouviu Zizinho, Flávio Costa e Luís Carlos Quintanilha, com quem Danilo trabalhou em 1974, no América. Mas também ouviu Ademir de Menezes, companheiro de Danilo no Vasco e na seleção brasileira. “Já estou preparado para o pior”, conformou-se Ademir[2], que vaticinou: “Ele vai morrer na miséria como os outros”. Danilo resistiu mais um tempo. Exatamente quatro dias depois da morte do amigo Ademir, que ocorreu no dia 12 de maio de 1996, e a de outro craque vascaíno dos anos de 1950, o atacante Pinga, no dia 7 de maio, Danilo os seguiria poucos dias depois ao Olimpo do Futebol.
O Príncipe contava 76 anos quando partiu. Somente torcedores e jornalistas mais antigos lembravam-se dele. Além da esclerose múltipla, uma pneumonia, segundo a imprensa, teria agravado seu estado de saúde e desferido um ultimato à vida de Danilo no dia 16 de maio de 1996. Nos três últimos anos de vida, morara em um asilo, a clínica geriátrica Chalé da Vovó, no Rio Comprido. Nove anos antes, o ídolo vascaíno dividia um salário-mínimo e um apartamento com quarto e sala na Lapa, no Centro do Rio, com o filho único Carlos Alberto, que se tornaria um convicto militante[3] do PDT na década de 1980. Carlos creditava as dificuldades do pai aos contratos equivocados do passado, a maioria deles assinado em branco, mas também à inflação que corroía a economia brasileira no final daquela década. “Oitenta por cento de culpa é [sic] minha. Jogava muito mais pelo prazer, por amor ao clube e ao futebol. Tinha amizade com muitos dirigentes, do que se aproveitavam na hora da renovação. Mas não aconteceu só comigo. Ninguém enriqueceu com o futebol na minha época.”
Ao repórter Tadeu de Aguiar, Danilo lamentava que o futebol brasileiro optara pela retranca e que jogar “estava mais difícil”. Dizia-se um dos culpados pela “deformação” a que chegara o futebol do país por ter, quando treinador, também recuado pontas e imaginava que orientando jovens no Vasco poderia consertar o “erro”. Àquela altura, aos 67 anos, o Príncipe conformara-se. Danilo estava destituído da coroa. Seu filho, que cuidara sempre do pai com todo esmero, desabafou[4]: “Acabar na miséria, dependendo de um salário de fome do governo, é muito triste.”
Mas Danilo era um camarada que gostava de falar de suas memórias guardando nelas só coisas boas. Até a morte de sua companheira, somente o maracanazo o atormentava. “Prefiro falar muito mais das alegrias que ficar remoendo tragédias, pedaços amargos de existência.”[5]
Danilo viu o tempo passar e não conseguiu manter seu lema. A reta final não foi fácil. Dinheiro escasso, debilidade física. O tempo insiste em deixar o Príncipe da bola no passado, mas sua memória permanecerá viva como deve ser e como sempre acontece com as altezas genuinamente respeitáveis, dignas. O Príncipe Danilo vive, e a melhor definição de quem foi e o que representou o craque partiu do ex-centroavante do Botafogo Octávio Moraes[6], filho da cronista e historiadora Eneida: “Danilo foi o maior artista que vi em campo. Não jogava bola como eu, como nós. Jogava para a eternidade”.
Danilo sempre estará entre nós, que amamos o futebol bem jogado. O futebol-arte. Assim seja.
[1] AGUIAR, Tadeu de. “Danilo reencontra no Vasco o seu destino, o futebol”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1988, p.30.
[2] Comentário de Ademir de Menezes sobre Danilo Alvim. Reportagem “Príncipe esquecido no tempo” publicada na seção “Onde anda” de edição nº 995 de julho de 1989 da revista Placar [Ed.Abril, São Paulo]. A.D..
[3] AGUIAR, Tadeu de. “Danilo reencontra no Vasco o seu destino, o futebol”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1988, p.30.
[4] Depoimento de Danilo Alvim [Príncipe esquecido no tempo] publicado na seção “Onde anda” de edição nº 995 de julho de 1989 da revista Placar [Ed.Abril, São Paulo]. A.D..
[5] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [II]: Com Flávio, beque tinha que dar chutão. Ninguém rebolava”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1974, p.12.
[6] ANDRADE, Aristélio. “O príncipe perfeito”. Placar/ Ed.Abril: São Paulo, 26 de janeiro de 1979, pp.30-3.
Saiba mais:
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