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Craque das Várzeas

O VENDEDOR DE LIMÕES QUE AJUDOU NA CONSTRUÇÃO DO “FENÔMENO”

por Marcos Vinicius Cabral


O pôr do sol era mágico e revitalizante para os frequentadores da Feira da Cacuia, forte comércio popular na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de Janeiro.

Entre milhares de barracas, a de seu João Pé (apelido de José Ferreira Nunes 1949-1994) e do ajudante Boca chamava a atenção dos frequentadores: o perspicaz Clayton Divina Nunes, aos 9 anos de idade vendia limões com grande desenvoltura.

– Eu ficava feliz aos domingos em levantar às 4h da manhã da cama para às 5h sair com meu pai de São Gonçalo, chegar às 7h na feira para vender limões e ajudar minha mãe nas despesas de casa – diz aos 42 anos o auxiliar administrativo do HEAT (Hospital Estadual Alberto Torres), no Colubandê.

E completa:

– Meu pai foi tudo na minha vida. Até hoje, eu e meus irmãos, sentimos sua falta – conta visivelmente emocionado ao Museu da Pelada.

Se em casa era responsável, na rua era um irresponsável moleque bom de bola e que encantava a todos com a habilidade, rapidez e quantidade de gols marcados nos tradicionais golzinhos de praia, disputados no chão áspero e cheios de pedras na Rua Silvio Vale no Gradim.

O sangue estancado com a dor nos dedos do pés machucados pelas topadas que dava nas peladas de rua não lhe impediria de ir em 1987 com o ponta-direita Marcelo e o ponta-esquerda Wallace Sol tentar a sorte no Batalhão da Polícia Militar em Neves, onde funcionava a escolinha do Vasco da Gama, comandada por seu Tião.


– Treinamos juntos e depois seguimos destinos diferentes. Ele se profissionalizou, atuou em grandes clubes e eu segui a carreira militar – conta Wallace Marins da Silva de 43 anos.

Dois anos depois, em 1989, levado pelo irmão mais velho Anderson, que era lateral-esquerdo juvenil do São Cristóvão de Futebol e Regatas chegaria para ser testado no mirim do clube.

Treinou bem e com a camisa 8 às costas, virou Catê (não por mera coincidência mas por ser muito parecido fisicamente e futebolisticamente com o ex- atacante são paulino falecido em 2011) e passou num teste com mais de 80 meninos jogando de meia-direita.

– Era um garoto de 12 anos que driblava as dificuldades se deslocando de São Gonçalo para São Cristóvão quase que diariamente, sendo sempre um dos primeiros a chegar ao clube e mesmo após o término das atividades, permanecia, pois “fominha”, era necessário ser retirado ou expulso – elogia Flávio Vieira Moraes de 51 anos, seu primeiro treinador.

No São Cri Cri, ficou de 89 a 93, sendo bicampeão da Copa Mané Garrincha (1991/1992), eleito o craque da competição jogando ao lado de um certo Ronaldo, artilheiro da competição, com quem formou dupla até 1993.


– O nosso time era muito bom e dei muitos passes para “Mônica” fazer gols – conta às gargalhadas ao explicar que por ser dentuço o Ronaldo era chamado pelo famoso personagem do cartunista Maurício de Souza.

E confidencia:

– Conversávamos muito sobre um dia a gente se enfrentar no Maracanã. Eu pelo Fluminense e ele pelo Flamengo – lembra.

Casados pela bola no irregular gramado de Figueira de Melo em 1989, formando assim um par perfeito até o divórcio em 1993, quando entraram em litígio com o clube.

Enquanto “Mônica” passaria a se chamar Ronaldo no Cruzeiro e viraria “Fenômeno” anos mais tarde, Catê seria Clayton “Grilo” no Grêmio até a aposentadoria em 2005, em decorrência de problemas no joelho.

– Devo muito ao Eduardo, por ter me levado para o Grêmio. Queria pode dizer um muito obrigado e que foi o maior lateral-esquerdo que vi jogar – diz do ídolo tricolor que hoje trabalha nas categorias de base do Friburguense.

Nômade no futebol profissional e amador, ganhou títulos expressivos no Avante, Ponte Preta e no Estrela Azul, sempre se destacando e sendo respeitado na cidade de 128 anos de existência.


Escreveu seu nome na história gonçalense como um dos Gigantes com G maiúsculo no futebol de várzea e carrega até hoje a alcunha de ter sido o primeiro parceiro do “Fenômeno”.

Nada mal, convenhamos, mas ser “Fenômeno” é manter o COT (Centro de Oportunidade ao Talento), projeto social fundado em 2006 e que sobrevive às custas da venda de camisas e doações.

– O intuito sempre foi tirar as crianças das ruas e mostrar o caminho a ser seguido. E o COT é esse caminho – diz esperançoso.

Atualmente, o COT conta com 150 crianças e adolescentes que saídos das ruas buscam nos treinos aos sábados das 7h às 11h no Campo do Cruzeiro, situado na Avenida Porto da Pedra s/n° – Porto Novo, São Gonçalo, uma oportunidade para mudar de vida.

Mais informações pelo Whatsapp: (021) 97034-2076 e na página no Facebook.

DOIS CRAQUES E UM REENCONTRO

por Marcos Vinicius Cabral


“Nosso time se tornou um grupo com uma união muito forte fora de campo. Às quartas-feiras no Cinco de Julho, jogávamos para ajustar os erros. Com isso, acabamos um bom tempo invictos e aproveitando para treinar para o campeonato, já que o mesmo era disputado por grandes equipes e bons jogadores. Ganhar do Pouca Rola foi uma das maiores vitórias desse time com uma espinha dorsal composta por Leleco, por mim, Irineu, Gonçalinho e Guina. Lembro do campo cheio naquele domingo e da confiança transmitida pela nossa torcida. O resultado em si foi para confirmar o talento de uma geração representada por grandes jogadores”. (Marcinho, ex-zagueiro do Grêmio, atualmente com 51 anos)

“Havíamos disputado campeonatos anteriores, éramos uma equipe de amigos e jogando juntos ficamos fortes. Recheado de craques, um garoto, craque de bola, chamado Marcos Vinicius, apelidado de Lito, cresceu vendo aquele time jogar e passou a fazer parte do elenco. Naquele fatídico jogo, o árbitro, de nome Nei, era tio de um jogador do Grêmio e nós já imaginávamos o que poderia acontecer. Atribuo a ele nossa derrota pois foi o único culpado por não termos chegado à final. Foi uma grande decepção, e uma covardia o que o organizador do campeonato fez, pois ele torcia para o time que era o nosso principal rival”. (Flávio, ex-meia do Pouca Rola, atualmente com 48 anos)

O domingo se aproximava e a ansiedade calçava chuteiras para entrar em campo.

De um lado, a boa equipe da “Esquina do Pecado” em Neves – point de encontro dos jogadores do Grêmio Futebol Clube – se reunia para ouvir atentamente o treinador Dico traçar sua estratégia.

Não muito longe dali, no “Bar de César” – que ficava em frente à Praça do Barreto – o Pouca Rola Futebol Clube se preparava para a partida mais difícil da temporada.

Vencer o nervosismo era sair na frente naqueles 90 minutos que definiriam quem chegaria à final do 5° Campeonato Comunitário do Ceclat, em 1990.


Dois jogadores se tornaram símbolos das cores que defendiam: o zagueiro Marcinho, camisa 5 do Grêmio, e Flávio, camisa 10 do Pouca Rola.

– Enfrentar Flávio era saber que o jogo ia ser duro, devido a sua qualidade técnica. Nós fomos criados ali no Barreto e todos se conheciam. Não podíamos relaxar pois de um grande jogador sempre se espera alguma coisa – elogia Marcinho.

– Não quero entrar no mérito do quanto fomos prejudicados pela arbitragem mas Marcinho e Leleco (goleiro), foram fundamentais para a vitória deles com uma grande atuação – devolve Flávio.

Polêmicas à parte, os olhos castanho-claros de Marcinho e os esverdeados de Flávio, olham na direção do passado para reviver esse confronto.

Confronto este que começou bem antes do apito inicial da partida com provocações de ambos os lados durante a semana e encerrada na manhã daquele domingo quando cada atleta colocou a planta de seus pés no solo sagrado do Clube Combinado Cinco de Julho.

Fundado em 1927, o ‘Gigante da Zona Norte‘ que vivera tantas decisões emocionantes, estava prestes a transformar Grêmio e Pouca Rola num confronto histórico assim como inesquecível.

Nas escalações dos times, nada de novo, apenas uma mexida no setor de meio-campo do Pouca Rola com a entrada de Isidoro no lugar de Lito.

– Até hoje não consegui entender minha sacada do time, pois vinha fazendo um grande campeonato e jogávamos com o regulamento debaixo do braço – diz o ex-camisa 8 Lito.

E completa:

– Comecei a jogar bola com 13 anos de idade e ter sido preterido numa semifinal contra o Grêmio, foi sem sombra de dúvidas, uma das maiores frustações no futebol – lamenta o habilidoso meia hoje com 45 anos.

Contudo, o lateral gremista Irineu vai além:

– Para ser sincero não lembro muito do jogo, afinal de contas, são 29 anos que ele aconteceu. Mas pra mim teve um gosto especial, já que joguei no Pouca Rola na sua primeira formação e sempre tive carinho pelo time. O barato disso tudo eram as provocações – relembra aos risos.


Mas naquela manhã de sol forte, foi preciso esquecer o sorriso e fechar a cara e os portões do clube, pois os craques daquela partida atraíram muitos torcedores.

O campo lotado como poucas vezes se viu enquanto os jogadores transpiravam demasiadamente um bom espetáculo.

Leleco, Mauricio, Marcinho, Mongol e Irineu; Zé Baleba, Gonçalinho e Testão; Guina e Eraldinho, pisaram no palco sagrado de terra batida, com seu tradicional uniforme: camisa branca e azul listrada na vertical, short branco e meiôes azuis.

Já na outra metade dos 60m x 40m de sua extensão completa, Cidinho, César, Milton e Jay; Isidoro, Neizinho e Flávio; Boulevard e Willian, aqueciam sob olhares confiantes numa vitória.

– Nosso time era favorito com méritos próprios e todos queriam ganhar da gente – recorda César, camisa 2 do Pouca Rola.

Bola rolando e o Pouca Rola vai para cima sendo soberano nos 45 minutos iniciais, com Leleco operando milagres no gol gremista.

A vontade de vencer empurra o time que joga todo de vermelho e comandado por Zeir (Roberto era o treinador mas por questões pessoais não pôde comandar a equipe), sai em busca do gol.

Numa bola despretensiosa, o zagueiro Milton (até então impecável na partida) sendo último homem, domina mal uma bola rechaçada no meio-campo e o arisco Guina numa arrancada dá um tapa na frente e toca na saída de Cidinho.

Um a zero.

Segundo tempo começa e o Grêmio usa o célebre adágio de “o melhor ataque é a defesa” e a zaga segura o ímpeto do adversário.

Depois disso, inúmeras chances desperdiçadas, gol de cabeça de Flávio mal anulado, empurrão em Boulevard dentro dentro da área não assinalado, uma mão na bola em cima da linha do gol que evitou o empate que o juiz não marcou e invasões em campo, manchariam o jogo que marcaria Flávio e Marcinho.

Fim de jogo: 1 a 0 para o Grêmio e comemoração discreta de um time que acabaria vencendo o Avenida e sagrando-se campeão.

Coisas da bola que excede todo entendimento.


Enquanto Flávio sempre honrou a camisa 10 por onde jogou, Marcinho como zagueiro sempre foi um admirável líder.

Ambos, inegavelmente foram craques.

Enquanto um defendia com propriedade sua área o outro era elegante até com os meioēs arriados para atacá-la.

Se um foi duro, porém leal o outro foi clássico como a Sinfonia n.o 5, dita Sinfonia do Destino, de Ludwig Van Beethoven.

Um foi apaixonado pela bola e o outro apenas amante.

Passados quase 30 anos, a sensação que se tem é que aqueles 90 minutos ainda não terminaram e só terminaram numa conversa a sós na Praça Monsenhor Albuquerque na Mangueira em São Gonçalo, onde se reencontraram a pedido do Museu da Pelada para falarem do jogo que mudou suas vidas.

E porque não dizer, o jogo que transformou uma rivalidade numa grande amizade entre eles.

O INSOFISMÁVEL CAMISA 6

por Marcos Vinicius Cabral


“Futebol é uma parte da minha vida que eu amo e sempre vou amar”. A frase é de Evandro, o eterno camisa 6).

Filho mais velho de seu João e de dona Ziléia, o sonho do pequeno Evandro era ter uma bola de futebol.

Nos meses de novembro (seu aniversário) e dezembro (Natal), os olhos do pequeno garoto buscavam nos quatro cantos da casa o tão desejado presente.

Com apenas seis anos de idade, sua intenção era se relacionar com a bola e viver essa paixão platônica.

Mas os pais não pensavam assim.

A mãe, uma dedicada dona do lar e o pai, caldeireiro do Estaleiro Mauá S/A em Niterói, zelavam tanto pelos estudos dele e do irmão Vander, a ponto de colocá-los no Centro de Ensino Sininho de Ouro, um dos mais tradicionais do bairro.

Mas nada o impediria de viver sua paixão.

– Jogávamos com nossos primos todas às tardes depois das aulas com um bola feita de meias em um terreno íngreme e baldio no Largo do Barradas, onde hoje funciona o Tio Sam Esporte Clube -, confidencia Evandro França de Oliveira de 53 anos.


Dois anos depois, morando no Boa Vista em São Gonçalo, como todo moleque, jogaria na rua no time chamado Galo de Ouro, no qual cada vitória valia um refrigerante.

– Bebi muito Mineirinho! – diz às gargalhadas.

Desde cedo, vencer seria um verbo conjugado sempre na primeira pessoa de Evandro.

Em 1978, com 13 anos e seu irmão com 11, recebiam a notícia que a cegonha estava trazendo um irmãozinho chamado Leandro.

Quando o menino chegou ao mundo no ano seguinte, o duro golpe: seus pais se divorciaram.

Enquanto dona Ziléia precisava trabalhar para cuidar dos três filhos, Evandro era obrigado a cuidar dos dois irmãos.

Sorte deles que ganharam um segundo pai e azar do Club de Regatas do Vasco da Gama, que perdeu um grande lateral-esquerdo.

– Não me arrependo de não ter ido treinar em São Januário para cuidar dos meus irmãos -, lembra visivelmente emocionado.

Se os “Deuses do Futebol” lhe tiraram a chance de ser jogador, o destino foi mais generoso e permitiu que se transformasse num dos maiores jogadores de várzeas.


Estreou em 1980 no bom time do Mequinha Futebol Clube em São Fidélis, conhecida como “Cidade Poema” devido às belezas naturais e ao seu grande número de poetas e foi verso e prosa naquele gramado contra a seleção local no primeiro quadro aos 15 anos.

– Meu tio Zé Maria me escalou, marquei o craque deles e comecei ali minha história no futebol – relembra.

Um outro tio de nome João, vulgo Joãozinho, o levaria no Campo do Vital Brasil em Itaúna, e naquele instante, sentiu algo diferente.

– Foi ali que verdadeiramente nasceu o desejo de jogar futebol. Aquilo foi crescendo, crescendo e crescendo em mim, contagiando… não sei explicar! – diz referindo-se ao futebol praticado pelas equipes do Magno, Pagão e Monte Verde.

Meses depois, no Campo do Mangueirinha, no Luiz Caçador, começou a escrever seu nome de grande jogador vestindo o verde e amarelo do Unidos da Amizade Futebol Clube.

Ganhador de vários campeonatos, a final contra o temido Tronco no Jockey foi inesquecível.

– Ganhamos de 1 a 0, gol de Vandinho, contra o time da casa e sua torcida, mas nosso time era muito equilibrado – conta.


De acordo que os títulos iam se amontoando, os joelhos começavam a dar sinais de desgate: era preciso recuar.

E foi remanejado à zaga, posição que sempre foi seu desejo.

Já como zagueiro, ganhou três dos três campeonatos que disputou com as camisas do Internacional e Unidos da Amizade no Recanto em Luiz Caçador.

– Me espelhava em Leandro – revela sem esconder a admiração pelo ídolo rubro-negro que teve a carreira abreviada pelos joelhos.

Em 1990, conquistou o Campeonato Gonçalense – que é o ápice na carreira de todo atleta amador – no centenário da cidade, jogando pelo Beira-Rio, no extinto 3° BI (Batalhão de Infantaria), na Venda da Cruz.

No Cinco de Julho, pelo Atlantic Peon, em cinco campeonatos chegou em todos na final, sendo vice em quatro deles e campeão em 2000.

– Uma pena que um cara como Evandro não tenha se tornado profissional. Além da dedicação dentro de campo, jogador de rara inteligência. Um boleiro como costumamos chamar – diz Felipe de 60 anos, seu treinador no Atlantic.

Em 2008, no Lira Futebol Clube e já veterano, foi campeão mais uma vez.

– Evandro era um jogador de muita técnica, boa marcação, além dos excelentes cruzamentos e viradas de jogo. Quando era deslocado pra jogar na zaga, colocava o atacante no bolso – diz Helinho de 47 anos que o enfrentou várias vezes.

Mas se dentro de campo não lhe faltou motivos para sorrir com as conquistas alcançadas, fora dele, algumas lágrimas passearam por seu rosto áspero com duas perdas irreparáveis.


– Meu irmão de consideração. Me ensinou a nunca chutar de bico. Trabalhamos juntos nos estaleiros da vida, no camelô e jogamos juntos várias vezes! – diz sobre o falecimento do compadre Lilico.

E completa:

– Minha mãe foi tudo para mim. Deus a levou ano passado no dia do meu aniversário – emociona-se.

Mas no fim, o reconhecimento se dá aos domingos no Campo do Mangueirinha, onde às 9h, o craque da eterna camisa 6 ensina futebol com a maior humildade, qualidade esta que é sua última e grande vitória.

A BOLA TROCADA PELA BÍBLIA

por Marcos Vinicius Cabral


O automóvel é, sem sombra de dúvidas, uma das maiores invenções do século XIX.

Isso se dá em 1769, com a criação do motor a vapor em que automóveis são capazes de transportar humanos.

Mas depois de 117 anos, especificamente em 1886, é considerado o ano de nascimento do automóvel moderno – com o Benz Patent-Motorwagen, inventado pelo alemão Karl Benz.

Mas o que seria dos automóveis sem um motor?

E o que seria de cada equipe de futebol, seja ela amadora ou profissional, sem um “motorzinho”?

Aquele jogador que acelera na hora de atacar ou pisa no freio para se defender.

Eis que surge em 26 de setembro de 1988, na Casa de Saúde Vila Paraíso, em São Gonçalo, Thiago Leite Silva, esse jogador.

Filho caçula de seu Luís Carlos Vitalino Silva – um clássico camisa 8 que dava gosto ver jogar – e de dona Rosemeri Leite, o garoto desde cedo conviveu com o futebol.

– Minha paixão pelo futebol se dá por causa do meu pai que me levava para assistí-lo no Águia Negra, no Campeonato Comunitário do Gradim – recorda.


Apesar dos seis anos de idade, Leitinho – assim os mais chegados o chamavam – mostrava desenvoltura com a bola e uma habilidade muito parecida com a de seu Luís em seus tempos áureos nos campos gonçalenses.

Em seu DNA (composto orgânico cujas moléculas contêm as genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos), continha vitalidade, habilidade e um desejo de ser alguém no futebol, distribuídos em 1,68m de altura.

Em 1999, aos onze anos de idade, levado por seu pai, ingressou no pré-mirim do CFZ (Centro de Futebol Zico) e conviveu com Adílio, Jayme, Andrade e Zico, extraindo o melhor de cada um nessa experiência enriquecedora.

– Foi uma pena não poder continuar por causa da situação financeira do meu pai – diz dos dois anos em que foi treinado pelos professores Gaúcho e Lima.

Se dentro de campo era um jogador encapetado, fora dele era um garoto que costumava ir à igreja com dona Isidora, sua avó paterna.

Nessa mesma época, dava seus primeiros passos na fé e aceitava Jesus como seu Único e Verdadeiro Salvador.

– Eu buscava ajuda no Senhor para restaurar o casamento dos meus pais e mesmo com 13 anos subia aos montes para orar pela vida conjugal deles – revela sem nenhum arrependimento.

Um ano depois, em 2002, chegava ao Combinado Cinco de Julho, no Barreto em Niterói, para treinar na escolinha comandada por Jeremias (ex-atacante do América/RJ, Fluminense, Vitória de Guimarães/POR e Espanyol/POR), que se encantou com o moleque.

– Apesar de baixinho era muito bom jogador. Muito pegador no meio, marcava e criava com a mesma eficiência – diz o eterno ídolo do Mecão, aos 70 anos.

Jogador de extrema polivalência, era utilizado sempre na categoria infantil – de 14 a 15 anos – por causa da idade e às vezes na infanto-juvenil – de 15 a 16 anos – por causa da bola que jogava.


Certa vez, enfrentou o América/RJ, no Clube de Campo do Luso-Brasileiro em Campo Grande e só faltou fazer chover.

– Estava voando. O professor Jeremias me colocou nos dois jogos e arrebentei nesse dia. Perdemos por 2 a 1 no infanto e metemos 3 a 1 no infanto-juvenil – relembra.

Convidado para treinar no tradicional clube de Campos Sales, ficou quase um ano.

A distância e a falta de recursos, acabariam desligando o “motorzinho” da camisa 8 de seu sonho.

Em 1994, tentava a sorte no Club de Regatas Vasco da Gama e no campo anexo de terra batida que fica atrás das arquibancadas, treinou tão bem que seria inimaginável não se tornar atleta do clube cruzmaltino.

– Vendo os treinos, os outros pais me diziam que era certo o baixinho ficar – diz seu Luís sobre o filho.

Passar na exigente peneira não seria problema para o jogador que era, porém, nos quatro meses que treinou em São Januário, ele e seu Luís conviveriam com o submundo dos empresários (o famoso apadrinhamento), fora das quatro linhas.

– Foi decepcionante para mim saber disso. Não ser aproveitado por não ter um empresário – lamenta.

Acabaria dispensado.


No entanto, aos dezesseis anos, e mesmo machucado por dentro, ia se acostumando com as feridas causadas pela bola.

E a história se repetiria bem longe de São Gonçalo, desta vez em Xerém, quando treinou no Fluminense Football Club.

Com uma carta de apresentação nas mãos calejadas de seu pai, se apresentou no tricolor.

A carta em si não que garantira aprovação mas estendeu dos três treinos habituais para oito.

Mais uma vez treinaria bem mas faltou o famoso (padrinho) empresário.

Numa última tentativa, com dezessete anos, disputou a Copa Light pelo União Central Futebol Clube, da terceira divisão do Rio de Janeiro.

Depois de muito esforço, conseguiu a federação pelo modesto clube da Penha, Zona Norte da cidade, mas resolveu deixar o sonho de lado em nome da fé.

– Achei melhor ir jogar no Ases de Ouro do Gradim, trabalhar como mecânico e me dedicar à obra de Deus – confidencia.


Atualmente é casado com Vanessa desde 2013, pai da pequena Débora e trabalha com seu Luís na oficina Pai e Filho, no Porto Velho em São Gonçalo.

– Thiago é muito especial na minha vida. Quando mais precisei ele me ajudou com uma palavra edificante – revela o amigo Davison Marques de 21 anos.

E completa:

– Além do coração enorme que tem é um cara que não gosta de perder, seja nos jogos de futebol ou nas adversidades da vida cristã.

Hoje, prestes a completar 31 anos, jogar aos domingos no Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá no Porto Velho e ir aos cultos da Igreja Evangélica Semeando no Gradim, são os curativos para sua alma.

DE BRITO À MILAGRE

por Marcos Vinicius Cabral


– Ouvi sempre coisas boas sobre meu avô, que jogou até os 64 anos! – diz Rodrigo Santos Brito, de 34 anos, ao Museu da Pelada.

Mas se o filho de seu Newton e de dona Ivana não se cansa de elogiar o octogenário e craque da família, foi por causa de suas atuações na ponta-direita do Veterano Futebol Clube nas manhãs de sábado no Campo do Bairro Rosane, que ele decidiu que era aquilo que queria fazer na vida: jogar futebol profissional.

Coisa que seu avô não conseguiu em sua época, mesmo tendo jogado com Gérson, o Canhotinha de Ouro, um pouco antes do tricampeão mundial se profissionalizar no Flamengo.

– Era difícil. Jogador era taxado como vagabundo. Ou casava ou jogava – lamenta seu Waldir dos Santos, casado há 58 anos com dona Nicinha.

Mas taxações à parte no mundo cruento da bola, o neto não se arrepende de ter desfrutado da constância de seu Waldir na sua vida.

– Peguei gosto por estar sempre com ele, que me levava para o campo e ficava batendo bola comigo! – diz Brito como passou a ser conhecido no mundo do futebol.


E arremata:

– Foi com meu avô Waldir que aprendi o beabá do futebol, como dominar, tocar, driblar, lançar e chutar uma bola. Deveria ter uns 5 anos de idade – diz.

Aprendeu tanto que em 1995, aos 10 anos de idade, já era destaque jogando no meio campo no time do Bairro Rosane Futebol Clube, e dois anos depois ingressava na escolinha Toque de Bola Futebol de Base, comandada por seu Ruterley ou Telê Ventura como é até hoje chamado.

– Brito era um jogador muito técnico, organizador de jogadas, aplicado, com uma leitura de jogo impressionante, além é claro, de bater faltas como poucos – gaba-se o ex-treinador de 69 anos.

Com tantas qualidades foi levado ao Club de Regatas do Vasco da Gama, onde treinou no campo anexo de terra batida de São Januário que fica atrás das arquibancadas e agradou.

O talentoso garoto que confirmaria o DNA da família Santos Brito viu a alegria no brilho dos olhos de seu Santos Brito, viu a alegria no brilho dos olhos de seu Waldir ao ser aprovado.

Brilho efêmero convenhamos, pois alguns meses depois, viu o mesmo olhar de reprovação do avô para os empresários que administravam as carreiras de vários garotos.

Preterido por ser do mirim e integrar a escolinha do clube vascaíno, Brito foi desligado.

Mas não desligou da vida o sonho de vestir a camisa de um clube de futebol.

Passou na peneira do Nova Iguaçu Futebol Clube, fundado em 1990 por Crizam César de Oliveira Filho, mais conhecido como Zinho, tetracampeão mundial em 1994 :


– Eu não tinha dinheiro de passagem para treinar. Nem almoçar eu conseguia por causa do horário. Abri mão! – queixa-se sobre os quase 57 km de distância entre sua casa em São Gonçalo e a sede do Carossel da Baixada.

No Bonsucesso Futebol Clube, onde Leônidas da Silva, o inventor da bicicleta, se profissionalizou em 1934, a história foi diferente:

– O clube estava sem recursos para disputar o Campeonato Carioca – lamenta sobre o rubro-anil.

Depois dessas experiências, a primeira tristeza: a escolinha onde dera seus primeiros chutes numa bola de futebol observado pelos olhos atentos do avô encerrava suas atividades.

Recomeçou então no rubro-negro mais famoso do bairro: o Flamenguinho da Brasilândia, time que revelou o meio campista Diogo Oliveira, hoje no Brasil de Pelotas.

Nesse período, estudava no primeiro ano do segundo grau no Colégio Estadual Padre Manuel da Nóbrega e jogava os interestaduais pela tradicional escola do bairro, sob a batuta do treinador Mekerra, que lapidou a joia no começo de carreira.

Com um futebol encantador conquistou Carlos Roberto – ex-jogador do Botafogo nos anos 1960 e atualmente treinador do Al Tai Sport Club da Arábia Saudita -, e Silvinho – que jogou no Fluminense -, que o levaram ao Madureira Futebol Clube.

No infantil do Tricolor Suburbano, jogou ao lado de Maicon (atualmente no Grêmio de Porto Alegre), Muriqui (ex-Vasco) e André Lima (hoje no Austin Bold FC dos EUA).


– O treinador me valorizava tanto que eu pedi para ser dispensado e me emprestaram. Queriam que eu fosse dispensado e me emprestaram. Queriam que eu voltasse, mas não quis mais – revela.

Poderia continuar mas os malditos contratos “de gaveta” (que viriam a ser proibidos pela CBF apenas em 2015) o desanimaram.

A vida continuou seu curso e Brito acabou indo parar no Centro Esportivo Arraial do Cabo mas foi no Angra dos Reis Esporte Clube que disputaria sua única Copa São Paulo como profissional em 2005.

Ainda jogaria profissionalmente na Associação Atlética Ranchariense e na Associação Esportiva Araçatuba, um pouco depois de vestir as camisas do América/RJ e o Canto do Rio de Niterói.

Enquanto buscava um lugar ao sol em equipes profissionais, nos campos de várzeas de São Gonçalo assinaria súmulas pelas equipes do Duro na Queda e Aranha (ambos do Coroado), Xeque-Mate de São Gonçalo, Jovem Fla do Boa Vista, Santos do Porto Velho, Renascença de Itaboraí, além de no F7, pelas equipes do Atlantic e Al Ain.

Ganhando títulos e jogando o fino da bola, surgiu a oportunidade de ir para Portugal.

Certo dia, tomando banho, sentiu uma forte dor na nuca e desmaiou.

Levado às pressas para o HEAT (Hospital Estadual Alberto Torres), no Colubandê, ficou em observação numa maca em um corredor lotado.

– Ouvi o médico dizendo ao enfermeiro pra ficar de olho no meu irmão, pois ele não estava bem – recorda o irmão Felipe.

Numa ala de isolamento, seu estado ia agravando e para visitá-lo era preciso colocar uma roupa específica.

A situação era grave, muito grave.

O craque que aprendera futebol com seu Waldir, agora lutava contra um adversário que queria a qualquer custo vencê-lo: a morte!

Brito então entra em coma induzido e o chefe da equipe médica responsável está pessimista.

– Se ele não reagir se preparem para o pior, mas se sobreviver, viverá numa cama para sempre – enfatiza após medicá-lo.

E completa:

– Mas tudo indica sua morte! – sentenciou.

– Nunca! Eu sei em quem tenho crido. O senhor vai ver o agir de Deus na vida do meu filho – diz o padrasto Rogério segurando uma bíblia e com lágrimas nos olhos.

Deus começa a operar na vida daquele rapaz cheio de sonhos e com uma vida inteira pela frente.

Depois de doze dias internado, Brito sai do coma, porém, uma inflamação no cérebro é diagnosticada.

Era necessário uma drenagem e uma cirurgia.

Após ser operado é transferido para o HEPJBC (Hospital Estadual Prefeito Jõao Batista Caffaro), em Manilha.

– Ele foi evoluindo mas um médico queria fazer traqueostomia nele e queriam que eu assinasse para liberar – conta dona Ivana, mãe do craque.

Nesse instante, Deus opera outro milagre.

– Ei, Ro! Lembra de mim? – sopra no seu ouvido a fisioterapeuta.

– Claro que sim, Lu! -, diz lembrando da colega de academia Smartfit, onde malhavam.

Aquela “anja” que atendia pelo nome de Luciana, faz alguns testes ali e diz que o jovem não precisa ser traqueostomizado.

Em seguida uma junta médica o examina e fica comprovado que não é necessário a cirurgia.

Alguns dias depois, a evolução começou a ocorrer com ganho de massa corporal e a tão sonhada alta.

Hoje, quem o vê cantarolar “Deus é Deus” de Delino Marçal, não entende o milagre ocorrido na vida deste jovem de 34 anos que se divide nos treinos em alto rendimento, em palestras motivacionais, trabalhos sociais e na Igreja Evangélica Assembleia de Deus, no Porto da Pedra, onde é Missionário.

Mas confessa:

– Duas das maiores alegrias que a bola me deu foi poder jogar ao lado do meu avô. Eu com 14 anos e ele com seus 64, em 1999 – lembra.

E finaliza:

– A outra foi marcar um gol de falta para ele um ano após ter vencido a meningite no qual fui acometido – diz sorrindo o camisa 30 do Boleiros FC.