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Cosmos

REI NO COSMOS

por Rubens Lemos


O New York Cosmos representava para nós, meninos fascinados por uma bola de futebol, a força do Super Homem do cinema derrotando criptonitas. O Cosmos vestiu pela última vez o corpo do imponderável dos gramados. Pelé, a estrela, liderou a constelação verde e branca no Eldorado norte-americano ao implantar o  Soccer. 

Pelé reuniu multidões em campos de grama sintética, marcou velhos gols de Maracanã e Pacaembu, de bicicleta, calcanhar, falta, pênalti,  cortes secos, corpo ligeiramente agachado para enganar os marcadores de pé torto. 

Pelé reunia no Cosmos, em torno do seu repertório, harmonia, beleza e organização, confirmando na prática o sentido grego da palavra. 

Pelé, a luz, atraiu partículas referenciais: Franz Beckenbauer, Carlos Alberto Torres, o italiano Chinaglia e, depois da saída  do Rei, o anárco-lateral-esquerdo Marinho Chagas das Dunas Potiguares e o paraguaio Romerito. Jogar no Cosmos significava estar no Olimpo. 

Guardo, em imagens chuviscadas, o jogo da despedida (uma das 30) de Pelé. Foi em 1977 contra o Santos. Pelé contra o Santos. O Santos abrindo o placar com um chute potente do potiguar Reinaldo, centroavante revelado no América, contratado depois pelo ABC que o vendeu ao clube da Vila Belmiro. Na foto, Reinaldo corre atrás de Pelé. 

Reinaldo fez 1×0 e o Cosmos virou. Reinaldo nunca conseguiu driblar o azar e as seguidas contusões cujas cicatrizes o perseguem até hoje.  Ágil, Valente, bom cabeceador e ótimo nas três posições do ataque, Reinaldo poderia ter se aproximado de Marinho Chagas como Souza do América.  Faltou sorte ao cabra da peste de pernas de cowboy e, mesmo combalido, campeão mundial interclubes pelo Flamengo em 1981. 

Enquanto Reinaldo experimentava a glória passageira da idolatria, Pelé chorava e dizia love, dizia amor, dizia adeus. Pelé fora criticado por ter voltado aos campos depois de deixar a seleção brasileira em 1971 e o Santos em 1975. 

Em 1975, quando voou ao paraíso, o  Deus portava bolso e, feito de carne e osso simplesmente ao retornar à condição humana do Edson Arantes do Nascimento , precisava de grana.

Pelé foi um classe média  jogando no Brasil. Seu salário, em valores de hoje, segundo a Revista Exame, oscilaria entre 30 e 40 mil reais,  algo parecido ao que os clubes de Natal pagaram e pagam a pernas de pau com grife empresarial. O extra, Pelé juntava, avarento feito um comerciante de secos e molhados. O extra vinha de excursões ao exterior e de jogos amistosos. 

Jovens publicitários de Natal, em 1971 ,  trouxeram Pelé em dia de chuva, tomando prejuízo colossal no pequenino Juvenal Lamartine. Lá, na trave  que dá para a avenida Hermes da Fonseca, Pelé  fez de falta o gol da vitória de 2×1 no amistoso contra o América. 

O Cosmos e os Estados Unidos receberam Pelé semeador do que hoje é a Major League Soccer. Pelé fazia embaixadinhas na Casa Branca com os presidentes Gerald Ford e Carter, o poderoso Henry Kissinger, frequentava universidades, tentava ensinar meninos loirinhos e propensos ao beisebol a controlar com os pés uma bola estranha sem charme de brinquedo. 

Agora, a Major League Soccer – sem mais o Cosmos e antes da pandemia – atingia a media de público de quase 20 mil torcedores por partida. É pouco? É mais que a media dos últimos  Campeonatos Brasileiros. 

É, sim, uma vergonha para o ex-país do futebol. Que foi o maior até Pelé e contracenou com Itália, Alemanha e Argentina até os 7×1 da Copa do Mundo de 2014 e dos 2×1 da Bélgica em 2018.  Saudades do Cosmos. Lá, Pelé disse Love.