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Copa do Mundo

ECOS DE 1982

por Paulo-Roberto Andel


Parece que foi ontem, mas vai fazer quarenta anos. Está fazendo.

Dirigida desde 1980 por Telê Santana, a Seleção Brasileira era a equipe nacional mais respeitada do mundo. Jogando no mínimo uma vez por mês, o Brasil sofreu apenas duas derrotas no período – uma para a URSS no comecinho do trabalho e outra para o Uruguai na final do Mundialito.

Em 1981, a Seleção encantou o mundo definitivamente, ao vencer Inglaterra, Alemanha e França em seus respectivos domínios. A respeito da Alemanha, o Brasil já tinha derrotado os então bicampeões mundiais por 4 a 1 naquele mesmo Mundialito e voltaria a vencer no Maracanã, às vésperas do embarque para a Copa da Espanha. E não foram apenas vitórias, mas shows de bola sobre adversários espetaculares do porte de Keegan, Breitner, Rummenigge, Hansi Muller, Tigana, Tresor, Platini e outras feras.

A Seleção não fazia partidas, mas exibições. Dava gosto em ver. Dribles, passes, tabelas, lançamentos. Naquele tempo se popularizou a expressão futrbol-arte, mas no fundo era apenas o futebol em sua essência, como deveria ser para deixar os torcedores felizes. Futebol de talento, de capacidade e ofensividade, de fazer o adversário se preocupar com o jogo dias e dias antes.

Quando saiu a convocação final, não havia maior prova do grande momento do futebol brasileiro. Ficaram fora da lista final cracaços como Adílio e Mário Sérgio, afora outros nomes que sequer foram cogitados numa lista com 22 convocados – não é exagero dizer que o Brasil poderia colocar 44 jogadores se o regulamento permitisse.

É certo que cada um tem seus gostos e preferências, portanto alguns convocados passaram a ser mais contestados com o tempo. Noutros casos, há quem diga que alguns reservas da Seleção estavam em melhor fase do que os titulares. E o desfecho da Capa de 1982 levou a críticas naturais. Mas nunca é demais lembrar: no início da Copa, o Brasil não era favorito ao título apenas para os brasileiros, mas para o mundo inteiro. Fizemos por merecer com quase dois anos de ótimas partidas, algumas contra as mais poderosas seleções de outros países.

Há quarenta anos, eu era um garoto de treze apaixonado pelo Maracanã, louco para ir às Laranjeiras e fazia de tudo para economizar minha minúscula mesada para ir aos jogos. Fui a muitos, muitos, e em todos eles eu tive a certeza e o orgulho de que jogávamos o melhor futebol do mundo. Quando vejo hoje a reação das pessoas aos jogos da Champions League, lembro que era o que sentíamos pelos nossos jogos locais e os da Seleção Brasileira. Se o desfecho da Copa ficaria longe dos meus sonhos, nada vai tirar o brilho daquelas partidas de 1978 a 1982 na minha memória do Maracanã, nem o início da Era Telê, que começou com o maravilhoso Palmeiras de 1979, que jogava tão bonito a ponto de levar seu treinador à Seleção mesmo sem os títulos paulista e brasileiro.

Ultimamente o que não falta é gente querendo mudar o passado, mas é bom que se diga: a Seleção do Seu Telê jogou demais. Demais.

NUNCA MAIS SEREMOS OS CAMPEÕES DO MUNDO DE 1950

por Arnaldo Jabor

Texto publicado originalmente Folha de São Paulo em 30 de junho de 1998


O pintor Antonio Peticov me gelou a espinha ontem. Mandou-me o seguinte e-mail: “O Brasil ganhou a Copa em 1994. Antes disso, ganhou também em 1970. Some 1970 com 1994 e o resultado será 3964. A Argentina ganhou a Copa em 1986. Antes disso, ganhou também em 1978. Some 1986 com 1978 e o resultado será 3964. A Alemanha ganhou a Copa pela última vez em 1990. Antes, ganhou também em 1974. Some 1990 com 1974 e o resultado será 3964. E, agora, aqui está o que assusta. A Inglaterra ganhou a Copa em 1966. Some 1966 com 1998 e o resultado será 3964!”.

Será que uma Fifa intemporal já traçou nosso destino de derrotas? Sinto um frio na espinha, igual ao frio que senti quando meu avô me levou ao Maracanã pela primeira vez, há muitos anos.

Todo mundo torcia e gritava, e eu percebi, em pânico, que, enquanto todo mundo olhava o jogo, eu olhava os torcedores. Tive um arrepio de horror. “Sou louco?”, pensei. “Por que não estou vendo o jogo, como todo mundo? Por que estou olhando-os viver? Percebi que minha entrada na vida seria rala e difícil. Até hoje estou assim, “olhando os torcedores”.

Futebol para mim sempre foi um trauma. No colégio, aos dez anos, fui agarrar no gol. A bola entrou bem no cantinho da trave e foi considerado “frango” (a gíria era recentíssima). Caí na humilhante segunda divisão, composta de gorduchos, pernas tortas, veados e babacas molengas. Eu era comprido e trêmulo.

Depois, estou na praia da Urca, legendária arena de times famosos: o Arsenal, o Lavaibola, o Ipiranga. Eu adorava o Ipiranga. Nunca jogava, claro. Ficava olhando. Faltou um jogador na hora da partida. “Dá a camisa pra ele!”, gritou o capitão. Todo orgulhoso, ostento a camisa verde e vermelha e chego a fazer umas embaixadas para esquentar. Silvinha, na amurada, me olhava.

Quando vai começar o jogo, chega o Ceará, dono da posição. “Tira a camisa”, gritou o capitão. Até hoje, sofro a dor desse momento. Silvinha, pálida, fingiu que não viu meu fracasso. Eu, para me salvar, me joguei ao mar e não sei se chorei debaixo d’água, pois o sal de meus olhos se misturou com a água da Urca.

Não me levaram ao famoso Brasil x Uruguai em 50. Mas me lembro de meu avô, chorando e dizendo: “Só se ouvia o som dos pés das pessoas descendo as rampas. Ninguém falava. Só se ouviam os sapatos”. “O silêncio era ensurdecedor”, esse foi o oxímoro usado para descrever aquele dia.

Meu amigo Paulo Perdigão, escrevendo sobre esse dia terrível em seu livro “Anatomia de uma Derrota”, tem a tese de que o Brasil seria outro país se tivéssemos ganho “aquela” Copa, “naquele” ano. Talvez não tivesse havido a morte de Getúlio nem a ditadura militar.

Eu penso como ele. Perdigão acha (e eu também) que as outras Copas não chegaram a sarar as feridas daquele dia. A vitória em 50 teria sido essencial para o progresso nacional.

Ele escreve: “Foi uma derrota atribuída ao atraso do país e que reavivou o tradicional pessimismo da ideologia nacional: éramos inferiores por um destino ingrato. Tal certeza acarretou nos brasileiros a angústia de sentir que a nação tinha morrido no gramado do Maracanã…”. E aí ele diz a frase rasgada de dor: “Nunca mais seremos campeões do mundo de 1950!”.

A partir desse dia, associei futebol e país, numa “tabelinha” histórica. As taças de 58 e 62 marcaram um momento de abertura econômica e de progresso cultural jamais vistos. JK, Brasília, bossa nova, cinema, teatro, reformas populares em um país novo. Mas a esperança seria arrebentada em 64, pelo golpe.

A Copa de 70 teve para mim um sabor amargo e doce, que fazia sorrir o ditador Médici, legitimando a tortura e a morte de heróis. A taça de 70 foi outro oxímoro: uma “alegria dolorosa”. Eu imaginava os torturadores e seus torturados no “pau-de-arara”, todos torcendo pelo Brasil. A vitória em 70 veio animar o torto “milagre brasileiro”, que nos mergulhou em buracos de dívidas impagáveis.

Depois, vieram: a derrota das eleições diretas, a morte de Tancredo Neves, que teve o mesmo gosto de absurdo do Brasil x Uruguai; depois, os “anos Sarney”, quando parecia que o Brasil nunca mais sairia do buraco, descrente até mesmo da liberdade, com a falência do Estado e a descoberta de que a “democracia real” não existia dentro das instituições, nos alicerces do país.

Depois desse período letárgico, com gosto de conto-do-vigário, os brasileiros deprimidos chamaram o “bonapartismo narcísico” de Collor para “salvá-los” mais uma vez… Acho até que Collor nos “ajudou” com seus erros, que foram tantos, que nos acordaram do fracasso passivo que já durava havia 40 anos, desde a derrota de 50.

O impeachment e os caras pintadas foram o “trailer” da vitória de 94, com o governo FHC raiando com “novas palavras”. Quase no mesmo mês, derrotamos a inflação e viramos tetracampeões. Um novo tempo estava começando!

Mas aí chego a hoje, dia em que escrevo esta coluna, depois do jogo Brasil x Chile. Vi o quê? Vi uma vitória não merecida, com um time de craques sem completar jogadas, com uma trama de jogo hesitante.

Vi um time parecido com o tempo político que estamos vivendo. Tudo para dar certo e não dando, saídas esperançosas e frustrações imediatas, falta de penetração, falta de gols, um “bom senso” de classe média de Zagallo, que tira o brilho da coragem, jogadores seduzidos pela economia global da Nike, como, aliás, o próprio país.

E aí um terceiro arrepio me gela a espinha. E se não der certo a idéia de país a que FHC e o mundo nos levam? E se a Inglaterra, com seus “hooligans”, for campeã, como reza a profecia de Peticov? Vejam: 1966 + 1998 = 3964.

Que quer dizer esse número fatídico? Que destino nos está reservado? Conseguiremos entrar no ano 2000 de cara nova? Tenho medo que não. Talvez nosso destino tenha sido traçado pelo gol de Ghiggia. Deus nos proteja. Acho que nunca mais seremos campeões do mundo de 1950…

1970 – O ANO DA CONQUISTA DO TRI E DO RIO QUE PASSOU EM MINHA VIDA

por Victor Kingma


Todos os amantes do esporte costumam se lembrar, e até contar com detalhes, daquela conquista ou vitória importante do seu time ou da seleção, mesmo passados tantos anos. 

Afinal, o Brasil é o país do futebol, movido pela paixão dos torcedores pelo seu clube do coração e pelo escrete nacional, principalmente nos anos de Copa do Mundo.

Entretanto, dificilmente nós, boleiros, nos lembraremos do que de importante acontecia no país ou no mundo, naqueles anos das grandes conquistas.

Nesse texto, estarei abordando exatamente esse tema. 

Como era a vida e os costumes em 1970, ano da memorável conquista do tricampeonato?

Naquele ano pela primeira vez os torcedores puderam assistir pela televisão aos jogos da Copa do Mundo através de um pool de emissoras formado por Globo, Tupi, Bandeirantes e Record. 

Definido por sorteio, os locutores de cada emissora narravam um tempo do jogo. Geraldo José de Almeida (Globo), Walter Abraão e Oduvaldo Cozzi (Tupi) e Fernando Solera (Bandeirantes e Record) se revezavam nas transmissões.

Os respectivos comentaristas eram João Saldanha, Rui Porto/Geraldo Bretas, e Leônidas da Silva.  

A seleção, com craques consagrados como Carlos Alberto, Rivelino, Gerson, Jairzinho, Tostão e Pelé encantava o mundo com uma equipe mágica e se tornava tricampeã mundial de futebol, no México. 

Nos dias dos jogos do Brasil os torcedores, em suas casas ou aglomerados em frente às TVs espalhadas pelas praças, vibravam com cada gol da seleção. 

Um bordão ficou famoso naquela Copa, na narração vibrante de Geraldo José de Almeida, da TV Globo: 

– Olha lá, olha lá, olha lá, no placar!

Tudo isso embalado pela música ufanista de Miguel Gustavo que tocava nas rádios o dia todo:

“Noventa milhões em ação,

Pra frente Brasil

Salve a seleção!”

Contrastando com a alegria do futebol, na política o Brasil vivia tempos sombrios. A ditadura militar implantada no Brasil em 1964, onde ocorreu a ruptura democrática e a tomada do poder civil com a deposição do presidente João Goulart, vivia o auge da repressão política/cultural, no governo Médice. Direitos fundamentais dos cidadãos foram retirados e os brasileiros proibidos de se manifestarem livremente.  

Na música o movimento da Jovem Guarda, após o auge na segunda metade dos anos 60, estava quase no fim e Roberto Carlos, sua maior expressão, iniciava uma nova etapa em sua carreira, fazendo grande sucesso com a canção “Jesus Cristo”, a primeira música religiosa gravada por ele – e que passaria a ser uma constante em seus discos. 


Ainda na música a canção mais tocada em 1970 foi o clássico de Paulinho da Viola, “Foi um Rio que Passou em Minha Vida”, uma exaltação à sua escola de samba, a Portela. Considerado um dos melhores sambas de todos os tempos.

O ano ficou marcado ainda por ter ocorrido o fim dos Beatles, o mágico quarteto de Liverpool formado por John, Paul, George e Ringo.  

Nas publicações esportivas a Revista Placar, lançada em março, próximo à Copa, era um sucesso entre os leitores. 

Na televisão a grande atração era a novela Irmãos Coragem. O Brasil parava às oito horas da noite para assistir na TV Globo, e ainda em preto e branco, o folhetim de Janete Clair que contava a saga dos irmãos João, Duda e Jerônimo, interpretados respectivamente por Tarcísio Meira, Cláudio Marzo e Cláudio Cavalcante.


O filme Love Story levava multidões aos cinemas para assistir a história do amor proibido de dois jovens de classes sociais diferentes e…

Nas ruas e nos bailes de fim de semana, os jovens, um tanto alienados em relação à política e influenciados pelos hábitos de seus ídolos, trajavam calças boca de sino, sapatos plataforma e cabelos tipo Black Power. 

                  Naquele tempo era assim.

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INTERVENÇÃO GARANTE O TETRA

Parreira e Zagallo não queriam Romário em 1994

por Elso Venâncio


Romário fez o jogo de sua vida contra o Uruguai, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 19 de setembro de 1993. Uma das maiores atuações individuais de um jogador em toda a história da seleção brasileira.

O atacante só foi chamado por duas razões: absurda pressão nacional e intervenção do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que obrigou a comissão técnica a convocá-lo.

Parreira e Zagallo não o queriam, já que no ano anterior, em 16 de dezembro de 1992, o Baixinho reclamou por ficar na reserva. Careca e Bebeto foram titulares contra a Alemanha, em Porto Alegre. Romário sentou no banco ao lado de Renato Gaúcho e só entrou no fim do jogo. “Nunca fui reserva e sou melhor que os dois juntos”, extravasou o artilheiro que assombrava a Europa. A frase deixou os técnicos de olhos arregalados. Ambos procuraram o craque em seu quarto no hotel, após o jogo, para um puxão de orelhas.

Naquele momento, Romário foi riscado das Eliminatórias e, consequentemente, da própria Copa.

Zagallo era enfático:

“Desagregador. Temos que cortar o mal pela raiz.”

Parreira, mais diplomático:

“Vamos aguardar. Só o tempo dirá se ele volta.”

Ninguém esperava tamanha crise. O Brasil tinha sido eliminado da Copa América do Equador, ao perder nos pênaltis para a Argentina, e capengava nas Eliminatórias. Chegou a ser derrotado pela Bolívia em La Paz, fato inédito. Na penúltima rodada, Brasil, Bolívia e Uruguai se encontravam empatados, com 10 pontos ganhos. A seleção corria riscos, podendo ficar fora de um Mundial pela primeira vez na História.

Romário, no PSV-Eindhoven, da Holanda, era uma máquina de fazer gols. No começo de 1993, foi comprado a peso de ouro pelo Barcelona, que era dirigido pelo genial Johan Cruyff. No novo clube, mal chegou o Baixinho desandou a fazer o que mais sabia: gols. Era um atrás do outro. Um mais belo do que o outro.

Em sua estreia, na abertura do Campeonato Espanhol, os campeões da Champions League venceram o Real Sociedad por 3 a 0. Três de Romário. Parreira e Zagallo, a contra gosto, recuaram, baixando a guarda em relação à rixa estabelecida entre eles meses antes.

Romário desembarcou na semana do jogo contra o Uruguai, após estranho corte de Müller, e mudou o astral na Granja Comary. A confiança estava de volta e o otimismo em Teresópolis só foi quebrado devido à humilhação sofrida por Barbosa, 43 anos após o “Maracanazo”.

O ex-goleiro recebeu um cachê para ser levado pela BBC, de Londres, a Teresópolis com a finalidade de fazer um registro dele ao lado de Taffarel. Eu acompanhava tudo de perto e vi o constrangimento de Barbosa. Aos 72 anos de idade, ele foi impedido por Parreira de falar com o então titular da camisa 1 da seleção.

Zagallo se comportou de forma mais humana. Não era de agradar ninguém, mas foi ao encontro de Barbosa. Os dois conversaram por certo tempo. Barbosa sempre lembrava que, no Brasil, a pena máxima por qualquer delito era de 30 anos, mas ele pagava a dele havia mais de 40 por um crime que jamais cometeu. Apenas levou um gol que impediu o país de comemorar, em casa, o seu primeiro título mundial.

Veio o tão esperado jogo! O placar eletrônico anunciava: 101.670 pagantes, fora os eternos penetras. Maracanã lindo, entupido de gente. Clima tenso, com muita gente da imprensa trazendo à tona os fantasmas de 1950.

Em campo, Romário mostrou toda a sua genialidade. Marcou os dois gols da partida. O primeiro, de cabeça. O segundo, driblando o gigante goleiro Siboldi. Ainda chutou na trave, deu lençol, passou a bola por entre as pernas de um marcador. O normalmente contido Sérgio Noronha, “Seu Nonô”, me puxou pelo braço e sussurrou:

“Esse baixinho é foda! Foda!!!”

Sem sombra de dúvidas, foi um momento histórico que abriu caminho para que a seleção conquistasse, no ano seguinte, mesmo a duras penas, o seu quarto título mundial. Uma conquista entalada na garganta do povo nacional havia 24 anos.

O Brasil tinha à época os dois maiores atacantes do mundo e isso fez toda a diferença: Bebeto e Romário. Os dois já haviam arrebentado na Copa América de 1989. Pena que não continuaram brilhando juntos após o Tetra.

Em 1995, Parreira se afastou do comando. Zagallo assumiu, mas a rixa não teve fim. Romário, mesmo sendo o melhor do mundo, padeceu meses sem ser convocado. No ano seguinte, Olimpíadas de Atlanta. Zagallo descartou Romário para levar Aldair, Rivaldo e Bebeto como os três jogadores acima de 23 anos, o que a Fifa ainda permitia. Bebeto foi o artilheiro da competição, junto com o argentino Hernán Crespo, mas o Brasil, eliminado pela Nigéria, ganhou apenas a medalha de bronze.

Em 1997, Zagallo acusou Romário de simular contusão e o barrou na decisão da Copa América, contra a Bolívia, escalando Edmundo em seu lugar. Um ano depois, cortou o Baixinho da Copa do Mundo da França após o atacante realmente se contundir durante um jogo do Flamengo em Friburgo. Romário chorou. Garantia que se recuperaria a tempo de jogar o Mundial. Não o ouviram. O craque voltou às pressas ao Brasil e, provando que tinha razão, jogou pelo Flamengo durante o Mundial, inclusive marcando gol. A seleção perdeu a Copa para a anfitriã do torneio.

Após a derrota acachapante – França 3×0 –, Romário abriu uma boate na Barra da Tijuca colocando na porta dos banheiros caricaturas de Zagallo e Zico, então coordenador técnico da seleção no Mundial e responsável direto por lhe noticiar seu corte. Os desenhos? Zagallo sentado na privada – como quem quer dizer que fez merda – e Zico segurando o rolo de papel higiênico – dando a ideia de que coube ao Galinho limpar aquela “cagada”. O caso parou na Justiça.

Romário ainda poderia ter ido à Copa do Mundo da Coréia e do Japão, mas Felipão o preteriu após longa conversa com Ricardo Teixeira, depois de o Baixinho ter se recusado a disputar um amistoso. Ronaldo, às voltas com graves contusões, mesmo sendo uma incógnita, teve seu nome confirmado na competição. E menos mal que voltou ao Brasil com a taça na mão e a artilharia da Copa, sagrando-se pela terceira vez o melhor jogador do mundo.

Mas que o país queria ver em campo a dupla Ro-Ro, ah, isso todo mundo queria. O Brasil foi penta, mas a conquista teria sido bem mais bonita com os dois juntos no ataque.

FRIAÇA SOBRE A FINAL DA COPA DE 50: ‘AINDA SONHO, MAS NÃO ADIANTA’

Faria anos hoje o grande ponta Friaça. Brilhou no Vasco, no São Paulo e na Ponte Preta. Foi dele o gol do Brasil na fatídica partida contra o Uruguai na final da Copa de 50. Conheça um pouco mais sobre este grande ídolo do futebol

por André Felipe de Lima


O pai apostava no filho como seu herdeiro no comando da fazenda. A aposta era alta e consistia, inclusive, em um curso de agronomia para garantir a boa sucessão. Mas o destino é maroto. Nada e fazenda e tampouco faculdade. Como em milhões de casos Brasil afora, sempre ela, a bola, deu as cartas. Como precisava estudar, deixou a formosa Porciúncula, no interior do Estado do Rio de Janeiro, rumo a Carangola. Entre uma aula e outra, o gosto por correr atrás de uma bola de futebol. Não tinha jeito, o jovem Albino Friaça Cardoso, mais o amigo Elgen, com quem formava uma ala direita de respeito no colégio, só queriam jogar. Nada de estudo. Mas a importância dos dois garotos para a pequena cidade pode ser exemplificada pelo seguinte episódio descrito pelo jornalista José Luiz Pinto: “Por achar que Friaça não ia bem naquele colégio, ou simplesmente por que pensou em transferi-lo para outro, o pai dele foi a Carangola com esse objetivo. Quase houve reunião de diretoria, e o velho Friaça teve uma surpresa ao ver que o filho já era tão importante. Elgen, muito mais adiantado, já ganhava seus cruzeiros como professor de português e matemática, mas o único jeito que a direção do colégio encontrou para impedir a saída de Friaça foi oferecer-lhe o estudo gratuito. Estava contornada a situação e o quadro do colégio continuou a atuar com a ala Elgen e Friaça.”

Corria o ano de 1943, quando o Vasco apareceu em Carangola para um jogo amistoso. O time do colégio cedeu seus dois craques para o time da cidade, o Ipiranga, enfrentar o poderoso esquadrão cruzmaltino. Os dois jogaram. E muito. Freitas, olheiro vascaíno, nem pensou muito, foi logo oferecendo a proposta aos dois garotos para testes em São Januário. Nada estava, contudo, garantido. Mas, para dois meninos do interior, nada como uma boa aventura na então capital federal.

A presença de Friaça e Elgen foi tão convincente que ambos, em apenas três meses, garantiram vaga no time amador do Vasco, que tratou de segurá-los com um contrato da categoria de não-amador. Em 1945, os dois jovens fizeram parte do time vascaíno campeão estadual de aspirantes. Repetiriam o feito no ano seguinte e, em 1947, ano em que começaram a atuar pelo time profissional, fazendo parte do elenco campeão carioca de 1947. Ou seja, Friaça e Elgen levantaram dois troféus estaduais em um único ano.

Elgen, tempos depois, deixaria o futebol, optando por manter uma padaria em Natividade, perto de Porciúncula. Já Friaça amava o futebol tanto quanto a vida no campo, em Porciúncula, onde nasceu no dia 20 de outubro de 1924. Sua vida era o Vasco, ao lado de companheiros como Djalma, Maneca, Lelé, Chico e, posteriormente, Ademir de Menezes. Todos atacantes responsáveis pelo fortíssimo ataque do Expresso da Vitória, alcunha da equipe vascaína base da seleção de 1950 apontada como a melhor do País na época. Em São Januário, Friaça também conquistou o primeiro campeonato sul-americano de clubes, em 1948.

O atacante tinha como principais qualidades a precisão nos passes, chutes — que diz ter aprendido com Jair Rosa Pinto — e cruzamentos, além de ser habilidoso e rápido.

Quem diria… Friaça era torcedor do América. Desfilava em São Cristóvão exibindo um cinto, presente que ganhou quando morava em Carangola, e que estampava na fivela as letras A.F.C.. Simplesmente as iniciais de América Futebol Clube. Jogava no Vasco, titular absoluto, Friaça estava “dando sopa” no saguão de São Januário, quando um cartola lhe importunou por que usava um cinto do América se jogava no Vasco. Friaça não deixou por menos: “Quem disse ao senhor que eu torço pelo América? Sou Vasco desde garotinho. Essas letras no cinto são as iniciais do meu nome, Albino Friaça Cardoso.”


No Vasco, Friaça sentia-se em casa, mas o craque amadureceu e sentiu-se valorizado. Pediu aumento dos valores das luvas. O companheiro Elgen fez o mesmo. Friaça insistia em 160 mil cruzeiros e o Vasco não ia nem a 100 mil, ficando nos 96 mil. O impasse perdurava, sendo que, justamente naquela época, o Vasco excursionava pelo México. Na volta ao Brasil, Friaça desembarcou diretamente para Porciúncula ao invés sem, porém, prosseguir na discussão contratual com os cartolas vascaínos. Nenhuma das partes cedeu.

Em sua fazenda, Friaça recebeu um telefonema do ex-jogador vascaíno e agora olheiro Figliola, que dizia ao craque ter comprado seu passe e o oferecido ao São Paulo. Tudo dependeria apenas — dizia Figliola — de ele, Friaça, aceitar ou não jogar no futebol paulista. Friaça imaginaria tudo, mas não abandonar o Vasco daquele jeito, repentinamente desconfortável.

O São Paulo o queria e, ademais, o negócio já estava feito. Era inicio da temporada de 1949 e o Tricolor, de Bauer, Remo, Pone de Leon, Teixeirinha e o velho [e ainda craque] Leônidas da Silva, estava disposto a manter a hegemonia estadual, como escreveu o repórter José Luiz Pinto, em 1951, recordando o episódio da saída de Friaça do Vasco. “Falando ao telefone, um tanto atordoado com o inesperado da situação, Friaça acabou aceitando. E assim, quase contra a vontade, lá se foi o craque para a Paulicéia, iniciar uma nova fase de sua carreira esportiva, que por sinal não foi das mais favoráveis. Friaça não conseguiu acertar em São Paulo, sempre em luta com contusões, sem conseguir jamais recuperar a forma, e consequentemente sem aparecer com o destaque que lograra aqui no Rio. Mesmo assim, lutando contra a adversidade, ainda chegou a integrar o selecionado paulista, naquele campeonato brasileiro antes da Copa do Mundo. Mas a realidade mesmo é que ele não se dera bem em São Paulo, sendo que nos últimos tempos chegara a tal apatia pela bola, que pensou seriamente em retornar definitivamente a Porciúncula. Com a fazenda à sua espera, Friaça achou que já era tempo de encerrar a sua aventura pelo futebol. E, quando o Vasco esteve em S.Paulo, Friaça contou suas mágoas a Ademir e ao velho Menezes. Contou que não estava bem física e tecnicamente e que achava extremamente difícil uma recuperação naquela altura: ‘Volto para Porciúncula, ‘seu’ Menezes’. Mas Ademir e o pai, após muito trabalho, convenceram o craque de que tudo ainda podia ter jeito, que bastaria uma mudança de ambiente para a vida parecer diferente ao jovem atacante. Também o Dr. Giffoni entrou com seu conselho e ficou combinado que de volta ao Rio seria tratada junto ao Vasco a sua volta ao Rio. Tudo deu certo e, em São Januário, Friaça entrou nos eixos, recuperando rapidamente a condição física, e voltando à forma técnica, mercê do ambiente de São Januário. Foi uma recuperação completa e dentro em pouco Friaça deixou de lado por algum tempo os seus planos de voltar ao campo.”

Apesar de não estar ambientado na terra da garoa, Friaça ajudou o Tricolor a faturar o campeonato paulista de 1949, quando terminou a competição como artilheiro, assinalando 24 gols. Sua passagem pelo clube foi curta, porém marcante. Com 0,727 gols por partida [48 gols em 66 jogos], Friaça mantém a terceira melhor média de gols da história do São Paulo, atrás apenas da longínqua marca de Friedenreich [0,814], que corresponde a 66 gols/ 81 jogos, e da assinalada mais recentemente por Luis Fabiano [0,737], com 118 gols em 160 partidas.

Veio 1950… e com ele o casamento com Maria Helena — de quem nunca se separou — e a esperança de ser campeão do mundo. E na sua própria terra. O País inteiro era uma festa. Preparamo-la para aqueles que deveriam fazer do Brasil a pátria do futebol, com aquele que seria um título incontestável. A Copa começou. Superamos Espanha e Suécia, respectivamente, por 6 a 1 e 7 a 1, no quadrangular final da competição. Bastaria empatar com o Uruguai no derradeiro jogo para comemorarmos o título.

“De sexta para sábado e do sábado para o domingo, dentro do bar do Vasco da Gama, na concentração em São Januário, eu assinei autógrafos como ‘campeão do mundo’. Assinei!”. Friaça assinou de tudo. Camisas, bolas, faixas, fotos, como descreveu o repórter Geneton Moraes Neto.

Chegara o dia 16 de julho de 1950. Tínhamos, além de Friaça, Ademir de Menezes, Zizinho, Bauer, Danilo, Bigode, Juvenal, Chico, Barbosa… um timaço. Do lado uruguaio, Schiaffino [o que tinha de craque, tinha de esnobe, diziam os próprios companheiros dele], Ghiggia, Julio Perez [que faria relativo sucesso tempos depois no Internacional], Gambetta e ele… Obdúlio Varela, o grande capitão. Na hora do hino dos dois países, com os dois escretes perfilados, a bandeira do Brasil estava hasteada de cabeça para baixo, garantiu o goleiro Barbosa. Péssimo sinal. Muito mal mesmo.

A peleja começou “mordida”, tensa e com os dois times receosos, nenhum dos craques mencionados jogou bem. Resultado, 0 a 0. “Tremi vendo muita gente boa tremendo na minha frente.”

Começou a segunda etapa e Friaça marcou o primeiro gol do jogo, logo aos dois minutos de bola rolando. “A emoção foi tão grande que só me lembro de uma pessoa que veio me abraçar: César de Alencar, o locutor. Quando a bola estava lá dentro, ele gritou: ‘Friaça, você fez o gol!’ Naquela confusão, ele entrou em campo e me abraçou. Nós dois caímos dentro da grande área […] Ali nós já éramos deuses […] Gravei bem o lance do meu gol contra o Uruguai, porque este é o tipo de coisa que a gente guarda. Eu tinha potência na perna direita, graças a Deus. Quando vi, Máspoli, o goleiro do Uruguai, tinha saído. Bati forte na entrada da área — do lado direito para o esquerdo. A bola entrou. O lance tinha nascido de uma combinação minha com Bauer. Assim: Bauer tocou para mim, eu toquei para o Zizinho — que tocou, na frente, para mim. Antes de entrar na área, bati na bola. Tive a felicidade de marcar!”


Delírio no Maracanã. Uns choravam de felicidade, outros pulavam, gritavam. Seríamos campeões. Não tínhamos dúvidas disso. Amávamos nossos craques. Mas o que não esperávamos era Schiaffino empatar o jogo para os uruguaios. Engolimos a seco. Vidente ou não, quem estava naquele estádio, naquele dia, naquele hora, naquele minuto após o gol da “Celeste Olímpica” sofria com o pressentimento mortal. Santo Agostinho, o primeiro filósofo cristão, nos alertava há milênios: “Sofro por ter derramado minha alma na areia e por ter amado um mortal como se ele não fosse morrer”. Estávamos assim, no Maracanã, crentes da imortalidade. Apenas 10 minutos. Esse era o tempo que nos separava da imortalidade. Mas, pela ponta direita, diante os desavisados “arcanjos” Bigode e Juvenal, surgiu o algoz vestido de azul celeste. Ghiggia chutou, entre a trave e Barbosa… gol.

“Eu me lembro de lances que poderiam ter mudado a história do jogo. Eu era um jogador que tinha noção dos passes, principalmente os de perna direita. Houve um lance em que fiz um passe certeiro, para Ademir entrar de cabeça. Eu, naquele estado de nervos, tinha certeza de que Ademir, com a facilidade que tinha para jogar, faria o gol. Mas Ademir praticamente devolveu a bola para mim. A bola voltou na mesma direção! Por aí, dá para ver o estado em que os jogadores do Brasil se encontravam, naquele momento, a dez, quinze minutos do fim da partida. Naquela altura, era tudo na base do ‘valha-me Deus’, porque ninguém entendia nada.”

Nosso olimpo ruiu. Descobrimos que éramos mortais. Restou-nos o silêncio. O trauma foi grande. Nunca mais perdoariam o goleiro Barbosa, o lateral-esquerdo Bigode e o zagueiro Juvenal. Injustiça com os três. Após o inglês George Reader apitar o final do jogo, Friaça apagou. Não que tivesse desmaiado, mas parecia um zumbi no gramado. Como conseguiu chegar à sede do Vasco, em São Januário? Talvez nem o próprio Friaça saiba ao certo. “O trauma foi enorme. Vim para o Vasco. Fiquei, em companhia de outros jogadores, andando de noite em volta do campo, ali na pista. O assunto era um só: como é que a gente foi perder com um gol daqueles?”

Ele, Rui Campos, Noronha e Bauer contornavam o gramado de São Januário, completamente sem eira nem beira. Conversavam em busca de uma justificativa para o improvável: a perda do título. Friaça sentira, talvez, mais que os outros porque fora dele o gol do Brasil. O gol que por pouco não consumou a Copa para o Brasil. A Geneton Moraes Neto, ele confessou ter sido aquele dia o “momento mais duro” de toda a sua vida: “Só me lembro de que a gente subiu para o dormitório. Eram umas 11 da noite. Troquei de roupa e me deitei. Não me lembro de nada do que aconteceu depois. Quando dei por mim, por incrível que pareça, eu estava em Teresópolis, no meu carro. Passei pela barreira, fui para um hotel. Quando perguntaram: ‘Friaça, o que é que você quer?’, eu simplesmente não sabia onde estava. Só sabia que estava debaixo de uma jaqueira, no terreno do hotel. Não sei como é que saí com meu carro da concentração. Não sei como fui bater em Teresópolis. Um médico que era prefeito de Teresópolis é que me deu uma injeção. Comecei a saber onde é que estava uns dois dias depois. O pior é que eu também não sabia. De 64 quilos eu passei para 59.”


Friaça deixou a todos muito preocupados. Após o Maracanazo, ficou cinco dias sem enviar aos parentes notícias de seu paradeiro. O mesmo tempo em que estava desmemoriado. Tudo se acalmou quando chegou à Porciúncula. Não soube explicar, contudo, como perdeu a memória. “Deu um branco”. Suspeitou a vida toda tê-la recobrado quando repousava sob a sombra de uma jaqueira. Apenas uma vaga suspeita. Apenas.

Concentrara-se na fé de que receberia a premiação prometida após a final contra os uruguaios. Fizera um gol na decisão e o jogador responsável pelo feito ganharia um terreno, no Leblon. O artilheiro do jogo também levaria para casa um televisor [artigo de luxo, na época, talvez mais importante que o tal terreno], oferecido pela loja A Exposição. Friaça buscou os seus direitos. Queria o terreno e a televisão. Mas ouviu, como resposta, que só levaria os prêmios se o Brasil saísse de campo com a posse da taça Jules Rimet. E sabemos que esta ficou nas mãos do capital uruguaio Obdúlio Varela.

Sem terreno, tudo bem. Tinha uma fazenda enorme em Porciúncula. Mas a televisão era novidade para poucos. Não a deram como prêmio ao Friaça, e ele — talvez de birra — decidiu comprar uma. “Nós, os jogadores, sofremos em todos os cantos, porque, para onde a gente ia, ouvia só duas palavras: Obdúlio, Uruguai.”

DE VOLTA À FAZENDA

Friaça ainda jogou futebol durante mais alguns anos. Após o São Paulo, passou pelo Vasco, Ponte Preta e encerrou a carreira no Guarani, de Campinas, no interior paulista, em 1958. Ao colunista Adriano De Vaney, disse: “Acomodei-me em Campinas. Lá espero viver o resto de minha vida. Sou casado, tenho uma filhinha de 4 anos, Campinas é uma cidade pacata, de hábitos bons, e eu já me afiz à índole de deu povo. O que quero é tranquilidade de espírito, e isso eu encontrei definitivamente”. O que se sabe é que Friaça retornou a sua Porciúncula e hoje mora em uma casa rosa, número 111 da rua Carlos Pinto Filho, mas o futebol nunca saiu de sua vida. Virou técnico do Porciunculense [ex-Fluminense local], nos anos de 1970 e 80. Volta e meia apareciam por lá craques de sua época, como Biguá e o paraguaio Modesto Bria, ambos ídolos do Flamengo; Ipojucan, Jair Rosa Pinto e Ademir de Menezes, amigos dos tempos do Vasco, para disputarem uma pelada.

Friaça transformou-se, contudo, em um empreendedor. Abriu uma lojinha de materiais de construção, mas o tino para os negócios não era seu forte. Passava horas conversando com os clientes sobre futebol. Com o tempo, o filho caçula, Ronaldo, assumiu a direção da loja, que hoje é a maior da cidade, com filiais em Campos e Itaperuna.

Mas o destino lhe impôs outra perda. Mais dolorosa que a do dia 16 de julho de 1950. Em 1992, seu filho Ricardo, com apenas 33 anos, morreu durante a prática de voo livre, em Porciúncula. Muito abalado, como descreve reportagem de Thiago Dias, Friaça foi buscar conforto no álcool. Como já fumava muito, já não faltava mais ingrediente para minar sua saúde. Anos depois, perdeu a visão do olho direito e, em 2006, sofreu um acidente vascular cerebral, que o impediu de movimentar-se.

Friaça é a personagem mítica da pacata cidade do interior fluminense. Lá, ele dá nome ao estádio de futebol, à maior loja da cidade e até ao enredo de uma escola de samba. Em sua casa, sob os cuidados da zelosa Maria Helena, sua primeira namorada e companheira de toda a vida, toma seus remédios com dificuldade. No quarto em que repousa, estão sua memória e o que sobrou de sua carreira vitoriosa, como menciona reportagem de Thiago Dias: o casaco da seleção usado na Copa de 1950 repleto de medalhas penduradas, a bermuda que vestiu na final no Maracanã e a faixa de campeão sul-americano [invicto!] de 1948, pelo Vasco.

O grande ponta-direita do Vasco — seu time de coração —, do São Paulo e da seleção brasileira nunca esqueceu o dia 16 de julho de 1950 e tampouco o título vascaíno de 48. Em vários pontos da casa há uma menção aos dois episódios, inclusive a faixa de campeão sul-americano de clubes, conquistada após o empate de 0 a 0 com a poderosa “la máquina” do River Plate, de Labruna, Losteau e Di Stefano, e o uniforme da seleção de 50, um “sonho” que nunca se apagou, como confessou, antes de sofrer o AVC, ao repórter Geneton Moraes Neto, que perguntou a Friaça se ainda sonhava com o dia daquela final contra os uruguaios: “Foi um sonho… sonhei… ainda sonho, mas não adianta.”

O filho Ronaldo também sonha: “Se o Brasil tivesse sido campeão, a estátua no Maracanã poderia ser do meu pai”. Melhor exprimem a trajetória de Friaça as letras harmoniosas de “Consolo na praia”, do poeta maior Carlos Drummond de Andrade:

Vamos, não chores…

A infância está perdida.

A mocidade está perdida.

Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.

O segundo amor passou.

O terceiro amor passou.

Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.

Não tentaste qualquer viagem.

Não possuis casa, navio, terra.

Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,

em voz mansa, te golpearam.

Nunca, nunca cicatrizam.

Mas, e o humor?

A injustiça não se resolve.

À sombra do mundo errado

murmuraste um protesto tímido.

Mas virão outros.

Tudo somado, devias

precipitar-te, de vez, nas águas.

Estás nu na areia, no vento…

Dorme, meu filho.

Friaça morreu no dia 12 de janeiro de 2009, no hospital São José do Havaí, em Itaperuna, interior do Estado do Rio, devido a uma pneumonia. Em Porciúncula, tudo lembra o craque. O estádio de futebol, carinhosamente chamado de “Friação”, e as lojas Friaça Center.

Para os moradores da pequena cidade, só há um grande ídolo, um filho dileto.

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O GOL DO FRIAÇA NA FINAL DA COPA DE 50