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Copa do Mundo

AMOR, PAIXÃO, TRISTEZA E DESILUSÃO

por Mateus Ribeiro


Já faz um tempo que me apaixonei pelo futebol. Não sei a data exata, mas já faz mais de vinte e cinco anos. Uma vida inteira.

Como acontece em (quase) todos os relacionamentos amorosos, existem idas e vindas, risos e choros, mas no final das contas, o amor prevalece. Um sentimento que poderia ser traduzido através do clássico “Entre Tapas e Beijos”, da dupla Leandro e Leonardo. E dentre esses beijos,os mais tórridos que dei em minha paixão aconteceram de 4 em 4 anos. A Copa do Mundo servia como motel durante um mês. Aqui, neste texto, falarei sobre tudo que aconteceu no nosso quarto francês, no ano de 1998, já que a Copa disputada na França foi a que mais me fez sentir tudo o que uma relação de paixão pode trazer.

Devo dizer que em 1994, por ser minha primeira Copa, como em todo começo de namoro, tudo foi uma maravilha. Até o Brasil sendo campeão serviu para criar um horizonte de perfeição intocável. O time que eu torcia era invencível, eu só via jogo bom, um monte de craques desfilando um bom futebol, e belíssimos uniformes me deixaram enfeitiçado por um mês. Após o primeiro término, esperei os quatro mais longos anos da minha nada mole vida para viver a primeira reconciliação.

Após muitos meses de espera, eis que chega o período pré Copa. Aproveitava meu talento em cumprir bem minha obrigação de ser bom aluno, e cobrava para fazer trabalho de escola pros alunos mais preguiçosos. Todo o dinheiro arrecadado tinha uma finalidade: comprar figurinhas para o álbum oficial da Copa do Mundo. Como na época a Internet e a TV por assinatura eram sonhos impossíveis para a minha realidade, utilizava os dados contidos no álbum para descobrir até a data de aniversário dos jogadores.

Enfim, chega o dia da estréia. Meu amor Brasil entra em campo contra a Escócia. Achei que fosse ser vida fácil, mas quase que o boi deita na estreia. Aparentemente, depois de um gol bem confuso de Cafu, tudo ficaria mais tranquilo.


Após a primeira partida, tinha que acompanhar minhas pretendentes remanescentes de 1994, Bulgária e Romênia. Devo dizer que a Bulgária estava bem diferente de quatro anos atrás. Mais chata, burocrática, e parecia não haver muita possibilidade de uma volta. Cheguei a pensar “como um dia me apaixonei por quem hoje despreza tanto minha pessoa (e a bola)?”. A relação acabou quando conseguiram apanhar de 6 da sempre sem sal Espanha. Ambos arrumaram as malas e partiram pra longe após o jogo.

Já a Romênia parecia estar mais madura, mais atraente. Porém, após alguns flertes, resolveu mudar um pouco o visual. Não deu muito certo, e coube a Croácia (que viraria minha paixão de inverno) terminar minha relação com a Romênia de forma mais amena.


Voltando ao meu primeiro amor (Brasil sil sil), a primeira decepção foi a derrota para a Noruega. Para deixar tudo mais triste, a derrota foi no mesmo dia (ou na mesma semana, não me recordo) da morte do Cantor Leandro, um fato que comoveu muita gente, e me fez ouvir a música “Um sonhador” por horas a fio. Inclusive dei o play nela agora. Mesmo após a derrota, que contou com um show de Galvão Bueno reclamando de uma penalidade máxima para os Escandinavos, a classificação estava encaminhada. Foi por pouco que não tive que pagar o motel e voltar pra casa. Pelo menos iria pagar metade do preço.

Já que as outras pretendentes haviam ido embora, criei vergonha na cara e resolvi dar atenção exclusiva para meu único amor. E a próxima seleção que tentaria destruir esse amor foi o Chile. Se você tem menos de 20 anos e se impressiona com esse time aí comandado por Vidal e Sanchez, saiba que apesar de Salas e Zamorano, o Chile era o patinho feio da turma. Basicamente, é aquela pessoa que ninguém dá bola no colegial, e depois de 20 anos pensa que é galã. Enfim, uma paulada com direito a show de César Sampaio colocou os chilenos no lugar deles.

A segunda crise foi ocasionada pela irresponsabilidade. Roberto Carlos foi empinar sua bicicleta e quase jogou tudo pro alto. Ainda bem que Rivaldo ajudou na reconciliação, apesar dos esforços da Dona Dinamarca em me seduzir.


Passado o susto, eis que aparece a sempre formosa Holanda. Por pouco que o suco não ferve, mas o que azedou mesmo foi o suco de laranja, graças ao Santo Taffarel. Agora era só ganhar dos donos da casa para concretizar o casamento.


Acontece que o final de tudo foi trágico. Desde o fato de ninguém saber o que aconteceu na tarde da final (foi a primeira vez que eu ligava e o mozão não atendia as ligações) até o Roberto Carlos batendo balãozinho, passando pelo gol daquele careca maldito que eu nunca tinha ouvido falar na vida, a porrada foi dolorida. Mas nada, nada foi pior do que tomar um gol do Petit. Me senti trocado pelo meu pior inimigo. Senti algo como chegar no baile e dar de cara com minha ex aos beijos com o jovem feioso da rua de baixo.

Foi o pior fim para uma relação que eu achei ser perfeita.

O lado bom de tudo isso é que descobri outros amores, como a Croácia e a Iugoslávia. Pena que tal qual meu coração, a Iugoslávia foi dividida em pedaços, e não me encantou mais. Quanto à Croácia, só fez barulho, bagunçou e foi embora, como todas as minhas paixões da vida real.

Sobre o Brasil, foi o último ato. Depois de sair do motel em 1998, nunca mais torci para os cordeirinhos da Nike e da CBF. Não torço para se dar bem, se tornou aquela ex que eu amei muito um dia. Não tenho a mínima pretensão de voltar, visto as decepções que sofri. A sutil diferença é que as ex namoradas eu não sei e nem quero saber do rumo que tomaram. Já a Seleção eu acho um barato quando perde, e espero que perca em todas as outras Copas que disputar.


Até tentei descobrir novos amores, mas após alugar quartos de motéis no Japão , na Coréia do Sul e na Alemanha, nunca mais senti vontade de deitar na cama redonda que a Copa me oferecia. Hoje, a Copa do Mundo se tornou basicamente um almoço na casa da família da namorada pra mim. Começa bem chato, no meio eu me acostumo, mas não vejo a hora que acabe. e quando acaba, não sinto a mínima falta.

Vamos aguardar para ver se a Rússia reacende essa chama dentro de mim.

Até a próxima!

LUQUE, DA TRAGÉDIA À ALEGRIA EXTREMA NA COPA DE 78

por André Felipe de Lima


Mais que o atacante Mario Kempes, o goleiro Fillol ou o capitão Daniel Passarela despertou-me a atenção na seleção da Argentina campeã do mundo em 1978 o meia Leopoldo Luque, que completa 68 anos nesta quarta-feira (3). Podem dizer que houve mutreta favorecendo os argentinos. E, lamentavelmente, houve mesmo. Mas não há como questionar: aquela seleção “blanca y celeste” tinha um timaço. Não precisava de subterfúgios ou manobras para levantar aquela Copa. Mas Luque cumpriu o seu papel de craque. Foi ele um dos homens da confiança do técnico César Luiz Menotti. Jogou como um leão, como rege a louvável cartilha futebolística dos “hermanos”.

Ídolo do River Plate, Luque foi da tristeza profunda à alegria extrema naquele Mundial. Dias após marcar o gol decisivo contra a França, recebeu a notícia da morte de um irmão. Menotti poupou o craque em dois jogos para que se recuperasse do trauma. Ouviu de “El Flaco” (como chamavam Menotti) o seguinte: “Yo lo conozco bien a usted, es un tipo duro, siempre la tuvo que pelear”. Traduzindo: “Eu o conheço bem, é um cara duro, que sempre teve que lutar.”


Luque ergueu a cabeça e foi peça essencial da Argentina no controverso jogo contra o Peru, em que marcou dois gols da goleada de 6 a 0, e na vitória contra a Holanda, na final.

O drama de Luque sensibilizou os argentinos, que fizeram do ídolo o símbolo daquela grande conquista, que, frise-se aqui, não precisava da interferência dos ditadores do país nos resultados. Mas um fato jamais será olvidado: a camisa número 14 que o genial Cruyff recusou-se a vestir pela Holanda, vestiu-a pela Argentina Leopoldo Luque. Assim se fez um campeão do mundo.


EXCELENTE ENTREVISTA DE LUQUE PARA A EL GRÁFICO
http://www.elgrafico.com.ar/…/C-18291-leopoldo-luque-100×10…

PÉS NO CHÃO

por Mateus Ribeiro


Tite está invicto no comando da seleção brasileira

Sonhar é bom. Manter os pés no chão, melhor ainda. A seleção brasileira passa por um bom momento. Venceu os últimos jogos das Eliminatórias com autoridade ímpar. O clima é de empolgação por parte de torcedores e da imprensa (como sempre). Não se pode negar que existe a troca de comando modificou muita coisa.

O time, com praticamente os mesmos jogadores, agora rende muito mais, o que causa uma dúvida: será que Neymar e seus amigos faziam corpo mole na gestão Dunga? Claramente jamais ouviremos tal hipótese, visto que agora não temos mais jogadores, e sim heróis de verde e amarelo. É claro que temos bons nomes. Neymar é ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo um dos três jogadores que podem carregar um time nas costas. Desses três, o brasileiro é o que conta com melhores companhias.

Não podemos ignorar também que nomes como Gabriel Jesus e Coutinho estão indo muito bem, e enchem de esperança quem tanto sofreu torcendo para o selecionado da Nike durante os últimos anos. O que não pode ser ignorado de maneira alguma é que apesar da melhora evidente no futebol apresentado, os adversários enfrentados estão longe de enfiar medo em alguém.


O trio ofensivo da seleção tem dado trabalho aos marcadores

Apesar da Argentina contar com Messi, já faz um bom tempo que até nos piores momentos da canarinho, os vizinhos são atropelados. De resto, a vitória em Quito contra o Equador merece elogios. Porém, transformaram o triunfo em um desafio de Hércules. Não custa lembrar também que exatos dez anos atrás, estávamos no céu. A seleção era a melhor desde 1982 na boca de muita gente. Os títulos seguidos das insossas Copa das Confederações fizeram muita gente sonhar (e falar besteira) de maneira desenfreada. O resultado todos sabem: em um dia péssimo para o futebol brasileiro e ótimo para Zidane, a França mostrou que oba-oba não vence (e nunca vencerá) nada.

Já exista quem fale em hexa. A possibilidade existe, visto que muitas seleções sofreram declínio nos últimos anos, casos de Espanha, Holanda, Argentina, Uruguai e Itália. Porém, vale lembrar que se aqui as coisas mudaram em apenas seis meses, por lá as coisas podem mudar também. Afinal, até mesmo a falta de organização que tanto contribuiu com o enfadonho 7 a 1 já não aparece mais no discurso dos pachecos.


A corrupção da CBF, que tanto atrapalhava, aparentemente acabou. A seleção atingiu o Nirvana. Tudo isso com vitorias que não são menos que obrigação de quem sempre se orgulhou de ter a camisa mais pesada do futebol mundial, e que atualmente conta com estrelas de cinema que ganham zilhões de reais, dólares e euros. Os adversários também ganham isso? Ganham. Em proporção menor. E Peru, Colômbia, Bolívia e Equador não são obrigados a ganhar da seleção brasileira, mas sim o contrário.

Isso não acontecia com técnicos anteriores? Não. O que não anula o fato de ser obrigação chutar cachorro morto. Não sou nenhum urubu. Não quero jogar praga. Mesmo porque o cenário está muito mais claro do que até meses atrás. Sem cair naquela ladainha de que a seleção voltou a ter o amor, a confiança da torcida, até porque brasileiro não gosta de torcer, gosta de ganhar. Mas as chances de melhora, ao menos nessa geração, são reais.


Oscar é consolado por Lahm após a goleada alemã no Mineirão

O que quero com esse texto é apenas relembrar todos vocês que tempos atrás todos sonharam. Todos falaram muito. Todos já davam como certo o sexto título mundial. Todos caíram do cavalo. E após os tombos (que se repetiram em 2010 e 2014), tudo de ruim foi atribuído a fenômenos do porte de apagão, pane, ao invés de reconhecer que dias ruins acontecem, e que derrotas são possíveis e mais normais do que se imagina. Sonhar é bom. Mas manter os pés no chão evita quedas abruptas.

CRAQUES DAS LENTES


Ismar Ingber

Dando sequência à série de fotógrafos que nos enviam belos registros sobre futebol, postamos quatro fotos históricas tiradas pelo parceiro Ismar Ingber, o aniversariante do dia! Flamenguista apaixonado, o craque dava trabalho para os marcadores, seja como ala ou como pivô, em um clube de Copacabana.

A paixão pela fotografia surgiu por acaso. Quando tinha 20 anos, um amigo o convidou para fazer um curso e, alguns anos depois, passou a dar assistência para um fotógrafo. A partir daquele momento, sua carreira decolou.

Estudou fotografia na School of Visual Arts of New York. Começou a trabalhar na Ed.Bloch, depois no Jornal do Brasil, onde também atuou como sub-editor e editor de fotografia. Como freelancer atende: COB, Coca-Cola, , Ed. Abril, Ed. Globo, H.Stern, Universal Channel, PETROBRAS, entre outros. Vencedor de um prêmio FINEP, organizou a exposição individual “Um Rio de Atletas” e participou das coletivas ¨Efiges¨, ¨Paisagens Inventadas¨ e ¨Fotógrafos Brasileiros”.

Tem fotografias publicadas no livros : “Rio de Janeiro–Retratos da cidade” ,”Mangueira, uma nação verde e rosa” e “Fotógrafos Brasileiros”.

Se o sucesso como fotógrafo não para de crescer, o mesmo não se pode dizer do desempenho nas peladas. Por já ter rompido o ligamento e também sentir fortes dores na coluna, precisou pendurar as chuteiras antes da hora. 

– O Pugliese brilhou em muitos gols graças aos meus passes! – lembra Ismar Ingber.

Confira as fotos:


O craque Júnior com a camisa da Juventus, time em que jogava nas areias de Copacabana


Em um trabalho de publicidade para a marca Monark, em um clube no Alto da Boa Vista, Pelé é clicado pelas lentes de Ismar.


Logo depois de marcar o golaço contra a Argentina, na Copa América de 2004, Adriano posou para o registro de Ismar.


Ismar registrou o exato momento em que Edmundo discute com o árbitro Luís Antônio Silva Santos, o Índio.

A DERROTA ETERNA

por Cláudio Renato


Era difícil dormir com um silêncio daquele. E Zizinho passou muitas noites em claro. Ao fim do trágico crepúsculo de 16 de julho de 1950, não se lembrava como chegara em casa. Deve ter caminhado muito. Do Maracanã até a estação das barcas de Niterói, na Praça XV de Novembro, a distância é de pelo menos dez quilômetros. Estava embriagado de tristeza, mas não chorou. Recordava-se apenas do vazio pesado e melancólico da cidade, vez em quando cortado por um tapinha nas costas, uma ou outra voz solidária, que parecia emergir de um pesadelo e lhe aumentava ainda mais o desespero: “Pois é, Ziza, não deu.”


Àquela hora, pouco antes das 8 da noite, Zizinho deveria estar feliz da vida, surdo de tantos fogos, bêbado de champanhe, encarapitado em carro oficial com os companheiros, agarrado à Taça Jules Rimet, ovacionado por centena de milhares de pessoas nas ruas e reconhecido como o maior jogador de futebol do planeta. Um gol desenxabido, chute torto do uruguaio Alcides Eduardo Ghigghia, aos 34 minutos do segundo tempo, pôs tudo a perder: a glória e a fortuna dos jogadores; a honra e a autoestima do povo brasileiro. Pensava desordenadamente enquanto esperava sozinho a partida da barca, como um semideus castigado, destituído do poder e transformado, em poucos minutos, em pobre mortal.

Cinquenta anos passados, o fiscal aposentado Tomás Soares da Silva nos recebeu, na primeira semana de junho de 2000, no apartamento humilde no bairro do Fonseca, em Niterói, na região metropolitana do Rio. Sereno, Zizinho lembrava em detalhes cirúrgicos aquela tragédia, o placar adverso de 2 a 1, que marcou e angustiou toda uma geração. Tentava explicar a anatomia daquela derrota – termo cunhado pelo filósofo gaúcho Paulo Perdigão, autor da obra mais completa sobre o tema. Seu Tomás morreria dois anos depois, em 8 de fevereiro de 2002, sem conseguir explicação convincente, mas tinha opinião muito direta.

– Os uruguaios eram melhores! – dizia o mulato sábio e elegante, então com 78 anos, o mais completo jogador brasileiro até o surgimento de Pelé, segundo o próprio Dondinho, pai do rei.

Havia três anos, Zizinho começara a elaborar “As Lições do Mestre Ziza – Evolução Tática do Futebol Brasileiro”, em que pretendia en passant, explicar a derrota.

– A certeza da vitória era tanta que me fizeram assinar mais de 2 mil fotos montadas com os dizeres Brasil Campeão!


Antes da final, a seleção brasileira aplicara no Maracanã, construído especialmente para a Copa, duas goleadas históricas: 7 a 1 na Suécia e 6 a 1 na Espanha, adversários contra os quais o Uruguai penara para não perder. Os brasileiros, em casa, jogavam só pelo empate.

Brasil derrotado diante de 200 mil pessoas no Maracanã, torcedores e cronistas trataram logo de eleger os culpados: o goleiro Barbosa, o zagueiro Juvenal e o meia-esquerda Bigode. Eles não acompanharam Ghiggia, o ponta-direita de 22 anos que chegou a dar sete passos com a bola antes de despachá-la fraca para o canto esquerdo do gol. Houve até a versão de um suposto tapa que Obdúlio teria desferido contra o rosto de Bigode, para extremar ainda mais a humilhação.

– Não vi tapa nenhum! – desconversava Zizinho.

Para Ziza, um consolo:

– Graças a Deus, nunca me crucificaram, mas culparam injustamente meus amigos!


Os “proscritos” viveram como Barrabás, carregando o peso de uma culpa imposta que nem o pentacampeonato mundial conseguiria aliviar. Moacir Barbosa morreu dois meses antes da nossa conversa com Zizinho. Ele passou a vida tentando explicar que não falhara no gol de Ghiggia. Bigode exilou-se em Minas. Juvenal, na Bahia. Augusto, capitão do time, não atendia ao telefone.

– Quem errou foi Ghiggia, que queria centrar a bola, chutou a grama e enganou o goleiro! – explicava Zizinho.

Apesar da derrota, Zizinho foi eleito o melhor jogador da Copa pelos correspondentes estrangeiros. A beleza plástica das jogadas foi comparada à das obras de Da Vinci. Ziza acreditava que o WM, sistema adotado por Flávio Costa, com a variação em diagonal, deixara o time vulnerável.

– O 4-3-3, criado em 1945 por Ondino Vieira, do Vasco, é a melhor disposição tática que o Brasil já teve. 


Maior ídolo da seleção na época, Zizinho só estreou no terceiro jogo da Copa de 50, contra a Iugoslávia, após o empate aziago de 2 a 2 com a Suíça no Pacaembu.

– Eu não tinha a menor condição de jogar; meu joelho estava inchado, deste tamanho!

Ziza, que tinha a perna direita mais fina desde 1946, por causa de uma distensão muscular, sofrera nova torção num treino contra o Flamengo.

– Entrei machucado, e o Brasil conseguiu vencer por 2 a 0! Jogava no sacrifício, mas nunca tomei injeção no joelho! – assegurava.

Ademir marcou os gols. Zizinho também fez um, erradamente anulado. 

Mestre Ziza, como era conhecido, gozava da confiança do técnico Flávio Costa, que o lançara no futebol profissional pelo Flamengo em 1939, após vê-lo participar de um treino no lugar do legendário Leônidas da Silva.

– Zizinho é o cérebro e o coração de qualquer time – dizia Costa.


O jogador não tinha dúvidas de que a política atrapalhara o escrete de 50.

– A concentração em São Januário vivia repleta de políticos, como Cristiano Machado, Adhemar de Barros e outros; no dia da final, tivemos que interromper o almoço várias vezes para ouvir promessas!

 O que mais irritara Zizinho foi o discurso do prefeito do Rio, general Ângelo Mendes de Moraes, que dizia ter construído o maior estádio do mundo e exigia, em troca, a conquista da taça.

– Fiquei com raiva; ele não era nosso dono, não tinha direito de fazer o que fez! – A estátua do prefeito que o próprio mandou erguer na frente do Maracanã foi derrubada por torcedores ao fim da partida.

Ziza lembrava que entrou tranquilo na final; não olhava o relógio, ouvia apenas o zunido do público. Ele considerava o esquema do Uruguai perfeito para a partida.

– Eles jogavam com um beque de espera e outro no avanço, estavam protegidos.

 Zizinho observou que a final da Copa de 50 solidificou a amizade entre os jogadores das duas seleções e rasgou elogios a Obdúlio, um jogador extraordinário e um homem como poucos, segundo ele!

 Os adversários passaram a se encontrar com frequência no Rio e em Montevidéo.

– Quase nunca falávamos daquele jogo, o Obdúlio detestava lembrar a data conosco; sabia o quanto o Brasil sofreu – ele jurava que mantinha conversas telepáticas com Obdúlio Varella.

De 1953 a 1957, com a saída de Domingos da Guia, Ziza tornou-se capitão da seleção brasileira, pela qual jogou 53 partidas oficiais e marcou 31 gols. Armador técnico, condenava os jogadores violentos que ocupam a posição, alegando que o guardião não pode fazer falta perto da área. Além disso, Zizinho se dizia furioso com o que considerava inverdades sobre a Copa de 50.


– A história de que Barbosa queimou as balizas do gol de Ghiggia num churrasco em Ramos é ridícula! Como poderia ter levado a baliza para casa? Para que queimaria as traves? – indagava Zizinho, que toda semana acendia uma vela em memória do goleiro. Outra história que desmentia é a de que os brasileiros almoçaram sanduíche de queijo no dia da decisão.

A concentração em São Januário era tão tumultuada, segundo Zizinho, que “a gente não tinha concentração nem para fazer balão.” Ziza, Nílton Santos e Alfredo eram os baloeiros.

– Se saísse da concentração, ninguém ligava; não fosse o empate com os suíços, eu não jogaria.

A algazarra da multidão era até um alento.

– Ficava mais tenso contra time pequeno; em estádio vazio, ouvem-se os insultos e palavrões. 

Ziza sustentava que o Brasil começara a perder a Copa quando Friaça fez 1 a 0, em um minuto e meio do segundo tempo. Segundo ele, deu um gelo na equipe, que imaginava ter cumprido o dever. O problema, argumentava, era que o Brasil nunca enfrentara uma seleção sul-americana numa final como aquela, o que torna difícil a compreensão da derrota. Além disso, Ziza rebatia a acusação de que faltaram, em campo, os berros de um Obdúlio a favor do Brasil.

– Grito não ganha jogo!

Indignado, Zizinho não entendia por que a imprensa deixara de cobrar as falhas do Brasil na derrota contra a França, na Copa de 98.


– O Zagallo diz que estava dormindo, quando o Ronaldo passou mal; o Lídio Toledo falou que, se cortasse o menino da partida, seria morto; o Roberto Carlos declarou que teve que meter o dedo na garganta do Ronaldo. Por que nada é questionado e só falam da derrota de 50? O Brasil já perdeu oito Copas depois daquela e a imprensa é cruel conosco; o Bigode só tem três amigos; o Barbosa, maior goleiro da história do Brasil, foi barrado por um molequinho (o goleiro Taffarel) nos preparativos da seleção e morreu só; por que tanta humilhação?

Para Ziza, a acusação contra Barbosa, Bigode e Juvenal teria sido “uma baixeza”. Mas ele não acreditava em racismo. Considerava “outra indignidade” o argumento de que as vitórias nas Copas de 58, 62 e 70 foram frutos da derrota de 50. O Brasil era injusto com todo mundo, na opinião de Zizinho. Ele dizia que na Europa os jogadores eram protegidos e citava o exemplo de Beckenbauer, eleito o melhor beque central de todos os tempos, apesar de ter jogado no meio-campo.

Não se falava bem de Diego Maradona com Ziza.

– Ele não foi nem o melhor jogador argentino a jogar na Itália, porque este foi Sívori, que ganhou três títulos pelo Juventus.

O melhor argentino de todos, para Ziza, fora Pedernera, que atuou na década de 40. Em compensação, falar mal de Pelé era arranjar um inimigo. Para ele, Pelé, Leônidas da Silva, Domingos da Guia e Nílton Santos eram os maiores craques brasileiros da história. Também não poupava elogios a Garrincha, mas tinha reservas em relação a Ronaldo Fenômeno.

– Atacante não pode ser o melhor se não cabeceia bem!

 O goleiro mais difícil que enfrentara fora mesmo Barbosa.

– Era frio demais; eu não tinha coragem de colocar a bola quando ele estava no gol.


Barbosa


Ziza contava que deixara de assistir a jogos no Maracanã havia mais de dez anos, com medo de passar a humilhação de ser barrado. De vez em quando, convidado pela diretoria do São Paulo, comparecia ao Morumbi. Afirmava que torcia pelo Flamengo, o Bangu e o São Paulo – todos os times em que jogou. Na infância, torcera pelo América do Rio, onde fora preterido por insuficiência física. Franzino, 1,68 metro de altura, Zizinha tinha paixão por basquete. Adorava boxe e se dizia admirado com o panamenho Roberto “Manos de Piedra” Durán. 

Zizinho nasceu em 14 de setembro de 1921, dentro de um clube de futebol.

– A tática que o Uruguai usou para nos vencer já conhecia desde os seis anos! – brincava. Filho de Tomaz Silva e dona Eurídes, Ziza morava numa casa em São Gonçalo, sede do Carioca Football Club, que disputava uma vaga na Liga Niteroiense de Futebol. Em 1937, mudou-se para Niterói e transferiu-se para o Byron, Em 1939, treinou no Flamengo e assinou contrato. Foi lançado em 1940. Conquistou o tricampeonato carioca de 1942/43/44. Em 1949, foi campeão sul-americano pela seleção brasileira.

Na Copa de 50, Zizinho fez o gol que considerava o mais bonito da carreira, contra a Espanha; um sem-pulo, depois de um balão em Gonzáles. Ziza acabara de se transferir para o Bangu, onde jogou até 1957. Foi chamado nesse ano pelo técnico húngaro Bella Gutman para o São Paulo, levando, aos 36 anos, o clube a ser campeão paulista. Em 1958, recusou-se a embarcar para a Suécia e perdeu a oportunidade de ser campeão do mundo.

– Fui convocado quatro dias antes do embarque; não sou moleque e achei que aquilo seria uma injustiça com o Moacir, do Flamengo, que seria cortado. É questão de atitude! – Ziza jurava que não se arrependera. 

Na temporada 1961/62, ainda jogou no Audax Italiano, no Chile. Defensor do passe livre, Zizinho teve proposta milionária do Milan, mas não pôde jogar lá.

– Quando houve greve de jogadores na Argentina, nos anos 40, fui lá apanhar o estatuto; queria reunir as cabeças daqui, mas ninguém participava.

Ziza adorava passarinhos e alimentava um bando na varanda do apartamento. Era desquitado, tinha duas filhas, torcedoras fanáticas do Fluminense, e dois netos. Gostava de caminhar pelo horto de Niterói e passear no sítio em Marambaia, Itaboraí. Às vezes, andava armado para se prevenir dos assaltos. Adorava os sambas de Walter Alfaiate, João Nogueira, Baianinho e Nélson Sargento. Frequentava a casa de samba e chorinho Candongueiros, em Niterói.

Ex-técnico do Vasco, América, Bangu e Remo, campeão pan-americano com a seleção brasileira no México (1975), Ziza defendia a criatividade. Concordava com o nome de Vanderlei Luxemburgo para a seleção, mas considerava absurdas as convocações de jogadores que atuavam na Europa para amistosos do Brasil contra times sem expressão.

– Se jogasse lá fora, não viria! – afirmava ele, na época entusiasmado com Ronaldinho Gaúcho, França e Alex, que ainda estavam por aqui.

No fim da Copa de 50, Zizinho ganhou 15 dias de folga do Bangu. Não aguentou ficar longe do Maracanã. Voltou a treinar quatro dias depois. Na reestreia, o time goleou o Flamengo por 6 a 0. Ziza tentava muito se convencer de que a final contra os urguaios fora apenas mais um jogo de futebol. Daquela Copa, só guardara uma medalhinha de vice-campeão (que mais parecia uma moedinha de cobre azinhavrado de cinco centavos), recortes de jornais e revistas e um punhado de amigos.

– Tive muita insônia, mas, com o tempo, consegui dormir!


E sempre que dormia, até o fim da vida, Ziza sonhava com aquele jogo.

– Sonho que Brasil contra o Uruguai é uma partida eterna, sem fim, um jogo que nunca acabou e só acabaria quando conseguisse alcançar aquela bola no último minuto e fizesse o gol de empate!