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Copa do Mundo

OBRIGADO, SIMONAL!!!

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


(Foto: Nana Moraes)

O futebol brasileiro vive uma terrível fase e, hoje, comemora-se até derrota de 4×0. Mas essa escassez de talentos, infelizmente, não resume-se aos gramados. A música também anda um terror.

Sempre apreciei um som de qualidade e um de meus grandes ídolos foi Wilson Simonal, que completaria 80 anos hoje. Que suingue, que balanço!!! “Descendo a rua da ladeira, só quem viu que pode contar….” ou “Sim, sou um homem de cor….”.

Na década de 70, ninguém fazia tanto sucesso. Internacionalmente, apenas Jorge Ben disputava ombro a ombro. Vendia muitos discos, reunia milhares de pessoas em seus shows, comandava a cidade! Éramos muito amigos. Ele morava em Ipanema e eu no Leblon. Nas noites cariocas, eu saía com minha Fiat Spider e ele com uma de suas três Mercedinhas.


Conheci Simonal nas eliminatórias da Copa do Mundo, do México. Era muito amigo do Pelé e de Saldanha, e nos treinamentos participava do bate-bola com os jogadores. Só depois de um tempo percebi que ele realmente achava que tinha chance de estar entre os convocados, ser uma das feras do Saldanha, Kkkkk!!!

Quando Roberto Miranda contundiu-se _ sem gravidade _ ele viu ali sua grande oportunidade, kkkkkkk!!! Não jogava nada e seu balanço era só nos palcos, zero chance!!!

Na Copa, no México, foi contratado para apresentar-se no Hotel Camino Real e vivia em nossa concentração. Na final, houve uma grande festa no hotel e os jogadores dos quatro primeiros colocados viraram a madrugada dançando ao som de Simonal! Até Tostão deu seus requebrados, kkkkk!!!!


Simonal era rubro-negro e ficou feliz da vida, quando em 72, fui contratado pelo Flamengo e, melhor, fui campeão!!! Imaginem as comemorações com o Simonal, o Rei do Rio??? Era garoto-propaganda de várias marcas, inventou a bandana, curtiu adoidado até que viu-se envolvido em um trama mentirosa, nojenta e covarde com os militares. Foi chamado de espião para baixo e entrou em depressão.

Que falta faz. Nunca surgiu um balanço parecido. Sua música enfeitiçava, tinha a ver com o drible do Jair, com o elástico do Riva, com o lançamento do Gerson, com a magia do futebol.

Que bom ter vivido isso! Obrigado, Simonal!!!!

UM PERU EM NOSSAS VIDAS E O ROCK DO MAVERICK COR DE SANGUE

por Marcelo Mendez

Era mais um dia de Copa do Mundo.

Eu já estava me acostumando com o fato de sempre acontecer algo bacana nos dias de jogos do Brasil. Naquele dia não seria diferente e a novidade da vez era a vinda do Paulinho pra buscar eu e meu Pai pra gente ir ver o jogo lá no bairro Campestre, do outro lado da cidade de Santo André

– Mauro, por favor, fala pra aquele doido do seu amigo não correr com aquele carro!

– Calma, Mulher. Paulinho sabe o que faz. É gente boa…

– É um doido! E você é outro! Cuida do teu filho!


Depois dessa rápida prosa com minha mãe, meu pai veio até meu quarto me pegar. Paulinho já buzinava na frente de casa e então partimos. Do quintal, vi aquele carrão vermelho no nosso portão e Paulinho lá encostado no carro. Com uma calça boca de sino verde, uma camisa azul, umas correntes no pescoço e um bombom na mão, me convidou:

– E aí, Marcelo! borá la ver o jogo. Entra aí…

Levantou o banco para ir na parte de trás do seu Maverick vermelho. Íamos novamente para casa de um amigo, ver aquelas cores via aparelho de televisão, em mais um dos jogos do tal torneio o qual eu já começava me simpatizar…

A descoberta do rock and roll

Da janela do carro, via o mundo passar. Era outra cidade.

Santo André em 1978 não tinha muitos carros, muitos viadutos, trânsito stress, nada. Era uma cidade que relutava em ser urbana, que mantinha as coisas de cantinho do interior e andar por suas ruas pouco habitadas era muito legal.

Na parte da frente do carro, enquanto o Paulinho dirigia, meu Pai brigava com ele para abaixar o volume do toca fitas último tipo, que tinha no Maverick:

– Mauro, isso é Bachman Turner Overdrive. Não se ouve em volume baixo…

Hoje eu sei que ouvíamos “Down The Road” e que o BTO é uma bandaça. Mas aos 8 anos aquilo era tão somente uma barulheira deliciosa. Devo ao Paulinho os primeiros rocks da vida, portanto. Mas ele abaixou o volume e então ele e meu Velho passaram a falar do jogo que veríamos logo mais. Eu ouvi.

A partida seria contra um time que tinha nome de frango de Natal: Peru. Eu anotava mais um lugar do mundo que a Copa me apresentava, agora esse; Peru. Eles falavam de um time muito bom, que tinha uns jogadores de nomes estranhos, Oblitas, Chumpitaz, Manso e um outro, que segundo eles, era um craque de bola, Cubillas.

Concluí que seria um jogo complicado, que mais uma vez meu Pai ficaria nervoso, fumaria um cigarro atrás do outro, mas não foi o que houve. Pelo menos não por conta do jogo…

A queda…

A casa do Paulinho estava lotada. Ele trabalhava com meu Velho na mesma firma, gostava de rock, de cerveja, tinha cabelão comprido e falava muito de umas pessoas que já não estavam mais conosco, que por alguma razão meu Pai evitava falar comigo;

– Pai, cadê fulano?

– Ele foi viajar, já já volta!

Minha mãe, ao contrário do meu pai, dizia que essas pessoas estavam sumidas e eu não entendia o porquê… Seja como for, o jogo rolava.


Ao contrário do que meu pai e Paulinho falavam no carro, o tal Cubillas, pelo menos naquele jogo, não jogou nada. No Brasil, ao contrário da expectativa de ter Rivellino, de Zico sair jogando, de Reinaldo voltar como titular, quem arrebentou com o jogo foi um cara de nome Dirceu.

Um canhoto magrinho, cabeludo, esperto, que batia na bola como poucos. Foi Dirceu quem carregou o time do Brasil para o 3×0 final daquele jogo. Mas sentia que naquela casa cheia, algo não estava lá muito alegre. Piorou com a notícia que alguém na casa contou para todos:

– Fulano caiu!

Na minha cabeça de menino de 8 anos, pensei que as pessoas ficaram chateadas, talvez por conta de o tal fulano ter se machucado com a queda, eu mesmo, vivia caindo lá nas peladas da rua. Meu pai era um dos tristes, então eu decidi dar esse alento a ele:

– Pai, num fica assim; A gente cai mesmo, depois a mãe passa mercúrio e sara!

De olho marejado de água, meu pai me fez um afago no rosto e me abraçou. Eu retribuí e depois o Paulinho nos levou embora. Ao contrário da alegria da ida, na volta, não teve rock, não teve prosa, não teve nenhuma festa. O Brasil seguia vendo os seus caírem e nada era feito com relação a isso. No carro, Paulinho tenta quebrar o gelo:

– Esse Peru, hein? Que time estranho, Mauro.

– Pois é, não entendi a partida que eles fizeram.

O Peru seguiria em nossas vidas naquela Copa, de uma outra maneira mais estranha ainda. Mas isso é uma outra história…

O APAGÃO DE RONALDO

por Zico


Vocês podem me cobrar isso daqui a 30 anos: eu não estava presente quando aconteceu o problema com Ronaldo. Assim que acabou o almoço, fiquei conversando com Gilmar e Evandro. Mais ou menos por volta de 14h30, Ronaldo teve uma convulsão e saíram gritando que ele estava morrendo.

Por volta das 16h, estava indo para o meu quarto, pra me trocar, porque às 17h tinha lanche e, depois, a preleção. Wendell me chamou:

– Acho que aconteceu alguma coisa com o Ronaldo. Melhor você ir lá em cima ver.

Quando cheguei no quarto do Ronaldo, estava o Joaquim da Mata em pé, Ronaldo sentado na cama e Roberto Carlos na outra cama.

– Dr. Joaquim, o que houve?

– Ah, ele teve uma convulsão. Dr. Lídio já sabe, ele esteve aqui, passe no quarto dele pra saber o que ele acha.

– Zagallo já sabe?

– Acho que não.

Perguntei ao Ronaldo se estava tudo bem. Ele parou, me olhou e se deitou.

Dr. Joaquim sugeriu que o deixássemos descansar pelo menos uma hora. Roberto Carlos estava com os olhos arregalados de susto. Fui ao quarto do Lídio:

– Você conhece Zagallo melhor do que eu. Vamos falar pra ele agora, quando está descansando.

– Não se preocupe, vou lá no quarto dele e falo. Sei como vou dizer.

Aí fui para o meu quarto, Às 17h, fui para o refeitório com o Ronaldo andando na minha frente. Ele parou na porta e tentou fazer uns exercícios. Falei:

– Ô, Ronaldo, o jogo é às 21h e você já se aquecendo às 17h.

– Olha, acho que aconteceu alguma coisa comigo. Estou todo doído, parece que levei alguma surra! – ele disse.

Calculei que ele não sabia o que tinha acontecido. Deu 17h30, os jogadores no lanche, apreensivos, Joaquim da Mata foi caminhar com o Ronaldo, Lídio reuniu a gente:

– Aconteceu isso e isso, Ronaldo não tem a menor condição de jogar, está fora.

Às 18h, veio a preleção. Joaquim da Mata tinha conversado com Ronaldo:

 – Olha, aconteceu isso com você, vai ter que pro hospital fazer exames! – ele foi numa boa.

Zagallo fez uma ótima preleção:

– Brasil foi campeão do mundo sem o Pelé, ele se machucou, não pôde jogar, mas o time superou. Seria bom se o Ronaldo estivesse aqui, mas Edmundo está escalado.

No ônibus, todo mundo preocupado, principalmente o Leonardo, que a cada dez minutos perguntava:

– Ele corre risco de vida? Esse problema tem alguma consequência?

Nós, da Comissão Técnica, não sabíamos que César Sampaio tinha ido ao quarto do Ronaldo, que tinha puxado a língua dele, que Edmundo saíra gritando “Ronaldo está morrendo”. Só soube disso pelas entrevistas dos jogadores. O grande erro foi esse. Eu, pessoalmente, acho que às 14h todo mundo deveria ter sido chamado, inclusive Ricardo Teixeira, e tudo esclarecido.

Às 20h, eu estava no campo, vendo o desfile e os jogadores trocando de roupa, quando me avisaram de uma reunião. Agora, 20h?

Lá estavam Ricardo Teixeira, Zagallo, Ronaldo de frente para o médico, de short, meia, com a camisa de aquecimento:

– Olha, estou bom, meus exames não deram nada, quero jogar.

O Lídio insistia:

– Você está bom mesmo? Não sente nada?

– Estou bom, estou legal!

Aí, Zagallo falou:

– Então, vai aquecer e jogar.

Assim foi decidido.


Quando Ronaldo levou aquela trombada em campo, e caiu, eu fiquei preocupado. E todos os jogadores que sabiam do que tinha acontecido também se assustaram, principalmente o Cafu.

Conclusão: O Ronaldo deveria ter ficado internado no hospital. Todo mundo foi testemunha do que aconteceu com ele, e todos os médicos declararam que quando você tem uma convulsão, grave do jeito que nos foi passado, você tem que ficar 24 horas em observação. Mas imagina o que aconteceria se o Zagallo tirasse um jogador do quilate de Ronaldo da decisão, e o Brasil perdesse de 3 x 0. Só a autoridade médica evitaria que as coisas chegassem ao ponto que chegou.

O Lídio teve lá suas razões para liberar.

 

Texto publicado originalmente no livro Paixão e Ficção: contos e causos de futebol.

O EMPATE, O PIANISTA E UM PUNHADO DE EMPANADAS

por Marcelo Mendez

“Só sobraram restos
E eu não esqueci
Toda aquela paz
Que eu tinha…

Eu que tinha tudo
Hoje estou mudo
Estou mudado
À meia-noite, à meia luz
Pensando!”


Seguia a minha vida em 1978. A tal Copa do Mundo, idem.

O empate na primeira partida contra a Suécia meio que desanimou os corações em samba dos meus iguais brasileiros. Minhas observações, acerca dos adultos que me cercavam, me davam a certeza disso.

No enorme quintal da Avenida das Nações, entre as quatro casas que ali estavam, eu vivia rodeado de primos e primas, além dos meus tios e da minha bisavó Benedita a quem chamávamos carinhosamente de “Mãe Dita”.

Meu primo Tine, o mais velho dos primos, trabalhava muito e não me parecia se afetar com as coisas do escrete canarinho. Estava mais preocupado com o seu Santos, assim como seu irmão, meu outro primo Zé Carlos, que já trabalhava em seu ateliê como alfaiate. Zé era craque de bola, gente boa e quem mais me suportava. Adorava ficar enchendo seu saco enquanto ele costurava aquele monte de ternos, calças e bainhas.

Aparentemente, a vida no quintal dos Mendez seguia uma normalidade, minhas primas estudando, trabalhando. Mas foi a prima mais nova, Marlene, quem mais me chamou atenção naqueles dias.

Com 16 anos em 1978, minha prima estudava e ficava no quintal ajudando Tia Leonir com as coisas da casa. Também ajudava minha mãe, cuidando de mim e de minha irmã e escutava um disco cuja musica que mais gostava, tinha esses versos, já citados.

Eu já sabia ler e ao ver na contracapa do bolachão, descobri que a canção se chamava “Meu Mundo e Nada Mais”, cantada por um cara de nome Guilherme Arantes, que aparecia na capa do disco em uma rua deserta, com uma roupa preta, olhando para um piano solitário.

Eu achava a música linda, mas a impressão que eu tinha do moço que cantava era de que ele estava muito triste e precisava de uns primos para ajudá-lo.

“Se eu vir ele um dia, vou dar um abraço nele…” – pensava.

Demorou para vê-lo, mas isso é outra história…

Fato é que, naquele momento, não foi possível eu ajudar o moço triste do piano solitário, colocado no meio da rua.

Uma outra coisa ia acontecer na segunda rodada daquela Copa, que me marcaria fortemente. Era o jogo Brasil x Espanha e o resultado final, não sei se importa muito.

Outras coisas, além de placares, interessam para a vida.

A Descoberta da Espanha

Em 1978 eu já tinha um amigo do peito. Era o Kleber.

Ele morava na casa ao lado da minha, junto com seus pais e seu irmão Marcos, três anos mais novo que ele. Nossas conversas se davam através de um muro, que vencíamos com o auxílio de uma cobertura para o registro da água, que ficava em nossos quintais. Subíamos ali e batíamos altas horas de papos.


Kleber não podia sair muito dali, seus pais trabalhavam e ele e o irmão ficavam aos cuidados da dona da casa que eles moravam de aluguel, uma senhora muito brava, de voz forte e enrolada, de nome, Ângela.

“Venga ticos, ta na hora”

Não sabia na época que aquilo era sotaque. Para mim, ela falava errado e comentei isso com meu pai, certo dia. Ele me corrigiu;

“Ela é espanhola, de um lugar que se chama Espanha.”

“Hummm… tá bom”

Levou uns dias para eu ir la na enciclopédia Barsa que a Tia Leonir havia comprado, para saber o que diabo era Espanha. Quando soube, deduzi que deveria ser um lugar de gente bem brava, visto que a Dona Ângela pouco sorria e o marido dela menos ainda. Me pareceu um lugar o qual eu não queria estar.

Eis que de repente, ao perguntar para o Zé Carlos sobre o próximo jogo do Brasil, vem a minha surpresa:

“Será contra a Espanha, Marcelo. E temos que vencer…”

Réquiem para a Emoção. “Vá chamar…”


Do dia do jogo, me lembro que o céu pouco sorriu para nós.

Uma bruma pesada de junho, em um dia de cor acinzentada, com uma garoa grossa e uma manhã fria, diferente de todo o sol lindo do primeiro jogo, apareceu para saudar o dia do jogo no Parque Novo Oratório.

Não havia tantos programas de esportes na TV, as comunicações eram bem precárias e os boletins todos se davam pelo rádio. Meu tio João ouvia a todos, meu Pai estava bastante apreensivo, mas não pelo jogo.

Outras coisas aconteciam na Argentina, coisas que não cabem nas recordações de um menino de 8 anos, que depois viriam a fazer parte da vida de um moço, de um homem de outro tanto punhado de anos, e que me fizeram ter toda a saudade de voltar a ser menino.

A hora do jogo se aproximava e o nosso quintal enchia de gente. Primos, tios, amigos, viriam para ver o jogo conosco. Nessa hora, minha mãe me chamou e recomendou:

“Vai lá no quintal do Kleber e chama ele e o Marco para ver o jogo aqui, Marcelo”

Feliz da vida, eu fui. Mas eles não estavam lá…

A Descoberta das Empanadas!


Chegando na frente da casa, não havia campainha, nada do tipo. Chamei como sempre fazia:

“Kléééééééberrrrrrrrrrrrrrr!!! Marquiiiiiiiiiiiiiinhuuuuuuuu!!!”

No término do meu berro, Dona Ângela saiu:

“Que queres?! Como grita!!”

Meio encabulado, respondi:

“Minha mãe mandou chamar o Kleber e o Marco pra ver o jogo la em casa…”

“No quero saber de juego! Tampouco me importa. Eles não estão em casa, não tem ninguém, só yo”

Nunca vou entender o que deu em mim naquele momento. Eu era uma criança de 8 anos, na frente da casa de um vizinho, chamando um outro amigo… Era muita coisa para pensar, passados 40 anos não sei se consigo chegar à conclusão alguma. Mas arriscarei-me:

Por puro coração de criança (creio eu…) eu olhei para o fundo dos olhos daquela senhora espanhola e perguntei:

“E a Senhora?”

Ela ficou parada, bastante surpresa:

“Yo o que, Tico?”

“A Senhora num vai ver o jogo? Pode ir la em casa comigo…”

A mulher ficou com a voz embargada, com olho meio que marejado, não conseguiu mais ficar brava, nem nada do tipo. Me disse que seu marido e sua filha estavam trabalhando, que Kleber e Marcos foram com os pais na casa de um outro parente, que não queria ir na casa de ninguém e então eu falei:

“Ah, então posso ver com a Senhora aqui”

Ela não conseguiu me falar não. Segurou o que me pareceu um choro, aceitou minha proposta desde que eu avisasse minha mãe que eu lá estaria. Deixei recado com meu Tio Marinho que estava indo lá para casa. Entrei, então, em sua cozinha.

Um cheiro forte e muito bom vinha dalí. Olhei para a mesa e tinha uma travessa de algumas coisas que eu achava que era um punhado de pastéis. Ela ligou sua Tv e quando me viu olhando para o prato, me ensinou:

“Son empanadas, queres?”

Quis…

O Jogo? Ah, claro… O Jogo:


Foi uma porcaria!

Um 0x0 enfadonho, com o zagueiro Amaral tirando um gol da Espanha de cima da linha, o que não a deixou muito feliz e para falar a verdade, pouco importa. O bom da Copa foi outra coisa.

Por 90 minutos, comendo a melhor empanada da minha vida, eu e aquela senhora espanhola rimos, brincamos, torcemos, nos divertimos, como se o mundo fosse de fato algo muito bom. Aquela tarde me marcou fortemente para tudo que vivi depois em minha vida e eu procurei guardar a lembrança com carinho, por saber que ela não se repetiria.

Acabado o jogo, voltei e minha mãe não entendeu muito, mas ficou tudo ótimo.

Pouco tempo depois, mudamos para nossa casa nova que havia ficado pronta e não falei mais com Dona Ângela. Ela não me chamou mais para comer empanadas, também não a convidei mais para ver jogo na minha casa. Como que por magia, a vida nos reuniu aquela tarde, porque aquilo era o que tínhamos para viver.

“Só sobraram restos
Que eu não esqueci
Toda aquela paz
Que eu tinha

Eu que tinha tudo
Hoje estou mudo
Estou mudado…

(Guilherme Arantes, “Meu Mundo e Nada Mais”)

Vivemos.

E ao escrever essa parte da minha vida com as Copas, concluo definitivamente, que esse troço de futebol é de fato, bom pra caralho…

 

 

O MUNDO COLORIDO DE 1978

por Marcelo Mendez


Era uma manhã ensolarada de junho de 1978.

Por entre alguns orvalhos que molhavam os pés de frutas do velho quintal da Avenida das Nações, em Santo André, no Parque Novo Oratório, o dia amanheceu claro, colorido, com um sol bonito, que começava a iluminar a rua da minha casa, que naqueles tempos, ainda era de terra.

Aliás, esqueçam esse troço aí de São Paulo, a metrópole era muito distante do Parque Novo Oratório.

O bairro em que nasci era parte do grande loteamento do segundo sub-distrito de Santo André, iniciado nos anos 50 e que àquela altura, crescia aos borbotões. Minha família estava ali já desde os anos 40 e nosso quinhão de terra no meio daqueles morros e descampados já estava garantido.

Mas nossa vida ali era longe demais das capitais. E, para encurtar a distância, havia já a televisão…

As novelas da minha mãe, o programa Vila Sésamo, a sessão bang bang, os desenhos da Hanna Barbera, eu começava a ver o mundo através daquele trombolho de cabos, válvulas, seletores, antenas e outras mandingas que se fazia para melhorar a imagem. E foi com ela, a velha TV Philips preta e branca, que comecei a ver e me encantar pelo futebol.

Eram outros tempos. Não existia futebol ao vivo e francamente, ninguém fazia muita questão de ver tudo que era jogo na TV. Naquele tempo as pessoas ainda saíam de casa, se falavam, tinham muito mais coisas para se descobrir na vida pré-celular. Eu mesmo esperava ansioso pelo “Futebol Compacto” da TV Gazeta, às 20h do domingo.

Foi na voz do velho Peirão de Castro, que me apaixonei pelo futebol na TV. E nossa relação estava ótima, eu estava satisfeito. Porém, já há alguns dias que eu sentia que alguma coisa diferente estava para acontecer.


Via meus primos comprando fogos de artifício, minha mãe preparando guloseimas, meu tio João pendurando bandeirinhas verdes e amarelas por todo quintal, as primas eufóricas falando do goleiro Leão e meu pai, que há dias tramava alguma coisa, finalmente revelou o segredo naquela manhã, logo que cheguei para tomar café:

– Filho, bota sua roupa do Brasil, que hoje vamos na casa da Tia Dete ver a Copa do Mundo. Na TV em Cores!

Não sabia o que era Copa do Mundo, assim como não entendi o que eram as benditas “Cores”. Mas a julgar pela alegria do meu Velho, imaginei que devia se tratar de algo muito bom. Sendo assim, coloquei a minha camisa amarela, meu calção azul, meu kichute novo e la fui eu, para casa da Tia. Era o começo da minha aventura por algo que viria a se tornar muito caro à minha vida.

Era a Copa do Mundo…

Mitsubishi e Psicodelia Ludopédica

A vida era dura na periferia de Santo André em 1978.

As linhas de ônibus que abasteciam a região eram todas precárias, os trajetos, muitos deles sendo feitos em ruas sem asfalto, acabavam por arrebentar os ônibus que já num eram lá essas coisas. Mesmo assim, eu me divertia.

Minha Tia Dete morava em São Matheus, na Zona Leste de São Paulo. Para irmos até lá, pegávamos o “Santo André/Guaianazes”, que rasgava pela Rua Oratório afora. Da janelinha, onde eu via o mundo passando, tudo era festa e passear seja lá para onde fosse, era um grande barato. Afinal de contas, tudo fica imenso e épico quando você é criança. Inclusive a saudade de ser menino. Fernando Sabino, falou disso muito bem…

Chegamos!

Na casa da Tia, festa, comida, bebida, música, a vitrola tocava um disco do Agepê, com hits como “Menina de Cabelos Longos”, “Moro Onde Não Mora Ninguém” entre outros. Os primos conversavam, as primas riscavam o chão no samba rock e eu me desvencilhei disso tudo para ver o que tanto empolgava meu pai e meu Tio, que falavam alto na sala da casa:

– Mauro, veja só; É a cores, 28 polegadas e tem controle remoto!!!

O Tio Moreno apresentava o aparelho com a pompa de um Mestre de Cerimônias de gafieiras imortais. Meu pai que olhava pra tudo aquilo extasiado tentava operar a coisa através do controle remoto enorme que meu tio entregou a ele. E depois de algum esforço, conseguiu.

E ao ligar aquela coisa, quem ficou extasiado fui eu…

O Campo é Verde!


Menino, aos 8 anos de idade, pela primeira vez na vida vi o campo de futebol verdinho, bonito, com as riscas brancas. Vi a camisa canarinho, de fato amarela e a Suécia, adversária do Brasil jogando com um azul forte, bonito. Não conseguia, tirar os olhos daquela tela!

Por entre o jogo e as conversas, os adultos comiam pipoca, xingavam um cara de nome, “Coutinho”, alguns diziam que Reinaldo não podia jogar, meu Pai não concordava, dizia que o mesmo era craque. Minha prima Miriam defendia o goleiro Leão após a Suécia abrir o placar e meu primo Edmilson queria Waldir Peres ali no lugar do goleiro coxudo.

Eu não tava nem aí. Enquanto comia meu tacho de pipocas, eu olhava para cada milímetro colorido daquela tela. Que coisa mais linda! A vida então tinha cor na tal TV Mitsubishi, que meu tio comprou justamente por conta da tal de Copa.

O jogo seguia.


Reinaldo empatou o jogo e todo mundo se abraçou. Na hora do gol dele, a transmissão da TV Globo tocava uma batucada e eu gostei muito. No segundo tempo, pouca coisa aconteceu até o final. Apenas no último minuto de jogo, o árbitro resolveu encerrar a partida com a bola vinda da cobrança de escanteio do Nelinho, no alto, antes do Zico cabecear para fazer 2 a 1.

Na casa da Tia Dete, isso gerou as mais espetaculares teorias da conspiração, sem falar que a Suécia, virou o maior dos inimigos de todos ali. Nem liguei.

Ao término do jogo, enquanto todos voltaram para desconjurar o árbitro, xingar a Suécia e o tal Coutinho, eu segui de frente para a TV em cores. E naquele dia, isso me bastou para ser feliz, para me agradar o coração.

Graças a tal da Copa do Mundo, descobri que a vida podia ser colorida.