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Copa do Mundo

O VALOR DO PATRIOTISMO

por Daniel Monsanto, de Saint Germain en Laye


Começou mais uma Copa do Mundo e eu queria falar sobre o orgulho de ser Brasileiro e de torcer pela seleção canarinho. A camisa mais admirada e também mais temida!!!!

Por anos e anos, todos tivemos orgulho de torcer pela seleção e sempre escutamos as pessoas falarem “vocês só ligam para futebol, vocês têm que se preocupar com a política, com a necessidade do povo e etc….”, sendo que isso é só uma opinião de quem não curte futebol, querendo diminuir a importância do esporte para o Brasileiro e essas pessoas não percebem o mal que fazem para o orgulho nacional. Claro que é só futebol, mas o patriotismo, o nacionalismo que isso desperta nas gerações que vão vir e nas atuais, são muito importantes para autoestima da nação e do povo.

Infelizmente, eu penso que nos últimos 12 anos, ou seja, nas três últimas Copas – desde 2002, que fomos campeões do mundo – o Brasil vem perdendo esse prestígio mundial e, intimamente a isso, está ligado a “falta de crédito” com o seu povo que sempre amou e apoiou. E isso é muito mau, muito decepcionante e triste para mim, que sou amante do futebol, mas principalmente um apaixonado pelo Brasil e pelo brasileiro, porque tudo isso ajudaria o povo a se reerguer e lutar contra políticos corruptos, contra ladrões que acabaram com a nossa pátria. Querendo ou não, nossa esperança se renova, quando a nação se une, nem que seja por futebol.

Então,  estou aproveitando o início de mais um Mundial, para despertar em cada um dos brasileiros que lerem essa mensagem, que tenham orgulho em ser Brasileiro. Ontem aconteceu um triste e lamentável episódio na cidade em que moramos, Saint Germain en Laye, onde também se encontra o Centro de treinamento do PSG.

Entramos eu, minha esposa, dois filhos e meu pai em um açougue para comprar um frango e o dono do açougue virou para mim e falou assim em francês:

– Você gosta de funk?

– Claro, sou brasileiro. Na verdade além de brasileiro, sou carioca, onde o funk no Brasil surgiu.

Ele retrucou:

– Vou botar aqui uma música, e colocou no YouTube um funk americano e começou a dançar.

Eu disse para ele que aquilo era a origem do funk, o funk soul americano. E que o funk a que ele se referia era o funk carioca. Ele arrogante falou:

– Eu não preciso que você me ensine! –

E eu falei que também não precisava que ele me ensinasse, então ele falou apontando para uma de suas funcionárias, que ela era brasileira e essa funcionária falou que era de Minas Gerais. Ele, retomando o assunto, liberou novamente a música e cantou:

– 1, 2, 3, zero! – que foi uma música da Copa do Mundo de 98, que o Brasil foi vice-campeão mundial para a França e eles cantavam muito, que traduzindo do francês seria: 1, 2 , 3 a 0, ou seja, humilhando o Brasileiro.

Levei na esportiva, só que eu virei para ele e falei assim:

– Eu volto aqui no seu açougue, no fim da Copa do Mundo.

Até então eu nem estava muito empolgado com essa Copa, mas esse francês despertou a minha ira e o meu orgulho, não me contive e falei para ele: 


– Você não pode se esquecer, que nós temos 5 títulos mundiais, que vocês só tem um pequeno título ganho dentro de casa de maneira suspeita!

Inclusive o Platini revelou outro dia, que mexeram nas bolinhas do sorteio para a França enfrentar o Brasil apenas na final – então o “jeitinho brasileiro” que muito brasileiros gostam de falar pelo mundo que o brasileiro é um povo que não presta, que o mau do Brasil é o brasileiro, esses ditados racistas e preconceituosos que o brasileiro faz dele mesmo ao redor do mundo e dentro do Brasil, existe em outras nacionalidade também.

Tem gente de boa índole em tudo que é nacionalidade e tudo que é cargo no mundo inteiro – e continuei falando para ele:

– Vocês só têm (une etoile) uma pequena estrela, o Brasil tem (cinque etoiles) cinco estrelas! 

Ele ficou rindo e segui falando:

– Você tem que rir mesmo porque nós temos os melhores do mundo, nós temos: Pelé, Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Neymar, Gerson, Rivelino, Jairzinho, Paulo César Cajú!

Fui falando uma série de jogadores, ele foi ficando com a cara toda branca e começou a fingir que não gostava de futebol. A funcionária dele, de Minas Gerais, falou:

– Ah, ele não estava falando de futebol,


– Você está defendendo o seu patrão? Claro que entendo, mas você está defendendo em português o seu patrão, falando que ele não estava falando de futebol? Ele falou nitidamente: 1, 2, 3 a 0, você não se lembra da Copa de 98, mas eu me lembro muito bem, porque eu amo futebol!

Mas continuando, nós saímos do açougue dele e eu disse que voltava a falar com ele depois da Copa, por que nós somos os melhores do mundo.

Enfim, voltando ao início do assunto que originou esse desabafo, quero dizer que quem sabe essa Copa não desperta o patriotismo e ufanismo da nossa nação. Que nós possamos mudar esse Brasil, principalmente no voto pessoal, vamos votar em gente nova!

A FELICIDADE QUE O PETRÓLEO NÃO COMPRA

por Zé Roberto Padilha


Se alguém duvidava da veracidade da frase “O dinheiro não compra a felicidade”, coube a caixinha de surpresas do futebol confirmá-la, definitivamente, durante a abertura da Copa do Mundo. Em plena Tribuna de Honra, e pela elegância, segurança e conforto, bota honra nisso, o Príncipe Mohamed Bin Salman, que tem a segunda maior reserva de petróleo do mundo, e a terceira maior de gás natural do planeta, e que sem rios ou lagos é capaz de comprar toda a água que precisa a 370 km dali, e gastar uma fortuna para lhe retirar o sal, tentava se explicar aos anfitriões porque não foi capaz de comprar um jeito de seus cidadãos aprenderem a jogar bola. Com todo os petrodólares do mundo, conseguiu ficar ali desconfortável e mal assistiu a partida. Ficou a dar explicações a Putin enquanto seu time dava o maior vexame lá embaixo.


E ninguém pode dizer que eles não tentaram. Desde 1970, quando o Brasil conquistou o tricampeonato, que eles não pararam de buscar por aqui nossos principais treinadores para reverter este quadro. E o primeiro foi o Zagallo. Até Roberto Rivelino eles levaram para Ryad com a missão de lhes ensinar a arte der bater na bola. Quatro décadas e meia depois, após vultosos investimentos, seus zagueiros continuam marcando mal, são incapazes de deter outro ataque, seja no outono ou na Primavera Árabe. Seus armadores não sabem passar, seus atacantes ainda não metem medo a ninguém. Nem aos judeus, egípcios, palestinos e, como assistimos ontem, muito menos aos russos.


Está mais que provado: o dinheiro não compra a felicidade. Esta, no futebol, Deus reservou a um povo que tem a maior reserva de políticos corruptos do mundo. E a terceira maior reserva de magistrados comprometidos com eles. Mas quando a bola rola, não tem gás ou petróleo que tenha a energia de sua miscigenação. De sua superação. A felicidade, no futebol, é a reserva maior, a que restou durante alguns meses, a uma gente eternamente roubada e explorada. E que possui, graças a Deus, como bálsamo e consolo, um grito que não seja ainda de liberdade. Mas de tantos gols quanto precise para ser novamente campeã do mundo.

“SETE A UM”

por Claudio Lovato 


Se é para encarar nossos fantasmas, então, por favor, que jamais nos falte a literatura!

Os traumas estão aí para nos ensinar, nos aporrinhar e ser expiados, e, em relação a esta última parte, poucas coisas são mais necessárias que a arte e o ofício dos escritores, tornados tangíveis nas páginas dos livros.

No dia 8 de julho de 2014, no Mineirão, ocorreu aquilo que muitos brasileiros, até hoje, recusam-se a aceitar como tendo de fato ocorrido – o que não funciona, em hipótese alguma, como expiação; é apenas negação, de resto muito compreensível, diga-se.

No livro “Sete a Um”, recém-lançado em parceria pelas editoras Cousa, de Vitória, e Dália Negra, de Salvador, sete escritores brasileiros tentam processar, por meio de seus contos, o que aconteceu naquela semifinal apocalíptica. É um time de craques da nossa literatura – Carlos Barbosa, Claudia Tajes, Elieser Cesar, Lima Trindade, Luís Pimentel, Marcus Borgón e Mayrant Gallo –, ladeados por dois representantes do país que foi o nosso algoz naquele acontecimento trágico de Belo Horizonte: Hans-Ulrich Treichel, que nos oferece um conto magistral intitulado “Foucault, Freud, Futebol”, e Dagrun Hintze, responsável por um brinde muito especial: um ensaio sobre a relação de homens e mulheres com o futebol.


Esses escritores-boleiros desfilam seu talento sob a batuta de uma comissão técnica de tirar o chapéu: os organizadores Lidiane Nunes e Tom Correia, o tradutor Erlon José Paschoal, o artista plástico Marcelo Frazão, criador da belíssima capa, e o editor Saulo Ribeiro.

“Sete a Um” é, essencialmente, uma declaração de amor ao futebol. E também uma tentativa – fonte de grande prazer para nós, leitores, e, portanto, bem-sucedida – de jogar a luz das belas letras sobre um evento fatídico, sem dúvida, mas que nos deixou mais fortes. Como toda a ferida, como todo o trauma, como todo o apocalipse.  

 

    

SUBVERTENDO A TRAGÉDIA DE 50

por Émerson Gáspari

Um homem ter mais de noventa anos é uma dádiva. Ainda mais se este ancião estiver lúcido e apto a produzir fantasias futebolísticas. Imagine então, alguém que assistiu ao vivo, a todas as Copas. Desde a primeira, quando meus pais, de boa condição financeira e em férias no Uruguai, me levaram, em 1930. Tenho noção do que isso significa: talvez eu seja o único ser humano do planeta que tenha tido este privilégio, até hoje.


Guardo todos os ingressos e especialmente as recordações do que estas cansadas retinas já viram nos Mundiais. E com autoridade de “testemunha ocular”, lhes afirmo: nem sempre os “deuses do futebol” foram justos. Daí me propor a promover “justiça divina”, usando minha fantástica memória e poder criativo, para alterar os fatos da história e recontar o futebol segundo minha lógica, numa “realidade alternativa”. Comecemos por aquela tragédia do “Maracanazzo” de 50!

Domingo aprazível de 16 de julho de 1950, na belíssima cidade do Rio de Janeiro, capital de um país com 52 milhões de habitantes, dos quais 205 mil se espremem num Maracanã abarrotado, inacabado, na finalíssima entre Brasil e Uruguai, pela IV Copa do Mundo.

Misturado aos presentes, me seguro a uma das barras de sustentação do anel superior do estádio. Cheguei ao meio-dia. Vim de bonde e prossegui a pé, entre a multidão que surgia por todos os lados e que agora vibra com a entrada das seleções em campo. O discurso do prefeito Ângelo Mendes de Morais aumenta a obrigação da vitória e eu, vascaíno e fã de Barbosa, torço pela consagração daquele que é meu maior ídolo em campo, hoje.

O Brasil de Barbosa; Augusto, Juvenal e Bigode; Bauer e Danilo Alvim; Friaça, Zizinho, Ademir de Menezes, Jair Rosa Pinto e Chico; do técnico Flávio Costa. Os uruguaios, do treinador Juan López Fontana: Máspoli; Andrade, Matias Gonzáles e Tejera; Gambetta e Obdúlio Varela; Ghiggia, Júlio Perez, Míguez, Schiaffino e Morán.

O jornalista Mário Filho – fundamental para o Maracanã acontecer – realiza esplêndida cobertura do evento na imprensa escrita e pelo rádio, os torcedores curtem Antônio Cordeiro e Jorge Curi narrando pela Rádio Nacional, Pedro Luís pela Pan-Americana, entre outros.

Nossa seleção – com seu uniforme todo branco – fez campanha exemplar até aqui: 4×0 no México, 2×2 com a Suíça, 2×0 na Iugoslávia e depois, no quadrangular final, 7×1 na Suécia e 6×1 na Espanha. Já a “Celeste Olímpica”, por obra do estranho regulamento, teve trajetória mais curta: 8×0 na Bolívia, 2×2 com a Espanha e 3×2 na Suécia, antes de chegar à final.

A grande surpresa até agora é a eliminação da seleção inglesa, que conseguiu perder para os EUA, em Belo Horizonte. Outra decepção é a bicampeã Itália (poderia até conquistar a Jules Rimet em definitivo) também eliminada precocemente, mas a base de sua seleção morreu num trágico acidente aéreo que vitimou toda a equipe do Torino, um ano antes do Mundial.

Sou supersticioso e não estou com bom pressentimento: primeiro, porque hastearam nossa bandeira de cabeça para baixo. Depois, porque pela primeira vez perdemos no “toss” e começaremos jogando do lado oposto ao habitual. Mas não há de ser nada!


Sob o apito de George Reader, árbitro inglês, às 14h55m o jogo começa: Ademir rola no círculo central para Jair, a seu lado, que atrasa para Bauer.

Olho em volta e meus pensamentos se perdem em meio aquele universo de pessoas ávidas pela vitória e o título. Já pensou se o Brasil me perde um jogo desses?

Aqueles milhares de lenços brancos girados no ar seriam usados para enxugar as lágrimas da derrota, mas não seriam suficientes para conter a tristeza pelo fracasso.

Súbito, sou despertado pelo som da massa, que vibra com o escanteio a nosso favor, logo no minuto inicial. São mais de dois milhões de cariocas torcendo em casa e nas ruas; dez por cento deles, aqui no Maraca!

O jogo é renhido: o Uruguai procura travar o meio-campo, num ferrenho bloqueio aos meias  Zizinho e Jair e ao agora centroavante e artilheiro Ademir, dificultando-lhes os espaços. O Brasil procura tomar a iniciativa sempre, mas os gringos controlam bem as investidas adversárias e são mais incisivos, no contra-ataque: em menos de 15 minutos já levaram perigo duas vezes à meta brasileira e agora, perdem outra chance, numa bomba que passa raspando, atirada por Ghiggia. Ele, que ao lado de Júlio Pérez, está promovendo um verdadeiro rebuliço pela ponta direita, contra Bigode e Juvenal. 

O Brasil é melhor, domina a cancha e chuta mais ao gol, porém, se perde nas dificuldades em penetrar a bem postada zaga, tendo à frente o “caudilho” Obdúlio Varela. Chamado de “Negro Jefe”, ele grita com os companheiros e pressiona o árbitro o tempo todo, pois sabe que a chance celeste reside em suportar o ataque brasileiro. Num dos lances, aos 28 minutos (enquanto o jogo está paralisado), desfere um tapa em Bigode, após uma falta, tentando intimidá-lo, sem que o juiz intervenha.

Mas o selecionado brasileiro não deixa de atacar e de perder chances seguidas, as últimas com Jair, Zizinho e Chico. É quando o Uruguai fustiga novamente é Míguez, de fora da área, acerta o poste esquerdo da meta de Barbosa. 

O jogo, que a torcida previa ser fácil, com vitória de goleada, vai se afigurando como o autêntico clássico sul-americano que de fato é. Uma guerra na qual os entrincheirados inimigos resistem bravamente. Quando o juiz encerra a primeira etapa, os brasileiros já atacaram dezessete vezes, contra apenas cinco, do adversário.


Há alguma apreensão, mas, sobretudo a confiança num selecionado quase todo carioca, com nada menos do que oito titulares atuando aqui. A base é do meu Vascão, o “Expresso da Vitória”, vencedor do Sul-Americano de Campeões de 1948.

Pontualmente às 16h05min; recomeça o prélio. As equipes não têm mudanças, pois as substituições são proibidas. Pessoalmente, dói o coração ver o jovem Nilton Santos preterido na escalação: ele que joga o “fino” no Botafogo. Não sei se o Ely do Amparo ali atrás também não seria uma boa. Mas tenhamos fé, o time brasileiro é valoroso e nada há de dar errado.

Passamos do primeiro minuto da etapa complementar: Máspoli recebe um recuo de Júlio Pérez e chuta para longe. Augusto cabeceia o balão na direita, onde Andrade antecipa-se à Friaça. Só que Zizinho intercepta e aciona Ademir, próximo da área. Este rola na direita, para a lépida entrada de Friaça, que invade a grande área pelo lado direito, batendo cruzado, antes que Máspoli possa sair da meta, pra fechar o ângulo: 1×0!

Explode o “formigueiro humano” no Maracanã: rojões eclodem aos montes, enquanto os gritos de “Brasil, Brasil”, se sucedem: falta pouco para colocarmos as mãos na Taça Jules Rimet. Nós, que encaramos o desafio de sediar o Mundial num período de pós-guerra complicado para o mundo. Nós, que levantamos este gigante de cimento em menos de dois anos. Nós, que somos o único país a participar das quatro Copas até aqui realizadas. Nós, que por força do regulamento, jogamos por um empate e agora estamos na frente, em pleno começo de segundo tempo! Merecemos o título!

Mas o Uruguai não pensa assim: Obdúlio grita com a equipe, pede garra, pede alma.


Alucinado, cobra que cada um, dê um pouco mais de si, na cancha. Reclama de tudo e de todos. O público não compreende e passa a vaiá-lo por isso. Só que o inimigo, acordado pelos avisos de seu capitão, vem para cima. O duelo entre Ghiggia e Bigode se intensifica. Júlio Pérez se multiplica em campo. E as chances uruguaias vão surgindo, pois o jogo é lá e cá, com os brasileiros fazendo mais faltas inclusive, até aqui.

Eles não se entregam: brigam por todas as bolas e acabam sendo recompensados aos 20 minutos: Júlio Perez passa por Ademir e entrega a Obdúlio, que abre na direita para Ghiggia. Este vence Bigode na corrida e centra para Schiaffino, já na área, se antecipar a Juvenal e chutar de primeira, no alto. O couro bate na parte superior da rede, após vencer Barbosa. Tudo igual! E muito a contragosto, o responsável pelo placar manual altera o resultado no marcador do Maracanã para 1×1.

Silêncio sepulcral no “maior do mundo”. Dá para ouvir a comemoração dos rivais, gritando, se abraçando. A multidão se cala, pressentindo o pior. O medo se instala no coração de cada brasileiro. A perplexidade contamina até aqueles que a milhares de quilômetros acompanham o drama pelas ondas do rádio.

Incrédulo, o time se segura como pode; sente o baque. Parece agora antever uma tragédia não anunciada. Pela cabeça de muitos, os erros afloram: a mudança da concentração, os discursos políticos que não permitiram aos atletas se alimentarem direito, a interminável missa de duas horas em pé imposta pelo treinador, a euforia desmedida da imprensa e da torcida, pintando um Brasil campeão antecipado.

A dramaticidade vai ganhando contornos inigualáveis: Barbosa bate um tiro de meta e Obdúlio intercepta, entregando a Míguez, que passa para Júlio Pérez. Daí para Ghiggia na ponta, que vence Bigode e centra de novo para Schiaffino, mas este cabeceia para fora. Ufa! Barbosa repõe a bola, Tejera corta de cabeça, entregando-a para Obdúlio e daí, para Júlio Pérez. Mas Danilo neutraliza, passando a Ademir que tabela com Zizinho. “Mestre Ziza” lança Chico, que dá a Jair, invadindo a tumultuada grande área. O chute sai violento, Máspoli defende, mas solta e Ademir na corrida, atinge o goleiro, enquanto na confusão, Gambetta toca para trás, quase marcando contra. Que jogo, gente!

Aquela tensão absurda no campo é transmitida para todos nós, nas arquibancadas. As expressões nos rostos extenuados dos jogadores, o esforço do árbitro para manter a disciplina em campo e o sofrimento fica escancarado na face de cada torcedor presente.


São 33 minutos. Uma raivosa disputa de bola entre Jair, Tejera, Danilo e Júlio Perez, termina com a pelota nos pés de Míguez. Ele devolve para Júlio Perez, que mesmo marcado por Jair, descola um passe em profundidade para Ghiggia, o qual começa a correr pela direita, fechando em diagonal, com Bigode na sua escolta.

Instantaneamente, três uruguaios avançam na iminência de um novo centro. Ghiggia já deixou Bigode para trás, invade a área pela direita, mas está perdendo o ângulo e prepara-se para cruzar. Nosso arqueiro dá dois passos à frente, para tentar interceptar o cruzamento, ante a súbita aproximação dos adversários, que invadem a grande área, pelo meio. Juvenal vem chegando atrasado, no lance. Minha respiração trava, o coração congela e parece vir à boca.

É agora, meu Deus!

Gigghia, surpreendentemente, atira para o gol. Pega de mau jeito na bola, que mesmo assim, desgraçadamente, toma o rumo da meta brasileira. Vai entrar! Vamos perder! Não!!!

Então, Moacir Barbosa Nascimento salta para trás feito um gato e de ponta de dedos, toca na pelota, que raspa a trave e sai pela linha de fundo.

Uuuhhh! O som das arquibancadas, ecoando por todos os lados, por si só, já diz tudo: o susto abala muita gente no estádio e talvez tenha enfartado alguns torcedores pelo Brasil afora, agarrados a um rádio, nesse instante. Foi a maior chance uruguaia.

Imagino o que teria sido se essa bola entrasse e perdêssemos a final: Barbosa seria crucificado, massacrado e não só ele: todos os negros e mulatos envolvidos no lance fatal, também.


O maldito racismo disfarçadamente dando as caras de novo e o povo escolhendo seus “bodes expiatórios”. O dia 16 de julho seria taxado de o “Dia da Derrota” e essa história, jamais esquecida, até que seus protagonistas morressem, sem terem sido perdoados pela imprensa e pela torcida, num cruel e injusto julgamento. Por tudo isso e muito mais, ainda bem que essa bola não entrou…

O susto parece acordar a equipe brasileira, que agora passa a atacar bastante, mesmo que de maneira afoita. O Uruguai centraliza seus ataques em Gigghia, que às vezes deixa Bigode em maus lençóis. E o tempo vai passando.

De súbito, informam o público oficial da partida: 173.500 pagantes. Mas sabemos que as catracas acabaram sendo liberadas bem antes do jogo e que o público real superou 200 mil pessoas. É a maior plateia de um evento esportivo em todos os tempos.

O espetáculo vai terminando. No rádio de um torcedor próximo de mim, ouço que em São Paulo, a Suécia acaba de vencer a Espanha por 3×1 e de ficar com o terceiro lugar.

Aqui, instantes finais de uma agonia que parece interminável. Aflitos, os torcedores não ousam mais comemorar antes do fim, mesmo já estando bem próximo dele.

Um gol pode mudar a história desta Copa.

São 43 minutos; Matías González bate tiro de meta. Danilo intercepta e rola para Jair, que levanta para Chico, só que Gambetta é mais esperto: a pelota vai para Júlio Perez, que a entrega à Míguez. Deste, parte um lançamento para Ghiggia. O bandeirinha Mr. Ellis marca impedimento. Apesar disso, ele toca por cobertura diante de Barbosa, com o balão indo se perder pela linha de fundo. Mais um susto: que seja o último!

O Brasil desce para o ataque e Ademir desperdiça a chance de marcar, chutando fraco e para fora, após um centro de Friaça. Os nervos à flor da pele atrapalham demais nossa seleção, apesar da vantagem do empate. 

Já os torcedores não aguentam mais aquele suplício; muitos choram, enquanto outros pedem o fim da peleja. A maioria, no entanto, aguarda em silêncio, roendo as unhas.

A imagem do Cristo Redentor, com os braços abertos sobre a cidade me vem à cabeça e rezo com todas as minhas forças, pelo título agora tão próximo. Outros me seguem, numa emocionada oração.

O Brasil ataca com Zizinho, que cai na área e os uruguaios puxam novo contragolpe. Mas três deles estão impedidos. Juvenal cobra na área, Obdúlio rebate. Ademir recupera e lança Friaça, desarmado por Gambetta. Augusto apanha a sobra e devolve à Friaça que mesmo desequilibrado, centra. Gambetta põe a escanteio.


Atenção: pode ser o último lance da batalha! São 45 minutos do tempo derradeiro; Friaça cobra o córner, Jair sobe apoiando-se faltosamente em Máspoli que é encoberto, a bola vai sobrar limpa na área para Gambetta, mas o juiz, de costas para o lance, trila seu apito e encerra o calvário: o Brasil é campeão do mundooo!

Indescritível! O Maracanã parece que vai ruir: fogos estourando por todos os lados (dentro e fora do estádio), lenços sendo agitados, pessoas pulando, chorando de emoção, gritos, aplausos, sorrisos e abraços aliviados trocados por todos nós: enfim, somos campeões mundiais!

Jules Rimet aparece no gramado e entrega a Taça do Mundo ao capitão Augusto, que a repassa aos companheiros de equipe. Barbosa a abraça ternamente e abre um sorriso largo que ilumina aquele semblante imaculadamente negro. Ele, mais do que ninguém, merece todo nosso carinho, respeito e reconhecimento. Não resisto à cena e deixo as lágrimas rolarem pelo meu rosto. A emoção toma conta de mim.

Começa a “volta olímpica” pelo gramado, os jogadores seguidos por um batalhão de fotógrafos e repórteres. Não há quem não se emocione. Os uruguaios são aplaudidos pelo povo, que reconhece a bravura dos adversários, valorizando nossa conquista.


São 17h e o céu do Rio de Janeiro vai se iluminando cada vez mais pelo foguetório interminável, prenúncio de uma noite de intensas comemorações, com direito a muito samba. Fato testemunhado pelo capitão uruguaio Obdúlio Varela, que horas depois da decisão, percorre as ruas cariocas sem ser notado e sente sua tristeza pela derrota ser suplantada pela alegria que o título causou a aquele povo tão simples e simpático.

Mal sabe ele que a 750 quilômetros dali, numa cidade chamada Bauru, horas antes, o futuro já começaria a ser traçado, quando o jogador Dondinho, ao desligar o rádio após a decisão, chora de felicidade pelo título conquistado.

Intrigado, não entendendo direito o que se passa e pensando que o pai esteja triste de verdade, seu filho Edson, de apenas nove anos (futuro Pelé) lhe faz uma promessa.


– Não fique assim, papai. Quando eu crescer, vou ser jogador de futebol e ganhar uma Copa do Mundo pro senhor!

O que se passou depois disso? Prefiro deixar por conta da imaginação de todos vocês!

 A minha, usarei para recontar a “Tragédia do Sarriá” na Copa de 82, num próximo texto.

 Até lá, amigos!

QUEM ERA MÍOPE, AFINAL?

por André Felipe de Lima


Para muitos, João “Sem medo” Saldanha estava louco ou, no mínimo, no ápice de seu furor costumeiro, que oscilava entre um estilo docemente ranzinza e ações capazes de desferir um tiro. O ex-técnico Yustrich e o ex-goleiro Manga conheceram bem esse traço da personalidade de Saldanha. Mas a “loucura” que causou uma comoção nacional aconteceu durante as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970. Saldanha, então treinador do escrete canarinho, chamou de míope ninguém menos que Pelé, e publicamente e sem subterfúgios, como era sua característica. Papas na língua não eram do seu feitio. Sob o pragmatismo que lhe era comum, falava que Pelé tinha dificuldades para cabecear a bola e que enxergava mal à bola em jogos noturnos.

A notícia desencadeou uma comoção nacional. A imprensa se incumbiu disso. Saldanha tivera acesso aos exames oftalmológicos de Pelé, que acusaram graus de 2 no olho direito e de 2,5 no esquerdo. Os médicos se lixaram, afinal a miopia, especialmente no grau detectado no Rei, não lhe traria transtornos em campo. A prova disso é que Pelé foi em campo o que jamais outro será. João Havelange, que presidia a Confederação Brasileira de Desportos, a antiga CBD, não gostou do, digamos, excesso de sinceridade de Saldanha. Ambos iniciaram ali uma animosidade nos bastidores da seleção, que culminaria na saída do treinador, sobretudo após a interferência do então presidente da República, o ditador Emílio Garrastazu Médici, que impusera a convocação do centroavante Dario, despertando a ira do João “Sem medo”.

Zagallo, que ocupou o lugar de Saldanha em 70, sempre afirmou que a rusga entre Pelé e o então técnico começara numa preleção. O Rei questionara o esquema tático adotado no jogo contra os argentinos. Saldanha respeitou a opinião, mas conhecendo seu histórico é previsível o desfecho do “debate” com Pelé. Quando Zagallo assumiu (palavras do próprio Velho Lobo), Pelé pediu ao novo comandante para que não fosse mais sacaneado como vinha ocorrendo.


por André Felipe de Lima

“A miopia ficará pior. Há um ano, mais ou menos, percebi que Pelé já não enxergava direito. Isso explica suas más atuações no Santos e na própria seleção. Precisamos de muito mais do que meio jogador. E Pelé, como está, é meio jogador, pelo menos em partidas duras como as que teremos no México”, resmungara João nos jornais logo após sair da seleção. “Isso é golpe dele. Saldanha sabia que ia ser demitido e, por isso, me barrou, usando-me como uma espécie de ‘bode expiatório’. Ele sabe, há muito tempo, que tenho uma ligeira deficiência visual no olho direito. Desde 1958, quando participei de uma seleção pela primeira vez, essa minha miopia, que penso ser hereditária, é conhecida por todos que estão ligados ao futebol”, rebatia Pelé.

Muitas décadas depois do episódio Pelé voltaria a falar da miopia que tem desde a infância. Até aquele exame em 1969, ignorava o problema ocular. Não o incomodava. Afinal, o cara já batera a marca dos mil gols quando bateu boca com Saldanha. No Santos mesmo já haviam identificado a miopia. Ninguém deu bola para isso na Vila Belmiro. Somente Saldanha, pelo visto, encasquetou. Resultado: barrou Pelé e deflagrou a sua fritura no cargo.


A imagem do Rei no banco era inimaginável, mas Saldanha ousou desafiar as forças da natureza futebolística ao retirar Pelé do combate. Para muitos, uma infâmia. Resignado, o Rei sabiamente aceitou o banco (com reservas, claro), que, sabemos, seria repentina e indolor. Retomou a camisa dez que lhe é ternamente de direito, jogou uma barbaridade na Copa e trouxemos, em definitivo, para casa a “finada” Taça Jules Rimet, roubada na noite de 19 de dezembro de 1983 e, certamente, derretida. Mas essa é outra história. E, para encerrar o papo, Pelé terminou a carreira usando lentes de contato.